UMA REFLEXÃO A CERCA DOS CRIMES MIDIÁTICOS E DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE - UMA ANÁLISE SOB O PONTO DE VISTA LEGAL.
Autores: Fernanda Cruz{C}[1]
Sandra Mara Dobjenski{C}[2]
RESUMO
O presente estudo acerca da Reflexão dos crimes midiáticos e da lei de autoridade - Uma análise sob o ponto de vista legal tem o objetivo de demonstrar a força que o sensacionalismo midiático tem mediante uma decisão jurídica no que tange a casos polêmicos, de repercussão social, bem como tecer a necessidade de uma interface legal do julgador na tomada de decisão, visando exclusivamente à punição do delito cometido e o cumprimento da justiça. Para tanto, será abordada a relação da mídia no julgamento dos crimes dolosos, fazendo referência a principiológica das decisões sobre o prisma da segurança jurídica; se realizará uma análise acerca da liberdade de pensamento e do direito à informação de maneira tal a considerar a influência negativa que a mídia exerce sobre a opinião dos indivíduos; se fará ainda menção ao discurso da mídia como mediador do justo, se abordará a visão do Direito e da mídia frente a casos de repercussão nacional, de maneira a se trazer conceitos do Direito Penal e Processo Penal, para que seja feita uma ligação da parte jurídica com a área da comunicação e a finalizando se abordará a imersão da lei de abuso de autoridade no contexto legal.
Palavras-chave: Mídia. Crimes dolosos contra a vida. Lei de Abuso de autoridade. Soberania dos Veredictos.
{C}[1]{C} Advogada Criminalista. Especialista em Direito Processual – PUC. Mentoria para Advocacia Criminal – direitoemfoco.
{C}[2] Pedagoga – Faculdade Bagozzi. Especialista em Pedagogia Empresarial. Bacharel em Direito – Faculdade Curitibana. Pós Graduanda em Direito Penal e Criminologia – Uninter. Sd Jurisadvogando.
INTRODUÇÃO
O presente estudo mostra a força que o sensacionalismo midiático tem sobre uma decisão jurídica no que tange a casos polêmicos, de repercussão social que exasperam a força da opinião pública em proclamar o réu como condenado sem ao menos ter ocorrido o julgamento e a posteriore o trânsito em julgado do fato. Bem como tecer a relevância da utilização da lei de abuso de autoridade na concepção dos julgamentos dos casos dolosos contra a vida, tal qual se tenha onipresente a imparcialidade de maneira a vislumbrar a punição do delito cometido e o cumprimento da Justiça em seu sentido pleno e legal, respaldado pelos trâmites e análise do devido processo legal e pautados nos princípios do contraditório e da ampla defesa.
É notório que na atual sociedade globalizada a velocidade de informação é avassaladora, as notícias se espalham pelas redes sociais, causando a comoção da opinião pública, principalmente em casos mais polêmicos, que envolvem crimes contra a vida. Nesse turbilhão de notícias “o mundo vira uma aldeia” no qual a população leiga pinça as informações, analisa o fato, julga e condena o autor, sem dar-lhe a possibilidade de defesa, sem analisar conteúdos técnicos e metodológicos do crime. Anônimos se tornam advogados, promotores, juízes e peritos interferindo nas garantias constitucionais e nos trâmites dos autos, condenando antecipadamente o acusado sem o devido respaldo jurídico necessário.
A situação se agrava ainda mais quando a Constituição Brasileira atribui competência para o julgamento do crime a um júri popular, pessoas muitas vezes leigas sem nenhum conhecimento jurídico e suscetíveis a influência das informações que lhes chegam por meio da imprensa, formam um conceito errôneo a respeito do fato cometido. Fato este, que será aqui tratado a partir do enfoque legal, de maneira tal que ocorra a análise ampla e clara dos crimes midiáticos ocorridos no século XXI, tomando-se por base a contextualização dos fundamentos jurídico-doutrinários, jurisprudenciais, e legais como fundamentos e interfaces capazes de propiciar à tomada de decisões da corte magistrada, de maneira a respeitar os pressupostos do crime como típico, antijurídico e culpável aos olhos da lei e não da opinião da mídia.
Para tanto, faz-se um exame a respeito do discurso jurídico com vistas a descrever a posição do campo legal e das práticas especializadas que reproduzem estruturas importantes, tais como a circulação do conhecimento jurídico vinculado a necessidade da interpretação pedagógica da lei na esfera do Tribunal do Júri, buscando relevância na Pedagogia, nas doutrinas, no Código de Ética, Código Penal (CP) e Código de Processo Penal (CPP), na Lei de Abuso de Autoridade de maneira a fomentar formas de comunicação e interpretação que fundamentem os processos jurídicos, a fim de possibilitar a prolatação de sentenças absolutórias ou condenatórias, de cunho justo e não respaldadas na interferência de uma mídia sensacionalista, que faz um discurso com viés de condenação.
Ressalta-se que nas últimas décadas muitos crimes ganharam atenção midiática no Brasil, causando especulação e sendo utilizado como mecanismos para ampliar a audiência de programas televisivos, que procuraram abrir longos espaços de debates entre acusação e defesa de forma especulativa e sensacionalista, fato que onerou uma possível influência negativa no julgamento dos réus, visto que os jurados são cidadãos do povo, sem conhecimento técnico, de maneira a serem afetados pelo senso da opinião da massa, sendo que a informação trazida pela mídia se comunica com o povo, é ela que fala a linguagem do povo e é nela que o povo confia (pelo menos, mais do que na Justiça).
Deste modo, busca-se versar em que sentido a influência negativa da atuação da mídia, na cobertura jornalística de crimes dolosos contra a vida, determina e forma, indiretamente, as decisões proferidas por populares integrantes do Conselho de Sentença, violando, assim, princípios e normas penais e até mesmo direitos fundamentais do cidadão. Para tanto cabe salientar que cada vez mais são necessários operadores do Direito com conteúdo e preocupação juspedagógica.
