Inclusão dos deficientes no mercado de trabalho

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26/02/2020 às 14:54

Resumo:


  • A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um tema complexo e de grande relevância social, marcado por uma longa história de lutas contra discriminações e preconceitos.

  • Legislações como a Constituição Federal de 1988, a Lei de Cotas e o Estatuto da Pessoa com Deficiência estabelecem diretrizes para a promoção da igualdade e a proteção dos direitos das pessoas com deficiência, incluindo ações afirmativas e a reserva de vagas no mercado de trabalho.

  • Apesar dos avanços legislativos, ainda existem desafios para a efetiva inclusão desses indivíduos, com casos de descumprimento de cotas e discriminação no ambiente de trabalho, conforme demonstrado em decisões jurisprudenciais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os indivíduos com deficiência, enfrentam diversas dificuldades, além de serem incessantemente discriminados em razão das suas limitações, pois acredita-se que estes não conseguem cumprir com as atividades que lhes possam ser atribuídas.

1.INTRODUÇÃO

Os indivíduos com deficiência, enfrentam diversas dificuldades, além de serem incessantemente discriminados em razão das suas limitações, pois acredita-se que estes não conseguem cumprir com as atividades que lhes possam ser atribuídas, sendo de fundamental importância, salientar que tais pessoas necessitam de uma proteção específica.

Diante à relevância e complexidade do assunto em questão, estabeleceu-se como tema, inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, tendo como problema o seguinte questionamento: Como ocorre a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho?

A preocupação do Estado em garantir a igualdade de pessoas com algum tipo de deficiência – física ou mental, adquirida ou nata – não é novidade no direito brasileiro, já havendo previsão constitucional pela EC 12, de 17.10.1978 que adicionava um artigo único à Constituição de 1969 (a rigor, EC 1 à Constituição do Brasil de 1967), assegurando aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica, especialmente através de educação especial gratuita, assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do país, proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho bem como a possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos.[1]

O princípio da isonomia, torna-se fundamental nessas situações, tendo em vista que é a partir dele que pode se extrair a ideia mais pura de paridade, uma vez que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. Ressalta-se também que as diversas normas que garantem os direitos aos deficientes possuem cunho econômico, social e humano.

Tendo em vista o exposto acima, para solucionar a problemática exposta, faz-se necessário a elaboração de variados objetivos. Consistindo o objetivo geral em analisar as dificuldades enfrentadas pelos deficientes no mercado de trabalho, desdobrando-se em: conhecer a evolução histórica do reconhecimento dos Direitos em relação aos deficientes; analisar os direitos das pessoas com deficiência no sistema jurídico brasileiro e estudar a posição doutrinária e jurisprudencial.

Por conseguinte, tem-se as justificativas deste projeto com o intuito principal de demonstrar a importância de um tratamento de maneira isonômica, excluindo a concepção de que esses indivíduos são incapazes de serem inseridos no mercado de trabalho face às suas limitações, tendo em vista que na maioria dos casos não trata-se de deficiências que os impossibilitam de trabalhar, como por exemplo uma deficiência cognitiva grave. Tornando-se assim, de imperativa relevância para uma pesquisa acadêmica.

A justificativa jurídica que pode ser colocada em voga é o estudo das minorias, com destaque para os deficientes, onde as discriminações e exclusões podem ser vistas como uma forma opressiva, que causam traumas e geram insatisfações para tal grupo que é considerado como hipossuficiente e vulnerável. A proteção destes faz-se necessária tendo em vista que o Direito está em constante evolução, bem como não é aceitável dizer que por serem ‘diferentes’ não mereçam a proteção do Estado. Ademais, tais modificações e evoluções são importantes para o ordenamento jurídico, bem como para a sociedade como um todo.

O presente projeto, foi formatado dentro das normas do Manual de Metodologia Iles/Ulbra, com o escopo de demonstrar como ocorre a inclusão dos deficientes no mercado de trabalho e demonstrar os obstáculos que essas pessoas enfrentam. Pode-se perceber que houve predominância em pesquisas bibliográficas e doutrinárias, fortalecidas com opiniões de alguns estudiosos e juristas que elucidam a maneira e como esses indivíduos sofrem discriminação em alguns ambientes, principalmente em relação ao âmbito do trabalho, pois tem-se a ideia errônea que pessoas deficientes não conseguem executar as respectivas tarefas da maneira exigida.

Ademais, o setor de conhecimento é interdisciplinar, isto é, reúne variadas disciplinas em uma área do conhecimento, não se restringindo a apenas uma matéria jurídica, como por exemplo o Direito Civil e demais matérias correlacionadas a este, mas sim uma extensão ao Direito Constitucional e Trabalhista, com método de abordagem dedutivo o qual será proporcionado um entendimento que evidencie a necessidade da sociedade se adequar à realidade atual, esquecendo os pré-julgamentos feitos em relação aos deficientes. Insta reforçar que a natureza da pesquisa é qualitativa.

Outrossim, acerca dos capítulos do presente trabalho de conclusão de curso, cumpre destacar que o primeiro tratará da definição de pessoa com deficiência, bem como o histórico da evolução social em relação aos deficientes e avanços nas políticas públicas.

O segundo capítulo, aduz acerca da Convenção sobre as pessoas com deficiência, destacando a importância das ações afirmativas, os objetivos inerentes a esta e a relação com a Constituição Federal.

Dessa maneira, no terceiro capítulo há uma análise dos posicionamentos jurisprudenciais acerca da inclusão dos deficientes no mercado laboral.

2. CONCEPÇÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Conforme as evoluções sociais foram se consolidando, as definições acerca de deficiência também foram transformando-se. Ao longo do tempo, os termos utilizados para se referir aos deficientes mudaram diversas vezes. No final da década de 70, os movimentos sociais estavam em busca de novas terminações para designar as pessoas com deficiência, pois antes eles eram conhecidos como ‘excepcionais’ e ‘portadores’ de deficiência, sendo estes termos criticados e substituídos por ‘pessoas com necessidades especiais’.[2] 

Concernente ao conceito de pessoa com deficiência o Decreto 3.298/1999, sendo este o sucessor do Decreto 914/1993 que traz em seu artigo 4º, com a redação que lhe é dada pelo Decreto 5.296/2004, baseado no modelo médico, onde, ademais, tratava-se de um conceito fechado com o estabelecimento de um rol de impedimentos que implicariam no reconhecimento de alguém como pessoa com deficiência. Em síntese, se alguém apresentasse um dos impedimentos contidos no rol trazido pela norma seria reconhecido como pessoa com deficiência, ao passo que se não apresentasse nenhuma daquelas situações, ainda que tivesse outra perda ou anormalidade nas suas estruturas corporais (incluído a psíquica), não seria reconhecido como tal.[3]

A Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, com origem na Lei 7.853/89 e o regulamentado pelo Decreto Federal 1.680/95, exemplificam os distintos grupos de pessoas com deficiência: a) São portadores de deficiências físicas, em razão das dificuldades motoras; b) São portadoras de deficiências sensoriais, em razão de dificuldades visuais ou auditivas; c) São portadores de deficiência mental, em razão de dificuldades cognitivas.[4]

Cristiano Chaves[5] expõe um pouco sobre o significado de pessoas deficientes, e em razão destes precisarem de proteção especial e por serem vulneráveis, a Declaração dos Direitos da Pessoa com Deficiência em seu primeiro artigo, aduz que o termo pessoas deficientes, faz referência à qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência congênita ou adquirida.

 Atualmente, sabe-se que a deficiência é uma limitação que pode ser sensorial, mental, física ou cognitiva e em concordância com o artigo 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, podem ser considerados como deficientes aqueles indivíduos acometidos de impedimentos de longo prazo de natureza mental, intelectual, sensorial ou física o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.[6]

Ainda sob a égide dos ensinamentos de Cristiano Chaves, as barreiras supracitadas, podem ser caracterizadas como qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, distende-se em: barreiras urbanísticas que são aquelas existentes nas vias e espaços públicos abertos ao público ou de uso coletivo, como exemplo, pode citar as construções de calçadas desniveladas; barreiras arquitetônicas, existentes nos edifícios públicos e privados, p. ex. portas estreitas ou escadas;  barreiras nos transportes, são aquelas existentes nos sistemas de meios de transportes, isto é, faz-se necessário que haja assentos reservados para as pessoas com deficiência; barreiras nas comunicações e informação constitui-se como qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão de mensagens e informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação, pode-se usar como exemplo vídeos e imagens sem textos alternativos e/ou vídeos sem legenda e libras; barreiras atitudinais, são as atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência  em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, isto é, são as atitudes preconceituosas, como por exemplo, uma escola não permitir que um aluno com deficiência seja matriculado e por fim, barreiras tecnológicas, que são aquelas que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência à tecnologia.[7]

Todavia, apesar da sociedade ter evoluído consideravelmente, ainda existem alguns lugares em que esses indivíduos estão desprotegidos, assim como não são bem vistos em razão de suas limitações, o que consequentemente ocasiona uma rejeição social, que os fazem sentirem-se menosprezados e esquecidos pelo Estado, que deveria ser o propulsor de políticas e ações para a proteção destes.

2.1 HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO SOCIAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL

No período colonial, o Brasil era um país etilista, nesta época, assuntos que abarcavam temas como o da inclusão de pessoas deficientes não eram importantes, o que dificultava grandemente o avanço em assuntos relacionados às diferenças. A família dos deficientes os prendia em suas casas, Hospitais, Santas Casas ou até mesmo em prisões. Apenas no século XIX é que ocorreram as primeiras ações para atender as pessoas com deficiência[8].

Em 1841, com o Decreto nº 82, fora determinado a criação do primeiro hospital para alienados, sendo este o Hospício Dom Pedro II, interligado à Santa Casa de Misericórdia no Rio de Janeiro, com início do funcionamento em 1852. No século XIX, havia apenas ações voltadas para a educação dos surdos e cegos e em 1854, foi criado o Instituto de Meninos Cegos e posteriormente em 1856, o Instituto dos Surdos-Mudos. Ressalta-se que esses Institutos evoluíram e perduram até a atualidade com os nomes de Instituto Benjamim Constant e Instituto Nacional dos Surdos, ambos localizados no Rio de Janeiro. [9]

Os deficientes há longos anos vêm lutando continuamente para conseguirem visibilidade na sociedade brasileira, entretanto, apesar de serem protagonistas de variados movimentos sociais no país e terem contribuído admiravelmente na luta pelos Direitos Humanos, despertaram pouco interesse nos estudos realizados pelos historiadores.

As pessoas com deficiência conquistaram espaço e visibilidade na sociedade brasileira nas últimas décadas. Na literatura acadêmica, há estudos na área da psicologia, da educação e da saúde que se configuram como tradicionais áreas do conhecimento que se interessam pelo tema. Entretanto, esse grupo de pessoas pouco interesse despertou nos historiadores e se encontram à margem dos estudos históricos e sociológicos sobre os movimentos sociais no Brasil, apesar de serem atores que empreenderam, desde o final da década de 1970, e ainda empreendem intensa luta por cidadania e respeito aos Direitos Humanos.[10]

Houve uma busca de reconhecimento por parte dos indivíduos marginalizados e discriminados pela sociedade, como por exemplo: as mulheres, os trabalhadores, homossexuais e os deficientes. Estes indivíduos conseguiram marcar a ascensão desses grupos excluídos, bem como auxiliaram consideravelmente na democratização do país, em virtude de que antigamente não tinham voz e nem espaço, pois os assuntos relacionados a eles eram muito restritos. Cumpre salientar, que estes também promoveram uma maior participação política na busca pela igualdade e melhoria de condições. Em relação aos deficientes, a opressão social manifestava-se de diferentes formas, mas principalmente havendo restrição dos direitos civis, v.g. A família e as instituições é quem decidiam por eles, isto é, não havia espaço para participação e tomada de decisões por parte dos deficientes.   

