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O fenômeno da globalização e seus reflexos no campo jurídico

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6.CONCLUSÃO

            A sociedade global ainda está sendo modelada. No dia a dia, suas formas apresentam-se mais sólidas, perceptíveis em texturas variáveis. Suas linhas tornam-se mais precisas e o singular jogo de luz e sombra que vai se formando impressiona o espírito de seus observadores.

            A sociedade capitalista industrial, seus valores e suas instituições desintegram-se em meio às contradições, antinomias e aos paradoxos econômicos, políticos, sociais e culturais, criados com a globalização da economia mundial e a internacionalização do mercado, surgindo uma nova sociedade que, aos poucos, vai criando suas próprias organizações e instituições, originando uma nova ordem social e política.

            Estas transformações prescindiram da flexibilização do direito e da prática legal, uma vez que a preponderância da realidade do mercado alterou intimamente o campo jurídico, já que o fator econômico é um importante pilar do direito, determinante da sociedade e das realidades jurídicas que a materializam.

            Assim sendo, com a globalização da economia é possível observar que o ordenamento jurídico-positvo do Estado não é mais o sistema jurídico central. Concorre com uma pluralidade de normas determinadas a partir das grandes corporações internacionais e de organismos intergovernamentais ou supranacionais, criando uma nova versão para o pluralismo jurídico e sua demanda social.

            Por sua vez, a democracia e a cidadania enfrentam uma dualidade corrosiva de sua própria essência, eis que proliferam os sistemas políticos democráticos no mundo global, com uma supervalorização da condição de indivíduo em um sistema de crenças comercialmente antropocentristas, onde a cidadania encontra uma nova expressão nos movimentos sociais, que alcançam não somente o território do Estados nacionais, mas envolvem todo o planeta.

            As sociedades modernas também atravessam um período de intensa desagregação política e social, com toda a violência, fúria e degradação que uma situação caótica de transição pode oferecer. Os governos nacionais encontram-se impotentes para resolver esta situação, que, se agrava com a existência de modelos conceituais democráticos mais do que ultrapassados, com as necessidades do comércio internacional global e o surgimento de áreas jurídicas transnacionais.

            Em conseqüência, altera-se o próprio modo de produção do direito, não só na Europa, mas em todos os cantos do planeta. No final do século XX, volta-se aquele para a empresa de direito, a comercialização da prática legal e outras formas de advocacia não judicial, incluindo um novo tipo de produção jurídica formalizada por profissionais de serviços, tais como banqueiros, contabilistas e consultores e um novo tipo de juristas, completamente desligados da função social do direito, tanto no espaço acadêmico quanto no profissional.

            Atualmente, o direito pode ser tido mais como um mecanismo criador de estruturas econômicas e comerciais do que propriamente um instrumento da Justiça Social. A prática legal é cada vez mais definida de acordo com mercado e com a instrumentalização de formas favorecedoras do uso tático das estruturas jurídicas pelas elites econômicas que depauperam os regimes democráticos nacionais, convertendo a sociedade em uma massa por elas controlada legalmente, tornando visível e presente a existência de um superpoder econômico transnacional por trás de todas as organizações políticas nacionais.

            O final do século XX pode ser considerado como um período de grandes mudanças sociais permeadas por intensas oscilações econômicas e políticas. Tais transformações, boas ou más, não podem mais ser detidas e o segredo está em aceitá-las para compreendê-las e então dominá-las. Nesse sentido, a teoria dogmática e monista de um direito puro e inflexível precisa ser revista como todos os paradigmas jurídicos das sociedades modernas, que, a cada dia, mais inadequados à nova realidade mundial.


BIBLIOGRAFIA

            CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Álvaro Cabral, trad. São Paulo: Cultrix, 1996.

            CHESNAIS, François. Mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.

            CRAWFORD, Richard. Na era do capital humano. São Paulo: Atlas, 1996.

            IANNI, Otávio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.

