O juízo de habilitação da licitante deve ser rigoroso, em vista da possibilidade de se contratar empresa insatisfatória, e com isso gerar prejuízos e consequente responsabilização da Administração e seus agentes públicos, que poderá ser direta ou subsidiária. Afora a responsabilização da empresa cuja inaptidão a qualifica.
A responsabilidade direta da Administração na fase de planejamento da contratação – aqui sob o enfoque das licitações públicas - deriva de falhas ou mesmo da intenção dolosa constante nos itens e cláusulas do ato convocatório que poderão resultar prejuízos ao erário e às empresas interessadas em contratar com a Administração. Por outro lado, a responsabilidade direta pode derivar também da ausência de fiscalização e gestão eficiente do contrato Administrativo – aqui já na fase de execução contratual. Assim, a responsabilidade direta advém de ato da própria Administração, onde deve recair o juízo de imputabilidade.
Pode-se ventilar que a imperícia, imprudência, omissões e a ausência de técnica elaborativa do edital equivale à denominada responsabilidade extracontratual, pois a responsabilidade na feitura eficiente do ato convocatório encontra-se respaldada em lei e atos normativos. Quando há dolo, inserem-se os atos como delituosos, ímprobos, imorais, antiéticos, configurando também infração funcional.
A responsabilidade subsidiária diz respeito à responsabilidade de reserva, caso a responsável principal não arque com seus deveres e obrigações. Em regra, a Administração, nos contratos administrativos, responde subsidiariamente nas relações empregatícias entre a empresa terceirizada por ela contratada e seus funcionários, quando a gestão e fiscalização do contrato são deficitárias.
Em síntese, por isso que o edital de licitação deve detalhar os pormenores de como deseja como seja feita a proposta pelas licitantes, bem como pormenorizar os seus qualificativos, ou seja, os requisitos de habilitação para a execução satisfatória do contrato futuro pela licitante vencedora. É licitante aquela que tem ao menos presunção de aptidão numa análise de subsunção com as regras editalícias. As demais são aventureiras.
A ausência dos detalhes nas exigências editalícias ocasiona excesso de discricionariedade da Administração na escolha da melhor proposta. Não raramente essa liberdade é deliberada com o fito de promover o direcionamento da licitação, a fraude e a corrupção.
Deve-se ressaltar que a melhor proposta para a Administração Pública não é a de menor valor (apesar de ser mecanismo de julgamento das propostas), mas sim aquela cujo juízo de admissibilidade preveja eficiência e o atendimento finalístico do que se pretende – do que a Administração pretende com a contratação.
Contratar empresa inapta, baseada em edital defeituoso ou lacunoso, gera responsabilidade da Administração. No caso de se contratar em razão de defeito no ato convocatório a responsabilidade da Administração deve ser direta. Diferente, pois, da responsabilidade que ocorre pela má-gestão e fiscalização do contrato, pois os funcionários da empresa contratada pela Administração estão respaldados, inicialmente, por um vínculo trabalhista formal, que é subsidiária.
A Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho – que trata de vários temas relativos à terceirização, sua legitimidade e legalidade - dispõe, em tutela à primazia da realidade e dos direitos dos trabalhadores, que a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário.
Em verdade, nesta premissa deseja-se evitar fraude na relação contratual trabalhista, valendo-se a empresa contratante de empresa interposta para contratar, mas, no fundo, caracterizando todos os requisitos do contrato de trabalho, inclusive a subordinação em face dos empregados da terceirizada.
Posteriormente a súmula é bem clara ao enfatizar que quando a contratante é a Administração Pública não gerará vínculo empregatício, pois seria uma burla ao princípio constitucional do concurso público (inciso II do art. 37 da Constituição Federal). Efetivamente, como regra, não poderá haver subordinação dos empregados da empresa contratada em face dos agentes públicos. Todavia, algumas atividades, cujas atribuições, pela própria natureza demandam solicitações e pedidos de agente públicos, são ressalvadas. É o caso das atividades de apoio administrativo, como as secretárias, estivadores, dentre outras. São atividades auxiliares que demandam comando de agente público competente, mas que não caracteriza subordinação.
O Decreto nº 9.507, de 21 de setembro de 2018 – que dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação de serviços da Administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União – viabiliza a contratação de serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de atividades de planejamento, coordenação e controle, inclusive relacionados ao poder de polícia e de regulação, desde que sejam efetivamente instrumentais, ou seja, não haja transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos ou a tomada de decisões para o contratado. O final do período evita burla ao princípio do concurso público.
Além disso, o inciso IV do art. 7ª do Decreto em comento, veda a inclusão nos atos convocatórios e contratos administrativos de itens ou cláusulas que possibilitem a pessoalidade e a subordinação direta dos empregados da contratada aos gestores da contratante.
