Justiça de transição

breve abordagem acerca do sétimo Princípio de Chicago e a democracia brasileira no que diz respeito ao exercício das atribuições dos órgãos policiais

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06/02/2020 às 23:25
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Notas

[2] Como parte das reformas políticas gerais sobre a prestação de contas e garantia da boa governança, os Estados-membros devem combater a corrupção, assegurando a transparência do financiamento, gestão institucional e programas de desenvolvimento relativos à justiça pós-conflito. As organizações internacionais devem servir de modelo para o combate à corrupção e para a transparência na prestação de contas (BASSIOUNI, 2007).

[3] O resultado da justiça pós-conflito é fruto de um processo complexo, multifacetado e interdisciplinar que vai além de uma análise formalmente legal que, não raras vezes, não suprem as necessidades das vítimas, podendo revelar sérias limitações dentro de um governo que enfraquece a fé da sociedade na legitimidade dos processos judiciais. Uma justiça socialmente coerente requer um processo penal em harmonia com ampla estratégia de responsabilização. A história recente mostrou que o reforço da responsabilização e a minimização da impunidade são elementos importantes para a construção de Estados democráticos pós-conflito. Também são essenciais ao estabelecimento do Estado de Direito, ao respeito dos direitos fundamentais e do sofrimento das vítimas, bem como a prevenção da reincidência de futuras violações (BASSIOUNI, 2007).

[4] Os sete Princípios de Chicago sobre Justiça pós-conflito podem ser apresentados da seguinte forma:

Princípio 1 - os Estados-Membros devem processar os supostos violadores dos direitos humanos e do direito humanitário.

Princípio 2 - os Estados devem respeitar o direito à verdade e investigações formais de violações passadas por comissões de verdade ou outros órgãos.

Princípio 3 - os Estados devem reconhecer o estatuto especial das vítimas, garantir o acesso à justiça e desenvolver soluções e reparações.

Princípio 4 - os Estados devem implementar políticas de sanções e medidas administrativas.

Princípio 5 - os Estados devem apoiar os programas oficiais e iniciativas para homenagear as vítimas, educar a sociedade sobre violência política do passado e preservar a memória histórica.

Princípio 6 - os Estados devem apoiar e respeitar os princípios tradicionais, indígenas e religiosas em relação às violações anteriores.

Princípio 7 – os Estados devem apoiar reforma institucional do Estado de Direito para restaurar confiança do público, promover os direitos fundamentais e de apoio boa governança.

[5] Deve haver cooperação entre os Estados no sentido de superarem violações de Direitos Humanos e viabilizar a governança. A reforma institucional deve passar pela reestruturação de setores ligados à segurança, justiça e efetivação de direitos fundamentais. É importante que haja consulta pública com ampla participação das vítimas, suas famílias e comunidades afetadas. O Estado e a sociedade, que também deve ser representada pelas minorias, especialmente aquelas vítimas de violações de direitos, devem se unir em apoio ao Estado de Direito, promovendo direitos fundamentais e restaurando a confiança. O desarmamento deve ser fomentado, com consequente desmobilização dos grupos armados e reintegração social (BASSIOUNI, 2007).

[6] “O Brasil passou, ao longo de sua história, por diversos períodos em que houve a prática sistemática e/ou generalizada de condutas que podem ser classificadas, contemporaneamente, como crimes contra a humanidade. Pode-se fazer referência à escravidão negra e, mais recente, ao período militar, que entre 1964 e 1985, foi responsável por um sem-número de perseguições e da prática de violações graves” (JAPIASSU; SOUZA, 2016, p. 207).

[7] No que diz respeito à Argentina, “a mudança do governo ditatorial para o democrático neste país se deu, consideravelmente, a partir de uma delicada conjugação entre militares e o novo regime. Antes de deixar o governo argentino, a liderança militar editou a Lei nº 22.924, que ficou conhecida como o decreto de auto-anistia. Ela determinou que fossem anistiados todos os delitos cometidos com motivação ou finalidade terrorista ou subversiva ocorridos entre 25 de maio de 1973 e 17 de junho de 1982” (JAPIASSU; MIGUENS, 2013, p. 28).

[8] “Em 19 de março de 1964, no centro de São Paulo, ocorreu a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que levou milhares de pessoas às ruas e cujos objetivos eram: uma mobilização pública contra o governo de João Goulart; e impedir o estabelecimento do comunismo. No dia 31 de março, tropas saídas de Minas Gerais e São Paulo avançaram sobre o Rio de Janeiro, local em que o governo federal contava com o apoio de setores importantes da oficialidade e das Forças Armadas. Para evitar a guerra civil, Goulart abandonou o país, refugiando-se no Uruguai.