Diante de tais considerações, a relevância da temática se perfaz pela necessidade de se analisar a eficácia do sistema processual penal, como um ser idôneo e único, capaz de prolatar sentenças com bases nos preceitos legais, com o intuito de garantir os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, nos julgamentos promovidos pelo Tribunal do Júri em casos de grande repercussão. Afastando assim, os julgamentos pré-concebidos, impostos pelos veículos de comunicação, de maneira tal a atentar-se somente à prova contida nos autos do processo e, na confirmação da materialidade do fato.
Enfim, um julgamento deve se basear em fatos objetivos e dispositivos legais, respeitando-se o princípio do in dúbio pro réo e não um julgamento que toma novos horizontes, passando a ser visualizado a partir da moral social, adotando o princípio do in dúbio pro societate.
{C}1. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO DIREITO PENAL E NO PROCESSO PENAL
A evolução dos meios de comunicação, na atual sociedade globalizada permitiu que tais instrumentos passassem a disseminar informações, cultura, entretenimento, política, e principalmente, fatos de interesse jurídico, os chamados casos midiáticos.
Desta forma, pode-se notar que a mídia, contribuí de forma a interagir na maneira que as pessoas controlam suas vidas e processam seus pensamentos, formando conceitos errôneos a respeito de fatos, delitos cometidos pelos agentes na sociedade, visto que a impressa de forma geral busca condicionar o telespectador a acreditar na realidade que é conveniente para ela, contribuindo para a formação da opinião pública a partir da exposição dos fatos que acreditam ser verídicos.
Se aglutinando a necessidade e a curiosidade do sujeito comum em se manter informado a cerca dos delitos contra a vida, a mídia gera a banalização do próprio delito de forma a interpretá-lo de acordo com seu próprio ponto de vista e análise pragmática. Neste enfoque Almeida compreende que:
A imprensa, portanto, não tem como ficar alheia ao interesse causado pelo crime, mesmo porque a imprensa é o “olho da sociedade”. Jornais impressos, revistas, o noticiário televisivo e radiofônico dedicam significativo espaço para este tipo de notícia. Acontece que, muitas vezes, a divulgação reiterada de crimes e a abordagem sensacionalista dada por alguns veículos de comunicação acabam por potencializar um clima de medo e insegurança. A criminalidade ganha máxima; e a sociedade começa a acreditar que está assolada pela delinquência. Cria-se uma falsa realidade que foge aos verdadeiros números da criminalidade. ALMEIDA (2007, p. 33).
Mediante tais apontamentos, é notório que a mídia influência de maneira negativa o Direito Penal, visto que busca punir a qualquer custo, buscando alcançar um senso de justiça o mais próximo possível daquilo que é considerado correto pela sociedade e por ela mesma.
Nesse sentindo é fundamental que a transmissão intercorrente dos fatos à população, quanto à análise desses crimes deve ser realizada de forma cautelosa, pois qualquer posicionamento equivocado poderá restringir um dos bens jurídicos mais importantes: a liberdade.
O próprio Código de Ética e disciplina na OAB em seu Artigo 32 compreende que:
Não poderá o advogado, enquanto exercer cargos ou funções em órgãos da OAB ou representar a classe junto a quaisquer instituições, órgãos ou comissões, públicos ou privados, firmar contrato oneroso de prestação de serviços ou fornecimento de produtos com tais entidades nem adquirir bens postos à venda por quaisquer órgãos da OAB. BRASIL (1994, p.05)
Mediante tal entendimento, se faz necessária à compreensão do sujeito e dos operadores do Direito a cerca das regras claras para sua atuação profissional, inclusive, posto que a representatividade possa ser um ônus em alguns casos.
É notório que a imprensa prejudica a atuação dos profissionais do Direito, na busca da solução justa para o caso concreto, visto a ampla a ampla cobertura nos casos de repercussão social, fato que tende a aumentar o ocorrido de maneira a acarretar na manipulação da sociedade e do processo através dos recursos do jornalismo.
Diante de tais entendimentos, é notório que o Estado passe a ter uma maior ação punitiva, no que tange a exposição dos casos de clamor popular aos meios de comunicação, de maneira incondicionada e errônea, bem como a presença dos profissionais na mídia a fim de combater o avanço desenfreado da falta de fundamentação legal, tal como dispõe os Artigos 33 e 34 do Código de Ética da OAB, com o intuito de evitar a coerção de sanções rápidas, imediatas e muitas vezes ineficientes que acabam por sobrecarregar o sistema carcerário. BRASIL (2017 p.989)
Quando se fala em crimes julgados pelo Tribunal do Júri, que tomam o interesse da mídia sensacionalista, a situação se torna ainda mais grave, pois os meios de comunicação elencados pelo exagero e pelo sensacionalismo da comunicação, muitas vezes acabam por desconsiderar os direitos fundamentais e os princípios constitucionais, tais como o da presunção da inocência, da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.
O clamor público influenciado por essa mídia sensacionalista de forma indireta obriga o Poder Judiciário a tomar medidas urgentes para punir os delitos cometidos, o que, ao invés de priorizar a redução da criminalidade, acabam acarretando na supressão de garantias e direitos fundamentais.
Portanto, é notório que a mídia se comporte como uma ferramenta que busque influenciar o sistema social no Tribunal do Júri, de maneira a atribuir a informação de maneira clara sem, contudo estipular a culpabilidade ao sujeito, de maneira a desrespeitar o princípio da presunção da inocência.
Os pré-julgamentos feitos pela mídia e difundidos na sociedade, são capazes de gerar erros judiciários, que antecipadamente, condenam ou absolvem o sujeito, influenciando na decisão dos jurados de maneira errônea.
A mídia é, portanto, um sistema que exerce não só grande influência na formação da opinião pública, mas também nas próprias fases do processo penal, visto que são capazes de modificar o desfecho processual de um julgamento, atribuindo ao indivíduo o rótulo de criminoso ou delinquente, o que contribui, para asseverar a criação de estereótipos.