Por fim, o Decreto, no que se refere à fiscalização e gestão dos contratos administrativos assenta em seu art. 10, que a gestão e fiscalização da execução dos contratos compreendem um conjunto de ações que objetivam aferir o cumprimento dos resultados estabelecidos pela contratada; verificar a regularidade das obrigações previdenciárias, fiscais e trabalhistas (manutenção das condições de habilitação que podem ser acessadas no SICAF); prestar apoio à instrução processual e ao encaminhamento da documentação pertinente para a formalização dos procedimentos relativos à repactuação, reajuste, alteração, reequilíbrio, prorrogação, pagamento, aplicação de sanções, extinção dos contratos, com vistas a assegurar o cumprimento das cláusulas do contrato e a solução de problemas relacionados ao objeto.
Ressaltemos que a gestão e a fiscalização dos contratos administrativos competem ao gestor da execução auxiliado pela fiscalização técnica, administrativa, setorial e pelo público usuário e, se necessário, poderão ter auxílio de terceiro ou de empresa especializada, desde que justificada a necessidade de assistência especializada.
O art. 4º da Instrução Normativa nº 05, de 26 de maio de 2017 do Ministério do Planejamento (hoje, Ministério da Economia), que trata das diretrizes para a contratação de serviços terceirizados pela Administração Pública, determina que a prestação de serviços terceirizados não gera vínculo empregatício entre os empregados da contratada e a Administração, vedando-se qualquer relação entre estes que caracterize pessoalidade e subordinação direta.
Obsta-se relação de pessoalidade e subordinação, como regra, por isso ser vedada à Administração ou aos seus servidores praticar atos de ingerência na administração da contratada, tendo como exemplo, inclusive, possibilitar ou dar causa a atos de subordinação, vinculação hierárquica, prestação de contas, aplicação de sanção e supervisão direta sobre os empregados da contratada; exercer o poder de mando sobre os empregados da contratada, devendo reportar-se somente aos prepostos ou responsáveis por ela indicados, exceto quando o objeto da contratação previr a notificação direta para a execução das tarefas previamente descritas no contrato de prestação de serviços para a função específica, tais como nos serviços de recepção, apoio administrativo ou ao usuário; promover ou aceitar o desvio de funções dos trabalhadores da contratada, mediante a utilização destes em atividades distintas daquelas previstas no objeto da contratação e em relação à função específica para a qual o trabalhador foi contratado; conceder aos trabalhadores da contratada direitos típicos de servidores públicos, tais como recesso, ponto facultativo, dentre outros.
Alguns serviços contratados via terceirização, pela própria natureza, estão vinculados a ordens de autoridades públicas. Tal fato não descaracteriza a terceirização e nem possui o mesmo significado de subordinação. Esse tipo de atividade não pode desnaturar a relação entre a Administração e a contratada. Por isso, a Instrução Normativa a ela fez referência. Assim, poderá ser admitida a contratação de serviço de apoio administrativo, com a descrição no contrato de prestação de serviços para cada função específica das tarefas principais e essenciais a serem executadas, admitindo-se pela Administração, em relação à pessoa encarregada da função, a notificação direta para a execução das tarefas. Essa aparente relação de subordinação que permite que a autoridade se reporte ao funcionário da empresa é denominada “notificação direta”.
Percebamos que o inciso IV da Súmula 331 do TST faz expressa referência à responsabilidade subsidiária do tomador de serviços no caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada. Este inciso, ao nosso ver tem relação com contratos cíveis entre empresa tomadora do serviço e a prestadora.
O inciso V da Súmula que faz alusão a Administração Pública e sua responsabilidade subsidiária caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. º 8.666, de 21.06.1993. Em verdade, a responsabilidade não pode ficar restrita a culpa em sentido estrito. Condutas dolosas possuem maior potencialidade de responsabilização. A súmula condiciona a responsabilidade subsidiária à ausência de gestão e fiscalização do contrato, ou seja, a análise do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviços. Dessa forma, a responsabilidade subsidiária somente existirá – na gestão da execução contratual – por dolo ou culpa, “in elegendo” e “in vigilando”.
Antes de ventilarmos sobre essas modalidades de culpa presumida, importante destacarmos que, nos casos advindos de dolo na constituição do ato convocatório, com o intuito fraudulento, a responsabilidade será direta e, o servidor público competente responderá por infração funcional, crime, improbidade e reparação do dano ocasionado.
A culpa in vigilando é que decorre do dever de vigilância – no caso, de gestão ou fiscalização eficiente da execução do contrato. A nós, a culpa deve ter sentido amplo, abrangendo o dolo de má-gestão da execução do contrato com o fito de favorecer a empresa ou receber em troca vantagens. Portanto, não apenas ocorre por descuido do agente.
Na culpa in eligendo temos a escolha pela administração de funcionário errado, ou seja, sem conhecimento técnico para gerir ou fiscalizar a execução do contrato. O Código Civil, podemos nos valer da analogia, dispõe no inciso III do art. 932 que “são responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e preposto, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.
Assim, a Administração poderá responder diretamente ou de forma subsidiária. No primeiro caso citamos questões relativas a má formulação do edital, onde há presunção absoluta de conhecimento por parte do agente público de que saiba tecer o ato convocatório e suas nuances ou mesmo quando a má- gestão e a má fiscalização do contrato ocorrer por dolo, má-fé ou imoralidade. E, no caso subsidiário, a culpa em in vigilando e in eligendo.