ALGUMAS ANOTAÇÕES SOBRE OS CRIMES DE MOTIM E DE REVOLTA E A ILEGALIDADE DE GREVE DE POLICIAIS MILITARES

21/02/2020 às 08:21
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE FATO REAL E ATUAL E EXPLANA SOBRE OS CRIMES DE MOTIM E REVOLTA E SOBRE A ILEGALIDADE DA GREVE DE AGENTES DE SEGURANÇA.

ALGUMAS ANOTAÇÕES SOBRE OS CRIMES DE MOTIM E DE REVOLTA E A ILEGALIDADE DE GREVE DE POLICIAIS MILITARES

Rogério Tadeu Romano

I – O FATO

O motim de militares no Ceará nesta quarta-feira, dia 19 de fevereiro de 2020, quando o senador Cid Gomes (PDT-CE) foi baleado, aumentou a tensão entre governadores país afora. Há demandas de reajustes salariais em pelo menos outros sete estados. A atitude de Romeu Zema (Novo-MG), de dar aumento de 41,7% para policiais, mesmo com as contas quebradas, repercutiu mal entre colegas, que agora dizem estar mais pressionados. Para governadores, há ainda um agravante: as corporações têm se sentido mais fortes do que nunca sob Jair Bolsonaro.

A escalada de intimidações por parte da PM cearense, em movimento por vantagens salariais que mal disfarça seus métodos ilegais, já conta mais de dois meses —e não é fenômeno isolado no país.

Em seu artigo 142, a Constituição veda expressamente greves de militares, norma que o Supremo Tribunal Federal estendeu a todas as forças públicas de segurança. Os motivos escancaram-se a cada iniciativa paredista de profissionais armados, a contar com a tibieza, quando não o beneplácito, dos governantes.

A Folha, em editorial, no dia 21 de fevereiro do corrente ano, acentuou:

“O momento atual, porém, inspira preocupações maiores. A onda conservadora das eleições gerais de 2018 espalhou sargentos, majores e coronéis nos Legislativos e Executivos do país, além de alçar um capitão reformado do Exército ao posto máximo da República.

É notória a afinidade corporativista entre o presidente Jair Bolsonaro e as forças de defesa e segurança —refletida, por exemplo, em tratamento privilegiado na reforma da Previdência Social. O encorajamento do Planalto, aliás, não se limita a pleitos trabalhistas.

O abuso e a intimidação violenta devem ser contidos antes de ultrapassarem as divisas cearenses. Para tanto, o repúdio vigoroso da sociedade precisa despertar coragem e responsabilidade entre governantes e legisladores. Que negociem com altivez, zelem pelo Orçamento e punam os infratores.”

II – OS CRIMES DE MOTIM E DE REVOLTA

A matéria em discussão acentua a necessidade de apuração do fato em todas as suas circunstâncias, dentro do que determina o Código Penal Militar, no que concerne ao crime de motim e ainda ao crime de revolta.

Acentua o Código Penal militar em seu artigo 149:

Motim. Art. 149. Reunirem-se militares ou assemelhados: I – agindo contra a ordem recebida de superior, ou negando-se a cumpri-la; II – recusando obediência a superior, quando estejam agindo sem ordem ou praticando violência; III - assentindo em recusa conjunta de obediência, ou em resistência ou violência, em comum, contra superior; IV - ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, o utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito), com aumento de 1/3 (um terço) para os cabeças. Revolta. Parágrafo único. Se os agentes estavam armados: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, com aumento de 1/3 para os cabeças.

A diferença básica do crime de motim (artigo 149, caput do CPM) para o crime de revolta (artigo 149, paragrafo único[9], do CPM), é que no crime de revolta, os agentes por ocasião da  ordem recebida, encontram-se armados sendo o perigo oferecido por conta desta conduta rechaçada de um maior grau de reprovabilidade.

Para primeira modalidade do crime de motim  os militares dispõe a manifestação clara de não cumprir uma ordem recebida de superior hierárquico, é forma comissiva – agindo contra a ordem de superior (inciso I,1ª parte).