O caráter de espetáculo transmitido pela mídia à sociedade em geral, acaba por influenciar a opinião do homem médio e, por conseguinte, a formação do senso crítico.
Sujeitos da massa popular que passam a exigir do Poder Judiciário medidas de punição cada vez mais coercitivas e julgando o sujeito infrator, desde logo, culpado sem nem sequer considerar seus direitos fundamentais, tais como a ampla defesa e a presunção de inocência.
Diante de tais apontamentos, é notório que o Direito deva sim se aliar a mídia, compreendendo tal veículo como um meio de liberdade que garanta ao cidadão a informação e a precípua formação da opinião a respeito do fato, no entanto se faz necessário se aliar essa liberdade aos princípios Jurídicos, de maneira a se fomentar a devida aplicação da lei a quem a compete.
{C}2. A INFLUÊNCIA DO PODER DA MÍDIA NO JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA.
De acordo com VICENÇO (2012, p.28) a mídia é capaz de exercer poder sobre o sujeito a ponto de influenciar a formação da opinião e, consequentemente a sua tomada de decisão a respeito dos crimes dolosos.
É notório que a mídia exerce grande influência nos casos de repercussão do Tribunal do Júri, no qual as informações disseminadas, por conseguinte produzem uma enorme influência perante o Conselho de Sentença.
A liberdade de comunicação e de acesso aos meios de informação era assegurada a sociedade pela Lei de Imprensa editada em 1967, sendo que posteriormente, em 2009, foi considerada inconstitucional pela Suprema Corte, visto que os ministros consideraram que a lei era incompatível com a democracia expressa na Constituição em vigor.
No contexto da atual sociedade globalizada a base para interpretar o que é justo e eloquente cabe a Constituição e aos Códigos Penal e Civil, que decidem acerca de ações de jornalistas.
Na Carta Magna de 1988 consta descrito a livre manifestação do pensamento, previsto no inciso IV do Artigo 5º, e o acesso à informação elencado no inciso XIV do Artigo 5º. É assegurado, ainda, no artigo 220, caput, a liberdade de informar sem restrição, com observância dos preceitos constitucionais, sendo esta uma limitação como forma de prevenção de abusos em face dos direitos conferidos constitucionalmente. BRASIL (1988, p.13)
Há, ainda, a liberdade de expressão, previsto, também, na Declaração Universal de Direitos Humanos em seu artigo XIX. Sendo essa liberdade conceituada por RAMOS (2014, p.515) como o direito de manifestar, sob qualquer forma, ideias e informações de qualquer natureza.
Diante de tais entendimentos, hoje a mídia vem alcançando cada vez mais a população leiga, fazendo análises e criando a titularidade de repórter investigativo para o sujeito que faz a vez do perito nos casos de repercussão, indagando, investigando, questionando e analisando os fatos sem a técnica necessária para tal. Além disso, as informações disseminadas; são capazes de influenciar a população leiga, carente de justiça a condenar o agente, visto a opinião formada perante o fato.
Ocorre que o ato de exteriorizar a informação, pelos meios de comunicação, torna o direito de informação de caráter social que vai além da liberdade, pois os meios midiáticos se tornam agentes de investigação, que funcionam paralelamente a Justiça, fazendo um julgamento direto pelos meios televisivos, condenando sem respaldos legais o agente e incutindo na população leiga sua própria concepção e interpretação.
Dessa forma a mídia surge como um meio roteristico a esmiuçar os casos mais emblemáticos de criminalidade, visando trazer a sociedade a sua visão, a sua interpretação, dotada de cunho popular, sem o “juridiquês” comum aos operadores do Direito, fazendo surgir à paixão por parte do telespectador em se tornar parte desse cenário.
Não é incomum a apresentação dos suspeitos a sociedade, muitas vezes de forma assustadora e preconceituosa, de maneira a deixar os princípios constitucionais de lado.
Ocorre que nem sempre as informações prestadas pela mídia correspondem à realidade dos fatos, já que, com o passar do tempo, as notícias passaram a ser fragmentadas, superficiais e muitas vezes sensacionalistas; por vezes, sem respeitar a dignidade das pessoas. Isto porque, as grandes empresas de comunicação transformaram as informações veiculadas em mercadoria para a sociedade, o que, consequentemente, banalizou a forma de transmissão, afastando, assim, a essência da função social da informação.
Diante de tais apontamentos, sustenta-se que as informações prestadas pela mídia são, na maioria das vezes, ideias preconcebidas e padronizadas, o que impede uma formação de opinião condizente com a realidade dos fatos; e, por ausência de uma busca mais completa do assunto pela sociedade, esta acaba por aceitar o que lhe é transmitido sem realizar um juízo de valor, aceitando, apenas, um sensacionalismo convincente passado pelos meios de comunicação.
Ao veicular um fato ilícito a análise da população leiga, a mídia se torna tendenciosa, sensacionalista, visto os meios de comunicação apresentam um eco superficial da verdadeira metodologia do fato, gerando uma mera ilusão da realidade, ou seja, comovem um grande número de pessoas, mas sem apresentar a realidade, a técnica, o instrumento jurídico que deve ser respeitado.
Ao transmitir a informação, a mídia passa a particularizar e detalhar a notícia, inclusive, classificando e julgando a prática criminosa, traz para os meios televisivos, análises, opiniões, investigações e até mesmo a presença de profissionais que são sabatinados em busca de um vilão para condenar, como meio de incitar a sensação de impunidade na população.
Contudo, muitas vezes, o fato criminoso ainda está sendo investigado quando a mídia bombardeia a sociedade com as notícias padronizadas. Isso leva as pessoas a um pré-julgamento em face do suspeito de ter cometido o crime, mesmo que ainda haja incerteza acerca da materialidade e da autoria, pois em face de um delito os profissionais dos meios de comunicação tornam-se investigadores.
