A magistratura brasileira: ética profissional e a influência da opinião pública nos julgamentos de casos com repercussão social

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04/03/2020 às 18:18
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O presente trabalho tem como escopo a análise da atuação do magistrado nos casos de repercussão social, sob o ponto de vista da ética profissional, fazendo um exame preciso acerca da influência da opinião pública nas decisões judiciais.

1. INTRODUÇÃO

A ética permeia a vida em sociedade e se manifesta em todas as relações uma vez que é parte do comportamento humano. No meio profissional é um conjunto de normas que rege a consciência e atuação do ofício escolhido. Cada profissão tem o seu próprio código de ética com variações dadas a diferentes áreas de atuação.

O Código de Ética da Magistratura Nacional confirma o compromisso com a excelência do serviço público na resolução de conflito e distribuição de justiça, de modo a fortalecer a legitimidade do Poder Judiciário.

É fundamental para a magistratura brasileira cultivar princípios éticos, já que lhe cabe também a função educativa e exemplar de cidadania face aos demais grupos da sociedade.

O juiz é o aplicador da lei ao caso concreto, de modo que a sua conduta é exemplo de dignidade, prudência, integridade e cortesia.

A função da magistratura é tida como importante instrumento de efetivação do Estado Democrático de Direito, assegurando as promessas da democracia aos cidadãos e a eficácia de direitos básicos, garantidos constitucionalmente.

No primeiro artigo do código de ética da magistratura brasileira já se insere que a conduta deve ser norteada pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

É importante que o magistrado desempenhe suas atividades sem o recebimento de influências indevidas externas e estranhas à justa convicção que deva formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos, conforme previsão do art. 5º do mandamento ético profissional.

A independência do julgador deve prevalecer para que a justiça seja aplicada conforme o caso, seguindo os preceitos do direito.

A repercussão social de casos que chegam ao judiciário é cada vez maior, posto que os meios de comunicação estão mais amplos e com um processo de transmissão de informação que alcança os lugares mais longínquos, além da participação mais efetiva da sociedade.

O magistrado ao deparar com demandas que estão com clamor social e, a todo o momento explorado pela opinião pública com conclusões precipitadas e carentes do conhecimento técnico, não pode se deixar levar pelo geral, o que pode trazer injustiças e o desvirtuamento da função jurisdicional do Estado.

A insatisfação da sociedade no âmbito da realização da justiça é algo tão midiático quanto os crimes violentos que são expostos a todo instante pela mídia. De maneira que a impunidade latente na sociedade brasileira faz com que o clamor por justiça seja por muitas vezes inconsequente, chegando a atingir inocentes.

Nos casos em que há repercussão social, o magistrado deve agir com cautela, evitando decisões que possam causar danos aos acusados, já que a mídia exerce um pré-julgamento sem fundamentos legais e acaba por influenciar a sociedade, a qual exige do Poder Judiciário posicionamento imediato sobre determinado caso.

É bem verdade que a mídia brasileira busca audiência à custa do sofrimento humano, alcançando grande público, de forma que as pessoas em sua grande maioria costumam apreciar a dor alheia como produto de entretenimento. Com isso, há grandes fatos que tiveram grandes relevâncias no direito e consequentemente foram julgados, certamente sob forte influência da opinião pública, temos como exemplo o caso do mensalão, que foi de grande repercussão nacional.

É imperioso destacar que, quem decreta a inocência ou a culpa de um acusado é o Poder Judiciário, não os jornais nem a chamada opinião pública.

De fato, estamos vivendo num período em que o pré-julgamento está cada vez mais forte na sociedade, o que gera a impressão de um jogo de cartas marcadas, onde a sentença condenatória já está proferida.

Diante deste contexto, o presente trabalho configura-se na verificação e compreensão da ética profissional da magistratura brasileira e a influência da opinião pública nos julgamentos de casos com repercussão, ou seja, quais as consequências na prestação jurisdicional de casos com um pré- julgamento da sociedade.

Para o desenvolvimento foi abordado a ética, a justiça e o direito, observando o conceito de cada instituto e os princípios atinentes, além de aproximar em pesquisa o Poder Judiciário, a imprensa e a opinião pública.

