Resumo: A legalização do aborto é um assunto muito discutido e polêmico nos dias atuais, tendo em vista que afeta o direito das mulheres no que tange à disposição de seu corpo. Por um lado, há aqueles que defendem os direitos femininos em manter ou não uma gestação, já outros não concordam com este ponto de vista, considerando que o feto possui direito à vida, consagrado na Constituição Federal, e que infringiria os preceitos morais da sociedade, além de ocasionar um problema de saúde pública, caso a descriminalização seja concedida. Esse artigo tem por finalidade a análise do crime de aborto em si, as divergentes opiniões sobre o tema e a melhor solução com base no ordenamento jurídico pátrio, embasando a pesquisa em doutrinas, leis e jurisprudências.
Palavras-chave: Feto. Vida. Aborto. Descriminalização.
1. INTRODUÇÃO
A gravidez indesejada é um fato vivido por muitas mulheres na atualidade, geralmente, não por falta de acesso a métodos contraceptivos ou conhecimento sobre o assunto, mas por descuido do casal, quanto ao momento da prática da conjunção carnal, pois não se protegeram de forma adequada.
Atormentadas pela iminente chegada de um bebê, algumas mulheres optam pela realização de manobras abortivas, acreditando ser essa a solução do problema. Entretanto, via de regra, isso não acontece. Primeiramente, pelo fato da prática do aborto ser considerada criminosa no Brasil, onde gestante e médico, caso descobertos podem ser presos. A depender da maneira que esse for praticado, como normalmente ocorre em clínicas clandestinas por pessoas despreparadas, pode haver sérias sequelas para a saúde da mulher, e, em alguns casos vindo até mesmo a falecer, tornando a situação um problema de saúde pública. Outro fato corriqueiro é a culpa que se abate nas mulheres que efetuam tal crime, levando-as a desenvolver depressão, como tantas outras moléstias psicossomáticas. Abstrai-se que a prática do aborto é uma ação que pode envolver sérias consequências, tanto para a mulher quanto para a sociedade de um modo geral.
Em contrapartida, há movimentos feministas que defendem a igualdade entre homens e mulheres, tendo elas o direito de dispor seu corpo da forma que julgar correto, devendo decidir sobre a interrupção ou não de uma gravidez.
A legislação brasileira, apesar de criminalizar o aborto, permite algumas exceções, sendo quando a gravidez colocar a vida da mãe em risco; quando for fruto de estupro; ou quando o feto sofrer anencefalia. Discute-se, recentemente, quanto a interrupção da gravidez para gestantes que contraíram o zica vírus, ou a descriminalização do aborto, quando praticados até a terceira semana de gestação. Percebe-se que a legislação pátria não é rígida quanto ao assunto, sendo passível alteração.
Assim, através da análise dos entendimentos dos legisladores, doutrinadores e magistrados, demonstrar-se-á a necessidade ou não da descriminalização do aborto.
2. DIREITOS DO NASCITURO
O Código Civil (CC) brasileiro foi confeccionado no intuito de resguardar direitos intrínsecos das pessoas no que tange às relações interpessoais e jurídicas, como, por exemplo, o direito à vida, à personalidade, à propriedade, entre outros. Contudo, para discorrer sobre esses, faz-se necessário conceituar quem é seu titular, ao caso, o que é a pessoa; assim sendo, esse é todo o ser humano nascido com vida.
Constata-se que todo o ordenamento jurídico gira em torno da pessoa e de suas relações em sociedade, tendo em vista que o direito foi criado pela própria humanidade. A Constituição Federal Brasileira (CFB) colocou a pessoa humana como destinatário dos direitos ali dispostos, resguardando de maneira suprema, protegido por cláusula pétrea o direito à vida, como elenca o caput do Art. 5°.
O direito à vida é tão importante pois alguém só será um titular de direitos, se primeiramente existir, sendo necessário que seja gerada, surgindo, então, à figura do nascituro. Pode-se dizer que o nascituro é o ser concebido de seres humanos, mas que ainda não nasceu está no ventre materno. Apesar desse não ser considerado ainda uma pessoa, o CC buscou conceder certos direitos a esses no intuito de resguardar sua condição fragilizada.
