(In)visibilidade da alienação parental

17/02/2020 às 11:49
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O presente artigo foi alicerçado na Lei 12.318 /10 (Lei da Alienação Parental) que trata de aspectos jurídicos e psicológicos dos atos de alienação parental. São breves apontamentos e esclarecimentos acerca do tema proposto.

ALIENAÇÃO PARENTAL DA TRANSIÇÃO DO CÉU AO INFERNO

A alienação parental em um contexto familiar de conflito é similar aos juízes do Inferno Grego, Minos, Eaco e Radamanto. Pouquíssimo se sabe sobre a realização dos julgamentos, porém, o tribunal estava em um lugar chamado Campo da Verdade onde a mentira e nem a maledicência poderiam se aproximar.

Ocorre que equivalente aos juízes é a alienação parental, que são feitas conforme as funções dos personagens deste Tribunal. Radamanto, filho de Júpiter e da Europa adquiriu reputação de um príncipe justo, íntegro, entretanto severo, visto que suas decisões tinha o cunho não apenas de justiça, mas também de rigorosidade. Nesse caminhar, estamos diante da metáfora do alienante, pessoa pujante de moral e certeza que em suas palavras de segregação está sentado à porta dos Campos Elísios a conduzir a prole ao lugar de destino dos bem-aventurados com sua performance alienante e teatral.

Por conseguinte, Minos, filho de Zeus e da princesa Fenícia aparece como um juiz que ouve as confissões dos mortos e os designa a um local específico de acordo com a sua  falta ou violação informada a Minos. Por essa figura mitológica, visualizamos o alienado ( um dos responsável legal ), que em sua atenção às palavras proferidas, está a escutar os mortos, pessoas essas que após severo processo de alienação já perdeu todo o seu senso racional, intelectual e por um momento de inconsciência reproduz todo tipo de atrocidade internalizada pela solidificação do processo alienante que sofrera. Por ser responsável pelo juízo final, Minos no contexto da alienação busca a tutela jurisdicional para diminuir a consequências nefastas desse instituto jurídico danoso ao relacionamento entre pai (s) e filho (a).

CONCEITO DE ALIENAÇÃO PARENTAL

Alienação parental é um caso comum entre casais que se divorciaram e levados por motivos pessoais utilizam o filho para repudiar um dos pais. Tal fato se dá por motivos de conflitos familiares onde o maior interessado é o filho utilizado para praticar alienação como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro(a).

Nesse contexto, a vontade de um dos genitores é incutir na mente do filho um conceito negativo, pejorativo ou depreciativo do outro genitor. Nesse trilhar, oportuno trazer o conceito cunhado por Richard Gardner:

“Síndrome de Alienação Parental (SAP), também conhecida pela sigla em inglês PAS, é o termo proposto em 1985 para a situação em que a mãe ou o pai de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro genitor, criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação ao outro genitor.”

Em se tratando do tema proposto, nota-se que a casuística mais frequente no caso de alienação parental, se visualiza nas situações em que ocorre o fim da relação conjugal e com isso nasce o desejo de vingança. Em nosso Estado, Brasil, a alienação parental se caracteriza conforme nos ensina a lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Oportuno mencionar o conceito formulado pelo art.2º da Lei de Alienação Parental, senão vejamos:

“Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.”

Logo, percebe-se que a alienação parental esta conceituada na lei nº 12.318, em seu art. 2º, na qual nos adverte que o objetivo do alienante é trazer prejuízo ao bom relacionamento com o outro responsável da criança ou adolescente, causando graves danos psicológicos ao filho. Portanto, a alusiva legislação tem como objetivo tipificar e combater a alienação parental.  

FORMAS LEGAIS DE ALIENAÇÃO PARENTAL

Conforme exposto acima, a legislação regulamentadora da alienação, traz em seu bojo ações perpetradas pelo sujeito ativo. Na esteira desse raciocínio, importante demonstrar o rol exemplificativo previsto no parágrafo único do art.2º da lei nº 12.318:

“ Parágrafo único.  São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:  

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; 

II - dificultar o exercício da autoridade parental; 

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; 

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; 

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; 

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; 

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.”