Na segunda modalidade, os subordinados permanecem estáticos quando recebem a ordem de superiores, nada fazem, é forma omissiva – negando-se a cumprí-la (inciso I, 2ª parte). Já na terceira modalidade os amotinados ao receberem a ordem de superior recusam-se a cumprí-la, por exemplo, trocar peças de fardamento para uma ação de policiamento tático, lembrando que nesta modalidade ocorre simultaneamente com estarem “agindo sem ordem” – recusando obediência a superior quando estejam agindo sem ordem (inciso II -1ª parte). Nas lições de Célio Lobão, o agir sem ordem ”significa qualquer comportamento diferente daquele que o militar deve ter em público ou lugar sob a administração militar”. Na quarta modalidade, que é a 2ª parte do inciso II – praticando violência, esta violência é de forma genérica, portanto, tanto faz se a violência é contra os próprios amotinados, contra bens móveis e imóveis (coisa) ou dirigida à terceiros, sendo que após individualizado a conduta do agente, este responderá cumulativamente com as penas de outros crimes que cometera (crime de dano, lesão corporal, etc).

No inciso III, 1ª parte – assentindo em recusa conjunta de obediência, agora a quinta modalidade, os agentes que estão amotinados conjuntamente aderem a ideia  de recusar em obedecer a ordem de superior hierárquico – resistência passiva. Na sexta modalidade (inciso III – 2ª parte) – ou em resistência ou violência, que é a resistência ativa. Na sétima modalidade, do mesmo Inciso, porém, na sua parte final – contra superior – que decorre da violência praticada contra o superior.

Para o Inciso IV – 1ª parte, tem-se  a oitava modalidade – ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar. O verbo é ocupar que é o mesmo que instalar-se, tomar conta, invadir, bens estes que estão sob a administração militar, de forma ilegal em detrimento a ordem superior ou da disciplina militar. E finalmente a nona modalidade de motim, que é a 2ª parte do mesmo inciso – utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar. Como o próprio verbo formaliza, há a utilização daqueles aparatos institucionais em detrimento da ordem e da disciplina militar.

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A revolta  é o  motim armado, sendo a existência de armas o único e essencial ponto de distinção entre os dois crimes.

Não será suficiente a mera reunião de militares, pois é preciso que os sujeitos ativos do crime ajam contra a ordem recebida de superior ou neguem o seu cumprimento. Assim a conduta envolva o fato de que os que praticam o crime agem em desfavor da ordem, fazendo o oposto do que lhes foi devidamente ordenado ou ainda criem obstáculos à execução. Há ainda conduta criminosa quando os agentes optam por deixar de cumprir a tarefa que lhes foi atribuída pelo superior hierárquico.

O motim é crime formal e de perigo.

Trata-se de crime de ação múltipla.

A disciplina militar é, segundo o art. 14, § 2º do Estatuto dos Militares, “a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes deste organismo”.

O motim é crime  militar próprio, em que o sujeito ativo é o militar.

Militar  é “qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar

Motim é um crime que só militares e seus assemelhados podem cometer.

O dolo, elemento do tipo, é o genérico, não existindo a modalidade culposa no motim.

Tanto o motim como a revolta são crimes que exigem ação penal pública incondicionada.

III – A ILEGALIDADE DA PARALISAÇÃO DE POLICIAIS MILITARES

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou entendimento no sentido de que é inconstitucional o exercício do direito de greve por parte de policiais civis e demais servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. A decisão foi tomada na manhã desta quarta-feira (5), no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 654432, com repercussão geral reconhecida.

A tese aprovada pelo STF para fins de repercussão geral aponta que “(1) o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. (2) É obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do artigo 165 do Código de Processo Civil, para vocalização dos interesses da categoria”.

Segundo o voto condutor, feito pelo ministro Alexandre de Moraes, o interesse público na manutenção da segurança e da paz social deve estar acima do interesse de determinadas categorias de servidores públicos. Os policiais civis, complementou, integram o braço armado do Estado, o que impede que façam greve.

“O Estado não faz greve. O Estado em greve é um Estado anárquico, e a Constituição não permite isso”, afirmou. Também votaram a favor da proibição da greve a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, e os ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Foram contrários à limitação ministros Edson Fachin (relator), Rosa Weber e Marco Aurélio.

A matéria foi objeto de discussão no ARE 654.432.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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