A primeira discussão a ser levantada é se o nascituro possui direito a personalidade. Como conceito, à luz dos ensinamentos de Clóvis Beviláqua (1999, p. 81) tem-se que:
a personalidade jurídica tem por base a personalidade psíquica, somente no sentido de que, sem essa última não se poderia o homem ter elevado até a concepção da primeira. Mas o conceito jurídico e o psicológico não se confundem. Certamente o indivíduo vê na sua personalidade jurídica a projeção de sua personalidade psíquica, ou, antes, um outro campo em que ela se afirma, dilatando-se ou adquirindo novas qualidades. Todavia, na personalidade jurídica intervém um elemento, a ordem jurídica, do qual ela depende essencialmente, do qual recebe a existência, a forma, a extensão e a força ativa. Assim, a personalidade jurídica é mais do que um processo superior da atividade psíquica; é uma criação social, exigida pela necessidade de pôr em movimento o aparelho jurídico, e que, portanto, é modelada pela ordem jurídica.
Assim, a personalidade civil é direito irrevogável, intransferível, irrenunciável, conferido a pessoa pelo fato de nascer com vida, sendo entendimento utilizado pelos tribunais superiores, que nascer com vida é o ato de nascer e efetuar a primeira respiração.
Neste contexto, segundo Pablo Stolze (2012, p. 111) há três vertentes doutrinarias principais que discorrem sobre a personalidade. A primeira, Teoria Natalista, defende que a personalidade civil somente se adquire após o nascimento da pessoa com vida; A segunda, Teoria Concepcionista, defende que o nascituro adquire personalidade civil desde a sua concepção; A terceira, Teoria da Personalidade Condicional entende que os direitos do nascituro estão em um estado suspensivo, caso este realmente venha a nascer com vida, seus direitos passaram a surtir efeitos no ordenamento jurídico, porém, caso nasça morto esse direito deixa de estar suspenso e passa a ser extinto.
O artigo 2° do CC elenca que: “A personalidade civil da pessoa começa do seu nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
No que diz respeito a estas teorias, não há uma que predomine sobre a outra, tanto que pela leitura da primeira parte do artigo 2°, presume-se que o código adotou a Teoria Natalista, contudo, pela leitura da segunda parte, presume-se que o código adotou a Teoria Concepcionista. Depreende-se, então, que a aplicação destas teorias ocorre de forma mitigada, ou seja, conforme a melhor solução do caso concreto se adota ora uma ora outra.
Em um viés de esclarecimento sobre a personalidade do nascituro, Silvio Rodrigues (1998, p. 36. ) ensina que:
A lei não lhe concede personalidade, a qual só lhe será conferida se nascer com vida. Mas, como provavelmente nascerá com vida, o ordenamento jurídico desde logo preserva seus interesses futuros, tomando medidas para salvaguardar os direitos que, com muita probabilidade, em breve serão seus.
Importante destacar desta reflexão que, segundo ou outra concepção, o ponto em comum é que para a obtenção da personalidade o ser humano necessita nascer com vida, sendo então a proteção do direito à vida pelo ordenamento jurídico algo imprescindível ao nascituro.
Assim como na jurisprudência, os tribunais não possuem entendimento pacífico a respeito de qual teoria adotar, porém se busca sempre a efetuação da justiça para melhor atender a situação. A fim de exemplificar o assunto em debate, segue alguns julgados dos tribunais.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
Seguro-obrigatório. Acidente. Abortamento. Direito à percepção de indenização. O nascituro goza de personalidade jurídica desde concepção. O nascimento com vida diz respeito apenas à capacidade de exercício de alguns direitos patrimoniais. Apelação a que se dá provimento.
(Apelação Cível n. 70002027910, sexta câmara cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, julgado em 28/03/2001)”.
Superior Tribunal de Justiça:
“DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO. COMPOSIÇÃO FÉRREA. AÇÃO AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO. PRESCRIÇÃO INEXISTENTE. INFLUÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS DANOS MORAIS. DOUTRINA. ATENUAÇÃO. FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I — Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum. II — O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum. III — Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional.”
(STJ, 4.ª T., REsp 399028/SP; REsp 2001/0147319-0, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 26-2-2002, DJ 15-4-2002, p. 232).