Conforme visto, o rol é exemplificativo o que nos deixa claro que o sujeito ativo da alienação pode utilizar de outros meios, métodos e ações para realizar a conduta. Nesse contexto, a legislação pátria regulamenta os atos de alienação que pode ser praticados não somente pelos genitores, mas também por qualquer pessoa que tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância.  

O CONDUTOR DA ALIENAÇÃO

O genitor alienante usa de vários meios para conseguir se vingar, denegrir e ofender o outro genitor, usando como objeto da lide o próprio filho. Reforçando essa idéia tem-se as seguintes práticas de alienação: interferência nas visitas; ataque na relação entre filho e o outro genitor; denigre a imagem do outro genitor; exclui o outro genitor da vida dos filhos; emite falsas acusações de abuso sexual, uso de drogas e álcool; sugere à criança que o outro genitor é pessoa perigosa; muda de cidade ou dificulta a ida do outro genitor à casa da criança.

Nesse âmbito temos o acórdão do egrégio Tribunal de Justiça Rio Grande Do Sul, senão vejamos:

“GUARDA. SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL.

Havendo na postura da genitora indícios da presença da síndrome da alienação parental, o que pode comprometer a integridade psicológica da filha, atende melhor ao interesse da infante, mantê-la sob a guarda provisória da avó paterna. Negado provimento ao agravo.”

Neste jogo de manipulações todas as armas são válidas para levar ao descrédito do genitor, inclusive a assertiva de ter sido a filha vítima de abuso sexual, (o caso está sendo investigado). A genitora neste caso, instigou sua filha a “implantação de falsas memórias”, o que, segundo os estudos do psiquiatra americano Richard Gardner, trata-se de verdadeira campanha desmoralizadora do genitor, utilizando a filha como instrumento da agressividade direcionada ao outro genitor. 

A mãe, por decisão unânime do acórdão, perdeu a guarda da filha, mantendo com a avó paterna a tutela da menor, zelando por sua saúde física e psíquica.

Nessa mesma seara temos outro acórdão do egrégio do Tribunal de Justiça do Rio Grande Do Sul que prescreve: 

“APELAÇÃO CÍVEL. MÃE FALECIDA. GUARDA DISPUTADA PELO PAI E AVÓS MATERNOS.SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL DESENCADEADA PELOS AVÓS. DEFERIMENTO DA GUARDA AO PAI.

1. Não merece reparos a sentença que, após o falecimento da mãe, deferiu a guarda da criança ao pai, que demonstra reunir todas as condições necessárias para proporcionar a filha um ambiente familiar com amor e limites, necessários ao seu saudável crescimento.

2. A tentativa de invalidar a figura paterna, geradora da síndrome de alienação parental, só milita em desfavor da criança e pode ensejar, caso persista, suspensão das visitas ao avós, a ser postulada em processo próprio.

NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.”

É oportuno mencionar que a mãe nesse caso, faleceu em decorrência de um infarte e a guarda da menor ficou com os avós maternos, estes por sua vez não deixavam a aproximação do pai com a menina Victória, justificando que o mesmo nunca participou da vida da filha, renegando-a ainda na barriga, e na própria fala dos avós é “um pai irresponsável, desleixado, interesseiro, que quer demonstrar que tem força bastante para ganhar sua guarda “no braço”

Outro trecho do acórdão o Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR) dispõe : 

“Numa mistura de mágoa e rancor, os apelantes assumem a posição de vítimas, procuram responsabilizar o apelado pelas mortes do neto e da filha, sem se dar conta de que, com isso, permitem que esses sentimentos negativos embotem o amor que sentem pela neta, transferindo para ela o peso de ser o único consolo dos avós velhinhos, a única coisa que restou da mãe.”

Nota-se que sem perceberem os avós maternos reprimem a neta com toda a sorte de sentimentos negativos em face do pai. Victória está recebendo acompanhamento psicológico, Contudo, para que o tratamento seja realmente efetivo, imprescindível que também os avós se submetam a tratamento especializado, para que seu imenso amor pela neta reverta puramente em favor dela.