E por pior que seja, verifica-se que a mídia não faz distinção entre suspeito e condenado, pois, mesmo suas tentativas de diferenciá-los não permitem a eficácia do princípio da presunção de inocência, já que a maneira de divulgação das informações não permite essa possibilidade. Esclarece Vieira:
A presunção de inocência é um dos princípios mais violados pela mídia. A narração dos fatos e a estigmatização do investigado ou acusado resolvem o caso criminal, não havendo sequer a necessidade da aplicação da pena pelo juiz – a sentença dada pelos meios de comunicação, inapelável, transitada em julgado perante a opinião pública, tornando-se irreversível diante de qualquer decisão judicial que venha a infirmar a cônica ou crítica. VIEIRA (2003, p. 168).
Além desses fatores, a mídia desconhece a prestação jurisdicional, já que não tem entendimento da aplicação da legislação, o que consequentemente, o faz divulgar informações distorcidas acerca da legalidade dos atos do poder judiciário e desvirtua a aplicação dos direitos e garantias dos acusados.
Diante desse quadro, é notório que uma mera acusação da mídia, mesmo que veiculada de forma indevida, transforma a opinião pública em um verdadeiro acusador e julgador em face dos suspeitos.
Contudo, é importante ressaltar que é totalmente inapropriada essa conduta dos meios midiáticos em face da legislação, já que não há juízos de pré-culpabilidade no ordenamento jurídico brasileiro e, ainda que assim não fosse, se os magistrados, os quais são responsáveis pela aplicação do jus puniendi, não podem antecipar uma apreciação do mérito, a mídia, da mesma forma, não pode fazer tal juízo, já que não cabe a esta julgar o sujeito.
Estabelece o artigo 5º, inciso LIII, da CR/88 que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. BRASIL (1988 p.16). Dessa forma cabe, somente ao poder judiciário exercer a função julgadora, o qual deverá, respeitando as regras estabelecidas no ordenamento jurídico, proceder a um julgamento justo e imparcial.
A forma pela qual a mídia divulga a ocorrência de um ilícito penal e de seu possível autor, criticando a atuação do poder judiciário e da investigação criminal acerca do fato e aplicando a lei penal, cria na população uma sensação de impunidade e nutre um desejo de vingança, o que pode fazer com que as pessoas acabem por buscar a concretização da justiça arbitrariamente, por meio da justiça pelas próprias mãos, o que afronta o ordenamento jurídico.
Com efeito, o conselho de sentença não está adstrito às provas produzidas nos autos, pois além de decidirem conforme a íntima convicção e não precisarem motivar a decisão, estes têm a garantia de liberdade de consciência acerca do caso que lhes foi apresentado. E esse é justamente o ponto onde a mídia pode impressionar a respeito das circunstâncias do crime e a sentença que deve ser aplicada ao suspeito. Porém, apesar da liberdade de consciência e da isenção de motivar as decisões em plenário, os jurados devem decidir o mérito do processo com imparcialidade e imunidade acerca de imposição ou opressão da mídia ou da própria sociedade, já que apesar de serem classificados como juízes leigos, estes devem ser responsáveis pela função a qual estão incumbidos, ou seja, julgar sem a precípua da mídia como um elemento provedor do justo e do correto.
{C}3. A MÍDIA COMO MEDIADOR DO JUSTO
Na atualidade, a sociedade está, mais do que nunca, atrelada ao Direito, dado que o mesmo ambiente que promove a justiça, hoje demanda por respostas imediatas, mais seguras e sintonizadas com esse sistema fundamental que mantém os direitos do cidadão. Por conseguinte, existe a necessidade dos operadores do Direito de aprofundar os conhecimentos juspedagógico que possibilitam outorgar as condições de importância teórica e prática, para a atuação na esfera das instituições judiciárias que promovem a garantia de segurança jurídica, prevendo por meio dos pressupostos legais, prever e evitar situações que demandem condenações desnecessárias, buscando preparar os profissionais para intervirem e mediarem os possíveis conflitos que envolvem interesses típicos ao nível do Direito Penal como última instância de resolução dos fatos.
O próprio direito penal e o direito processual penal são de certa forma, parte de um projeto jurídico pedagógico que buscam soluções que ajudem a socializar novamente infratores pelo caminho pedagógico, da consciência do não cometimento do delito.
Nas palavras do jurista Vila Nova, em artigo, Direito Educacional, para o Jus Navegandi, a presença da juspedagogia no Direito Penal, é uma questão crucial, que versa sobre a possibilidade do desdobramento coerente e coeso, de questões correlacionadas a metodologia do crime em seu sentido amplo. Interfaces que buscam desmistificar a análise de um discurso criminológico, que tange na seleção do perfil do criminoso, a ser perseguido e oprimido, socialmente e juridicamente, por aqueles que detêm o poder, desvela, ainda nos dias de hoje, uma condição que segrega e afasta os cidadãos, aumentando ainda mais as desigualdades no contexto brasileiro. A partir desse cenário, cabe aos estudiosos do Direito uma reflexão profunda acerca dessa questão, partindo do pressuposto do império da lei em condição de igualdade para todos. Contudo, o que se observa, cada vez mais, é a seletividade cruel do Direito Penal incentivada pelo poder da mídia. [1]
Visando tal prerrogativa, o discurso criminal pós-moderno libertou-se da razão científica que o dominava e foi buscar em diferentes campos e estruturas sociais as suas razões de ser, de fazer e de proceder. Tornou-se, por assim dizer, um discurso “aberto” e, consequentemente, manipulável, no qual a opinião pública, alavancada pela agora marcante atuação da mídia, passa a ser levada em conta. Eis que surge como meio de escape desses levantes em busca de audiência.
Nesse sentido a mídia entra em confronto com a análise juspedagógica e legal em busca de um discurso justo visto a crescente preocupação com a falta de segurança que acomete de forma abrupta a população. Nesse sentido, os meios de comunicação buscam melhores índices de audiência, e consequentemente passa a transmitir cenas que preocupam a massa, sem se preocupar com critérios técnicos, com a superexposição ou sequer com a veracidade do fato cometido ou apontado como delituoso.
