3. A MÍDIA COMO MEDIADOR DO JUSTO
Na atualidade, a sociedade está, mais do que nunca, atrelada ao Direito, dado que o mesmo ambiente que promove a justiça, hoje demanda por respostas imediatas, mais seguras e sintonizadas com esse sistema fundamental que mantém os direitos do cidadão. Por conseguinte, existe a necessidade dos operadores do Direito de aprofundar os conhecimentos juspedagógico que possibilitam outorgar as condições de importância teórica e prática, para a atuação na esfera das instituições judiciárias que promovem a garantia de segurança jurídica, prevendo por meio dos pressupostos legais, prever e evitar situações que demandem condenações desnecessárias, buscando preparar os profissionais para intervirem e mediarem os possíveis conflitos que envolvem interesses típicos ao nível do Direito Penal como última instância de resolução dos fatos.
O próprio direito penal e o direito processual penal são de certa forma, parte de um projeto jurídico pedagógico que buscam soluções que ajudem a socializar novamente infratores pelo caminho pedagógico, da consciência do não cometimento do delito.
Nas palavras do jurista Vila Nova, em artigo, Direito Educacional, para o Jus Navigandi, a presença da juspedagogia no Direito Penal, é uma questão crucial, que versa sobre a possibilidade do desdobramento coerente e coeso, de questões correlacionadas a metodologia do crime em seu sentido amplo. Interfaces que buscam desmistificar a análise de um discurso criminológico, que tange na seleção do perfil do criminoso, a ser perseguido e oprimido, socialmente e juridicamente, por aqueles que detêm o poder, desvela, ainda nos dias de hoje, uma condição que segrega e afasta os cidadãos, aumentando ainda mais as desigualdades no contexto brasileiro. A partir desse cenário, cabe aos estudiosos do Direito uma reflexão profunda acerca dessa questão, partindo do pressuposto do império da lei em condição de igualdade para todos. Contudo, o que se observa, cada vez mais, é a seletividade cruel do Direito Penal incentivada pelo poder da mídia. 1
Visando tal prerrogativa, o discurso criminal pós-moderno libertou-se da razão científica que o dominava e foi buscar em diferentes campos e estruturas sociais as suas razões de ser, de fazer e de proceder. Tornou-se, por assim dizer, um discurso “aberto” e, consequentemente, manipulável, no qual a opinião pública, alavancada pela agora marcante atuação da mídia, passa a ser levada em conta. Eis que surge como meio de escape desses levantes em busca de audiência.
Nesse sentido a mídia entra em confronto com a análise juspedagógica e legal em busca de um discurso justo visto a crescente preocupação com a falta de segurança que acomete de forma abrupta a população. Nesse sentido, os meios de comunicação buscam melhores índices de audiência, e consequentemente passa a transmitir cenas que preocupam a massa, sem se preocupar com critérios técnicos, com a superexposição ou sequer com a veracidade do fato cometido ou apontado como delituoso.
É fato que a violência não se multiplicou apenas nas ruas, mas também nos noticiários, que se tornam avaliadores dos casos concretos, promotores de debates e análises do delito. Incitados pelos anseios do público, os juristas veem-se obrigados a falar daquilo que a massa populacional mais frequentemente assiste, pois tudo o que fica de fora do alcance da mídia assume a condição de marginalidade de esquecimento. Cabe sustentar que se a mídia não for à força-motriz da experiência do crime na sociedade, é a responsável por alterar substancialmente as regras do discurso juspedagógico e legal necessário ao perfeito andamento do processo.
Hoje, não é mais necessário se buscar a TV Justiça para se acessar as notícias dos julgamentos na sua íntegra ou sites especializados para se deparar com assuntos pulverizados na realidade dos cidadãos. Para qualquer lado que se olhe ou qualquer programa sensacionalista que se assistam, os assuntos se tornam recorrentes e despertam a atenção das pessoas como um todo. O imenso espaço que a mídia dá aos crimes contra a vida, faz com que a sociedade se mobilize em torno do julgamento, da busca incessante da justiça.
Diante de tal referência percebe-se que o discurso mais privilegiado é aquele que acaba por conter propostas mais duras para acabar com o problema, aquele que preconiza maior rigor nas punições, aquele que, em outras palavras, sai em defesa das vítimas e, não dos agressores. Afinal, os cidadãos querem “justiça” e, farão uso de todos os instrumentos que estiveram ao seu alcance para buscar tal conceito.
A mídia ganha importância como instrumento legitimador das concepções jurídicas não apenas por conta de sua presença constante na vida dos indivíduos, mas porque, em tese, é uma estrutura que se baseia somente naquilo que efetivamente acontece no mundo real e, portanto, não precisa justificar suas opiniões às vezes tão imperceptíveis ou irreais a análise do fato cometido.
É evidente que a ideia de uma mídia “neutra” é contestável não apenas por conta da influência que esta recebe de outros campos (sobretudo o econômico), mas também em razão dos processos de captação, interpretação e representação inerentes ao discurso da informação. Todavia, se “a verdade não está no discurso, mas somente no efeito que produz” é fácil entender porque a realidade noticiada pela mídia, mesmo quando admitida como mera representação do real, é uma representação largamente aceita. Na forma como as instâncias midiáticas selecionam notícias, empregam artifícios e transformam o usual em extraordinário, estas não apenas revelam a injustiça aos olhos do público, mas, justamente por restringi-la e direcioná-la a determinados alvos e métodos interpretativos, acabam por sugerir a forma correta de se buscar a justiça.