A CRIANÇA ALIENADA

As consequências da alienação para o menor é a incapacidade de amar o outro genitor, transmitindo todo o comportamento do alienante para a criança, apresentando um sentimento constante de raiva e ódio contra o genitor alienado e sua família. 

A criança que sofre com essa síndrome pode desencadear distúrbios psicológicos para toda a vida, apresentando quadros de depressão, ansiedade, pânico. Nas relações afetivas não consegue uma estabilidade na vida adulta, utiliza drogas e álcool como forma de aliviar a dor e culpa da alienação. Nos casos gravosos o cometimento do suicídio.

Existe uma frase do livro do Conde Drácula que fala que ‘o mal é uma porta que se abre por dentro’. Interessante e ao mesmo tempo chocante ver que a principal fonte do problema é o próprio de casa, da família, aquele que deveria dar a proteção, carinho, amor e sobretudo a saúde psicológica.

DIREITOS DA CRIANÇA

O filho é o maior afetado pela prática de alienação e consequentemente a vítima de tal entrevero. A alienação é perpetrada pelo genitor alienador, que tem como objetivo primordial alienar o filho contra o outro genitor. Nessa seara, é válido consignar que a criança possui o direito à convivência familiar, esta tem previsão legal no caput do artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que nos adverte que:

“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

Conforme expõe o alusivo dispositivo legal, mesmo que não existe mais relação entre o casal ou mesmo laços afetivos, necessários se faz preservar os direitos inerente à criança, visto ser dela o maior interesse em conviver com seus pais. Corroborando com o explicitado acima, nossa Carta da República traz em seu art. 227 o seguinte direito:

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“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” 

Notório a garantia expressada pela nossa legislação pátria e Carta Política em resguardar os direitos da criança. Absurdo é a retirada, a subtração, o furto e o afastamento da criança do convívio com o outro genitor, tal fato materializa a extirpação da referência do genitor segregado. Para melhor delinear os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, importante se faz expor os artigos 3° e 21 do diploma legal, senão vejamos:

“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.” 

Conforme delineado, a legislação de forma clara e coerente, se fez resguarda os direitos da criança e do adolescente. Logo, fica evidente que o jogo de retirar da vida da criança um dos genitores, viola os direitos inerentes à criança e traz diversas  consequências no psicológico.

A doutrina e a jurisprudência já tratavam da Alienação Parental muito antes da criação da lei, observando aí uma adequação normativa ao contexto social. Relevante é mencionar que os atos praticados pelo alienante muitas das veses é confundido com um excesso de cuidado, ou apenas rixa de pais separados, basta um simples olhar para as  relações familiares e interpessoais do pai/mãe separados, para notar que a alienação é um tema muitas vezes (in)visível, e os direitos da criança são suprimidos por falta de informação de pessoas próximas e até do próprio alienante.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Site da Presidência da República Federativa do Brasil.

BRASIL, Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Site da Presidência da República Federativa do Brasil. 

Gardner R. Parental Alienation Syndrome vs. Parental Alienation: Which Diagnosis Should Evaluators Use in Child-Custody Disputes?. American Journal of Family Therapy. March 2002;30(2):93-115.

TJRS. AGRAVO DE INSTRUMENTO, MBD Nº 70014814479 2006/CÍVEL. Relator Desa MARIA BERENICE DIAS. DJ 07/06/2006. SAP- Síndrome da alienação Parental. Disponível em: <http://www.alienacaoparental.com.br/jurisprudencia-sap>.

 TJRS. APELAÇÃO CÍVEL, LFBS Nº 70017390972 2006/CÍVEL. Relator DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS. DJ 13/06/2007. SAP - Síndrome da Alienação Parental. Disponível em: <http://www.alienacaoparental.com.br/jurisprudencia-sap>

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Sobre o autor
Ester Resende & Rafael Leite

Ester - Estudante de Direito pela FAMIG, cursando o 3º período Rafael - Formado em Direito pela Faculdade Arnaldo e Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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