A busca pelo reconhecimento de direitos por parte de grupos considerados marginalizados ou discriminados marcou a emergência de um conjunto variado e rico de atores sociais nas disputas políticas. Assim como as pessoas com deficiência, os trabalhadores, as mulheres, os negros, os homossexuais, dentre outros com organizações próprias, reivindicavam espaços de participação e direitos. Eram protagonistas do processo de redemocratização pelo qual passava a sociedade brasileira. Ao promoverem a progressiva ampliação da participação política no momento em que essa era ainda muito restrita, a atuação desses grupos deu novo significado à democracia.[11]

Conforme supracitado, os indivíduos com deficiência não possuíam autonomia para tomarem suas próprias decisões, porém ao final da década de 1970 é que surgiram os movimentos destas pessoas, onde foram atores principais que protagonizaram suas lutas e buscaram ser agentes da própria história.[12]  Impende salientar que, anteriormente na sociedade não haviam políticas públicas voltadas para estes assuntos, tal como essas pessoas eram vistas com olhar de pena, como se necessitassem de caridades ou esmolas e não como criaturas que apesar de terem limitações eram capazes de desempenhar atividades que os vistos como ‘normais’ também exerciam. Entretanto, estes últimos não entendiam que a deficiência física não afeta a cognição e a capacidade na execução dos serviços pelos deficientes. 

No século XIX, na América Latina, o Brasil criou duas escolas para pessoas com deficiência, sendo elas: O Imperial Instituto dos Meninos Cegos e o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos:

Anteriormente à década de 1970, as ações voltadas para as pessoas com deficiência concentraram-se na educação e em obras caritativas e assistencialistas. Durante o século XIX, de forma pioneira na América Latina, o Estado brasileiro criou duas escolas para pessoas com deficiência: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos e o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos.[13]

No século XX, entre poucas ações do Estado, a sociedade civil constituiu as próprias iniciativas, como as Sociedades Pestalozzi e as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), voltadas para a assistência de pessoas com deficiência intelectual (atendimento educacional, médico, psicológico e de apoio à família); e os centros de reabilitação, como a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR) e a Associação de Assistência à Criança Defeituosa – (AACD), voltados primeiramente para as vítimas de epidemia de poliomielite. O movimento surgido no final da década de 70 buscou a reconfiguração de forças nas áreas públicas, onde as pessoas com deficiência despontavam como agentes políticos.[14]  Percebe-se que após as lutas travadas e os obstáculos enfrentados em busca de reconhecimento e visibilidade, o cenário ao qual os deficientes estavam, foi se modificando positivamente.

Em 1980, no continente Sul Americano, surgiram algumas Constituições que positivavam acerca dos direitos dos deficientes, entretanto, tais positivações não expandiam o assunto conforme o grau de importância que deveria ser conferido. Após a derrubada das ditaduras e as novas Cartas que entraram em vigor, as Constituições sul americanas utilizaram-se de modelos internacionais de Direitos Humanos, a exemplo das Constituições Progressistas de Portugal e Espanha datadas da década de 1970.[15] Com a queda do regime militar, os movimentos sociais foram ganhando cada vez mais notoriedade, tendo em vista que, antes desse declínio o autoritarismo os tornava silentes, pois não havia liberdade para manifestações.

Ademais, cumpre frisar que, conforme o exposto acima, tais movimentos sociais não foram em vão, pois refletiram por exemplo na promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo esta a mais popular do Brasil, utilizando-se de formas autênticas e legítimas de participação da população. Os novos movimentos sociais, dentre os quais o movimento político das pessoas com deficiência, saíram do anonimato e, na esteira da abertura política, uniram esforços, formaram novas organizações, articularam-se nacionalmente, criaram 37 estratégias de luta para reivindicar igualdade de oportunidades e garantias de direitos. Outro fator relevante foi a decisão da ONU de proclamar 1981 como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD), sob o tema “Participação Plena e Igualdade”. O advento do AIPD colocou as pessoas com deficiência no centro das discussões, no mundo e no Brasil. [16]

2.2 INCLUSÃO DOS DEFICIENTES E O AVANÇO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS COMO EXERCÍCIO DA CIDADANIA

Embora a sociedade esteja em constante evolução, ainda há muita dificuldade na maneira como as pessoas deficientes são tratadas. A palavra-chave no âmbito das questões relacionadas aos deficientes é a tolerância, porém quando se refere à esta, logo vem em mente assuntos atinentes aos problemas de convivência, de crenças sejam elas religiosas ou políticas. Entretanto, na lição de Bobbio, pode-se perceber que além de tal termo ser utilizado para divergências religiosas e políticas, ele é fundamental nas questões que abarcam os deficientes, em razão de ser um termo generalizado para minorias:

O conceito de tolerância é generalizado para o problema da convivência das minorias étnicas, linguísticas, raciais, para os que são chamados de “diferentes”, como por exemplo, os loucos, deficientes e homossexuais.[17]

No entanto, o sentido de tolerância para questões relacionadas a assuntos políticos e para os deficientes são opostos, tendo em vista que em questões políticas discute-se muito quem está falando a verdade e a outra é no sentido de uma discriminação que perdura durante gerações:

são diferentes as razões das duas formas de intolerância. A primeira deriva da convicção de possuir a verdade; a segunda deriva de um preconceito, entendido como uma opinião ou conjunto de opiniões que são acolhidas de modo acrítico passivo pela tradição, pelo costume ou por uma autoridade cujos ditames são aceitos sem discussão.[18]

Sob essa égide, pode-se dizer que Bobbio aponta historicamente o tema da tolerância como sendo de compatibilidade teórica e prática de verdades contrapostas, atualmente trata-se de conviver com o que é diferente, sendo assim, mostra-se que a intolerância ao que é diferente e diverso, deriva do preconceito.

Segundo o conceito de Norberto Bobbio e da Declaração Universal cumpre salientar que os todos os homens nascem iguais na liberdade, sendo assim, deve ser excluído todo o tipo de descriminação fundadas em diferenças específicas:

Os direitos de liberdade evoluem paralelamente ao princípio do tratamento igual. Com relação aos direitos de liberdade, vale o princípio de que os homens são iguais. No estado de natureza de Locke, que foi o grande inspirador das Declarações de Direitos do Homem, os homens são todos iguais, onde por “igualdade” se entende que são iguais no gozo da liberdade, no sentido de que nenhum indivíduo pode ter mais liberdade do que outro. Esse tipo de igualdade é o que aparece enunciado, por exemplo, no art. 1º da Declaração Universal, na afirmação de que “todos os homens nascem iguais em liberdade e direitos”, afirmação cujo significado é que todos os homens nascem iguais na liberdade, no duplo sentido da expressão: “os homens têm igual direito à liberdade”, “os homens têm direito a uma igual liberdade”. São todas formulações do mesmo princípio, segundo o qual deve ser excluída toda discriminação fundada em diferenças específicas entre homem e homem, entre grupos e grupos, como se lê no art. 3º da Constituição italiana, o qual, depois de ter dito que os homens têm “igual dignidade social” — acrescenta, especificando e precisando, que são iguais diante da lei, sem distinção de sexo, de raça, de língua, de religião, de opinião política, de condições pessoais ou sociais.[19]

Percebe-se que a todo momento é muito frisada a questão da tolerância e igualdade, isso pode ser visto como um reflexo negativo social. No entanto, ao mesmo passo que é um aspecto negativo, tendo em vista as discriminações e preconceitos, torna-se importante, pois suscita nas pessoas que importam com o assunto e também nos próprios deficientes físicos  a vontade de exigir mudanças nas leis, a inclusão de maneira mais completa e a efetivação dos direitos que lhes cabem.

Flávia Piovesan aduz que a história da construção dos direitos humanos das pessoas com deficiência compreende quatro fases:

Uma fase de intolerância em relação às pessoas com deficiência, em que a deficiência simbolizava impureza, pecados, ou mesmo, castigo divino; b) uma fase marcada pela indivisibilidade das pessoas com deficiência; c) uma terceira fase orientada por uma ótica assistencialista, pautada na perspectiva médica e biológica de que a deficiência era uma “doença a ser curada”, sendo o foco centrado no indivíduo “portador de enfermidade”; e d) finalmente uma quarta fase orientada pelo paradigma dos direitos humanos, em que emergem os direitos à inclusão social, com ênfase na relação da pessoa com deficiência e do meio em que ela se insere, bem como na necessidade de eliminar obstáculos e barreiras superáveis, sejam elas culturais, físicas ou sociais, que impeçam o pleno exercício de direitos humanos. Isto é, nessa quarta fase, o problema passa a ser a relação do indivíduo e do meio, este assumido como uma construção coletiva. Nesse sentido, esta mudança paradigmática aponta aos deveres do Estado para remover e eliminar os obstáculos que impeçam o pleno exercício de direitos das pessoas com deficiência, viabilizando o desenvolvimento de suas potencialidades, com autonomia e participação. De “objeto” de políticas assistencialistas e de tratamentos médicos, as pessoas com deficiência passam a ser concebidas como verdadeiros sujeitos, titulares de direitos.[20]

O que se pode entender com essa construção histórica acima citada, é que a mudança que ocorre responsabiliza o Estado com deveres de remover os obstáculos que impedem a inclusão dessas pessoas. Deve-se haver um meio viável para que haja um desenvolvimento do potencial destes, visando principalmente a autonomia no momento de desempenhar as funções que forem de suas competências.  Outro fator extremamente relevante é o objeto que pode ser usado para efetivação dos direitos, conforme preleciona Flávia Piovesan:

Esta mudança paradigmática aponta aos deveres do Estado para remover e eliminar os obstáculos que impeçam o pleno exercício de direitos das pessoas com deficiência, viabilizando o desenvolvimento de suas potencialidades, com autonomia e participação. De “objeto” de políticas assistencialistas e de tratamentos médicos, as pessoas com deficiência passam a ser concebidas como verdadeiros sujeitos, titulares de direitos.[21]

A deficiência é assunto que traz consigo um fardo do preconceito, da exclusão, invisibilidade e rejeição social. As pessoas deficientes tiveram inúmeros tratamentos ao longo da história. Sendo assim, não se trata do conceito abstrato, mas de como a pessoa com deficiência é vista e inclusa dentro da realidade social. A forma com a qual era entendida a deficiência e as causas de sua existência que possuem influência direta em relação a aceitação e participação destas pessoas na sociedade.

Desde os primórdios, os deficientes sempre foram discriminados e excluídos, eram vistos como seres indignos de estarem em convívio social e em sua maioria viviam confinados em Hospitais, prisões ou eram abatidos. Para que estes tivessem os seus direitos efetivados, houve um caminho longo percorrido e mesmo após estas mudanças ainda há muito a ser conquistado.