No objetivo geral foi analisado o exercício da magistratura e dois casos práticos, sendo um de repercussão social nacional e o outro de repercussão local.


2. ÉTICA, JUSTIÇA E DIREITO

A ética está integrada ao direito e assim, consequentemente, à justiça, de modo que a ética fará a eleição das melhores ações tendo como finalidade o interesse coletivo. A justiça refere-se ao sentido e à finalidade das ações humanas. O direito existe para organizar a vida em sociedade, já a justiça pode ser compreendida como bem comum, um verdadeiro ideal da ação ética.

Nas palavras dos professores Guilherme Almeida e Martha Christmann, a justiça é a virtude das virtudes:

Tendo a justiça como a virtude das virtudes, a virtude cardeal, a filosofia grega estabeleceu aquelas que seriam, conjuntamente com a justiça, as quatro virtudes cardeais: justiça, prudência, coragem e temperança. Essas virtudes são chamadas cardeais, pois fundamentam o exercício de todas as outras virtudes: generosidade, compaixão, misericórdia, gratidão, humildade, simplicidade, tolerância, pureza, doçura, boa-fé, humor etc. Em outras palavras, as virtudes cardeais são o verdadeiro fundamento para o exercício de todas as ações que reforçam a tendência do bem. (ALMEIDA; CHRISTMANN, 2002, p.32)

Inegável a ligação entre justiça, direito e ética. Assim, nas decisões judiciais, a ética é a ferramenta capaz de auxiliar no discernimento da decisão mais adequada ao caso concreto.

Desse modo, o direito não deve ser entendido apenas como validez legal. É indispensável que se compreenda como a representação da convicção ética da sociedade.

De tal sorte, a norma jurídica deve captar esse conteúdo ético que legitima o seu sentido social, traduzindo o justo, o bem e o reto social, que são inerentes às aspirações de cada povo.

Para corroborar com o exposto acima, o professor Gilvandro Coelho, em seu livro Ética e Direito, afirma que o homem é o beneficiário principal dessa ordem social:

Esteio da ordem social, o homem é, por sua condição de ser racional, o beneficiário principal e o fim dessa mesma ordem. Nela não se situa apenas como um número, um indivíduo entre outros viventes. É também pessoa e, nessa qualidade, tem objetivos próprios, personalíssimos e sociais, a realizar, que se manifestam na vocação diferenciada de cada um. Entre estes figuram a crença em Deus e o sentimento de Justiça. Arraigado em todos os homens, o princípio da justiça exige a formação exemplar dos que a ela se dedicam profissionalmente e o funcionamento tempestivo dos órgãos públicos encarregados da sua distribuição, como condição precípua para o cumprimento da missão maior, de promover o bem comum. (COELHO, 1986, p.31)

Assim sendo, o direito é naturalmente ético, de modo que ausência de ética é ausência de direito.

Neste contexto, a professora Mariá Brochado, afirma que o direito é parte da ética, senão vejamos:

De qualquer forma, o direito ainda é tido como parte da ética, mas ontologicamente distinto da moral, e ainda uma espécie de formalizador de conteúdo dado pelas morais individuais em recíproca influência na totalidade social. Sob o ponto de vista da Ética, esse movimento é da consciência moral individual no seu trânsito para o movimento intersubjetivo (possibilitado pelo reconhecimento), na construção do consenso, que produz o momento da objetividade das instituições sociais, entre as quais está situado o direito, pressuposto nesse diálogo social, que o legitima como expressão da vontade popular (Habermas). (BROCHADO, 2006, p.60)

É bem verdade que um direito sem ética não é direito, mas uma tirania legalizada. Pois, se a justiça tem a sua finalidade nas ações humanas, buscando o que é justo e reto na aplicação do direito, é necessário que o julgador se liberte da arrogância e da vaidade para se identificar cada vez mais com a ética.

