Produtor rural endividado pode se “recuperar”

08/03/2020 às 16:09
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A dúvida era saber se o produtor rural, mesmo sem inscrição na Junta Comercial, pode ou não utilizar da recuperação judicial com a simples demonstração de que exerce atividade de forma empresarial.

Sabemos que o agronegócio oferece benefícios fiscais e bancários ao fomento da atividade ao produtor rural que busca desenvolver sua atividade, para que consiga acompanhar situações de mercado e as oscilações climáticas, fatores que interferem diretamente em seus custos e faturamento. Os produtores têm buscado aparelhar suas atividades de maneira empresarial, sistemática e organizada, na expectativa de gerir melhor os gastos e aumentar os lucros, mas mesmo aquele empresário rural mais organizado também passa por situações incontroláveis, relacionadas ao clima, colocando em risco todo o trabalho e gerenciamento, sofrendo eventualmente a perda de safras ou animais. Nestas situações, a maioria busca restabelecer o capital perdido na safra seguinte por meio de instituições financeiras e infelizmente aumenta o endividamento, dificultando a recuperação das perdas pelo comprometimento do faturamento com o empréstimo bancário. O enredo é conhecido com a preocupação que aumenta conforme o tamanho dos empréstimos, oscilações de clima e mercado, fazendo com que a produção dependa de financiamento em várias opções de bancos, com um endividamento cada vez maior. E para se reerguer de possíveis situações embaraçosas, o produtor e empresário rural tem a seu favor, uma alternativa jurídica chamada recuperação judicial, vamos explicar! Afinal, o que é a recuperação judicial? A recuperação judicial é uma ferramenta jurídica criada para evitar que empresa e empresários sadios se tornem falidos, é uma etapa que antecede e evita a falência. Mas cuidado, recuperação judicial não é falência. Ao contrário da falência, a recuperação judicial tem objetivo de fortalecer os negócios, manter empregos e capacidade de geração de impostos, para trazer benefícios para a sociedade, em outras palavras, manter a produção e distribuição de riqueza. Como funciona a recuperação judicial? É deferido o processamento da recuperação judicial e depois suspensas todas as execuções contra o devedor por 180 dias, suspendendo também ordens de busca e apreensão de bens que sejam essenciais à manutenção de suas atividades (exemplos: colheitadeiras; caminhões, roçadeiras, dentre outros.), tudo para dar um folego no momento de dificuldade financeira. Este processo possibilita rediscutir seus débitos, apresentando aos credores formas viáveis de pagamento, adequando à realidade dos negócios, bem como da capacidade financeira de honrá-los. E isso se torna possível, na medida em que, com o processo, os credores que já não mais negociam de forma privada/extrajudicial, acabam obrigados a passar pelo plano de recuperação apresentado, homologado em juízo, realinhando as tratativas de negociação das dívidas. É possível ao produtor rural requerer a recuperação judicial? Sim. Pelo Código Civil, no art. 971, é estabelecido que o exercício de atividade rural de forma profissional se enquadra no conceito de empresário (art. 966 do Código Civil), sendo opcional a ele (produtor rural) a realização do registro mercantil. Portanto, não existe obrigatoriedade de registro para quem exerce atividade rural de forma habitual como sua principal profissão. Por outro lado, a Lei de Recuperações Judiciais (Lei 11.101/05) diz que para se utilizar deste instituto somente quem for empresário ou sociedade empresária (art. 1o. da LREF), isto é, quem estiver regularmente inscrito no Registro Público de empresas (art. 51, V, da LREF), por período superior a dois anos antes da formulação do pedido em juízo. Portanto, a dúvida era saber se o produtor rural, mesmo sem inscrição na Junta Comercial, pode ou não utilizar da recuperação judicial com a simples demonstração de que exerce atividade de forma empresarial, ou seja, profissional, organizada, com o fim de produção e circulação de bens e serviços. Esta dúvida foi respondida recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (Agravo em Recurso Especial no. 896.041/SP) ao decidir que a inscrição mercantil do produtor rural é mera formalidade da lei, não podendo ser excluída a possibilidade de utilizar a recuperação judicial quando demonstrada efetiva atuação rural por mais de dois anos. No mesmo julgamento, foi decidido que o produtor rural basta a prova do exercício de atividade regular durante os dois anos que antecedem o pedido de recuperação, bem como a promoção de sua inscrição em momento anterior ao do ingresso da ação, ainda que inferior aos dois anos referidos pela lei de recuperações. Encerrando este texto, voltaremos com outros mais a respeito dos benefícios, documentos e demais procedimentos, deixando registrado que, com estas mudanças de entendimento dos Tribunais Superiores, a recuperação judicial se transforma em uma alternativa eficaz e interessante aos produtores rurais que precisam renegociar seus débitos. Texto escrito em coautoria com o amigo advogado Leonardo Flores Sorgatto, especialista em Direito Tributário, Direito Civil e em Recuperação Judicial de empresas.

Sobre o autor
Pedro Puttini Mendes

Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

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