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
Investigação de paternidade. Alimentos provisórios em favor do nascituro. Possibilidade. Adequação do quantum. 1. Não pairando dúvida acerca do envolvimento sexual entretido pela gestante com o investigado, nem sobre exclusividade desse relacionamento, e havendo necessidade da gestante, justifica-se a concessão de alimentos em favor do nascituro. 2. Sendo o investigado casado e estando também sua esposa grávida, a pensão alimentícia deve ser fixada tendo em vista as necessidades do alimentando, mas dentro da capacidade econômica do alimentante, isto é, focalizando tanto os seus ganhos como também os encargos que possui. Recurso provido em parte
(Agravo de Instrumento n. 70006429096, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 13/08/2003).
Dentre os direitos dos nascituros, tem-se direito à vida, á filiação, à saúde, à integridade física, a ser contemplado em doações, à alimentos gravídicos, a receber seguro DPVAT em determinados casos, a danos morais em algumas situações, etc.
3. DO CONCEITO DE ABORTO
A prática do aborto, apesar de estar criminalizada pelo Código Penal (CP), é um delito corriqueiro no país, tendo em vista o número de mulheres que contraem uma gravidez indesejada e em seu pensamento não encontram outra solução que não praticar tal ato, seja por conta própria ou com a ajuda de terceiros em clínicas clandestinas.
Contudo, é necessário, precipuamente, esclarecer o conceito de aborto. Aníbal Bruno (1976, p. 160) ensina que:
Segundo se admite geralmente, provocar aborto é interromper o processo fisiológico da gestação, com a consequente morte do feto. Tem-se admitido muitas vezes o aborto ou como a expulsão prematura do feto, ou como a interrupção do processo de gestação. Mas nem um nem outro desses fatos bastará isoladamente para caracterizá-lo.
Tem-se, portanto, que o aborto em si é a interrupção da gestação, de forma que não haja a continuação da concepção do feto, sendo este expelido do ventre materno, vindo a óbito. Entretanto, como elucidou Aníbal Bruno, o fato de um aborto ocorrer não é suficiente para consumar o crime de aborto, tendo em vista que, em certas circunstâncias, como em uma gravidez de risco, o aborto pode ser provocado pelo próprio corpo da mulher, sem que esta assim deseje, sendo considerado um aborto natural.
Já para o direito penal, em específico, o aborto é a interrupção da gravidez provocada por uma ação violenta de alguém que resulta na morte do feto.
A vida se inicia com a concepção ou com a fecundação, ou seja, a partir do momento em que o óvulo feminino se encontra com o espermatozóide masculino e é fecundado; Entretanto, para fins de proteção da lei penal a vida somente terá relevância, para termos de penalização, após a nidação, ou seja, após a implantação do óvulo já fecundado no útero, o que ocorre 14 dias após a fecundação.
Assim, desde a nidação até o momento do parto, toda a intervenção que resultar na morte do produto da concepção é aborto. A partir do início do parto qualquer ação que gere efetiva lesão ao direito à vida do feto será considerado homicídio ou infanticídio a depender da situação.
3.1. Classificação Doutrinária
Quanto à classificação conferida pela doutrina ao crime de aborto, conforme entendimento de Rogério Greco (2017, p. 172) tem-se que o sujeito ativo é a gestante ou terceiro que realizou as manobras abortivas com ou sem o consentimento da gestante. O sujeito passivo é o feto ou o embrião.
É um delito que pode ser praticado por qualquer meio escolhido pelo agente. É tido como um crime doloso, pois nenhum das modalidades de aborto prevê a figura culposa. É um crime próprio no que diz respeito a gestante em estado puerperal e é um crime comum nas hipóteses em que podem ser praticadas pelo terceiro.
Tem-se por crime comissivo, ou seja, por regra geral, envolve uma ação, sendo também um crime de dano, exigindo-se uma efetiva e concreta lesão ao bem jurídico. É um crime material, pois requerer para sua consumação a morte do feto.
O objeto jurídico diz respeito a qual bem jurídico está sendo protegido, neste caso sendo a vida do feto, tendo por objeto material o feto ou embrião e a gestante nos casos em que puder sofrer lesão corporal gravíssima ou morte.
É um crime instantâneo. Pode ser monossubjetivo, sendo praticado por uma única pessoa, e pode ser plurissubsistente porque vários atos podem fazer parte da conduta descrita na norma.
4. DAS TIPIFICAÇÕES DO ABORTO NO CÓDIGO PENAL
É preciso recorrer a legislação pátria para compreender por qual modo a prática do aborto é considerado um fato típico. O legislador dedicou no Título primeiro, Dos crimes contra a pessoa, da Parte Especial do Código Penal, um capítulo exclusivo para tratar sobre os crimes praticados contra a vida da pessoa, cujo um deles é o objeto de estudo desse capítulo.
