Cancelamento de cirurgia gera dano moral?

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Por meio do presente artigo buscamos demonstrar quais os critérios que o Tribunal de Justiça de São Paulo vem utilizando para conceder ou não dano moral para os pacientes em razão de cancelamento de cirurgias.

Recentemente voltou a circular em grupos de WhatsApp de médicos e advogados uma notícia acerca de dano moral por cancelamento de cirurgia. Muitos profissionais ficaram alarmados e nos questionaram sobre a veracidade da notícia. A notícia é verdadeira, porém, o cancelamento de cirurgia não gera automaticamente direito à indenização por danos morais. Como a maior parte das questões no dia-a-dia jurídico, deve ser realizada uma análise caso a caso.

Para esclarecer o assunto, realizamos um exame da jurisprudência atual do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sobre o tema.

Em primeiro lugar, quanto à decisão mencionada na notícia veiculada[1], o caso se tratava do cancelamento de cirurgia de conização do colo do útero após a paciente já estar na sala de cirurgia e anestesiada. O cancelamento se deu em razão da falha de funcionamento do bisturi de alta frequência, fundamental para a realização do procedimento. Tendo em conta a submissão desnecessária a estresse pré-operatório, preparo cirúrgico, risco da anestesia, frustração pela não realização do procedimento e prolongamento do problema de saúde, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, em 2018, pela condenação do hospital a indenizar moralmente a paciente no valor de R$ 12.000,00.

Importante observar que o Tribunal entendeu que, ainda que a falha tenha sido diretamente do hospital, perante a paciente, esse não se exime de responsabilidade por falha do equipamento que utiliza, sendo que a sua relação com o fabricante dos equipamentos não atinge a relação que tem com a paciente, que é vista como consumidora nos tribunais do Brasil. Na relação de consumo, todos os que participaram da cadeia de fornecimento do serviço respondem igualmente por eventuais danos causados[2].

No mesmo sentido, o Tribunal entendeu, em 2019, que o cancelamento de uma cirurgia plástica no dia previsto para sua realização em razão de discussão entre médicos sobre a viabilidade do procedimento também gera direito à indenização por dano moral[3]. No caso, mesmo que o cirurgião plástico estivesse visando a segurança da paciente, o Tribunal entendeu que a paciente sofreu por angústia e expectativa exacerbadas, além de ter solicitado férias de emprego. O entendimento foi de que as discussões sobre os riscos cirúrgicos devem ser realizadas com regular antecedência. Mais uma vez se falou que a responsabilidade é de toda a cadeia de fornecedores, recaindo a condenação, no valor de R$ 8.000,00, no hospital e cirurgião plástico.

Por outro lado, no mesmo ano, o Tribunal analisado negou dano moral à uma paciente que teve uma cirurgia cancelada no dia marcado em razão de não autorização pelo plano de saúde, por confusão administrativa[4]. O Tribunal entendeu que mesmo que a cirurgia de fato não tenha sido realizada e não tenha sido comprovado de forma irrefutável que houve comunicação com antecedência à paciente, o transtorno não foi suficiente para caracterização de dano moral.

Do mesmo modo, em um caso recente[5] de cirurgia cancelada no dia anterior à data marcada sem que tenha ficado comprovado o real motivo do cancelamento pelo médico, tendo em vista se tratar de cirurgia eletiva e o fato do paciente não ter sequer se deslocado até o hospital para a realização do procedimento, ficaram afastados os danos morais na demanda, não sendo condenado o hospital e tampouco o médico.

Há também decisão de condenação em danos morais à clínica que não comunicou ao médico a nova data da cirurgia[6], fazendo com que o paciente chegasse ao local e o médico não estivesse lá para realizar o procedimento. Nesse caso, foi afastada a condenação do médico, mas não da clínica, condenada em R$ 15.000,00.

Ora, com a análise dos julgados acima, é notável que cada caso concreto leva à uma conclusão diferente dependendo das suas circunstâncias. Fato é que o cancelamento de cirurgia pode sim gerar obrigação de indenizar por danos morais, mas isso não significa que há uma regra absoluta.

Percebe-se que nos casos em que o paciente já está no centro cirúrgico, anestesiado e com expectativas na realização do procedimento é mais alto o risco de condenação. Por outro lado, nos casos em que há fundamento para cancelamento e ele é realizado com antecedência razoável o risco abaixa consideravelmente.

O importante é que os profissionais e as clínicas/hospitais informem, em consulta e por meio de consentimento livre e esclarecido devidamente explicado, os riscos de cancelamento do procedimento, principalmente por motivos que só podem ser descobertos em datas próximas, prezando sempre pela boa comunicação entre as partes. Quando há troca de informações com qualidade entre médico e paciente as chances de conflito sempre diminuem e a relação flui com confiança, mesmo quando surgem imprevistos desagradáveis para uma das partes.


Notas

[1] TJSP; Apelação Cível 1000471-24.2014.8.26.0223; Relator (a): Djalma Lofrano Filho; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro de Guarujá - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/03/2018; Data de Registro: 28/03/2018.

[2] Arts. 7.º, Parágrafo Único e 25, § 1.º, do Código do Consumidor.

[3] TJSP; Apelação Cível 1000099-44.2018.8.26.0576; Relator (a): César Peixoto; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/02/2019; Data de Registro: 05/02/2019.

[4] TJSP; Apelação Cível 1029954-47.2017.8.26.0562; Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/02/2019; Data de Registro: 22/02/2019.

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[5] TJSP; Apelação Cível 1002454-49.2015.8.26.0344; Relator (a): Grava Brazil; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Marília - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/05/2016; Data de Registro: 30/05/2016.

[6] TJSP; Apelação Cível 1090487-68.2015.8.26.0100; Relator (a): Milton Carvalho; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/07/2019; Data de Registro: 25/07/2019.

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Sobre as autoras
Ana Beatriz Nieto Martins

Advogada (OAB/SP 356.287), sócia no escritório Dantas & Martins Advogadas Associadas, voltado o atendimento de profissionais da saúde, realizando diagnóstico de riscos jurídicos e elaborando condutas preventivas que permitam uma atuação segura e tranquila.

Erika Evangelista Dantas

Advogada (OAB/SP 434.502), sócia do escritório de advocacia Dantas & Martins Advogadas Associadas, especializado em direito da saúde.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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