É o que bem explica o jurista e ex. Ministro do antigo Tribunal Federal de Recursos, hoje Superior Tribunal de Justiça, José de Aguiar Dias:

O direito nada pode sem a ética, e não pode haver paz sem Justiça. Toda regra de Justiça envolve amor, que resume, em seu mais amplo sentido, a verdadeira idéia da convivência entre os homens. A justiça se faz também com a compaixão. Nenhum infrator perde, com seu erro, a indestrutível condição humana, com os direitos inalienáveis que lhe pertencem. Pode e deve ser punido. Não pode, porém, ser insultado pelo juiz, para satisfação de sentimentos estranhos ao poder de punir. (DIAS, 1993, p.56)

Também coaduna com o pensamento do ex ministro, a professora Mariá Brochado:

No plano de uma ética jurídica, é possível justificar racionalmente a atribuição de direitos a um criminoso, e tal só pode ser compreendido no funcionamento coletivo de uma ética, e nunca pela moral individual. Os modos que o direito tem de organizar e conduzir a vida ética a cada dia são mais intricados, como: a garantia do direito de ação; dos sistemas de prova, definindo o que é ou não uma prova ilícita “ infectada” ou “ por derivação”; as possibilidades e limites de fiscalização das autoridades, que se coordenam com garantias individuais, como é o paradigmático caso da quebra de sigilo bancário, etc. E aqui nos restringimos a citar aspectos de direito formal, normalmente tratado pela filosofia do direito como um suporte técnico do verdadeiro direto, que é o direito material. Esse suporte procedimental já se encontra impregnado de valores, de garantias, todos de conteúdo material, e que possibilitam o verdadeiro exercício de um direito, que em sua simplicidade material, declarado como “de alguém em circunstâncias tais”, não traz o caminho para alcançá-lo, caminho este iniciado pela actio, como vimos. (BROCHADO, 2006, p.181)

Nestas condições, a partir da lei e dos princípios gerais, os operadores do direito buscam construir um sistema responsável, capaz de proporcionar a cada jurisdicionado uma distribuição equânime de direitos, pautados sempre na independência do exercício da judicatura, bem como na confiança do órgão jurisdicional.

2.1.Conceitos

A ética tem inúmeros conceitos, dentre eles está o conceito produzido pelo professor Luiz Fernando Coelho:

A ética pode ser conceituada como moral social, conjunto de crenças que se expressam em valores e princípios que atuam intersubjetivamente no inconsciente coletivo. A ética social está em estreita vinculação com a ordem jurídica, pressupondo-se que os valores aceitos pela sociedade tendem a expressar-se através da constituição das leis. (COELHO, 2011, p.298/299)

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De fato, a ética está atrelada a ordem jurídica, daí a importância de o magistrado ter sua formação com aspectos éticos, ideológicos e humanísticos, capaz de entender a sociedade e o indivíduo, para com isso, melhor aplicar o direito e a justiça, conforme o entendimento do juiz federal, Artur César de Souza, no artigo sobre a parcialidade positiva do juiz:

Portanto, os aspectos humanísticos, éticos e deontológicos na formação do magistrado requerem a sua libertação dos postulados dogmáticos que propugnam por uma subjetividade asséptica, a fim de que sua responsabilidade pré-ontológica no campo de relação jurídica processual esteja voltada para o “Outro”, vítima transcendental de um sistema dominante. (SOUZA, 2009)

O exercício das diversas profissões é fincado na idoneidade ética daqueles que desempenham. A atividade judicial, por sua vez, exige muito mais a atuação ética, tendo em vista o poder discricionário que o Direito apresenta nas diversas situações do cotidiano.