            DREIFUSS, René Armand. A época das perplexidades: mundialização, globalização e planetarização. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.

            MONETA, Carlos J.e QUENAN, Carlos orgs. Las reglas del juego. Argentina: Corregidor, 1994.

            NASBITT, John. O paradoxo global. Rio de Janeiro: Campus, 1994.


NOTAS

            01

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a Cultura Emergente. p. 30.

            02

Lewis Munford escreveu uma obra magnífica chamada The Transformations of Man, publicada no Brasil em 1956, e nela ele faz um estudo brilhante sobre a evolução do homem e da sociedade.

            03

Em 1989, Marshall MacLuhan e Bruce Powers publicaram a obra The Global Village, onde interpretam a globalização como a formação de uma comunidade global.

            04

CRAWFORD, Richard. Na era do capital humano. p. 15-33.

            05

IANNI, Otávio. Teorias da globalização. p. 89.

            06

DREIFUSS, René Armand. A época das perplexidades: mundialização, globalização e planetarização. p. 241-242.

            07

NASBITT, John. O paradoxo global. p. 42.

            08

NASBITT, John. Idem. p. 1 - 52.

            09

MIOTTI, Luis e QUENAN, Carlos. Globalización, regionalización e competitividad tecno-industrial. In: MONETA, Carlos J.e QUENAN, Carlos (orgs). Las reglas del juego. p.9 -126.

            10

Considerando estes aspectos, com base nas obras de Richard Crawford, Luis Miotti e Carlos Quenan, já citados anteriormente, nos últimos vinte anos podem ser caracterizados pelo surgimento de um padrão tecnológico que tende a afirmar-se no mundo desenvolvido a partir da eletrônica, computadores, informática e da robótica, que propiciou o aumento da produtividade com a automação das manufaturas, serviços básicos, setores de distribuição e hotelaria, setor financeiro e do próprio governo; das comunicações e telecomunicações, biotecnologias, genética e da energia nuclear, bem como pelo impacto do processo da reestruturação produtiva sobre a dinâmica setorial do comércio internacional, com o retrocesso da siderurgia dos metais não ferrosos e da indústria automobilística, mantendo-se estáveis os ramos da indústria química, madeira, papel, têxteis e materiais elétricos, mantendo-se flutuante os produtos energéticos e pelas as transformações no cenário mundial decorrentes das vantagens político-econômicas dos países desenvolvidos.

            11

OMAN, Charles. Globalización: La nueva competência. In: MONETA, Carlos J. e QUENAN, Carlos. Op cit. p.19-48.

            12

CHESNAIS, François. Mundialização do capital. p.

            13

MIOTTI, Luis e QUENAN, Carlos. Op. cit. p. 91 - 99.

            14

ROTH, André-Noel. O direito em crise: o fim do Estado moderno In FARIA, José Eduardo (org). Direito e globalização econômica. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 16 - 24. O modelo de Estado Liberal Clássico ou Estado Democrático de Direito, consolidado pelo constitucionalismo e pela teorização jurídico-normativa como um conceito político fundamental do mundo moderno, começa no final do século passado a ser abalado com problemas relativo às lutas sindicais, entrando em colapso definitivo com a crise estrutural do sistema financeiro do capitalismo concorrencial entre 1920 e 1930. Naquele momento histórico, tanto o Estado quanto o ordenamento jurídico constitucional não respondiam mais concretamente as questões econômicas, comerciais, financeiras e administrativas por pura falta de previsão, o que levou o poder executivo a assumir uma parte das funções do legislativo e do judiciário, com a decrescente capacidade de auto-regulação do mercado, passando o Estado a exercer as funções de controle, inclusive direção e planejamento.

            15

VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 89.

            16

SKLAIR, Leslie. Sociologia do sistema global. Reinaldo Orth trad. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 41-51 e IANNI, Otávio. Op. cit. p. 75 - 92

            17

VIEIRA, Liszt. Op. Cit. p. 39.

