UM CASO DE SINISTRO MARÍTIMO NA COSTA DO BRASIL E SUAS POSSIVEIS CAUSAS
Rogério Tadeu Romano
I - O FATO
Segundo o que noticiou o Estadão, em sua edição em 27 de fevereiro do corrente ano, um grande navio de transporte de minério corre risco de naufrágio no litoral do Maranhão. A informação foi confirmada ao Estadão/Broadcast pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que monitora a situação, e pela mineradora Vale. A embarcação é de propriedade e operada pela empresa sul-coreana Polaris. Como operadora portuária, a Vale está atuando com suporte técnico-operacional, com o envio de rebocadores, e colaborando com as autoridades marítimas.
Conforme o site Marine Traffic, o navio MV Stella Banner, com carregamento de minério da Vale, adernou a cerca de 100 quilômetros do Porto de Itaqui, no Maranhão, de onde saiu, com destino ao Porto de Qingdao, na China, onde era esperado para chegar em 4 de abril. O navio, com bandeira das Ilhas Marshall, tem 340 metros de comprimento, capacidade para 300 mil toneladas de minério e foi construído em 2016.
Por meio de nota, a Vale confirmou ter sido comunicada pelo operador do navio MV Stellar Banner de que a embarcação sofreu uma avaria na proa, após deixar o Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, em São Luís (MA).
O acidente ocorreu já fora do canal de acesso ao porto. Segundo informações da Vale, por medida de precaução, os 20 tripulantes que estavam no navio foram retirados com segurança.
O navio com carga da Vale que encalhou no último dia 24 no Maranhão, próximo ao terminal da Ponta da Madeira, havia desviado da rota do canal de navegação e chegou a atravessar área com profundidade menor que seu calado (parte submersa da embarcação), cerca de 20 minutos antes de encalhar.
O trajeto é registrado através do sinal de satélite emitido pelo navio e disponibilizado online por empresas de monitoramento do tráfego marítimo.
Observe-se o que consta de importante reportagem da Folha, em 7 de março do corrente ano, onde são traçadas possiveis causas do incidente.
O registro do site Marine Traffic mostra o navio deixando o porto e navegando entre as boias vermelha e verde, que indicam os limites laterais do canal. Aos 42 segundos do vídeo, a embarcação passa a seguir para leste —enquanto as boias, visíveis no canto superior esquerdo da tela, continuam ao norte.
A partir daí, o navio passa por trechos de menor profundidade, indicada pelos números espalhados em toda a tela, e logo depois, aos 48 segundos do vídeo, chega a atravessar um trecho de apenas 20 metros de profundidade —menor que seu calado, de 21,5 metros.
Essa passagem acontece por volta de 0h30 do dia 25. Apenas 20 minutos depois, às 0h53, o navio já estava praticamente parado.
Para especialistas ouvidos pela Folha, a travessia por esse último trecho raso pode explicar a avaria no casco, enquanto o desvio do canal sugere que o acidente possa ter sido causado por uma falha humana na avaliação da rota.
“Não dá para saber se o encalhe foi mesmo para salvar o navio ou para gerar uma narrativa que pudesse atenuar a questão da negligência”, diz a engenheira naval Gabriela Joelsas Timerman, diretora da consultoria de navegação marítima Iskra.
“As duas hipóteses principais para esse tipo de acidente são falta de perícia, quando o comandante sai para aquela direção sem a informação sobre a variação de profundidade, ou falha mecânica, como um travamento de leme”, diz o engenheiro naval Felipe Ruggeri, diretor da empresa Argonáutica.
“Como o navio é novo e o comandante não relatou nenhuma falha, o motivo mais provável é que ele tenha mesmo traçado uma rota que não era recomendada”, ele completa.
“Tipicamente, na indústria de petróleo e gás, navega-se com folga de 50% na diferença entre a altura do calado e a profundidade da área. E nunca uma diferença menor que 30%”, diz Ruggeri.
II - CONCEITOS DO DIREITO MARÍTIMO
Naufrágio é a perda ou inutilização do navio por acidente marítimo. Assim naufrágio é a perda da embarcação que vai a pique.
Submersão é o afundamento da embarcação(em tese, pode não haver perda); encalhe é ficar em lugar seco.
Sinistro significa desastre em grande prejuízo.
Varação é o encalhe voluntário promovido com o propósito de se evitar mal maior à embarcação, à carga e às vidas a bordo.