A justiça por sua vez, tem conceito amplo e irrestrito, posto que alguns autores conceituam como o bem comum, que seria o ideal da então ação ética. Outros afirmam que a justiça é um ideal que nunca será atingido pelo direito positivo, posto que o conteúdo da justiça é bipolar, tanto agrada, quanto desagrada. O professor José Cláudio Baptista, enfatiza que a justiça pode ser vinculada a qualquer ideia:

Melhormente, a justiça deve ser tratada como sentimento que se vincula a qualquer idéia. Quando se pergunta se alguma coisa é justa ou injusta, esse algo é a idéia que se sente dever ou não dever ser. A idéia é justa ou injusta, portanto, e o conteúdo da justiça é a sua bipolaridade- agradabilidade ou desagradabilidade. E, como não há sentimento sem idéia nem idéia sem sentimento (ao mesmo tempo em que se tem clareza sobre a distinção de ambos), a idéia de justiça, mesmo que se entenda ser ela vinculada à virtude, é pura abstração que não pode coincidir com outra coisa senão com o valor, o sentido que à coisa se dá. (BAPTISTA, 2007, p.66)

De fato, sendo a justiça um sentimento, será empregada a cada situação e de acordo com a ideia daquilo que é justo e injusto conforme a situação fática.

O direito não tem um conceito estático, cada qual cria a sua própria concepção, segundo o magistrado Orlando Luiz Zanon Junior, o direito é uma especialização da ética:

Outrossim, o Direito é um passo adiante da Ética, no sentido da institucionalização de padrões de conduta mediante a articulação da Sociedade com o Estado, nada vedando eventual sobreposição ou ampliação do sistema, mediante a criação de órgãos supranacionais e internacionais e sem prejuízos de influxos decorrentes do pluralismo normativo ou da transnacionalidade. (ZANON JUNIOR, 2014, p.18)

A professora Mariá Brochado, faz a distinção entre direito objetivo e direito subjetivo:

O direito (objetivo) vige no interesse do todo, e os direitos (subjetivos) vigem no interesse das pessoas, mas sobre a base do direito comum. O todo é a coletividade (todo social) ordenada eticamente (todo ético), e não um amontoado de ações desordenadas que se chocam. Direitos e deveres se conectam num único tecido vivente (universal e particular), formando a unidade. O todo ético é o modo de viver do todo social, que tem seus órgãos manifestos como direito e moral. (BROCHADO, 2006, p.47/48)

De acordo com os professores Guilherme Almeida e Martha Christmann, ética e direito estão no plano do dever-ser:

É tica e Direito, esclarecimento essencial, não fazem parte da realidade das coisas, estão no plano do dever-ser. Isso significa dizer que as leis que regem o comportamento dos homens (éticas ou jurídicas) são, sempre, melhores que nossos homens e mulheres. O plano do ser e do dever-ser imbricam-se, entrecruzam-se, chegam até a se identificar, mas não habitam o mesmo universo. (ALMEIDA; CHRISTMANN, 2002, p.22)

Ainda segundo o professor Baptista, o direito se manifesta de várias formas:

O direito se manifesta, como se viu, de formas variadas. Deve-se ir à feira é um comando que vem da convivência social e é direito porque e quando promove a circulação das riquezas, o suprimento das necessidades pessoais e do grupo onde alguém se insere, o crescimento da economia, maiores possibilidades de trabalho remuneração, etc. Por outro lado, promove o recolhimento de tributos, teórica e muitas vezes praticamente necessários à manutenção da máquina estatal, que se propõe a prestar serviços como saúde, educação e segurança. (BAPTISTA, 2007, p.89)

Desta feita, o direito ordena a vida em sociedade, pacificando as relações humanas, por meio de normas jurídicas, que são pautadas na ética e na moral social. De tal modo que, restabelecer a paz entre os litigantes e distribuir a justiça, é a missão precípua do magistrado.

2.2. Histórico

Os problemas éticos tiveram início na época do filósofo grego Sócrates, que era conhecido como o pai da moral. Platão e Aristóteles desenvolveram o racionalismo ético, até então iniciado por Sócrates.