            18

FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Aulyde S. Rodrigues trad. Rio de Janeiro: Rocco, 1992, p. 387.

            19

VIEIRA, Liszt. Op. Cit. p. 112.

            20

BARROS, Wellington Pacheco. Dimensões do Direito. Porto Alegre: livraria do Advogado, 1995, p.71

            21

PAGÉS, Max et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1997, p. 35. Para estes autores, o termo sociedade hipermoderna se refere à organização hipermoderna da sociedade neocaptalista em seu conjunto, da qual é o dispositivo central funcionando simultaneamente como produtora e produto da mesma. A organização hipermoderna, em contraste a organização moderna, caracteriza-se pelo desenvolvimento fantástico de seus processos de mediação, com extensões a novas zonas (instâncias), com interconexões cada vez mais ramificadas e uma constituição baseada em sistemas cada vez mais coerentes, estando estas modificações relacionadas com o processo produtivo: a intelectualização de tarefas, o papel cada vez maior da ciências e das técnicas em todos os níveis de produção, a maior divisão técnica do trabalho e a interdependência das tarefas, a mudança e a renovação constante.

            22

O campo jurídico é um dos campos sociais, incorporando este conceito a evolução das instituições e as práticas que criam, interpretam e incorporam as leis às tomadas de decisão em uma determinada sociedade nacional.

            23

DEZELAY, Yves e TRUBEK, David. A reestruturação global e o direito In FARIA, José Eduardo (org). Direito e globalização econômica São Paulo: Malheiros, 1996, p. 39 - 40.

            24

DEZELAY, Ives. O big-baang e o direito: internacionalização e reestruturação do espaço In FEATHERSTONE, Mike (org.). Cultura global Rio de Janeiro: Vozes, 1990, p.306.

            25

GESSNER, Volkmar e SCHADE, Angelika. Conflitos da cultura em relações legais além-fronteiras: conceito de um tema de pesquisa na sociologia do Direito In FEATHERSTONE, Mike (org.). Op. cit. p. 265 - 293.

            26

DEZELAY, Ives e TRUBEK, David. Op. cit. p. 69 – 70.

            27

BUGARELLI, Waldiro. Fusões, Incorporações e Cisões de Sociedades. São Paulo: Atlas, 1996. p. 17 a 43. Na opinião deste autor, o número de fusões, entretanto, foi muito pequeno em função das vantagens apregoadas; a experiência vem provando que as fusões assim como as cisões não apresentam sempre a eficiência econômica alardeada ou almejada, pois a junção de duas empresas não se constitui, necessariamente, na adição de duas ou mais clientelas, e, geralmente, a fusão resulta muito mais na justaposição de ativos e na soma de gastos gerais do que no reagrupamento de forças; por sua vez, nem sempre o esforço de reorganização conjunto de empresas é suficiente para produzir mais e melhor. Por outro lado, em primeiro lugar, as fusões tornam-se extremamente vantajosas como formas de monopólio, surgindo daqui então a vantagem econômica em função do controle absoluto que passam a exercer sobre o mercado de um ou mais produtos, e, em segundo lugar, fazem desaparecer os organismos juridicamente fictícios, onde aparece a aparência formal externa.

            28

DEZELAY, Yves e TRUBEK, David. Op. Cit. p.60.

            29

DEZELAY, Yves. Op. Cit. 297-298.
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Sobre a autora
Marianna Izabel Medeiros Klaes

professora da Universidade do Sul de Santa Catarina (graduação em Direito e graduação em Relações Internacionais), advogada e consultora em Direito e Relações Internacionais, MBA em Administração Global pela ESAG/Uni, especialista em Direito Tributário pela UFSC, mestre em Direito e Relações Internacionais pela UFSC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KLAES, Marianna Izabel Medeiros. O fenômeno da globalização e seus reflexos no campo jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 968, 25 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8005. Acesso em: 24 abr. 2024.

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