É fato que a violência não se multiplicou apenas nas ruas, mas também nos noticiários, que se tornam avaliadores dos casos concretos, promotores de debates e análises do delito. Incitados pelos anseios do público, os juristas veem-se obrigados a falar daquilo que a massa populacional mais frequentemente assiste, pois tudo o que fica de fora do alcance da mídia assume a condição de marginalidade de esquecimento. Cabe sustentar que se a mídia não for à força-motriz da experiência do crime na sociedade, é a responsável por alterar substancialmente as regras do discurso juspedagógico e legal necessário ao perfeito andamento do processo.
Hoje, não é mais necessário se buscar a TV Justiça para se acessar as notícias dos julgamentos na sua íntegra ou sites especializados para se deparar com assuntos pulverizados na realidade dos cidadãos. Para qualquer lado que se olhe ou qualquer programa sensacionalista que se assistam, os assuntos se tornam recorrentes e despertam a atenção das pessoas como um todo. O imenso espaço que a mídia dá aos crimes contra a vida, faz com que a sociedade se mobilize em torno do julgamento, da busca incessante da justiça.
Diante de tal referência percebe-se que o discurso mais privilegiado é aquele que acaba por conter propostas mais duras para acabar com o problema, aquele que preconiza maior rigor nas punições, aquele que, em outras palavras, sai em defesa das vítimas e, não dos agressores. Afinal, os cidadãos querem “justiça” e, farão uso de todos os instrumentos que estiveram ao seu alcance para buscar tal conceito.
A mídia ganha importância como instrumento legitimador das concepções jurídicas não apenas por conta de sua presença constante na vida dos indivíduos, mas porque, em tese, é uma estrutura que se baseia somente naquilo que efetivamente acontece no mundo real e, portanto, não precisa justificar suas opiniões às vezes tão imperceptíveis ou irreais a análise do fato cometido.
É evidente que a ideia de uma mídia “neutra” é contestável não apenas por conta da influência que esta recebe de outros campos (sobretudo o econômico), mas também em razão dos processos de captação, interpretação e representação inerentes ao discurso da informação. Todavia, se “a verdade não está no discurso, mas somente no efeito que produz” é fácil entender porque a realidade noticiada pela mídia, mesmo quando admitida como mera representação do real, é uma representação largamente aceita. Na forma como as instâncias midiáticas selecionam notícias, empregam artifícios e transformam o usual em extraordinário, estas não apenas revelam a injustiça aos olhos do público, mas, justamente por restringi-la e direcioná-la a determinados alvos e métodos interpretativos, acabam por sugerir a forma correta de se buscar a justiça.
Diante de tal prerrogativa se faz necessário citar que a opinião pública, tal qual descrita por Jean Jacques Rousseau em o Contrato Social se torna a soberana quando a vontade das leis, a mídia se torna a esfera da realização do debate público e a construtora de imagens de atores sociais. Sendo o real problema deixado de lado, a desigualdade social, acentuada pelas mudanças que acometem um povo com sede de poder, e a criminalidade quase nunca seja abordada ou entendida como um problema de cunho social e cultural. Somente diante desse entendimento todas as esferas poderão viver em harmonia, conciliando opiniões e pautando decisões no devido processo legal.
O resultado da “justiça-espetáculo” é um estado produtor de soluções simbólicas, como que direcionadas a uma espécie de audiência principalmente no que tange a crimes contra a vida, onde os meios de comunicação se dedicam a apresentar de forma dramatizada o ocorrido. Na maioria dos casos, é mostrada a relação vítima X agressor, construindo nas informações do fato, um julgamento paralelo em que se promove a condenação do suspeito sem direito à defesa.
Sob esse ponto de vista se faz necessário observar que de um lado está o criminoso, potencialmente violento, uma ameaça constante que deve ser extirpada da sociedade, mas tendo seus direitos respeitados; do outro, o indivíduo que sofreu a ação, que almeja justiça, mas carece entender que a lei deverá ser aplicada conforme os preceitos estipulados no CP, CPP e na Constituição e não a vontade de uma mídia que: clama, explora, julga e condena. Essas atitudes são generalizadas pelos meios de comunicação, descritas como: impunes, transgressas e inconsequentes, quando vão contra sua opinião, mas, cabe aqui o entendimento que não é papel da mídia fornecer soluções para o problema da criminalidade e, sim informar do fato delituoso, a fim de que a população se previna, mas, por meio das interpretações que sugere, ela seleciona as soluções mais insensatas do ponto de vista de seu interesse econômico e, proporciona lições de moralidade nos vários âmbitos e escalas da justiça.
A mídia algumas vezes promove um tipo de linchamento público, que aos olhos da justiça se torna injusto, visto que o papel dos meios de comunicação é trazer a informação e não apresentar culpados ou condená-los.
Esse apelo midiático é fortemente percebido no que diz respeito à valorização da vítima. O recurso da vitimização assume um novo papel de legitimação moral de demandas sociais e políticas, porquanto seu sofrimento provoca o imediato desejo de reparação do mal a ela infligido. Entretanto, para que a lógica da vítima possa operar dentro do espaço público de ação, é preciso antes de tudo dar visibilidade a ela. Nesse sentido a mídia não apenas torna o sofrimento da vítima visível, mas, sobretudo, constrói sua figura, figura esta que pode ser usada como uma forma de sensibilização do público, e as exposições de sua imagem ou do relato de seus familiares tratam de enaltecer a carga emotiva das decisões proferidas pelos operadores do Direito. Pois, se há um senso de justiça incultado em cada um, este senso vai instintivamente confiar na retórica maniqueísta onde “o ganho do agressor significa a perda da vítima, e ‘apoiar’ as vítimas automaticamente quer dizer ser duro com os agressores”.