Arribada é o desvio voluntário ou forçado para porto ou local não previsto na rota usual da viagem que se performa ( arribada forçada - art. 1218, XVI, do CPC/73,com remissão aos arts. 772 a 775, do CPC/39 ).
A arribada forçada encontra-se no Código Comercial de 1850 e ocorre:
Art. 740 - Quando um navio entra por necessidade em algum porto ou lugar distinto dos determinados na viagem a que se propusera, diz-se que fez arribada forçada.
Colisão é o choque entre uma embarcação e um objeto fixo.
Abalroação é o choque entre duas ou mais embarcações não vinculadas entre si por contrato.
A abalroação classifica-se em fortuita, culposa, por culpa comum ou recíproca, por culpa de terceiro, duvidosa ou dúbia e sucessivas.
Há, sem dúvida, com esses fatos as chamadas avarias. Essas avarias podem ser simples ou particulares ou ainda comuns ou grossas.
Avaria simples ou particular é aquela suportada só pelo navio ou só pela coisa que sofreu o dano ou deu causa à despesa.
Avaria comum ou avaria grossa é todo dano à carga ou à embarcação, ou toda despesa extraordinária, voluntariamente feito com resultado, em benefício comum ( armador e interessados na carga ) .
III - CAUSAS DO NAUFRÁGIO
A doutrina costuma apresentar como causas de naufrágio:
- Má administração por parte de armadores, responsáveis maiores das embarcações, que não levam em conta os efeitos de más condições atmosféricas (tempestades, aquecimento dos mares e seus efeitos) nas embarcações;
- Perfuração do casco, o que permite a entrada de água na parte submersa;
- Instabilidade: inclinação do navio até um extremo que impede que este volte a estabilizar.
- Fatores meteorológicos: a precipitação e fenómenos meteorológicos podem provocar a instabilidade do navio, assim como causar o seu impacto contra sólidos que provocarão danos no casco, e que podem favorecer as condições para as causas de via aquática.
- Falha de navegação: erro de origem humana ou tecnológica que possibilita a colisão do navio contra rochas submersas (agulhas de mar), icebergs ou contra outros navios.
- Danos sofridos: destruição intencional do navio, que, normalmente, está motivada pela existência de uma guerra ou conflito. Neste caso, os danos podem ser causados por uma variedade de motivos, desde a sabotagem até ao impacto de projéteis, mísseis e torpedos.
Um barco que encalhe na costa não é considerado como vítima de naufrágio enquanto permanece no local até ser dado como perda total pelos Armadores e/ou pelas Companhias Seguradoras, quando o preço do reparo do chamado "Sinistro" for superior ao preço da embarcação nova.
IV - CASOS DE RISCO
São lembrados casos de riscos na apólice geral.
São riscos incluídos na chamada apólice geral:
1. Choque entre duas ou mais embarcações;
2. Todos os eventos fortuitos ou de força maior acontecidos no mar: naufrágios, encalhes; tempestades; raios, terremotos etc;
3. Lançamentos ao mar de parte da carga;
4. Todo e qualquer ato de natureza criminosa praticado pelo capitão no exercício de sua função ou ainda pela tripulação de que resulte dano grave ao navio ou a carga;
5. A varação;
6. Explosões, pane de gerador ou de motor e estouro de caldeiras;
7. Quebras de eixo;
8. Acidente durante a movimentação da carga, abastecimento da embarcação, entrada e saída de diques carreiras e rampas;
9. Negligência do capitão, oficiais, tripulantes ou práticos;
10. Negligência de afretadores e ou reparadores;
11. Colisão com aviões.
Mas não se poderá falar em risco segurável se há, por exemplo:
1. Falta de condições de navegabilidade;
2. Vício próprio ou dano causado em face das condições do objeto segurado;
3. Danos evidenciados ao longo da vida da embarcação;
4. Desvio de rota sem motivo ou força maior;
5. Lucros cessantes, poluição, roubo e furto;
6. Operações ilícitas como contrabando e tráfico de drogas, por exemplo.
Discute-se sobre o risco no direito marítimo.
Daí é essencial a aplicação do seguro marítimo.
Para J. C. Sampaio de Lacerda , o risco pode ter as seguintes causas: a) fortuna do mar (quando derivados de caso fortuito, como é ocaso de tempestades, naufrágios, encalhes, cerrações); b) fatos do homem (a albaroação, fortuita ou culposa, desde que não seja por culpa do navio segurado, arribada); c) fatos independentes de um e de outro (incêndios e explosões, por exemplo) e d) fatos imputáveis à potência estrangeira (presa, confisco, afundamento).