Como bem explica o professor de história PUC-USP, Gilberto Cotrim:

O homem que se desenvolve no plano teórico, contemplativo, pode compreender a essência da felicidade e realizá-la de forma consciente. Na análise aristotélica, isso seria privilégio de uma minoria, e o homem comum, aquele que não se dedicar à atividade teórica, aprenderia, apenas através do hábito, agir corretamente. (COTRIM, 2002, p.273)

Ainda sobre a ética introduzida por Platão, Sócrates e Aristóteles, os professores Guilherme Almeida e Martha Christmann, fazem a seguinte observação:

A ética de Sócrates sintetiza-se no conhecimento que leva em direção à felicidade. Platão incorpora essa idéia e desenvolve a noção de Justiça como Bem Comum; bem é esse dirigente da ação humana, encontrado, tão- somente, em um plano metafísico. Já para Aristóteles, a Justiça será uma virtude, não qualquer virtude, mas a virtude das virtudes, a virtude cardeal; caberá a ela mostrar o justo meio. (ALMEIDA; CHRISTMANN, 2002, p.31)

A reflexão da ética nos séculos XIX e XX, tem como ponto central o próprio homem, sua origem e seus valores morais, de modo a entender o comportamento humano, com os seus ideais do bem e do mal, aceitos consensualmente.

Sobre a ética e o direito para o século XXI, a professora Mariá Brochado afirma que a concepção de direito como mínimo ético não sobrevive aos paradigmas jurídicos:

O que nos permite concluir que a concepção de direito como mínimo ético não sobrevive aos paradigmas jurídicos do século XXI. Aqui o direito deve se tornar o realizador do máximo ético, porque a vida jurídica acompanhou os progressos da liberdade humana, de tal modo que, se não tem, em princípio, um direito de todos e para todos, tal será alcançado quando (e juntamente com) a consciência humana tornar-se em-si e para-si, o que se reflete, evidentemente, sobre a idéia de direito. Nos Estados totalitários, a sociedade não se identifica com a figura do sujeito de direitos. Com a virada na idéia de detenção do poder experimentada na transição política do final do século XVIII, os destinatários das regras de direito são os legítimos detentores do poder conferido a elas (Salgado), e a coerção passa a ser compreendida como uma necessidade de manutenção da ordem, em virtude da viabilização dos exercícios de direitos do todo, que almeja seja essa ordem garantida para si mesmos. (BROCHADO, 2006, p.205)

Conforme exposto pela professora, a manutenção da ética veio ao longo dos séculos, de modo a incorporar o direito e a liberdade humana. O jurista, como executor ético, é a efetividade do direito na ordem social, através do processo democrático.

No mundo contemporâneo, a construção da ética é um desafio, já que a conduta humana se reflete no individualismo que o próprio sistema social impõe. Com crescimento demográfico, os valores éticos morais são esquecidos ou pouco exercitados.

Atualmente a ética tem sido núcleo temático sobre alguns setores da sociedade, como na política, na economia e principalmente na atividade judicial. Nesse contexto, o professor José Cláudio Baptista, afirma:

A lei, o direito, a ética, evidentemente, estão presentes em cada interação, dependendo de sua característica específica. Como o direito é, geralmente, um fato social, a conduta humana é jurídica quando a regra que a determina é norma jurídica. (BAPTISTA, 2007, p.145)

Tendo em vista a importância da ética para a convivência em sociedade. A ética profissional tem como objetivo principal, disciplinar o comportamento para o exercício da profissão.

O Código de Ética da Magistratura Nacional só veio surgir em 2008, pelo Conselho Nacional de Justiça, depois de verificada a importância de os juízes aumentarem a confiança da sociedade em sua autoridade, fortalecendo a legitimidade do Poder Judiciário.

Nas palavras da magistrada Marina Gurgel, o juiz tem o dever ético:

Assim, o novo paradigma ético, centrado na afinação intelectual com as ciências humanas, em simetria com a densidade dos problemas sociais sobre os quais se debruça o juiz em sua rotina de atividades, determina ao magistrado uma “ética aplicada”, integrante de um projeto comunitário, quando o juiz é forjado como colaborador no desenvolvimento da instituição, ao aperfeiçoar-se, por dever ético, e compartilhar e difundir o conhecimento necessário à otimização da prestação jurisdicional, dever anexo que ultrapassa uma conduta ética tomada no plano individual. (COSTA, p.2)

O aperfeiçoamento nos princípios éticos é essencial ao magistrado face a importância da sua posição social.