A inclusão social e a não discriminação são temas intrínsecos dos Direitos Humanos e que representam o respeito à diversidade, bem como a aceitação dessas pessoas, que embora possuam suas limitações, são igualmente capazes em relação às pessoas consideradas como ‘normais’. Para que ocorra a redução de discriminação e a inclusão das pessoas com deficiência, faz-se necessário a implementação de políticas públicas na sociedade, tendo em vista que esta promove uma maior conscientização da população:

Ao longo da última década, o movimento de inclusão das pessoas com deficiência ganhou importância no Brasil, repercutindo em avanços sociais para todos. Ter os vários grupos de pessoas com deficiência na linha de frente das reivindicações políticas foi um marco decisivo na história desse movimento. Com o lema: “nada sobre nós sem nós”, a defesa dos interesses políticos dos grupos que representam as pessoas com deficiência conseguiu, ao longo dos últimos anos, ampliar o seu

espaço também no cenário político nacional.[22]

O Brasil avançou significativamente na promoção dos direitos das pessoas com deficiência através das políticas públicas que possuem o condão de valorizar a pessoa como cidadã, respeitando suas características e especificidades. A garantia e ampliação da participação na sociedade brasileira foi materializada através das Conferências Nacionais sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, nos anos de 2006 e 2008:

A ordenação de ações políticas e econômicas deve garantir a universalização de políticas sociais e o respeito às diversidades, sejam elas étnico-raciais, geracionais, de

gênero, de deficiência ou de qualquer outra natureza. O esforço de garantir e ampliar a participação da sociedade brasileira nas decisões governamentais acerca das pessoas com deficiência foi materializado na realização de duas Conferências Nacionais sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, nos anos de 2006 e 2008.[23]

Os Conselhos de pessoas com deficiência, desempenharam um papel primordial, pois através destes é que foram definidos os caminhos da Política Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência no país. A deficiência é um fenômeno global, constantemente associado à pobreza, com impactos políticos, econômicos, culturais e sociais e implicações para a sociedade como um todo. Segundo a Organização das Nações Unidas, estima-se que 15,3% da população mundial (aproximadamente 978 milhões de pessoas dos estimados 6,4 bilhões de habitantes em 2004) possuíam ‘deficiências graves ou moderadas’, enquanto 2,9% ou cerca de 185 milhões, enfrentavam deficiências graves. Segundo dados do Censo IBGE 2010, há no Brasil cerca de milhões de pessoas com deficiência, o que corresponde a 23,92% da população brasileira.[24]

A I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, aconteceu em 2006 e representou um grande marco histórico, político e social. A promoção desta foi realizada pelo CONADE – Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência. O tema principal foi: “Acessibilidade você também tem compromisso”. Com o escopo de analisar os obstáculos e avanços da Política Nacional.

A I Conferência teve como objetivos específicos: Sensibilizar os governos federal, estaduais e municipais para as questões referentes à pessoa com deficiência; Impulsionar a inclusão qualificada da pessoa com deficiência no processo de desenvolvimento do país; Oportunizar a visibilidade da situação que se encontram as políticas públicas para as pessoas com deficiência; Estimular o fortalecimento do controle social em âmbito estadual e municipal; Estimular a tomada de medidas necessárias para impulsionar o cumprimento da legislação vigente.[25]

Após dois anos, houve a realização da II Conferência, onde o tema era: “Inclusão, Participação e Desenvolvimento – um novo jeito de avançar”, o objetivo era possibilitar que a população tomasse conhecimento das ações contidas no programa e que pudessem colaborar dando sugestões para aprimorar as propostas que foram apresentadas.

Embora a II Conferência Nacional não tivesse o caráter inovador da I Conferência, sua realização foi de extrema importância para a consolidação do processo participativo de construção de políticas públicas para a população com deficiência, reunindo novamente, após dois anos, governo e sociedade civil para debater as diretrizes da Política Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência, já sob a égide da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU.

O Brasil avançou na elaboração e na execução das políticas públicas para as pessoas com deficiência de acordo com as diretrizes colhidas nas Conferências Nacionais. Grande parte das propostas advindas da II Conferência Nacional foi atendida pelo Plano Viver sem Limite e outras ações, sendo o principal objetivo do referido plano a criação de serviços de habilitação e reabilitação, com o implemento de 45 novos Centros Especializados de Reabilitação (CER) para ampliar a qualidade dos serviços de saúdes prestados às pessoas com deficiência, bem como a qualificação dos serviços já existentes.[26]

Outro fator primordial a ser enfatizado, é que além de melhorias nos setores da saúde com a criação dos Centros de Especializações, também foi proporcionado na área da educação melhorias não só nas redes de ensino públicas, como também nas redes privadas de ensino,  a necessidade de profissionais capacitados para lidarem com alunos deficientes, estando disposto no artigo 3º, inciso XIII do Estatuto da Pessoa com Deficiência, conforme verifica-se a seguir:

XIII- profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas.[27]

Sabe-se que a implementação de políticas públicas é um reflexo do princípio da isonomia, onde o Estado é o principal responsável para assegurar medidas que permitam a efetivação dos direitos conferidos aos deficientes, conforme preleciona Cristiano Chaves e Rogério Cunha:

Por vezes, a implantação do princípio da isonomia ou igualdade exigirá, dos entes

legitimados para tanto, a adoção de medidas que visem à efetivação dos direitos assegurados na Constituição. A isso se dá o nome de ações afirmativas, isto é, quando o Estado, objetivando compensar os desequilíbrios, cria mecanismos em prol de um grupo de pessoas, visando compensar desigualdades históricas, ainda que conferindo um tratamento diferenciado a eles, quando comparados aos demais. Para ficarmos com dois exemplos singelos: homens e mulheres são iguais perante a lei, todavia, o tempo de aposentadoria para esta última é reduzido, sob o argumento de sua menor capacidade física (em conceito, é verdade, que atualmente tem sido objeto de revisão). Todos possuem o direito de estacionar seus veículos, por exemplo, num shopping center. Mas ao deficiente (e mesmo às mulheres em estado de gestação e idosos em geral), são destinados locais especiais, mais próximos das entradas, de forma que não lhes imponham um deslocamento excessivo, mais penoso em face de sua menor capacidade física. Ninguém dirá que esse privilégio atenta ao princípio da igualdade. Ao contrário, o objetivo é desigualar para, ao final, igualar. A mera igualdade formal ("todos são iguais perante a lei"), não representa a verdade, quando considerados aspectos históricos, econômicos e pessoais do indivíduo. A real igualdade, a atender o princípio constitucional, reclama a adoção de medidas concretas- ainda que transitórias e destinadas exclusivamente a determinados grupos- objetivando corrigir distorções seculares ou mesmo contingenciais. Só assim se compensam as desigualdades, garantindo-se a concreta isonomia.[28]

Sendo assim, o intuito da integração social sempre foi trazer às atividades os indivíduos deficientes que conseguissem se enquadrar no trabalho num padrão de eficiência esperado, a partir de que tornarem-se aptos a vencer os obstáculos físicos e sistemáticos. Via de regra, representa uma diligência da parte dos indivíduos deficientes, ao lado de seus parceiros, no caso, familiares, entidades específicas, organizações de defesa de direitos.[29]

Em suma, percebe-se que houve transformações significativas e importantes, compreende-se que o Estado deve promover meios para a garantia da efetivação dos direitos desses indivíduos, onde os deficientes devem ser protegidos de todas as formas negligência, discriminações, torturas e tratamentos afins. Ainda nas palavras de Cristiano Chaves, tal proteção não deve ser apenas para os deficientes, como para todos os seres humanos, no entanto, dada a sua condição pessoal, estando estes mais vulneráveis a tais violências, o legislador preferiu enfatizar essa questão. Isto é, faz-se necessário que sejam tomadas medidas imediatas, eficazes e apropriadas para promover na sociedade o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência, com intuito de gerar, inclusive nas famílias, o conhecimento sobre suas reais condições, para romper essa ‘invisibilidade’ e poder assumir o controle de suas vidas.[30]

2.3 CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Em 13 de dezembro de 2006, a ONU adotou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, nos moldes da resolução geral 61/106. Isso eclodiu como resposta da Comunidade Internacional, em razão da discriminação constante e da desumanização das pessoas com deficiência. Ressaltando que é um meio muito importante para a descaracterização negativa da deficiência.

Em 13 de dezembro de 2006, foi adotada pela ONU a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, nos termos da Resolução da Assembleia Geral n. 61/106. A Convenção entrou em vigor em 3 de maio de 2008, mediante o depósito do vigésimo instrumento de ratificação, em conformidade com o artigo 45 do texto. A Convenção surge como resposta da comunidade internacional à longa história de discriminação, exclusão e desumanização das pessoas com deficiência. inovadora em muitos aspectos, tendo sido o tratado de direitos humanos mais rapidamente negociado e o primeiro do século XXI. Incorpora uma mudança de perspectiva, sendo

um relevante instrumento para a alteração da percepção da deficiência, reconhecendo que todas as pessoas devem ter a oportunidade de alcançar de forma plena o seu potencial.[31]

Percebe-se que, mesmo a passos lentos, através das manifestações e evoluções sociais, os Institutos e Órgãos incumbidos em trazer inovações nas esferas jurídicas e sociais, se manifestaram para que fossem criados leis, Resoluções, Decretos e afins para assegurar os direitos dos deficientes, do mesmo modo a garantia do tratamento isonômico.

A Emenda Constitucional n.º 45, de 30 de dezembro de 2004, alterou diversos dispositivos da Lei Maior, entre elas, inseriu o parágrafo 3º no artigo 5º, onde os Tratados e Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais,[32] isto é, foi concedida a possibilidade de tratados ou Convenções Internacionais que tratam de direitos humanos, desde que aprovados pelo quórum supramencionado, poderem adentrar no ordenamento jurídico brasileiro.

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 O Decreto n.º 186/2008, aprovou o texto contido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o seu Protocolo Facultativo, este documento foi assinado pelo Brasil em 30 de março de 2007, em Nova Iorque, trazendo em seu preâmbulo as explicações para a elaboração da dita Convenção.[33]

O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.[34]

Os Estados-Partes acordaram que o objetivo primordial da Convenção, prevista no artigo 1, é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e justo de todos os direitos humanos, bem como as liberdades fundamentais de todas as pessoas deficientes, promovendo o respeito pela dignidade inerente a elas.

No artigo 2 da Convenção, é definida a “discriminação por motivo de deficiência”:

(...) “Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável (...)[35]

Isto é, conforme pode-se inferir, a discriminação cerceia o direito das pessoas com deficiência em poder exercer os seus direitos de maneira plena de forma justa e igualitária frente as demais pessoas que não são deficientes.

Outros artigos que também merecem destaque, são os 6º e 7º. Estes por sua vez, aduzem sobre as mulheres e crianças deficientes, sendo as primeiras, vítimas de múltiplas discriminações, devendo ser-lhes asseguradas pleno e iguais exercícios dos direitos e liberdades fundamentais, bem como às crianças que devem também desfrutar dos direitos e liberdades iguais quaisquer outras crianças.[36]

 Isto é, compreende-se como sendo discriminação, toda forma de exclusão dos indivíduos deficientes, impedindo-os e os impossibilitando de serem reconhecidos como pessoas que possuem a mesma oportunidade em relação aos demais não deficientes.

Outrossim, destaca-se que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência aborda diversos aspectos de suma importância para as pessoas com deficiências, estabelecendo direitos e reconhecendo a dignidade e o valor inerentes e os direitos iguais e inalienáveis de todos. No artigo 27 da referida Convenção pode-se entender que os direitos das pessoas com deficiência são assegurados em igualdade de oportunidade em relação aos demais. Tal direito abrange a oportunidade de manter sua escolha ou aceitação no mercado de trabalho, bem como trabalhar em ambiente aberto, acessível e inclusivo a pessoas deficientes. Outro fator primordial é o direito salvaguardado para as pessoas que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, onde serão adotadas medidas apropriadas para estes.