Precipuamente, é importante esclarecer que, via de regra, o CP adota a Teoria Monista, essa determina que todos os indivíduos que de alguma maneira contribuírem para a realização de um crime, terão sobre si recaídas a pena estabelecida para o mesmo. Contudo, o crime de aborto é uma exceção a esta regra, tendo em vista que a lei prevê dois tipos penais diferentes, para punir de formas distintas sendo duas pessoas que estão envolvidas nesse crime. Estudar-se-á, a seguir, todas as modalidades do aborto.
4.1. Do auto aborto
A primeira tipificação prevista sobre o tema foi o auto aborto, ou seja, aquele praticado por livre e espontânea vontade da gestante em que pratica as manobras abortivas ou, com seu consentimento, através da ajuda de um terceiro pratica o crime, qual seja o Artigo 124 do referido código: “Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.”. Assim, tem-se que o artigo 124 se direcionar a punir a atividade criminosa da gestante em ambos os casos, portanto, este artigo prevê um crime de mão própria, só podendo ser praticado pela gestante, admitindo participação de outrem.
4.2. Do aborto praticado por terceiro
A segunda tipificação diz respeito ao aborto praticado por um terceiro à gestante, conforme dispõem o Artigo 125 do CP: “Art. 125. Provocar aborto, sem consentimento da gestante: Pena - reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos.”. Neste caso, pode-se enquadrar um médico que pratica o aborto em uma gestante contra sua vontade, ou o namorado que administra à gestante um remédio abortivo sem o conhecimento dessa.
Há ainda o aborto praticado por terceiro, tendo o consentimento da gestante, sendo essa menor de 14 anos, o que aumenta a pena máxima estipulada, deixando de ser detenção e passando a ser reclusão, como visto no Artigo 126 do CP: “Art. 126. - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos.”.
O Artigo 126 engloba a exceção à Teoria Monista retro mencionada, tendo em vista que este terceiro que pratica o crime com o consentimento da gestante responderá por este artigo e a gestante que solicitou seu auxílio responderá pelo Artigo 124.
Já o parágrafo único do Artigo 126 determina que: “Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.” Aqui, ainda que o aborto tenha sido cometido com o consentimento da gestante, o legislador equipara a conduta praticada como se fosse cometido sem seu consentimento, respondendo o terceiro na pena do Artigo 125.
4.3. Da qualificadora do aborto
Em relação às tipificações dos Artigos 125 e 126, o legislador estabeleceu a qualificadora do Artigo 127, sendo que, quando o aborto for praticado por terceiro e a gestante sofrer lesão corporal grave em razão dos métodos executados pelo mesmo a pena será aumentada em um terço, ou se falecer a pena será calculada em dobro.
Da qualificadora determinada pelo Artigo 127, depreende-se a ocorrência de um crime preterdoloso, ou seja, o autor inicia a ação com uma vontade determinada, com o dolo de praticar o aborto, entretanto por circunstâncias alheias à sua vontade ocorre uma lesão corporal ou a morte da vítima e o autor responderá pelo resultado diverso do pretendido a título de culpa, daí o nome preterdoloso, sendo a junção de dolo no antecedente e culpa no consequente. Deve-se ressaltar que, caso haja “animus necandi” ou “animus laedendi”, o agente irá responder por concurso de crimes.
Um assunto muito discutido sobre o tema foi a indagação se a utilização de métodos anticoncepcionais ou a ingestão da pílula do dia seguinte seria considerado uma forma de aborto. Como visto anteriormente, o entendimento estabelecido é que a gravidez se inicia com a nidação, sendo a introdução do óvulo fecundado no útero, que ocorre algo em torno e 12 a 15 dias após o ato sexual, assim todos os métodos contraceptivos agem antes da ocorrência da nidação, não podendo então ser considerados métodos abortivos.
4.5. Hipóteses permitidas de aborto
O CP previu no Artigo128 dois fatos atípicos, ou seja, uma situação em que a prática do aborto é permita sendo estas a serem estudadas a seguir.