2.3. Princípios

Os princípios éticos devem nortear o exercício da função judicante, de maneira a construir o valor moral da justiça. A base principiológica proporciona ao magistrado uma melhor distribuição justa de direitos, seja pela independência funcional, seja pela observância ao princípio que fundamenta o Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana.

O professor Juan Carlos Mendonza, elencou mandamentos éticos que devem orientar o juiz no seu ofício, são eles:

Decálogo do juiz: 1º) sê honesto: o conteúdo necessário do direito são os valores morais; donde não se pode conceber um ordenamento jurídico que não responda a um princípio ético. Por esses valores morais, o direito existe e tem autoridade, aperfeiçoa-se e se impõe aos homens. Para que possas aplicá-lo com rigor e cumprir seus pressupostos últimos, deves encarnar em ti esses valores, entre os quais a honestidade é o primeiro e essencial ao teu magistério. 2º) sê sóbrio: a sobriedade é uma exigência do teu cargo. Para que sejas um verdadeiro magistrado e alcances o respeito de teus semelhantes hás de ser necessariamente exemplar em tua vida pública e privada e hás de condensar em todas as tuas decisões o equilíbrio de tua alma. 3º) sê paciente: quem vai aos tribunais em demanda de tua justiça, leva atribulações e ansiedade que hás de compreender. Esta é a parte mais sensível e humana de tua missão: ela te ajudará a ter presente que o destinatário de tua sentença não é um ente abstrato ou nominal, mas que é um homem e, mais que um homem, uma pessoa humana. 4º) sê trabalhador: deves esforçar-te para que tenha vigência o ideal de justiça rápida, se bem que não deves sacrificar o estudo à celeridade. Trabalha no pleito mais insignificante com a mesma devoção que no pleito mais importante e, em todos os casos, tem presente que o que está em jogo é a própria justiça. 5º) sê imparcial: o litigante luta pelo seu direito quanto tu lutas pelo direito; e isto não deves nunca esquecer. Não te deves levar por suas simpatias ou antipatias, por conveniências ou compaixões, por temor ou misericórdia. A imparcialidade implica a coragem de decidir contra o poderoso, mas também o valor muito maior, de decidir contra o fraco. 6º) sê respeitoso: sê respeitoso da dignidade alheia e de tua própria dignidade; respeitoso nos atos e nas palavras. Todo direito é dignidade; está dirigido à dignificação da pessoa humana e não se o pode conceber esvaziado dela. Deves estar consciente da imensa responsabilidade de teu ministério e da enorme força que a lei pôs em tuas mãos. 7º) sê justo: antes de mais nada, averigua nos conflitos aonde está a justiça em seguida, fundamenta-a no direito. Do ponto de vista técnico, hás de esforçar-se para que a verdade formal coincida com a verdade real e para que tua decisão seja a expressão viva de ambas. 8º) ama o direito: se a advocacia é um nobre apostolado, que exige um profundo amor ao direito, a magistratura judicial é um apostolado mais nobre ainda, isento de enganos e refúgios, que exige para o direito uma devoção maior porque não te dará triunfos nem riquezas. 9º) sê independente: tuas ordens hão de vir unicamente das normas da lei, e de tua consciência. Não é por capricho que se quer que sejas independente e que os homens tenham lutado e tenham morrido por ela, mas porque a experiência jurídica da humanidade demonstra que é esta uma garantia essencial da justiça, a condição de existência do poder jurisdicional, o modo mais eficaz de proteger o indivíduo contra os abusos do poder. 10º) defende a liberdade: tem presente que o fim lógico para o qual foi criada a ordem jurídica é a justiça, e que a justiça é conteúdo essencial da liberdade. Na medida em que a faças respeitar, tu, teus companheiros e tua posteridade, gozarão de seus benefícios, pois nunca foram livres os homens, nem os povos, que não souberam ser justos. Defender a liberdade não é fazer política, se não preservar a saúde da sociedade e o destino das instituições que a dignificam. Para cumprir teu dever, para que esse baluarte seja majestoso e imponente, é mister que tu te levantes, como nunca, por cima das paixões e cumpras com grandeza a com suprema energia teu dever de magistrado, teu alto apostolado jurídico: que não cedas ante a violação de uma única lei e não te embaraces no atentado contra a única garantia. (MENDONZA apud COELHO, 1986, p.42/43).