A Convenção ora citada, possui cinquenta artigos, todos de extrema importância para a inclusão dos deficientes na sociedade. Fica explícito a preocupação em tratar os deficientes de maneira igualitária, dando-os oportunidades e assegurando os direitos que a eles são inerentes. Reconhecendo que a discriminação contra qualquer indivíduo, por motivo de deficiência, configura violação da dignidade e valor inerentes ao ser humano, bem como preocupar-se com o fato de que, embora haja diversos compromissos e instrumentos, as pessoas com deficiência continuam a enfrentar barreiras em relação a sua participação como pessoas iguais dentro da sociedade que ainda sofrem com violações dos direitos em todas as partes do mundo. Outrossim, é de suma importância que haja cooperação internacional para melhorar as condições de vida.[37]

2.4 AÇÕES AFIRMATIVAS

Após as revoluções sociais, a noção de igualdade ganhou destaque, houve a necessidade de tê-la como princípio jurídico. Conforme preleciona Joaquim Gomes, a noção de igualdade, como categoria jurídica de primeira grandeza, teve sua emergência como princípio jurídico incontornável nos documentos constitucionais promulgados imediatamente após as revoluções do final do século XVIII. Com efeito, foi a partir das experiências revolucionárias pioneiras dos EUA e da França que se edificou o conceito de igualdade perante a lei, uma construção jurídico-formal segundo a qual a lei, genérica e abstrata, deve ser igual para todos, sem qualquer distinção ou privilégio, devendo o aplicador fazê-la incidir de forma neutra sobre as situações jurídicas concretas e sobre os conflitos interindividuais.[38]

É necessário compreender a necessidade de homogeneizar os direitos e as obrigações das pessoas portadoras de deficiência em relação aos demais indivíduos. Faz-se necessária uma análise do princípio da igualdade e a implementação de ações afirmativas como meio de efetivação dos direitos supracitados.

Na concepção de José Afonso da Silva, a igualdade constitui signo fundamental da democracia. Não admite os privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra. Por isso é que a burguesia, cônscia de seu privilégio de classe, jamais postulou um regime de igualdade contrária de seus interesses e dá a liberdade sentido material que não se harmoniza com o domínio de classe em que assenta a democracia liberal burguesa.[39]

Sabe-se que a sociedade está em constante evolução, o que anteriormente era considerado como correto atualmente é tido como obsoleto e assim será durante toda a evolução social. Todos os seres humanos, possuem direitos que são resultados de uma árdua luta durante anos, isto é, compõem um construído axiológico, fruto da nossa história, de nosso passado, de nosso presente, fundamentado em um espaço simbólico de luta e ação social.[40]

2.4.1 Objetivos das ações afirmativas em relação aos portadores de deficiência

Conforme Joaquim Gomes Barbosa, as políticas sociais, são tentativas de concretização da igualdade substancial ou material, dá-se a denominação de ação afirmativa, ou, na terminologia do direito europeu, de discriminação positiva ou ação positiva:

A essas políticas sociais, que nada mais são do que tentativas de concretização da

igualdade substancial ou material, dá-se a denominação de “ação afirmativa” ou, na

terminologia do direito europeu, de “discriminação positiva” ou “ação positiva”. A consagração normativa dessas políticas sociais representa, pois, um momento de ruptura na evolução do Estado moderno.[41]

Quando se fala em ações afirmativas têm-se logo a ideia de minorias, sendo que tais ações são definidas como medidas que podem ser temporárias ou especiais, espontâneas ou determinadas pelo Estado com o escopo de eliminar as desigualdades que foram geradas ao longo da história da humanidade entorno das minorias, sejam elas étnicas, raciais, portadores de deficiência e outros grupos.

Flávia Piovesan ensina que tais ações positivas são políticas compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório, as ações afirmativas objetivam transformar a igualdade formal em igualdade material e substantiva, assegurando a diversidade e a pluralidade social:

As ações afirmativas constituem medidas especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade substantiva por parte de grupos socialmente vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, dentre outros grupos. Enquanto políticas compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório, as ações afirmativas objetivam transformar a igualdade formal em igualdade material e substantiva, assegurando a diversidade e a pluralidade social. As ações afirmativas devem ser compreendidas tanto pelo prisma retrospectivo (vocacionado a remediar o peso de um passado discriminatório), como pelo prisma prospectivo (vocacionado a construir um presente e um futuro marcados pela pluralidade diversidade étnico-racial).[42]

Com a criação de leis que asseguram vagas em concursos públicos e percentual de vagas para portadores de deficiência em empresas, pode-se ter a imagem de uma atitude tomada pelos legisladores que fere o princípio da isonomia, entretanto, não há que se falar em tal violação, uma vez que os deficientes estão claramente em situação de desvantagem em relação aos demais concorrentes que não possuem quaisquer deficiência. Outrossim, insta mencionar que se trata de implementação da igualdade material no cumprimento de seu dever pelo Estado.

 Conforme ensina Joaquim Gomes, a reserva de vagas, portanto, representa uma entre as diversas técnicas de implementação da igualdade material, consagração do princípio bíblico segundo o qual deve-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Pois bem, se esse princípio é plenamente aceitável (inclusive na esfera jurisdicional) como mecanismo de combate a uma das múltiplas formas de discriminação.[43]

2.4.2 Constituição Federal e as ações afirmativas em relação à inclusão das pessoas com deficiência

A Constituição Federal não traz explicitamente texto que aborda a questão de ações afirmativas, entretanto, carrega consigo quais as atitudes o Estado deve ter atinente aos portadores de deficiências. Contudo, no preâmbulo da Constituição Federal, pode-se observar o objetivo do constituinte pátrio de 87/88 em demonstrar o princípio da igualdade como um dos pilares mestres do edifício fundamental do Direito Positivo Pátrio.[44]

Faz-se importante destacar que, conforme os ensinamentos de Carmem Lúcia citada por Joaquim Gomes Barbosa, embora o constituinte tenha dado destaque ao preâmbulo, essa evolução não ficou estagnada, pois conforme foram se passando os anos esta foi se renovando e ganhando novas formas:

A Constituição Brasileira de 1988 tem, no seu preâmbulo, uma declaração que apresenta um momento novo no constitucionalismo pátrio: a ideia de que não se tem a democracia social, a justiça social, mas que o Direito foi ali elaborado para que se chegue a tê-los.[45]

Ao fazer referência ao Preâmbulo, tem-se em mente que este não possui força normativa, no entanto, é explícito que o Estado tê-lo-á como valores que devem ser seguidos  para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, com a solução pacífica das controvérsias[46].

Marco Aurélio aduz que:

A Lei Maior é aberta com o artigo que lhe revela o alcance: — constam como fundamentos da República Brasileira a cidadania e a digni­dade da pessoa humana, e não nos esqueçamos jamais de que os homens não são feitos para as leis; as leis é que são feitas para os homens. Do artigo 3º, vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado dese­quilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual. Nesse  preceito são considerados como objetivos fundamentais de nossa República: primeiro, construir — prestem atenção a esse verbo —uma sociedade livre, justa e solidária; segundo, garantir o desenvolvimento nacional — novamente temos aqui o verbo a conduzir, não a uma atitude simplesmente estática, mas a uma posição ativa; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, por últi­mo, no que  nos interessa, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.[47]

Entende-se que o referido artigo é de suma importância, pois os verbos que o acompanham referem-se a ações, isto é, não está estagnado, ensejando a implementação das chamadas ações positivas ou ações afirmativas.

Conforme supracitado, Carmen Lúcia também fez um adendo aos valores abordados no referido artigo 3º da CRFB:

A expressão normativa – construir, erradicar, reduzir, promover – são de ação, vale dizer, designam um comportamento ativo. O que se tem, pois, é que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são definidos em termos de obrigações transformadoras do quadro social e político retratado pelo constituinte quando da elaboração do texto constitucional. E todos os objetivos contidos, especialmente, nos três incisos acima transcritos do art. 3º da Lei Fundamental da República traduzem exatamente mudança para se chegar à igualdade[48]

De acordo com o exposto acima, sabe-se que a Constituição Federal, impõe que seja realizada uma mudança nos aspectos sociais, políticos e econômicos, para que assim seja alcançado o supremo valor do Estado Democrático de Direito.

Outrossim, conforme o ensino de Joaquim Gomes, se a igualdade jurídica fosse apenas a vedação de tratamentos discriminatórios, o princípio seria absolutamente insuficiente para possibilitar a realização dos objetivos fundamentais da República, constitucionalmente definidos. Sendo que nas novas leis e comportamentos regulados pelo Direito, apenas seriam impedidas manifestações de preconceitos ou cometimentos discriminatórios. [49]

Nesse sentido, para que esse cenário fosse modificado, tendo em vista tudo que havia sido sedimentado na história social e econômica brasileira, é que surgiram as ações afirmativas, isto é, uma atuação transformadora e igualadora que segundo o Direito possibilita a verdade do princípio da igualdade, para se chegar à igualdade que a Constituição Brasileira garante como direito fundamental de todos.[50]

A Constituição Federal, é adepta do princípio da isonomia, com o objetivo de proteger os direitos das pessoas com deficiência. Pode-se ter como exemplo o previsto expressamente na Lei Maior no artigo 37, inciso VIII, onde lhes são assegurados a reserva de vagas na administração pública:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)  

VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão (...)[51]

Ainda sob a égide o percentual  supracitado, cumpre salientar que a inserção no bojo da Constituição Federal de 1988 estabelecendo um percentual de cargos e empregos públicos para deficientes físicos foi uma oportunidade de mostrar aos discriminadores que o deficiente tem,  mutatis mutandis, plenas condições de produzir; porém, não se poderia admitir, por exemplo, que o deficiente visual enfrentasse a mesma prova que o não deficiente, pois, seria o mesmo que colocássemos em disputa um lutador de boxe peso-pesado com um peso-pena.[52]

Houve muitas discussões acerca da constitucionalidade dessa norma, tendo em vista que algumas pessoas enxergavam o exposto nesse artigo como uma forma de privilegiar os deficientes. Entretanto, sabe-se que esta não viola o princípio da isonomia, primeiramente porque a deficiência física traduz uma nítida desvantagem em detrimento dos deficientes, sendo que este fato deve ser levado em conta pelo Estado, no cumprimento de seu dever de implementar a igualdade material e segundo, porque os deficientes físicos se submetem-se aos concursos públicos, devendo lograr aprovação. Essa reserva de vagas, representa uma entre as diversas técnicas de implementação da igualdade material. [53]

Conforme o exposto acima, acerca das ações afirmativas à luz da Constituição Federal, cumpre salientar que não basta apenas estar expresso, é necessário que tais práticas sejam realmente exercidas e viabilizadas para que possam proporcionar aos PCD’s a verdadeira igualdade material, bem como, explicitar que não tratam-se de meios de privilegiar os deficientes, mas sim, assegurar-lhes um tratamento igualitário, tendo em vista as limitações que estes possuem.