Por esse motivo, que o CP e CPP; tipificou o desaforamento dos julgamentos de interesse de ordem pública, no intuito de afastar a irradiação de sentenças por parte dos meios de comunicação. Tal pressuposto se resguarda pelo Art. 5º, LII da CR/88 que sustenta que ninguém será processado, nem sentenciado senão por autoridade competente. Cabendo ao Poder Judiciário o julgamento e não a mídia. A imprensa não pode interferir nos trâmites judiciais sem dar direito de defesa ao réu.
{C}4. A INFLUÊNCIA DO REPÓRTER INVESTIGATIVO NAS DECISÕES PROFERIDAS
Quando se fala em crime e mídia não é raro que dois ramos distintos se unam na busca de Justiça. De um lado, a mídia busca a mais ampla liberdade de informação, com diferentes motivações e de outro lado, o Direito Penal emerge na defesa dos direitos do suspeito ou acusado de um processo criminal. A atividade informativa, pressionada pela velocidade, acaba interferindo no tempo de reflexão a que o processo deve se submeter para garantir que a decisão esteja de acordo com as provas judicializadas.
Na atual sociedade globalizada, o “fetiche” pelos crimes dolosos contra a vida são roteiros dos programas sensacionalistas, no sentido de atrair o público leigo. As narrativas sobre a realidade tornam-se por vezes mais dramáticas, a ponto de confundirem-se com a ficção. Pessoas, apenas suspeitas em um inquérito policial, encontram-se já condenadas nos jornais, além de terem a sua vida destruída, pois sua imagem, sua honra, privacidade e intimidade são vilipendiadas; pelos chamados reportes investigativos.
Os efeitos de uma abordagem exagerada acerca de casos criminais de repercussão podem ser de várias ordens. CERVINI (1994, p. 37-54) traz um estudo acerca das campanhas acirradas da mídia que antecedem grande parte das leis a respeito do combate à criminalidade.
Mediante essa nuance a função do repórter investigativo passa a ser compreendida como a ação de uma pessoa leiga que se deixa ser levada pelo seu instinto de operador do Direito e passa a levantar conclusões, fazer investigação de maneira aleatória ao Poder Judiciário com o intuito de encontrar um vilão que sacie a sede de justiça inerente na sociedade com medo.
Em nota a Organização dos Advogados do Brasil (OAB) enaltece que dentro de qualquer democracia, a liberdade vem atrelada à responsabilidade, não crível afastar de responsabilização aqueles que por qualquer razão ou interesse possam solapar o correto uso da liberdade garantida para fins proibidos na legislação brasileira, mas somente depois de obedecidos os princípios da ampla defesa e do contraditório, dentro de um devido processo legal.{C}[2]
Para tanto, é preciso compreender que o jornalismo investigativo, tem seu foco fundamentado na ausência de fatos concretos, fator que culmina na dúvida, o repórter geralmente começa com uma dica ou uma hipótese, mas seu dever é encontrar um caminho de reportagem. Muitas vezes, isso é um desafio. Pode haver documentação limitada, ninguém pode estar disposto a ser entrevistado. E o processo de reportagem, uma vez concluído, pode levar o repórter a uma descoberta que é muito diferente da indicada pela sugestão original.
Com toda essa evolução, a mídia ganhou mais espaço. Porém, o mundo da atualidade, vive da ficção e das fantasias que ela própria cria. O que causa sérios problemas quando interfere na esfera jurídico-penal, buscando a alienação e a dominação das pessoas, com campanhas como as de "lei e ordem", toda vez que o poder das agências penais se encontra supostamente ameaçados, uma vez que esse tipo de política criminal só se realiza através da intervenção na realidade, ou até mesmo de invenção de fatos que não aconteceram, motivando cada vez mais a "indústria da pena" como única solução para os problemas da criminalidade, onde, os políticos junto com a mídia buscam promoção e ganhos econômicos.
Com toda essa superexposição, não há como a sociedade não acompanhar os crimes que ocorrem dia a dia, hora a hora. Fatores que propiciam o envolvimento da população que passa a formar juízo de valor com base nas teses da reportagem investigativa, deixando de lado os aspectos legais da metodologia do fato cometido.
Percebe-se que com os meios de comunicação de massa, com a inserção das reportagens investigativas que os consumidores tornam-se alienados, se sentindo impotentes e perdendo o poder de crítica diante do sistema que lhe são impostos através do discurso jornalístico sobre a criminalidade, e automaticamente sendo cada vez mais dependentes da indústria cultural.
Basta lembrar a intervenção da Rede Globo, quando a filha de Glória Perez, Daniella Perez, foi assassinada, em dezembro de 1992, crime de natureza bárbara, que ganhou repercussão graças à dramatização e espetacularização da mídia investigativa. E o caso que já havia chocado o país, ganhou as manchetes dos principais jornais, dos programas policiais, esteve nos telejornais por dias a fio, fomentando o clamor social. E graças à influência da mídia, a população clamou do Legislativo a inclusão do homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos, resultando na alteração da Lei nº 8.072/1990.
Afinal, a reportagem investigativa pode assumir um poder inominado, imperscrutável, sutil, preconceituoso e quem sabe indeclarado de absolver ou condenar o sujeito frente a investigações realizadas a revelia, de maneira a influenciar os jurados que atuarão em plenário em contraponto vale ressaltar a sua função de prestação de serviço, visto que a população brasileira lutou por anos para uma imprensa livre. Uma imprensa que viesse ao encontro do Estado Democrático e dos pilares constitucionais, uma imprensa de cunho informativo, que enalteça a formação da ideia do homem médio a cerca do fato e não uma imprensa que venha persuadir entendimentos e fatos.
Percebe-se que a sociedade passa a acreditar em tudo que é apresentado como verdade absoluta. As pessoas passam a acreditarem no fato, porque foi dito na televisão, no Jornal Nacional, no Jornal da Band e ou no Jornal da Record, ou mesmo porque foi publicado na "Veja" ou na "Época", como as informações fossem inquestionáveis, fossem verdades absolutas.