Os mandamentos éticos destacados pelo nobre professor, são essenciais ao exercício da magistratura, de maneira a honrar a justiça e a defesa dos valores constitucionais.

O código de ética da magistratura brasileira trouxe princípios basilares, os quais são inerentes a função do julgador. No primeiro artigo já se faz referência a conduta do magistrado, que deve ser conduzida pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

É inquestionável a imprescindibilidade dos princípios apontados no art.1º do código de ética em estudo, cuja finalidade é garantir a excelência da atividade jurisdicional, promovendo acima de tudo a dignidade da pessoa humana.

O juiz deve ter consciência de sua responsabilidade e respeito aos jurisdicionados, que estão aguardando uma decisão para resolução do conflito.

A independência é um princípio ético do magistrado, que se refere as atividades judiciais, na relação entre os colegas, vedando a interferência na atuação do outro, como também exige que ao decidir seja independente, sem nenhuma intervenção externa ou interna:

INDEPENDÊNCIA

Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas legais.

Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.

Art. 6º É dever do magistrado denunciar qualquer interferência que vise a limitar sua independência.

Art. 7º A independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de atividade político-partidária.

A imparcialidade é um princípio ético que contempla uma postura técnica do juiz, com tratamento em igualdade de partes e decisão isenta de qualquer favorecimento a qualquer parte:

IMPARCIALIDADE

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito. Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.

Parágrafo único. Não se considera tratamento discriminatório Injustificado:

I - a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado; II- o tratamento diferenciado resultante de lei.

O princípio da transparência é um dos mais relevantes, de modo que conduz o magistrado ao comportamento probo e transparente junto aos jurisdicionados e toda a sociedade, além de garantir justiça nas suas decisões:

TRANSPARÊNCIA

Art. 10. A atuação do magistrado deve ser transparente, documentando-se seus atos, sempre que possível, mesmo quando não legalmente previsto, de modo a favorecer sua publicidade, exceto nos casos de sigilo contemplado em lei.

Art. 11. O magistrado, obedecido o segredo de justiça, tem o dever de informar ou mandar informar aos interessados acerca dos processos sob sua responsabilidade, de forma útil, compreensível e clara.

Art. 12. Cumpre ao magistrado, na sua relação com os meios de comunicação social, comportar-se de forma prudente e equitativa, e cuidar especialmente:

  1. para que não sejam prejudicados direitos e interesses legítimos de partes e seus procuradores;

  2. De abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, doutrinária ou no exercício do magistério.

Art. 13. O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza.

Art. 14. Cumpre ao magistrado ostentar conduta positiva e de colaboração para com os órgãos de controle e de aferição de seu desempenho profi- ssional.

A integridade pessoal e profissional do magistrado também elencada como um princípio, aponta que o magistrado deve ter uma conduta exemplar perante toda a comunidade, inclusive com algumas privações, já que não se trata de uma pessoa comum, mas de um aplicador da justiça:

INTEGRIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL

Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.

Art. 17.É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional.

Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem autorização, os bens públicos ou os meios disponibilizados para o exercício de suas funções. Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial.

O princípio da diligência e dedicação, é inerente a função da judicatura. Estar atento aos prazos e aos processos pendentes em seu gabinete é um dever do juiz, cada processo que aguarda uma decisão, é um cidadão que busca justiça:

DILIGÊNCIA E DEDICAÇÃO

Art. 20. Cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a máxima pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em um prazo razoável, reprimindo toda e qualquer iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé processual.

Art. 21. O magistrado não deve assumir encargos ou contrair obrigações que perturbem ou impeçam o cumprimento apropriado de suas funções específicas, ressalvadas as acumulações permitidas constitucionalmente.

§ 1º O magistrado que acumular, de conformidade com a Constituição Federal, o exercício da judicatura com o magistério deve sempre priorizar a atividade judicial, dispensando-lhe efetiva disponibilidade e dedicação.