3. LEGISLAÇÃO E POSIÇÃO DOUTRINÁRIA SOBRE A INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO

Após a Segunda Guerra Mundial, ocorreu uma complementação da cidadania, tendo em vista que houve a necessidade de estimar a vontade da maioria, entretanto, respeitando as minorias:

Foi apenas depois da Segunda Guerra Mundial, porém, que a afirmação da cidadania se completou, eis que, só então, percebeu-se a necessidade de valorizar a vontade da maioria, respeitando-se, sobretudo, as minorias, suas necessidades e peculiaridades. Ou seja, verificou-se claramente que a maioria pode ser opressiva, a ponto de conduzir legitimamente ao poder o nazismo ou fascismo. Para que isso não se repetisse na História, fez-se premente a criação de salvaguardas em prol de todas as minorias, uma vez que a soma destas empresta legitimidade e autenticidade àquela.[54]

É importante destacar que, a Lei Maior brasileira ou Constituição Cidadã, faz diversas referências para que sejam assegurados a construção de uma sociedade livre e. Portanto, é dever do Estado inserir políticas públicas que sejam eficazes e assegurem os direitos das pessoas com deficiência. Cumpre salientar que os deficientes devem ser tratados da mesma maneira que as demais pessoas, tendo em vista que deverão cumprir todos os requisitos para poder preencher uma vaga de emprego, como por exemplo: capacitação, assiduidade, dedicação e afins. Entretanto, o fato de haver parâmetro legal que define a igualdade de todos perante a lei, não constitui óbice para a criação de ações afirmativas, tendo em vista tratar-se da igualdade material, onde os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais desigualmente na medida de suas desigualdades:

O fato de a Constituição Federal afirmar de que todos são iguais perante a lei não é excludente da medida afirmativa de que se cuida. Trata-se de materializar a igualdade real entre as pessoas a partir do pensamento de que a verdadeira igualdade consiste em se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na justa medida da desigualdade.[55]

A discriminação dos deficientes no mercado de trabalho, ocorre quando o indivíduo portador da deficiência é tratado de maneira distinta ou quando estes não possuem o mesmo grau de oportunidades das demais pessoas consideradas ‘normais’. A palavra discriminar significa: distinguir, discernir, separar, diferenciar [56], isto é, tratar de forma desigual as pessoas.

Outro fator que merece destaque são as pessoas que possuem dois ‘tipos’ de deficiência, a exemplo dos portadores de deficiência física e visual, que são duplamente discriminados, pois a deficiência física pode atingir qualquer pessoa, vale dizer, homem ou mulher, branco ou negro, homossexual ou heterossexual, judeu ou muçulmano etc., ou seja, como se não bastassem as discriminações advindas pelo fato de já estarem em algum daqueles grupos discriminados, o deficiente insere-se, novamente, em outro grupo, também, discriminado.[57]

A discriminação, no que diz respeito ao trabalho, consiste em se negar ao trabalhador um tratamento igualitário em relação aos demais, tanto para a aquisição, quanto para a manutenção de um emprego. Pode ocorrer antes mesmo da contratação (anúncios de emprego que exigem do trabalhador qualidades que não são essenciais à função, verbi gratia), durante a vigência do contrato de trabalho (retardamento de promoções de certa categoria de empregados ou desigualdade salarial), e mesmo após a sua rescisão, hipótese, sem dúvida, mais rara e que pode se consubstanciar, por exemplo, na existência de "listas-negras".[58]

3.1 EVOLUÇÃO DAS LEIS REFERENTES A INCLUSÃO DOS DEFICIENTES NO MERCADO DE TRABALHO

A preocupação do Estado em garantir a igualdade de pessoas com algum tipo de deficiência – física ou mental, adquirida ou nata – não é novidade no direito brasileiro, já havendo previsão constitucional pela EC 12, de 17.10.1978 que adicionava um artigo único à Constituição de 1969 (a rigor, EC 1 à Constituição do Brasil de 1967), assegurando aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica, especialmente através de educação especial gratuita, assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do país, proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho bem como a possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos.[59]

O conceito de deficiência é tido como uma limitação no desempenho das atividades que podem ser executadas habitualmente. Destarte, é importante destacar que deficiência se difere de incapacidade, uma vez que nem todo deficiente é incapaz e nem todo incapaz é deficiente:

As limitações trazidas por boa parte das deficiências não levam necessariamente, à

incapacidade laboral, como se constata nas contratações de portadores de deficiências

levadas a efeito nos últimos anos. Na verdade, uma vez dada oportunidade às pessoas

portadoras de deficiência verifica-se que as mesmas são aptas ao trabalho, cabendo

apenas encontrar compatibilidade entre o trabalho oferecido e a limitação.[60]

Entretanto para a sociedade, o deficiente não era considerado como um indivíduo capaz, outrossim, os direitos que hoje lhes foram conferidos, é fruto de uma longa disputa e evolução jurídico- social para lhes garantirem o reconhecimento da capacidade laboral do indivíduo com deficiência e, segundo o trabalho como direito social do indivíduo independentemente da existência da deficiência.[61] 

Antigamente, o deficiente era visto como uma pessoa totalmente inválida, estes por sua vez não possuíam liberdade para escolherem, bem como a maioria eram destinados à morte, pois o chefe da família é quem decidia a respeito da vida e morte dos filhos e os que não morriam viviam como indigentes que dependiam de esmolas.

Após a Revolução Industrial e com a consequente mudança na estrutura econômica da sociedade, que buscava cada vez mais concentração de renda, com lucros e exploração do trabalho humano, a mão-de-obra que até o momento era discriminada, passou a ser mais aproveitada pela burguesia, pois estes visavam a redução nos custos da produção, uma vez que pagavam valores menores a estes trabalhadores.[62]

O Direito brasileiro, passou por algumas transformações, desde a Constituição de 1824 até a atual Lei Maior de 1988, sendo esta a que estabeleceu algumas garantias aos deficientes os possibilitando de obter uma maior participação igualitária. Entretanto, conforme mencionado anteriormente, não se deve ter a igualdade como um preceito apenas formal, mas sim a verdadeira garantia de adquirir tratamento diferenciado para manter o equilíbrio entre as pessoas de um mesmo grupo, conforme preleciona Ruy Barbosa:

A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.[63]

Assim sendo, o direito à igualdade dos deficientes consiste basicamente em ter um tratamento diferenciado não para que estes sejam superiores aos demais, mas sim para que consigam atingir a igualdade substancial, uma vez que em razão das suas limitações eles necessitam de algumas adaptações para poderem conseguir executarem os serviços iguais as pessoas que não possuem nenhum tipo de deficiência.

Concernente a acessibilidade do deficiente no mercado de trabalho, existem duas categorias, são elas: uma física, ligada a eliminação de barreiras arquitetônicas, por exemplo: escadas, que devem ser substituídas por rampas, pois facilita o acesso de cadeirantes, e outra categoria que é a jurídica, ligada à inclusão no mercado de trabalho, que são realizadas de diferentes formas, conforme o exposto no artigo 35 do Decreto 3.298/99[64], como sendo: a) colocação competitiva; b) colocação seletiva; e c) promoção do trabalho por conta própria.

A colocação competitiva consiste na inserção do deficiente no mercado de trabalho, através de apoios especiais, que são suportes necessários para reduzir ou suprimir a limitação decorrente da deficiência do trabalhador; a colocação seletiva, insere o deficiente no mercado de trabalho por meio de adoção de procedimentos especiais, que representam um tratamento diferenciado, em decorrência da deficiência apresentada pelo trabalhador e também ligada ao seu grau de manifestação para contratação. O tratamento diferenciado consiste na flexibilização dos elementos que integram o contrato de trabalho, v.g., a alteração do horário de trabalho. E por último, a terceira modalidade: promoção do trabalhador por conta própria, que se difere as outras duas, pois o deficiente não será inserido como um empregado subordinado, mas sim, como autônomo, independente e cooperativo ou até mesmo como empregador, onde deverá receber incentivo para que consiga renda suficiente para suster-se. [65]

Além das três modalidades supracitadas, o artigo 35 do Decreto 3.298/99[66], prevê a possibilidade de inserção através das entidades beneficentes de assistência social:

Artigo 35. São modalidades de inserção laboral da pessoa portadora de deficiência:

(...)

§ 1o As entidades beneficentes de assistência social, na forma da lei, poderão intermediar a modalidade de inserção laboral de que tratam os incisos II e III, nos seguintes casos:

- Na contratação para prestação de serviços, por entidade pública ou privada, da pessoa portadora de deficiência física, mental ou sensorial: e

II - Na comercialização de bens e serviços decorrentes de programas de habilitação profissional de adolescente e adultos portadores de deficiência em oficina protegida de produção ou terapêutica.

A lei de Cotas também é de suma importância quando se fala em inclusão de deficientes no mercado de trabalho. Trata-se de uma política de inclusão do deficiente no mercado de trabalho por meio de uma reserva de vagas, adotada em diversos países do mundo, que, pode ser dividida em três formas distintas: a) cota-contribuição; b) cota-terceirização; e c) cotas-puras.

A primeira consiste em oportunidades de trabalho para os deficientes, de acordo com as porcentagens que forem fixadas pelo Estado e caso as empresas não tenham como preencher o número mínimo de vagas exigidos, elas passarão a ter uma obrigação pecuniária. Percebe-se que esta modalidade é usada como um sistema de diminuição das diferenças através de um sistema coercitivo; A cota-terceirização acompanha as nuances sofridas pela contratação de mão-de-obra, caracterizada pela substituição do trabalhador subordinado, onde permite que a porcentagem exigida pelo Estado seja cumprida não só por uma empresa, mas sim por cadeias de empresas que compõem a rede de produção; e por último a Cota- pura, que é a adotada pelo Brasil, aponta a inserção  do deficiente no mercado de trabalho pela contratação direta de uma empresa que possua um determinado número de empregados.[67]

No entanto, embora haja leis que assegurem essa inserção, ainda há muita discriminação no mercado de trabalho. Pode-se dizer que isso ocorre em razão da dificuldade em implementar meios de acessibilidade, bem como o tratamento desigual em relação aos demais trabalhadores, colocando esses indivíduos em uma situação onde não há tratamento paritário, pois ocorre que, os meios utilizados pelos demais trabalhadores não deficientes não serão os mesmos usados pelos deficientes:

A discriminação, no que diz respeito ao trabalho, consiste em se negar ao trabalhado um tratamento igualitário em relação aos demais, tanto para a aquisição, quanto para a manutenção de um emprego. Pode ocorrer antes mesmo da contratação (anúncios de emprego que exigem do trabalhador qualidades que não são essenciais à função, verbi gratia), durante a vigência do contrato de trabalho (retardamento de promoções de certa categoria de empregados ou desigualdade salarial), e mesmo após a sua rescisão, hipótese, sem dúvida, mais rara e que pode se consubstanciar, por exemplo, na existência de "listas-negras".[68]

O artigo 36 do Decreto 3.298/99, aduz os seguintes termos[69]:

Art. 36. A empresa com cem ou mais empregados está obrigada a preencher de 2

(dois) a 5% (cinco por cento) de seus cargos com beneficiários da Previdência Social

reabilitados ou com pessoa portadora de deficiência habilitada, na seguinte proporção:

I - Até duzentos empregados, 2% (dois por cento);

II - De duzentos e um a quinhentos empregados, 3% (três por cento);

III - De quinhentos e um a mil empregados, 4% (quatro por cento); ou

IV - Mais de mil empregados, 5% (cinco por cento).

Analisando o dispositivo acima, percebe-se que a norma estipula a obrigação por empresa e não por estabelecimento e que os empregados contratados deverão ser habilitados. Porém, esta última exigência não corresponde uma restrição ao direito do trabalhador, a fim de que este se encontre capacitado por meio de um curso específico, mas apenas apto ao serviço a ser desempenhado.[70]

Outro papel importante na inclusão dos deficientes é a reinserção do deficiente ao emprego. Quando o trabalhador sofrer alguma doença ou acidente que reduza a sua capacidade laborativa, o que afeta diretamente a função ao qual era exercida. O artigo 89 da Lei 8.213/91, leciona que a habilitação e a reabilitação profissional deverão proporcionar ao beneficiário os meios de reeducação e readaptação profissional:

Art. 89. A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de (re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive.