Em se tratando de crimes de clamor público, a espetacularização é latente, e a dramatização ganha espaço, desvirtuando os próprios fins dos meios de comunicação, que é levar a informação, de forma imparcial, com responsabilidade e ética. Infelizmente, não é isso que se tem visto, na grande maioria dos casos.
A programação midiática se foca, atualmente, na espetacularização e a dramatização dos fatos violentos, ou seja, a reportagem investigativa foca-se no sensacionalismo como estratégia de comunicação, com capacidade de atrair o interesse do público e expandir o universo de leitores.
Não é raro, ao ligar a televisão, e deparar-se com a análise do criminoso vil ou o depoimento de uma vítima ou de um operador do Direito relatando os momentos de horror. Operadores do Direito sendo sabatinados, indagados, a respeito de informações, que merecem o segredo judicial, atitudes estas que dividem espaço com notícias de variedade e mais severamente a opinião da massa.
Diante dessas considerações se nota um espetáculo nos meios de comunicação, quando os repórteres de cunho investigativo passam a transmitir as notícias como se fosse uma novela da vida real, cheia de considerações, sem técnica, “achometros” sem análise legal e jurídica da metodologia do delito cometido.
Ainda cabe ressaltar o caso Isabella Nardoni, ocorrido no ano de 2008, que foi transformado pelos meios de comunicação em uma novela midiática. Sem querer levantar qualquer bandeira em defesa ao "casal Nardoni", o que se pretende demonstrar, neste ponto, é que ainda nos primeiros momentos, logo após o crime, a mídia já se pôs a criar inúmeras versões para o ocorrido, simulações eram transmitidas nos telejornais, especialistas de diversas áreas que sequer tiveram acesso aos autos do inquérito policial se pronunciaram sobre supostos erros e acertos da perícia, dentre outras questões.
Nesse contexto, muito antes da conclusão do inquérito, e do oferecimento da denúncia contra o pai e a madrasta, Alexandre e Anna Carolina, à época supostos autores do delito, o "casal Nardoni" já se encontrava condenado pelo clamor social, tanto que a prisão preventiva dos dois foi decretada sob este argumento.
A influência midiática conduzirá a condenação pública prévia e irreversível dos acusados, em clara afronta ao princípio da presunção da inocência.
Para tanto, é necessária uma maior responsabilidade social da mídia, sem, contudo, implicar em censura prévia ou cerceamento da liberdade de expressão, mas sim consciência dos efeitos maléficos da ingerência nos julgamentos de competência do Tribunal do Júri, pois não há direito fundamental absoluto, e o exercício da liberdade de imprensa deve atentar para a presunção da inocência, mediante pena de condenação pública.
Na atualidade, não é permito que se tolerem comportamentos que coloquem em xeque a “honorabilidade e a segurança” dos membros de quaisquer poderes republicanos, principalmente quando pautados em atitudes de ódio e intolerância. É preciso resguardar nossas instituições de ataques, fortalecendo-as, para que contribuam na superação das crises políticas com serenidade e diálogo e busquem a justiça de maneira plena para ambos os lados, acusado e acusadores.
Por sua vez, as chamadas "fake news", disseminando notícias ou informações deliberadamente nocivas, à margem das normas legais, com violação de direitos, não se confundem com o papel da imprensa que, certa ou errada, responde diretamente por seus atos e pelo que é noticiado no âmbito da comunicação social. Exatamente por isso, a imprensa não deve ser objeto de qualquer tipo de cerceamento, como ensina nossa Constituição, desde que exerça seu papel de informação e não de operadora do Direito.
- A LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE E A MÍDIA:
Feito o exame a respeito do discurso jurídico com vistas a descrever a posição do campo legal e das práticas especializadas que reproduzem estruturas importantes, tais como a circulação do conhecimento jurídico vinculado a necessidade da interpretação pedagógica da lei na esfera do Tribunal do Júri, buscou-se relevância na Pedagogia, nas doutrinas, no Código de Ética, Código Penal (CP) e Código de Processo Penal (CPP).
Agora, será feita análise na Lei de Abuso de Autoridade de maneira a fomentar formas de comunicação e interpretação que fundamentem os processos jurídicos, a fim de possibilitar a prolatação de sentenças absolutórias ou condenatórias, de cunho justo e não respaldadas na interferência de uma mídia sensacionalista, que faz um discurso com viés de condenação.
Em janeiro de 2020 entrou em vigor a nova Lei de abuso de autoridade, nº 13.869/2019, e esta, por sua vez, trouxe consigo algumas polêmicas no campo jurídico e também jornalístico.
Partir-se-á, agora, para análise da nova de Lei de abuso de autoridade, será analisado, portanto, os limites impostos pela mídia relacionado ao processo penal.
De início, analise-se o artigo 38 da Lei nº 13.869:[3]
Art. 38. Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação:
Assim, interpretando-se o referido artigo, tem-se aquela famosa situação perpetrada pelos meios de comunicação, antecipando a culpa de alguém, imputando a autoria e a prática de um crime. E, nestes casos, muitas vezes, nem mesmo se iniciou um processo ou alguma investigação. E a mídia coloca a responsabilização no indivíduo, atribuindo culpa, como se ele já tivesse sido condenado.
Como dito, anteriormente, no 1º tópico, o clamor público influenciado por essa mídia sensacionalista de forma indireta obriga o Poder Judiciário a tomar medidas urgentes ou até mesmo antecipando a culpa de alguém, o que acarreta na fomentação do ódio e eventualmente dupla punição (pela sociedade e pelo Judiciário), com isso, acabam acarretando na supressão de garantias e direitos fundamentais.
Outro artigo importante – que veio para contribuir no desenfreamento midiático – é o art. 13:
Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:
I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;
II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;
III - (VETADO).
III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro: (Promulgação partes vetadas)
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.