§ 2º O magistrado, no exercício do magistério, deve observar conduta adequada à sua condição de juiz, tendo em vista que, aos olhos de alunos e da sociedade, o magistério e a magistratura são indissociáveis, e faltas éticas na área do ensino refletirão necessariamente no respeito à função judicial.

O princípio da cortesia, diz respeito ao trato do magistrado para com os seus colegas, advogados, membros do Ministério Público, servidores, partes e todas as pessoas da sociedade:

CORTESIA

Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça. Parágrafo único. Impõe-se ao magistrado a utilização de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível.

Art. 23. A atividade disciplinar, de correição e de fiscalização serão exercidas sem infringência ao devido respeito e consideração pelos correicionados.

Ser um juiz prudente é agir de acordo com a lei, com comportamentos e decisões que possam ser racionalmente justificados à luz do direito aplicável:

PRUDÊNCIA

Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável.

Art. 25. Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar.

Art. 26. O magistrado deve manter atitude aberta e paciente para receber argumentos ou críticas lançadas de forma cortês e respeitosa, podendo confirmar ou retificar posições anteriormente assumidas nos processos em que atua.

O sigilo profissional é um princípio constitucional, que deve ser seguido por todo profissional e, na magistratura não é diferente, pois garante a lisura no exercício da atividade:

SIGILO PROFISSIONAL

Art. 27.O magistrado tem o dever de guardar absoluta reserva, na vida pública e privada, sobre dados ou fatos pessoais de que haja tomado conhecimento no exercício de sua atividade.

Art. 28. Aos juízes integrantes de órgãos colegiados impõe-se preservar o sigilo de votos que ainda não hajam sido proferidos e daqueles de cujo teor tomem conhecimento, eventualmente, antes do julgamento.

O conhecimento e a capacitação garantem uma prestação jurisdicional técnica, trazendo eficiência e qualidade:

CONHECIMENTO E CAPACITAÇÃO

Art. 29. A exigência de conhecimento e de capacitação permanente dos magistrados tem como fundamento o direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral à obtenção de um serviço de qualidade na administração de Justiça.

Art. 30. O magistrado bem formado é o que conhece o Direito vigente e desenvolveu as capacidades técnicas e as atitudes éticas adequadas para aplicá-lo corretamente.

Art. 31. A obrigação de formação contínua dos magistrados estende-se tanto às matérias especificamente jurídicas quanto no que se refere aos conhecimentos e técnicas que possam favorecer o melhor cumprimento das funções judiciais.

Art. 32. O conhecimento e a capacitação dos magistrados adquirem uma intensidade especial no que se relaciona com as matérias, as técnicas e as atitudes que levem à máxima proteção dos direitos humanos e ao desenvolvimento dos valores constitucionais.

Art. 33. O magistrado deve facilitar e promover, na medida do possível, a formação dos outros membros do órgão judicial.

Art. 34. O magistrado deve manter uma atitude de colaboração ativa em todas as atividades que conduzem à formação judicial.

Art. 35. O magistrado deve esforçar-se para contribuir com os seus conhecimentos teóricos e práticos ao melhor desenvolvimento do Direito e à administração da Justiça.

Art. 36. É dever do magistrado atuar no sentido de que a instituição de que faz parte ofereça os meios para que sua formação seja permanente.

O dever de dignidade, honra e decoro no exercício profissional é necessário para fortalecer a confiança do cidadão na justiça:

DIGNIDADE, HONRA E DECORO

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.

Art. 38. O magistrado não deve exercer atividade empresarial, exceto na condição de acionista ou cotista e desde que não exerça o controle ou gerência.

Art.39. É atentatório à dignidade do cargo qualquer ato ou comportamento do magistrado, no exercício profissional, que implique discriminação injusta ou arbitrária de qualquer pessoa ou instituição.

Os deveres funcionais do magistrado estão primeiramente na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Os princípios constitucionais devem servir de bases nas decisões e ações dos juízes.

Observar e colocar em prática os princípios éticos é assegurar ao cidadão que busca o judiciário, uma prestação jurisdicional eficiente e equânime.

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