Parágrafo único. A reabilitação profissional compreende:

a) o fornecimento de aparelho de prótese, órtese e instrumentos de auxílio para locomoção quando a perda ou redução da capacidade funcional puder ser atenuada por seu uso e dos equipamentos necessários à habilitação e reabilitação social e profissional;

b) a reparação ou a substituição dos aparelhos mencionados no inciso anterior, desgastados pelo uso normal ou por ocorrência estranha à vontade do beneficiário;

c) o transporte do acidentado do trabalho, quando necessário.[71]

 Ademais, cumpre ressaltar que, aqueles que não conseguirem serem inseridos no mercado de trabalho, lhes são assegurados um benefício assistencial, de acordo com o artigo 203 da Constituição Federal de 1988:  

Artigo 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

 IV - A habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

 V - A garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.[72]

Dessa forma, percebe-se que o benefício previdenciário visa o sustento e a manutenção daquele deficiente que não tenha condições de prover o seu próprio sustento. Com efeito, considerando que o benefício não continuará sendo pago caso o beneficiário ingresse no mercado de trabalho ou consiga uma aposentadoria, o deficiente não se sentirá estimulado a buscar o ingresso num trabalho que poderá lhe valer uma quantidade equivalente a que recebe sem qualquer esforço. Por conseguinte, para estimular ainda mais o ingresso do deficiente no mercado de trabalho, poder-se-ia pensar também numa forma de cumular o benefício recebido pelo deficiente com o recebimento de um salário ou mesmo de uma aposentadoria para estimular o indivíduo à participação no mercado de trabalho, exercendo, assim, o seu direito ao trabalho.[73]

Igualmente, é importante mencionar que no tocante ao benefício assistencial recebido pelas pessoas com deficiência, a lei 8742/93, prevê a suspensão do benefício de prestação continuada, isto é, o benefício é destinado aos idosos e pessoas com deficiência, que são incapazes de trabalhar ou com renda inferior a um quarto do salário mínimo. Assim sendo, se o contrato de trabalho for incontínuo e a pessoa deficiente for demitida, poderá optar pelo recebimento do seguro desemprego ou benefício, bem como, caso opte receber as parcelas do seguro, o pagamento do benefício será reativado após o recebimento de todas as parcelas do seguro.[74]

A inclusão social dos deficientes traz benefícios para a coletividade, sendo assim, o Estado deve assumir um papel mais ativo, promovendo ações inclusivas, bem como políticas públicas de conscientização para a diminuição dos preconceitos, gerando maior incentivo para os incluírem no mercado de trabalho, como também ações afirmativas no sentido de demonstrar que os deficientes são pessoas capazes igualmente a qualquer outro ser que não possua nenhuma deficiência.

Sabe-se que a inclusão do deficiente na sociedade é oriunda de uma lenta e gradual transformação. É imprescindível falar que, desde os primórdios estas pessoas são discriminadas, rejeitadas e menosprezadas. No entanto, após enfrentarem as barreiras e obstáculos, pode-se inferir que a sociedade conseguiu adquirir uma maturidade que anteriormente não estava presente em relação ao trato dos deficientes. Mesmo o quadro tendo mudado e a sociedade evoluído, tais buscas não devem cessar, pois ainda há muito a ser conquistado e melhorado.

Sendo assim, conforme preleciona o mestre Mário Lúcio Tavares, as oportunidades disponibilizadas no contexto comunitário devem ser igualitárias a todos, sob pena de se incidir na segregação social de pessoas que possuem características próprias que as diferenciam do padrão considerado normal por todos. As pessoas portadoras de deficiência sempre sofreram com o preconceito e discriminação ao longo da história, no mundo todo. Entretanto, nações com maior índice de desenvolvimento procuram minimizar os efeitos das diferenças entre as pessoas, com programas que visam a inclusão social das mesmas.[75]

3.2 IMPORTÂNCIA E MOTIVOS PARA A CRIAÇÃO DA LEI DE COTAS EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

A Lei de Cotas foi um marco para os portadores de deficiência. Sabe-se que embora as conquistas alcançadas a partir da Revolução Francesa de 1789 tenham possibilitado o fortalecimento da concepção de cidadania, estas não foram suficientes, tendo em vista que se constatou a mera declaração formal das liberdades nos documentos e nas legislações. No século XIX, começou-se a buscar os direitos sociais com ações estatais que compensassem aquelas desigualdades, municiando os desvalidos com direitos implantados e construídos de forma coletiva, em prol da saúde, da educação, da moradia, do trabalho, lazer e cultura para todos.[76]

Outrossim, depois da Segunda Guerra Mundial é que a palavra cidadania pôde ser completada, uma vez que foi percebido a necessidade de valorizar a vontade da maioria, entretanto, respeitando as minorias, suas peculiaridades e necessidades:

Foi apenas depois da Segunda Guerra Mundial, porém, que a afirmação da cidadania se completou, eis que, só então, percebeu-se a necessidade de valorizar a vontade da maioria, respeitando-se, sobretudo, as minorias, suas necessidades e peculiaridades. Ou seja, verificou-se claramente que a maioria pode ser opressiva, a ponto de conduzir legitimamente ao poder o nazismo ou fascismo. Para que isso não se repetisse na História, fez-se premente a criação de salvaguardas em prol de todas as minorias, uma vez que a soma destas empresta legitimidade e autenticidade àquela.[77]

Torna-se imprescindível ressaltar que, tais ações não se esgotam apenas nas políticas sociais, pois todas as pessoas são iguais. As empresas devem dar preferência ao princípio constitucional do valor social do trabalho e da livre iniciativa, para que seja implementada a cidadania plena e a dignidade do trabalhador com ou sem deficiência.[78] Isto é, as pessoas deficientes ao serem contratadas devem ser vistas como quaisquer outros indivíduos, portanto, quando a Lei faz referência a todos serem iguais, esse fator não exclui que medidas afirmativas possam ser criadas:

O Brasil conta com 24 milhões de pessoas com deficiência, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essas pessoas, porém, não circulam nas ruas, nas escolas comuns, nos locais de lazer e cultura e muito menos têm acesso ao trabalho. É hora, portanto, de se reverter esse quadro. Os problemas que daí decorrem refletem-se na baixa escolaridade desse grupo, grande dificuldade de inserção social, de constituição de vínculos familiares para além dos lares paternos e maternos. Esse muro institucional pode e deve ser rompido por meio do comprometimento de todos.[79]  

No Brasil, desde o ano de 1991, a Lei de Cotas foi instituída, esta visa a garantia do emprego da pessoa com deficiência. Após 01 (um) ano da promulgação da Constituição de 1988, a Lei 7.853/89, que dispõe acerca do apoio às pessoas com deficiência. Posteriormente 04 (quatro) anos, após a edição da referida Lei, foi editado o Decreto 914, em 06-06-1993, que regulamentou a Lei 7.53/1989, instituindo a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, que veio a ser totalmente revogado pelo Decreto 3.298/99, sendo este último o principal dispositivo regulamentador da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, estando em vigor até a atualidade.[80]

Nesta senda, é importante destacar que as empresas devem cumprir a lei supracitada, reforçando a implementação de programas de formação profissional:

As empresas devem, assim, cumprir a lei em questão, esforçando-se para implantar programas de formação profissional, flexibilizando as exigências genéricas para a composição de seus quadros, de modo a, objetivamente, abrir suas portas a esse grupo social em evidente estado de vulnerabilidade. Nesse sentido, é possível, então, o trabalho conjunto com organizações não-governamentais e/ou o Sistema S (SENAI, SENAR, SENAC, SENAT e SENACOP). Essas As organizações detêm um conhecimento acumulado há décadas acerca das potencialidades das pessoas com deficiência e dos métodos para sua profissionalização. Recente alteração legal (Lei nº 11.180/05) possibilita a formalização de contratos de aprendizagem para pessoas com deficiência, sem limite máximo de idade, sendo possível a combinação de esforços entre as empresas e as instituições mencionadas (Lei nº 10.097/00).[81]

Sob essa égide, faz-se importante considerar que, a Lei de Cotas atribui as empresas com mais de 100 empregados a obrigação de preencher determinada porcentagem de cargos com beneficiários sejam eles reabilitados ou pessoas com deficiência, devendo ser habilitadas na proporção de 2% para empresas com até 200 empregados; 3% para as que tiverem de 201 a 500 empregados; 4% para as empresas que tiverem de 501 a 1.000 empregados e 5% para as que tiverem mais que 1.000. Outro fator que merece destaque é que, caso um trabalhador com deficiência não esteja mais na empresa, este deverá ser substituído por outro com deficiência.[82]

Tais reservas no mercado de trabalho estão amparadas por instrumentos processuais que as garantem, devendo ser realizadas prioritariamente de forma coletiva por meio de fiscalizações e ações pelo Ministério Público do Trabalho e Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, tendo o condão de garantir a aplicação do percentual mínimo exigido pela Lei. Caso estes constatem descumprimento da norma, orientam e educam o empregador, o fornecendo prazo para que as irregularidades sejam sanadas e que seja procedida a contratação de pessoas com deficiência. Decorrido o prazo, os auditores realizam uma nova visita e caso não tenha nenhum funcionário contratado dentro do mínimo exigido pela Lei, o auto de infração é lavrado e em decorrência disso, há uma multa administrativa, bem como o encaminhamento de relatório do Ministério Público do Trabalho, ademais, os valores das multas estão previstos na Portaria 1.199/2003.[83]

O conceito da dignidade humana de pessoas com deficiência transcende a necessidade da concretizar a dignidade a todos os cidadãos, no entanto, ainda há muita discriminação, tanto em razão de preconceito como em decorrência das dificuldades que são próprias da deficiência.

Os empregadores, bem como os colegas de trabalho, enxergam as PCD’s de uma forma como se estes merecessem apenas auxílio assistencial, Estatal. No entanto, apesar de diversas mudanças nas leis, mais interessante seria que as pessoas não portadoras de deficiência pudessem mudar a maneira de análise em relação aos deficientes. É notório que eles possuem algumas limitações em decorrência da situação a qual estão, mas tal fator não os impede de viver normalmente, trabalhar e estudar, por exemplo. Tendo em vista que é um direito do indivíduo, tendo como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana.

3.2 MUDANÇAS NA LEI 13. 146/2015 – ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

O Estatuto da  Pessoa com Deficiência traz em seu primeiro artigo a proposta de respeito aos Direitos Humanos, conjuntamente com os norteadores dos Direitos Políticos e Civis o qual: é instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condição de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e a cidadania[84].

Sob o crivo do texto supracitado, é importante destacar a opinião de Cristiano Chaves[85], acerca da proteção do deficiente trazida no referido Estatuto, tendo em vista que esta deriva dos Direitos Humanos, importando em uma superação do modelo egoístico, onde predominava o indivíduo, coloca-se em favor do interesse da sociedade como um todo, incluindo o deficiente em razão de sua hipossuficiência.