Quando a lei fala em “curiosidade pública”, ela faz alusão a exibição desprovida de finalidade específica ou interesse público, onde se visa, tão somente, entregar o sujeito a sanha popular de saber quem ele é e o que fez.
Para melhor elucidação do tema proposto, trar-se-á alguns exemplos práticas para entendimento se há o enquadramento do referido crime, segundo a Lei de Abuso de Autoridade.{C}[4]
Situação 1: Durante o transporte do detento/preso da viatura para a Delegacia de Polícia, a imprensa fotografa e filma o conduzido e divulga sua imagem na televisão ou jornal. Há crime?
NÃO. Se a interpelação da mídia se dá em trânsito ou em dependência de acesso não controlado (via pública), os policiais não tem como obstar o trabalho da imprensa, a qual, neste país, é livre. Diante disso, lhes falta dolo. E se este não existe, não há que se falar em crime.
Situação 2: Durante o transporte do detento/preso em área de circulação livre da Delegacia para o gabinete da autoridade policial ou sala (cartório, investigação etc), a imprensa fotografa e filma o conduzido e divulga sua imagem na televisão ou jornal. Há crime?
NÃO. Se a interpelação da mídia se dá em área não restrita e de livre acesso ao público (átrio, corredores, recepção etc), os policiais não podem obstar a presença dos profissionais de imprensa, salvo nas hipóteses excepcionais em que a área está interditada ou expressamente controlada. Sem isso, não há crime.
Situação 3: Durante o transporte do detento/preso em área de circulação livre para a Delegacia e ou gabinete específico, um policial, percebendo a presença da imprensa, interrompe o transporte e, forçosamente, ergue a cabeça do conduzido e a exibe a imprensa, para que esta o fotografe ou filme. Há crime?
SIM. Nesse caso o policial agiu intencionalmente, pois preferiu exibir o preso a continuar sua marcha a fim de encaminha-lo ao lugar de direito. Ele estava com a capacidade de resistência diminuída e foi forçado a exibir-se.
Situação 4: No interior do seu gabinete de trabalho, isto é, num ambiente de acesso controlado, um Delegado de Polícia convoca a imprensa para exibir, como “troféu”, um detento/preso que foi capturado, exibição esta desprovida de interesse público, afinal não existe a comprovada necessidade de reconhecimento pessoal do mesmo por outros delitos. Haverá crime com a divulgação das imagens à curiosidade pública?
SIM. O detento/preso está com a capacidade de resistência reduzida e sob a custódia do Estado (ambiente controlado). A exposição, em si, visa apenas a satisfação da curiosidade pública e, quanto muito, a vaidade do agente público. Nesse caso, o delito, em tese, subsiste.
Situação 5: Policiais de determinada equipe, após uma prisão, tiram fotos com os detidos/presos e as postam em redes sociais, comemorando a ação. Há crime?
SIM. Os detentos/presos estão tecnicamente com a capacidade de resistência diminuída e tem o corpo ou parte dele expostos a curiosidade pública, a qual, nesse caso, é indeterminada. Ainda que os rostos sejam borrados, o crime em tese persiste, pois a lei fala em “parte do corpo”.
Como se vê, a Lei de Abuso de autoridade, veio com as suas alterações, na tentativa de punir aqueles agentes que violem ou abusem do seu poder, ferindo, assim, direitos fundamentais das envolvidos no âmbito criminal.
Com maestria, Guilherme de Souza Nucci, fez uma importante e necessária reflexão sobre isso: {C}[5]
Em vez de colocar no palco da mídia quem é culpado, deve-se guardar sigilo, respeitando-se a figura de todo réu. Por que antecipar culpa? E se a pessoa for absolvida? Quem retira da mente das pessoas a culpa lançada em rede social ou, pior, em rede nacional de TV e rádio? É preciso responsabilidade e absoluta honestidade para ser autoridade, exercendo o poder de suas atribuições. Não se pode banalizar a reputação alheia e jamais se deve eleger um alvo para perseguir, por mais culpado que ele possa parecer.
Dessa forma, deve ser ponderado que, a nova Lei veio de maneira acertada para controlar condutas abusivas, e isso se mostra necessário para devolver à coletividade a segurança de somente pessoas serem abordados pelos agentes da área criminal após a prática de algum injusto penal e por força da prática desse ato, evitando-se ações e prisões arbitrário-exageradas.
CONCLUSÃO:
Neste artigo, foram realizados um estudo e uma reflexão sobre os crimes midiáticos e da lei de autoridade.
Foi possível observar, do ponto de vista legal, a força que o sensacionalismo midiático tem mediante uma decisão jurídica no que tange a casos polêmicos, de repercussão social, bem como tecer a necessidade de uma interface legal do julgador na tomada de decisão, visando exclusivamente à punição do delito cometido e o cumprimento da justiça.
Para tanto, foi abordado a relação da mídia no julgamento dos crimes dolosos, fazendo referência a principiológica das decisões sobre o prisma da segurança jurídica; fez-se uma análise da liberdade de pensamento e do direito à informação de maneira tal a considerar a influência negativa que a mídia exerce sobre a opinião dos indivíduos; foi feita ainda menção ao discurso da mídia como mediador do justo, abordou a visão do Direito e da mídia frente a casos de repercussão nacional, de maneira a se trazer conceitos do Direito Penal e Processo Penal, para que seja feita uma ligação da parte jurídica com a área da comunicação e a finalizando se abordará a imersão da lei de abuso de autoridade no contexto legal.
E, ao final, foi exposto algumas alterações legislativas importantes sobre a Lei de abuso de autoridade que influenciam o trabalho dos meios de comunicação.
A nova Lei só veio para legitimar o discurso pregado há tempos de que, de fato, a mídia influencia o processo penal, o julgamento, a pessoa investigada ou ré de um processo criminal.
Foi possível verificar e analisar dispositivos importantes que ajudarão vítimas do abuso de poder a se proteger.
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