4.5.1. Aborto necessário
A primeira hipótese a do aborto necessário ou terapêutico: “Art. 128. - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;”
O primeiro requisito é que o aborto seja praticado por um médico, o segundo é que haja um perigo eminente à vida da gestante, o terceiro, sendo de suma importância, é que a realização do aborto deve ser imperiosamente o único meio de salvar a vida da gestante. Importante ressaltar que a doutrina tem entendido não ser necessário o consentimento da gestante, assim como é desnecessária a autorização judicial.
4.5.2. Aborto resultante de estupro
O segundo inciso do Artigo 128 prevê que: “Art. – 128... Aborto no caso de gravidez resultante de estupro: II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”. Abstrai-se desse artigo que o primeiro requisito é que este aborto seja praticado por médico, a gravidez ser resultante de estupro, é necessário haver prévia autorização da gestante ou de seu representante legal.
Relevante sobre o caso é que não há a necessidade de se haver uma sentença transitada em julgado condenando o indivíduo pelo crime de estupro, tão pouco precisão de autorização judicial, contudo, o médico deve ser criterioso a realizar tal procedimento arquivando certidão, boletim de ocorrência, cópia do inquérito policial para verdadeiramente analisar se está perante uma gravidez advinda de estupro.
4.6. Aborto do feto anencéfalo
Por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 54, cujo relator foi o Ministro Marco Aurélio Mello, o STF entendeu que é permitida a interrupção da gravidez do feto anencéfalo, tendo em vista sua comprovada pouca expectativa de vida, sendo, portanto, uma conduta atípica. Neste sentido, segue a ementa do julgado:
ADPF - ADEQUAÇÃO - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - FETO ANENCÉFALO - POLÍTICA JUDICIÁRIA - MACROPROCESSO. Tanto quanto possível, há de ser dada seqüência a processo objetivo, chegando-se, de imediato, a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Em jogo valores consagrados na Lei Fundamental - como o são os da dignidade da pessoa humana, da saúde, da liberdade e autonomia da manifestação da vontade e da legalidade -, considerados a interrupção da gravidez de feto anencéfalo e os enfoques diversificados sobre a configuração do crime de aborto, adequada surge a argüição de descumprimento de preceito fundamental. ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - GLOSA PENAL - PROCESSOS EM CURSO - SUSPENSÃO. Pendente de julgamento a argüição de descumprimento de preceito fundamental, processos criminais em curso, em face da interrupção da gravidez no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do Supremo Tribunal Federal. ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - GLOSA PENAL - AFASTAMENTO - MITIGAÇÃO. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardo reserva, não prevalece, em argüição de descumprimento de preceito fundamental, liminar no sentido de afastar a glosa penal relativamente àqueles que venham a participar da interrupção da gravidez no caso de anencefalia.
O feto, este anencefálico tem morte cerebral, sendo portanto um natimorto cerebral, logo não possuindo vida no sentido de que esteja tutelado pela norma penal do aborto. Assim, sem vida não há que se falar em crime de aborto. Neste sentido, conforme entendimento do relator Ministro Marco Aurélio Mello, a exclusão é de tipicidade formal.
Este julgado desencadeou relevantes consequências, tendo em vista que, ao descriminalizar o aborto de um anencéfalo, sendo o fato considerado atípico não se pode mais abrir inquérito para os casos de anencefalia comprovada, não cabe ação, ainda menos condenação. Se houver algum inquérito em andamento, o mesmo tem que ser trancado, arquivado. Se houver Ação Penal em andamento deve ser encerrada.
Os indivíduos que já estão cumprindo pena em execução em razão desse delito a mesma deve ser interrompida de imediato, pois a decisão do STF é de interpretação conforme a Constituição. Essa decisão equivale a um “abolicio criminis”, tendo, portanto, efeitos favoráveis ao agente.
De outro lado, não há mais a necessidade de autorização judicial para realizar este tipo de aborto, transferindo a responsabilidade ao médico, cabendo a este manter os documentos necessários para constatar a anencefalia e a inviabilidade da vida, para se evitar qualquer responsabilização penal posterior. Deste modo, o médico possui amparo legal para proceder com o aborto. Observa-se que a responsabilidade em autorizar este tipo de aborto foi retirada das mãos do magistrado e repousa de maneira exclusiva nas mãos dos médicos.
Importante ressaltar que a decisão de proceder com o aborto nos casos de feto anencéfalo é da mulher, podendo decidir interromper ou prosseguir com a gestação, mesmo que o feto não possua longa expectativa de vida.