Ademais, percebe-se que todos os preceitos acima expostos estão interligados ao princípio da isonomia, e que também devem ser salvaguardados a dignidade da pessoa humana, conforme descrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos traz em seu preâmbulo os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade como sustentáculos dos Direitos Humanos: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (…)”.[86]

Aproximadamente um ano após a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi sancionada a Lei 7.853 de 24.10.1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiência, estabelecendo apoio governamental à formação profissional e garantia de acesso a cursos regulares voltados à formação profissional. O empenho do Poder Público quanto ao surgimento e à manutenção de empregos, promoção de ações eficazes que propiciem a inserção nos setores públicos e privados e, por fim, adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho em favor das pessoas com deficiência.[87]

A Declaração das Pessoas com Deficiência identifica aos deficientes de qualquer natureza, as mesmas garantias civis, políticas e fundamentais conferidas aos demais cidadãos, onde recomendam-se a adoção de medidas que busquem a capacitação destes, e em decorrência disso, estabeleçam-se meios para a aceleração dos processos de integração.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência trata dos Direitos Fundamentais das pessoas com deficiência, bem como o acesso à comunicação e informação:

A Lei 13.146, de 06.07.2015, trouxe novidades para a ordem legislativa brasileira. Talvez, exatamente por isso, deixou consignado, em seu art. 127, que a lei entraria em vigor, decorridos seis meses de sua publicação oficial. Assim, a sociedade teria tempo de se ajustar às novas medidas. No entanto, a Lei traz poucas novidades para aqueles que acompanham, de forma efetiva, a tutela desse grupo vulnerável. Pelo último Censo, constatou-se que o percentual de pessoa com alguma deficiência corresponde a 23,9% da população brasileira. Esse grupo, no entanto, não se surpreendeu quando tomou conhecimento da nova lei. Na verdade, a lei é a execução minuciosa de um arranjo internacional do qual o Brasil participou e que teve a sua internalização pelo Decreto Legislativo 186, de 09.07.2008 e pelo Dec. 6.949, de 25.08.2009.[88]

O Brasil ficou compromissado em implementar medidas para que os direitos das pessoas com deficiência fossem efetivamente aplicados. Entretanto, embora tenha tido algumas ‘novidades’, a Lei não trouxe nada tão extraordinário que pudesse surpreender as PCD’s, pois trata-se apenas da execução de uma Convenção que veio a integrar o sistema brasileiro:

É a execução de uma Convenção que integrou o sistema normativo brasileiro, com hierarquia de Emenda à Constituição, tudo na forma do mencionado § 3.º, já anunciado. Assim, por enquanto, esse é o único pacto internacional aprovado na forma prevista pela abertura permitida pela EC 45/2004, que acolheu pleito da comunidade de Direitos Humanos. Pouco surpreendeu, portanto, quem já vinha acompanhando os dizeres da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.[89]

Ademais, não é correto que seja retirada a sua importância, mesmo que não tenha nada de diferente do que já é conhecido por este grupo de pessoas, portanto, como fora supracitado, fala-se da execução da política aduzida na Convenção. Esses deveres genéricos foram concretizados pela edição da lei.

Assim, sem deixar de anotar que a lei é apenas a execução de uma Convenção internacional assinada pelo Brasil, de forma regular, há mais de cinco anos, ela tem méritos próprios, quer de detalhar de maneira bastante efetiva os comandos convencionais, quer pelo fato de ter reunido diversos pontos que estavam espalhados em diversas legislações, dando uma uniformidade de tratamento ao sistema legal. A ideia de um ‘Estatuto da Pessoa com Deficiência’ dá à lei uma dimensão de unidade, de sistematização, interferindo em diversos diplomas. Para a efetivação da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, foi necessário alterar o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Código Penal, para que novos tratamentos fossem redesenhados e as novas visões determinadas pela Convenção integradas, de forma objetiva, na referida legislação. Isso explica o cuidado do prazo de seis meses para sua entrada em vigor nos termos do seu art. 127. Ao lado desses dispositivos, veremos uma postura mais adequada no tratamento desse grupo vulnerável, com a criação de institutos que servirão de apoio.[90]

Sob esse aspecto, é mister salientar que a Constituição aceitou a possibilidade de permitir que um Tratado Internacional de Direitos Humanos, fruto da Emenda Constitucional 45/2004, tenha status constitucional. Sendo necessário que haja aprovação de 03 (três) quintos, em duas votações, nas duas Casas Legislativas, tendo este instrumento internacional composto o quadro normativo com hierarquia de emenda à Constituição.[91]

Isto é, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146 de 06.07.2015) trouxe consigo algumas novidades, é um marco importante e fundamental para os deficientes, prevê o acesso ao trabalho à pessoa com deficiência, sendo vedada qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive em etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, permanência e ascensão profissional. Posteriormente, prevê a colocação da pessoa com deficiência no mercado de trabalho em igualdade de condições com as demais pessoas, observando diretrizes como provisão de suporte individualizado, respeito ao perfil vocacional, oferta de aconselhamento e apoio ao empregador, articulação intersetorial de políticas públicas e a possibilidade da participação de organizações da sociedade civil.[92]

4. POSICIONAMENTOS JURISPRUDENCIAIS SOBRE A INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO

O tema abordado é de grande relevância e em razão desse aspecto é importante discutir acerca da aplicabilidade das leis em casos concretos, um exemplo bastante recorrente é quando as empresas não cumprem com a cota legal. É sabido que há uma previsão legal onde esta implica em incidência de multa, tendo em vista o descumprimento do exposto na norma. Sendo assim, faz-se necessária a análise de algumas jurisprudências aplicadas e estabelecidas acerca da matéria em questão. Analisemos os seguintes casos:

PODER DE POLÍCIA TRABALHISTA. AUTO DE INFRAÇÃO: INSERÇÃO DE PORTADORES DE DEFICIÊNCIA E REABILITADOS NO MERCADO DE TRABALHO. ART. 93 DA LEI N. 8.213/1991. DESCUPRIMENTO. Ao tratar da inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, o art. 93 da Lei n. 8.213/91 dá densidade à política social de assegurar igualdade de oportunidades a pessoas em situação de vulnerabilidade física ou mental - deficientes e reabilitados -, traduzindo ação afirmativa voltada ao combate à discriminação (CF, artigos 3º, IV e 7º, XXXI), que reafirma a dimensão social da propriedade (CF, art. 170, III) e confere concretude ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Nesse cenário, inexistindo nos autos provas de que a empresa empreendeu todos os esforços possíveis para dar cumprimento ao preceito legal referido, há de se considerar correta a ação fiscalizadora estatal e regular o auto de infração lavrado por Auditor Fiscal do Trabalho. Recurso ordinário conhecido e provido. I -

(TRT-10 - RO: 01086201301210006 DF 01086-2013-012-10-00-6 RO, Relator: Desembargador Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 26/02/2014, 3ª Turma, Data de Publicação: 14/03/2014 no DEJT)[93]

A jurisprudência supra, trata-se de um Recurso Ordinário, sendo a 3ª Turma o Órgão Julgador, onde a recorrente é a União (Ministério do Trabalho e Emprego) e a recorrida é a empresa Aqua Tecnologia em Instalações Ltda, tendo como relator, o desembargador Douglas Alencar Rodrigues. O juízo “a quo”, titular da 12ª Vara do trabalho de Brasília- DF, prolatou uma sentença anulatória do auto de infração lavrado contra a referida empresa, tendo em vista o descumprimento da cota legal (artigo 93 da Lei 8.213/91). A União, inconformada com a decisão, recorreu alegando que o auto lavrado é regular em sua integralidade, não havendo quaisquer motivos para anulação deste.

Conforme supracitado, um auto de infração fora lavrado, pois a empresa não observou as regras previstas – preenchimento de vagas para reabilitados e/ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, observando o quantitativo de empregados – pois bem, a recorrida informou que tentou de diversas maneiras contratar os deficientes, analisando junto ao CORDE-DF (Coordenação de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência) as fichas disponíveis das pessoas portadoras de deficiência, entretanto, apresentaram-se apenas duas pessoas para trabalhar e estes não estavam aptos para laborarem no serviço que lhes fora oferecido. A União contestou afirmando que, a notificação da Superintendência Regional do Trabalho cumpriu com o previsto na legislação.

Sendo assim, no julgado acima ficou decidido que, a Superintendência apenas cumpriu com o previsto na legislação trabalhista, sendo completamente possível a inclusão dos deficientes no ramo da construção civil. Enfatizando a importância da implementação das políticas públicas de inclusão das pessoas reabilitadas pelo INSS e das portadoras de deficiência no mercado de trabalho, como forma de eliminar a discriminação no referido ambiente, prezando pelos dispostos na Lei Maior, quais sejam: dignidade da pessoa humana, igualdade e o valor social do trabalho. Isto é, o assunto possui grande relevância social, estando fundamentados na inclusão dos deficientes no mercado de trabalho relacionados com políticas sociais e institucionais, onde busca-se a igualdade de oportunidades entre as pessoas.

Outrossim, conforme fora mencionado no voto do desembargador, é imprescindível estabelecer que a exigência de contratação de pessoas portadoras de deficiência e/ou reabilitadas traduz uma disciplina legal de caráter objetivo e que tal pressuposto não se implica apenas com a mera reserva de vagas. Isto posto, restou comprovado que a empresa não conseguiu adequar-se a legislação de contratação dos deficientes, conforme o previsto no artigo 93, inciso II da Lei 8.213/9, desta feita, a empresa Aqua ficou inadimplente em relação ao dever de contratar e manter o quantitativo dos empregados deficientes e reabilitados. Cumpre mencionar que o recurso foi conhecido e provido, bem como o auto de infração teve os seus efeitos jurídicos ora suspensos pelo juízo “a quo” restabelecidos.

Diferentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª região, tendo como recorrente a União PRU e recorrida, a empresa de Transporte Coletivo Viamão Ltda. Sendo o relator: George Achutti, que por unanimidade dos magistrados integrantes do TRT – 4ª região, negou o provimento ao Recurso Ordinário da União:

AÇÃO ANULATÓRIA. AUTO DE INFRAÇÃO. Hipótese em que se afigura nulo o auto de infração levado a efeito pelo agente fiscalizador, quando constatado que o descumprimento das disposições do art. 93 da Lei nº 8.213/91 se deu pela absoluta impossibilidade de seu atendimento, demonstrada pela empresa autuada. (TRT-4 - RO: 00205400820165040411, Data de Julgamento: 20/07/2017, 4ª Turma)[94]

No julgado acima, o juízo de origem entendeu que a empresa não preencheu as cotas de deficientes devido à falta de candidatos interessados nas vagas ofertadas, este por sua vez, concedeu tutela de urgência que fora pleiteada para suspender a execução fiscal, bem como multas e os acréscimos que foram determinados e determinou que a União renunciasse, informando que a empresa não era devedora, bem como que fosse bloqueada a certidão negativa de débitos, sob pena de multa diária.

A União recorreu, alegando que a empresa de transporte não comprovou o informado quanto à ausência de candidatos interessados no preenchimento das vagas de trabalho, aponta que esta demonstrou apenas as ofertas de vagas, mas não comprovou a recusa dos trabalhadores que apresentaram os currículos. Alegou também que a fundamentação da sentença reduz-se ao fato de que os currículos que foram analisados, tratavam-se de pessoas que não residiam na cidade de Viamão, entretanto a União informa que não há essa dificuldade uma vez que a capital de Viamão e a própria cidade referida são muito próximas e que o acesso a estas é facilitado na região, bem como reiterou que a empresa possui mais de 1.100 empregados, devendo esta possuir 5% dos empregados portadores de deficiência e não pode dispensá-los sem quaisquer motivações.

Desse modo, ficou decidido que a empresa anexou diferentes currículos recebidos, bem como publicou anúncios em murais da APAE, CEE e outras instituições, até mesmo nos ônibus da empresa, entretanto, não obteve êxito na contratação dos empregados. Sendo assim, foi decidido que, realmente os candidatos residiam fora e que o transporte intermunicipal nem sempre é tão fácil conforme a União quis demonstrar, bem como que esse fator diminui exponencialmente o interesse dos candidatos em conseguir emprego fora da cidade de residência.