O Código Comercial veda que o segurador seja responsabilizado pela concretização no mundo fático de determinados riscos . Com efeito, o art. 711 daquela código (Art. 711 - O segurador não responde por danos ou avaria que aconteça por fato do segurado, ou por alguma das causas seguintes) elenca várias hipóteses em que o segurador terá sua responsabilidade excluída. Cumpre sublinhar, todavia, que não apenas em tais casos a responsabilidade do segurador poderá ser excluída, visto que, diante de disposições contratuais expressas, poderão as partes convencionar que por este ou aquele risco não responde o segurador.
Neste momento, passa-se a destacar as hipóteses previstas nos números 1 a 12 do art. 711 do Código Comercial de 1850 e tecer considerações sobre algumas delas:
1) desviação voluntária da derrota ordinária e usual da viagem.
Anote-se que caso a rota traçada inicialmente seja desviada, o segurador, justamente porque assumiu os riscos e estipulou o prêmio de acordo com o rumo estipulado quando da celebração do contrato. Realmente, seria ludibriar o segurador, e pois ofender a boa-fé contratual, se se permitisse que, por exemplo, o navio se dirigisse parazona conhecida como palco de intempéries.
Entretanto, percebe-se que a responsabilidade do segurador só é excluída se a desviação for voluntária, o que faz com tal responsabilidade subsista em caso desvio ocasionado por força maior, tais como tempestades, guerras, entre outras e, logicamente, desde que tais percalços não hajam sido provocados pelos carregadores, armadores ou capitão e seus prepostos.
2 ) alterarão voluntária na ordem das escalas designadas na apólice; salvo a exceção estabelecida no artigo nº. 680.
3 ) prolongação voluntária da viagem, além do último porto atermado na apólice. Encurtando-se a viagem, o seguro surte pleno efeito, se o porto onde ela findar for de escala declarada na apólice; sem que o segurado tenha direito para exigir redução do prêmio estipulado.
4 ) separação espontânea de comboio, ou de outro navio armado, tendo-se estipulado na apólice de ir em conserva dele.
5 ) diminuição e derramamento do líquido (artigo nº. 624).
6 ) falta de estiva, ou defeituosa arrumação da carga.
7 ) diminuição natural de gêneros, que por sua qualidade são suscetíveis de dissolução, diminuição ou quebra em peso ou medida entre o seu embarque e o desembarque; salvo tendo estado encalhado o navio, ou tendo sido descarregadas essas fazendas por ocasião de força maior; devendo-se, em tais casos, fazer dedução da diminuição ordinária que costuma haver em gêneros de semelhante natureza (artigo nº. 617).
8 ) quando a mesma diminuição natural acontecer em cereais, açúcar, café, farinhas, tabaco, arroz, queijos, frutas secas ou verdes, livros ou papel e outros gêneros de semelhante natureza, se a avaria não exceder a 10% (dez por cento) do valor seguro; salvo se a embarcação tiver estado encalhada, ou as mesmas fazendas tiverem sido descarregadas por motivo de força maior, ou o contrário se houver estipulado na apólice.
9 ) danificações de amarras, mastreação, velame ou outro qualquer pertence do navio, procedida do uso ordinário do seu destino.
10 ) vício intrínseco, má qualidade, ou mau acondicionamento do objeto seguro.
11 ) avaria simples ou particular, que, incluída a despesa de documentos justificativos, não exceda de 3% (três por cento) do valor segurado.
12 ) rebeldia do capitão ou da equipagem; salvo havendo estipulação em contrário declarada na apólice. Esta estipulação é nula sendo o seguro feito pelo capitão, por conta dele ou alheia, ou por terceiro por conta do capitão.
V - MEDIDAS QUE PODERÃO SER ADOTADAS
É caso, pois, de acionamento dos mecanismos de seguro marítimo diante de um quadro de risco à navegação, cabendo ao Tribunal Marítimo, em sede administrativa, apurar o fato em todas as suas circunstâncias.
Independente disso será caso do Ministério Público Federal abrir inquérito civil para investigar possíveis danos ao meio ambiente uma vez que se trata de perigo de transbordamento de minério em pleno litoral em situação que exige medidas graves de prevenção contra risco a fauna e flora local. Será, se for o caso, necessidade de ajuizamento de providências que envolvam a tutela de urgência e, ao final, ação civil pública em defesa dos interesses difusos existentes.