No dia 1º de abril, o Congresso Nacional declarou a vacância da Presidência, tendo os comandantes militares assumido o poder. Em 9 de abril decretou-se o Ato Institucional Nº 1, que cassava mandatos e suspendia a imunidade parlamentar, a vitaliciedade dos magistrados, a estabilidade dos funcionários públicos e outros direitos constitucionais e que viria a ser o primeiro de uma série de atos. Em 15 de abril de 1964, o Congresso Nacional elegeu o general Castello Branco para a presidência da República.

O governo militar estendeu-se até a abertura política de 1985, e foi marcado por autoritarismo, supressão dos direitos constitucionais, perseguição policial e militar, prisão e tortura dos opositores e pela censura prévia aos meios de comunicação. Cinco militares assumiram a presidência do país, sucedendo-se ao longo de 21 anos.

O último presidente da ditadura militar foi o general João Baptista Figueiredo, em cujo governo foi sancionada a lei de anistia. A Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, concedeu anistia a todos aqueles que, no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, praticaram crimes políticos ou conexos. Ela nasceu com um caráter de indiscutível auto-anistia, uma vez que exclui do benefício aqueles que foram condenados pela prática de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal” (JAPIASSU; MIGUENS, 2013, p. 36).

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[9] Caracteriza-se pela responsabilização das violações ocorridas e pelo “estabelecimento de um Estado de Direito, o combate à impunidade e o fortalecimento de instituições democráticas” (JAPIASSU; MIGUENS, 2013, p. 24). Tem-se o “comprometimento com uma política internacional de paz, segurança e reconstrução nacional, bem como um movimento global de proteção dos direitos humanos” (JAPIASSU; MIGUENS, 2013, p. 24). “As experiências de transição vividas em determinadas localidades ou nações devem ser compartilhadas onde também se experimente processo semelhante” (JAPIASSU; MIGUENS, 2013, p. 24).

[10] A própria Resolução conjunta SEDS TJMG PGJ DPMG PMMG nº 184, de 25 de abril de 2014 tentou instituir no âmbito administrativo o protocolo de atuação operacional para registro e tramitação de procedimentos de natureza penal, abarcando o Termo Circunstanciado de Ocorrência, Auto de Prisão em Flagrante Delito e o Auto de Apreensão em Flagrante de Ato Infracional, entre outros.

[11] Contra essa resolução, o Parecer 01/2014 da Comissão de Prerrogativas do Sindepominas concluiu que “a Resolução nº 184/14, em que pese ser uma iniciativa que busca a concretude do princípio administrativo da eficiência, visando à economia de gastos dos cofres públicos, viola formal e materialmente a Constituição da República de 1988 e, como se não bastasse, transfere à Polícia Militar várias atribuições da Polícia Civil/Judiciária e, por fim, pretende retornar a esta última atividade há muito realizada pela SUAPI/SUASE e PMMG”. Nessa direção, foi sugerida, aos chefes dos órgãos subscritores da Resolução, a suspensão dos efeitos da medida (SINDEPOMINAS, 2017).

[12] Ementa: Processo Penal. Artigo 191 da Lei n. 22.257 de 27 de julho de 2016, do Estado de Minas Gerais que confere aos integrantes da polícia militar competência para lavrar termo circunstanciado. Vício formal. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre processo penal (artigo 22, inciso 1, da Constituição). A conclusão por sua invalidade formal não seria ilidida ainda que se considerasse que o dispositivo questionado trata de matéria concernente procedimentos em matéria processual (artigo 24, inciso XI e §§ 1° e 4°. da Carta). Violação ao artigo 144. §§ 4° e 5º da Lei Maior. Compete à polícia judiciária lavrar o termo circunstanciado de que cuida a Lei n° 9.099/1995. Precedentes. Manifestação pela procedência do pedido formulado pela requerente.

Sobre o autor
Eujecio Coutrim Lima Filho

Delegado de Polícia Civil no Estado de Minas Gerais. Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA, RJ). Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (UNESA, RJ). Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Estado da Bahia (UFBA, BA). Graduado em Direito pelo IESUS (BA). Professor de Direito Processual Penal na UNIFG (BA) e na FAVENORTE (MG). Professor nos cursos de pós-graduação da UNIFG/UNIGRAD (BA) e da ACADEPOL (MG). Ex-Advogado. Ex-Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Autor de obras jurídicas. Colunista do Canal Ciências Criminais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo publicado pela Revista dos Tribunais, Vol. 1012, fev./2020.

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