 Igualmente, não há nenhuma outra empresa de transporte naquela região que tenha funcionários portadores de deficiência e que não foi constatado em momento algum que a referida empresa havia demitido os empregados deficientes, do mesmo modo que, é direito dos contratantes demitirem os funcionários, tendo em vista que não se trata de emprego ad perpetuam. A decisão de origem não fora modificada e os magistrados propuseram a nulidade da autuação do Documento de Registro Técnico e da dívida fiscal.

Pode-se perceber que existem inúmeros recursos interpostos com o objetivo de anular os autos de infrações referentes ao descumprimento da quota exigida, tendo como condão principal além da anulação, o cancelamento da multa prevista na norma. Na decisão supra, discute-se acerca de um auto de infração anulado, tendo em vista as dificuldades enfrentadas pela empresa para contratar colaboradores portadores de deficiência. Entretanto, no julgado abaixo, pode-se observar uma ótica completamente diversa desta outrora citada:

COTA MÍNIMA LEGAL. EMPREGADOS DEFICIENTES E REABILITADOS. ART. 93, LEI 8213/91. 1. Trata-se de ação anulatória de auto de infração, lavrado em virtude do não cumprimento da cota mínima legal para empregados deficientes e reabilitados. 2. A Constituição da República, como forma de assegurar a efetividade da dignidade humana, fixou proteção especial aos empregados deficientes, em seu artigo 7º, inciso XXXI, em que foi estabelecido: "proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência". 3. Em âmbito internacional, merecem destaque, a Convenção 159, da OIT (ratificada pelo Brasil em 1990) e a Convenção da ONU sobre pessoas com deficiência (ratificada pelo Brasil pelo Decreto Legislativo nº 186/2008), voltadas à proteção do trabalhador deficiente. 4. A legislação infraconstitucional, com o objetivo de imprimir efetividade e eficácia ao estuário normativo retro e atingir a finalidade de inclusão dos trabalhadores deficientes e reabilitados no mercado de trabalho, dispôs no artigo 93, da Lei nº 8213/91, cotas que devem ser cumpridas pelas empresas que contam com mais de 100 empregados, de 2% a 5%. 5. As medidas adotadas pela empresa para o preenchimento das cotas, devem ser efetivas, não alcançando o objetivo da norma os atos destituídos de conteúdo prático, objetivo e eficiente. Ressalte-se que além de obrigação legal, o cumprimento das cotas advém da responsabilidade social da empresa. 6. Recursos ordinários conhecidos e provido o apelo da ré. (TRT-3 - RO: 00112705220165030163 0011270-52.2016.5.03.0163, Relator: Paula Oliveira Cantelli, Quarta Turma)[95]

Trata-se de um Recurso Ordinário, tendo como Órgão Julgador a 4ª Turma, relatora: Paula Oliveira Cantelli, recorrente: FCA FIAT Chrysler Automóveis Brasil Ltda e recorrida: União Federal (PGFN). A empresa requereu a anulação do auto de infração, entretanto a 4ª Turma decidiu pelo não provimento da apelação pela parte autora, entretanto, deu provimento ao recurso pela parte recorrida, bem como manteve a multa anteriormente estipulada em razão do não cumprimento da cota legal, tendo em vista que o cumprimento de tais cotas são provenientes da responsabilidade social que a empresa deve ter para com esses funcionários portadores de deficiência.

Por fim, a citação abaixo diz respeito a um Recurso Ordinário do Ministério do Trabalho com o escopo de prover a indenização coletiva em razão do descumprimento da cota do quantitativo de deficientes físicos a serem incluídos no ambiente laboral.

RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL COLETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. DESCUMPRIMENTO LEGAL DE CONTRATAR TRABALHADORES DEFICIENTES E/OU REABILITADOS, PARA INTEGRAR O QUADRO FUNCIONAL DA EMPRESA. DESOBEDIÊNCIA DA COTA PREVISTA NO ART. 93 DA LEI N. 8.213/91. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. A Constituição Federal instituiu o Estado democrático de direito, com o objetivo de construir uma sociedade justa, pluralista e solidária, tendo como fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político, visando à garantia do desenvolvimento, da erradicação da pobreza, buscando o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigos 1º, e 3º, 5º, da Constituição). Daí deriva a necessidade da inclusão de pessoas portadoras de necessidades nos direitos à educação, à saúde, ao lazer, à previdência social e também ao trabalho, dentre outros que garantem a todos os cidadãos, a observância dos princípios fundamentais consagrados na Carta Magna. Observe-se que os direitos e garantias constitucionais somente se concretizam com a adoção da política de inclusão, visando minimizar ou mesmo afastar as desigualdades, proporcionando às pessoas com limitações de saúde e com necessidades especiais, oportunidade de trabalho, fator importante de integração e de realização pessoal. E o art. 93 da Lei 8.213/91 dispõe sobre as cotas referentes à reserva de mercado de trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência e/ou reabilitadas, motivo pelo qual a Recorrida tem o dever de cumprir o percentual de 5% (cinco por cento), atendendo ao total de seus empregados. Em face de a Empresa não estar cumprindo as determinações legais, as postergando, com demonstração de ausência da diligência necessária à admissão de trabalhadores portadores de deficiência e/ou reabilitados, dentro da cota fixada por lei; além de promover a dispensa, sem justa causa, desses trabalhadores especiais, sem que admitisse outros, dá-se provimento ao recurso do Ministério Público do Trabalho. (Processo: ROT - 0000522-41.2018.5.06.0313, Redator: Eneida Melo Correia de Araujo, Data de julgamento: 03/09/2019, Segunda Turma, Data da assinatura: 03/09/2019) (TRT-6 - RO: 00005224120185060313, Data de Julgamento: 03/09/2019, Segunda Turma)[96]

A presente jurisprudência tem como relatora a desembargadora Eneida Melo Correia de Araujo, sendo o Ministério Público do Trabalho o recorrente e a recorrida a empresa Tupan Construções Ltda. Ocorre que a empresa aduz que tentou colocar anúncios em jornais, entretanto não obteve sucesso, pois não consegui funcionários suficientes para o preenchimento das vagas. Entretanto, restou comprovado que a empresa recorrida dispensava os funcionários especiais sem justa causa, não admitindo outros de iguais condições no lugar destes. Outrossim, a empresa também não cumpria com a cota fixada em lei.

 O feito foi dado provimento, condenando a ré ao pagamento de uma indenização por danos morais coletivos, bem como tendo que cumprir as seguintes obrigações: contratar e manter os empregados com deficiência em número suficiente para o preenchimento da cota legal, sob pena de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por mês e que a reclamada fosse compelida a observar o disposto no artigo 93, da Lei 8.213/91, dando oportunidade ao pagamento da multa por empregado dispensado, caso não haja observância ao referido anteriormente.

Tal provimento deu-se em decorrência de que, conforme explanado no inteiro teor do julgado acima, a Lei Maior em seus artigo 1º, 2º,3º e 5º trazem consigo os embasamentos de soberania, pluralismo político, erradicação da pobreza, dignidade da pessoa humana, quaisquer formas de discriminação, sem preconceitos de cor, origem, raça, sexo e afins. Ficou explícito também que essas garantias e direitos constitucionais embora previstos, só podem ser colocados em prática mediante adoção de políticas de inclusão, com o objetivo de afastar e reduzir as desigualdades, proporcionando às pessoas com necessidades especiais e/ou limitações, tratamento igualitário e integração no meio social e laboral.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme todo o exposto, restou evidenciado que os deficientes sofreram e ainda sofrem diversas discriminações desde os primórdios, sendo em suas casas, no ambiente laboral, assim como na sociedade em geral. Sabe-se que estes lutam incessantemente para que haja a verdadeira isonomia, tendo em vista que em razão das limitações, essas pessoas devem ser tratadas desigualmente na medida das suas desigualdades.

Outrossim, é imprescindível destacar que conforme a evolução da sociedade, as leis devem evoluir conjuntamente para que esteja em consonância com as necessidades da sociedade. Entretanto, conforme fora supracitado, boa parte dessa evolução acerca da inclusão dá-se em razão das lutas que foram travadas por essa classe discriminada.

Destaca-se que um dos marcos principais foi a Constituição Federal de 1988, onde os preceitos previstos nesta permite que haja a promoção de políticas de naturezas afirmativas. No entanto, embora fale-se sobre discriminações positivas, ainda há uma corrente que não corrobora com tal, pois entendem não haver necessidade para essa iniciativa, uma vez que conforme o entendimento destes, as ações afirmativas tornam essa classe ‘privilegiada’.  Importante mencionar também a mudança realizada pela Emenda Constitucional nº45/2004, que introduziu o parágrafo 3º ao artigo 5º, dando a este status de emenda constitucional, tendo em vista abordar acerca dos Tratados e Convenções Internacionais sobre os direitos humanos, isto é, o assunto em questão também está englobado na égide das questões de Direitos Humanos.

A inclusão dos deficientes no mercado de trabalho dá-se maneira abstrusa, uma vez que a sociedade infelizmente ainda não os enxergam como seres capazes na medida de seus limites, pois ainda há entraves em relação a essas pessoas, uma vez que são vistas como incapazes, porquanto alguns indivíduos acreditam que as limitações físicas que estes possuem afetam em seus aspectos cognitivos, o que não é verdade. Isto é, embora um longo caminho tenha sido percorrido, ainda é um assunto rodeado de discriminações e desigualdades, pois embora os deficientes tenham conquistado algumas mudanças legislativas, como a criação de Estatutos, a exemplo do Estatuto da Pessoa com Deficiência ou a Lei de Cotas – onde as empresas devem ter um mínimo de trabalhadores deficientes compondo seu quadro de empregados de acordo com a proporção legal – ainda  há muito o que ser conquistado, uma vez que alguns empregadores não possuem interesse em contratar os deficientes e/ou os contratam apenas para receber as benesses que a lei oferece aos contratantes.

Todavia, existem casos em que os empregadores não conseguem cumprir com a cota legal, conforme fora exposto no capítulo três do presente, onde embora os representantes das empresas tenham ido em buscas de pessoas com deficiência para iniciar ou completar o quadro de funcionários, não havia sequer um deficiente inscrito, como também há alguns casos em que, existem indivíduos que podem ser incluídos no mercado de trabalho, entretanto não lhes são fornecidos meios adequados para essa efetivação.

No entanto, não se pode dizer que esses sujeitos não sabem superar as dificuldades, haja vista que conviver com discriminações, preconceitos, sentimento de menosprezo e mesmo assim ainda terem forças para tentar serem incluídos, bem como lutarem para ter os seus direitos efetivos, é uma característica de pessoas bastantes fortes. Cumpre salientar que, além de políticas inclusivas é necessário que as pessoas os vejam como seres humanos, independente das suas limitações e não como indivíduos que mereçam um gesto de caridade.  

Em suma, percebe-se que ainda há muito o que ser modificado, tanto pelas leis, assim como por parte das empresas, dos pensamentos da sociedade em relação aos deficientes e até mesmo no que tange aos próprios indivíduos deficientes. É necessário que as modificações legislativas não fiquem estáticas. Assim sendo, é indispensável que haja uma conscientização por parte de todos, onde as pessoas possam entender que embora os deficientes possuam limitações, tais limites desde que não sejam cognitivos, não obstam quaisquer formas de inclusão no mercado de trabalho, em outras palavras, os deficientes devem se enxergar como seres que possuem direitos e deveres e não satisfazerem-se com benefícios pecuniários, como aposentadorias fornecidas pelo Estado e acomodar-se. É necessário que as buscas pelas mudanças não parem, permitindo assim que esse cenário possa ser modificado e quem sabe futuramente haver uma igualdade que seja realmente efetiva.

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