Diante de tal prerrogativa se faz necessário citar que a opinião pública, tal qual descrita por Jean Jacques Rousseau em o Contrato Social se torna a soberana quando a vontade das leis, a mídia se torna a esfera da realização do debate público e a construtora de imagens de atores sociais. Sendo o real problema deixado de lado, a desigualdade social, acentuada pelas mudanças que acometem um povo com sede de poder, e a criminalidade quase nunca seja abordada ou entendida como um problema de cunho social e cultural. Somente diante desse entendimento todas as esferas poderão viver em harmonia, conciliando opiniões e pautando decisões no devido processo legal.
O resultado da “justiça-espetáculo” é um estado produtor de soluções simbólicas, como que direcionadas a uma espécie de audiência principalmente no que tange a crimes contra a vida, onde os meios de comunicação se dedicam a apresentar de forma dramatizada o ocorrido. Na maioria dos casos, é mostrada a relação vítima X agressor, construindo nas informações do fato, um julgamento paralelo em que se promove a condenação do suspeito sem direito à defesa.
Sob esse ponto de vista se faz necessário observar que de um lado está o criminoso, potencialmente violento, uma ameaça constante que deve ser extirpada da sociedade, mas tendo seus direitos respeitados; do outro, o indivíduo que sofreu a ação, que almeja justiça, mas carece entender que a lei deverá ser aplicada conforme os preceitos estipulados no CP, CPP e na Constituição e não a vontade de uma mídia que: clama, explora, julga e condena. Essas atitudes são generalizadas pelos meios de comunicação, descritas como: impunes, transgressoras e inconsequentes, quando vão contra sua opinião, mas, cabe aqui o entendimento que não é papel da mídia fornecer soluções para o problema da criminalidade e, sim informar do fato delituoso, a fim de que a população se previna, mas, por meio das interpretações que sugere, ela seleciona as soluções mais insensatas do ponto de vista de seu interesse econômico e, proporciona lições de moralidade nos vários âmbitos e escalas da justiça.
A mídia algumas vezes promove um tipo de linchamento público, que aos olhos da justiça se torna injusto, visto que o papel dos meios de comunicação é trazer a informação e não apresentar culpados ou condená-los.
Esse apelo midiático é fortemente percebido no que diz respeito à valorização da vítima. O recurso da vitimização assume um novo papel de legitimação moral de demandas sociais e políticas, porquanto seu sofrimento provoca o imediato desejo de reparação do mal a ela infligido. Entretanto, para que a lógica da vítima possa operar dentro do espaço público de ação, é preciso antes de tudo dar visibilidade a ela. Nesse sentido a mídia não apenas torna o sofrimento da vítima visível, mas, sobretudo, constrói sua figura, figura esta que pode ser usada como uma forma de sensibilização do público, e as exposições de sua imagem ou do relato de seus familiares tratam de enaltecer a carga emotiva das decisões proferidas pelos operadores do Direito. Pois, se há um senso de justiça incultado em cada um, este senso vai instintivamente confiar na retórica maniqueísta onde “o ganho do agressor significa a perda da vítima, e ‘apoiar’ as vítimas automaticamente quer dizer ser duro com os agressores”.
Por esse motivo, que o CP e CPP; tipificou o desaforamento dos julgamentos de interesse de ordem pública, no intuito de afastar a irradiação de sentenças por parte dos meios de comunicação. Tal pressuposto se resguarda pelo Art. 5º, LII da CR/88 que sustenta que ninguém será processado, nem sentenciado senão por autoridade competente. Cabendo ao Poder Judiciário o julgamento e não a mídia. A imprensa não pode interferir nos trâmites judiciais sem dar direito de defesa ao réu.
4. A INFLUÊNCIA DO REPÓRTER INVESTIGATIVO NAS DECISÕES PROFERIDAS
Quando se fala em crime e mídia não é raro que dois ramos distintos se unam na busca de Justiça. De um lado, a mídia busca a mais ampla liberdade de informação, com diferentes motivações e de outro lado, o Direito Penal emerge na defesa dos direitos do suspeito ou acusado de um processo criminal. A atividade informativa, pressionada pela velocidade, acaba interferindo no tempo de reflexão a que o processo deve se submeter para garantir que a decisão esteja de acordo com as provas judicializadas.
Na atual sociedade globalizada, o “fetiche” pelos crimes dolosos contra a vida são roteiros dos programas sensacionalistas, no sentido de atrair o público leigo. As narrativas sobre a realidade tornam-se por vezes mais dramáticas, a ponto de confundirem-se com a ficção. Pessoas, apenas suspeitas em um inquérito policial, encontram-se já condenadas nos jornais, além de terem a sua vida destruída, pois sua imagem, sua honra, privacidade e intimidade são vilipendiadas; pelos chamados reportes investigativos.
Os efeitos de uma abordagem exagerada acerca de casos criminais de repercussão podem ser de várias ordens. CERVINI (1994, p. 37-54) traz um estudo acerca das campanhas acirradas da mídia que antecedem grande parte das leis a respeito do combate à criminalidade.
Mediante essa nuance a função do repórter investigativo passa a ser compreendida como a ação de uma pessoa leiga que se deixa ser levada pelo seu instinto de operador do Direito e passa a levantar conclusões, fazer investigação de maneira aleatória ao Poder Judiciário com o intuito de encontrar um vilão que sacie a sede de justiça inerente na sociedade com medo.
Em nota a Organização dos Advogados do Brasil (OAB) enaltece que dentro de qualquer democracia, a liberdade vem atrelada à responsabilidade, não crível afastar de responsabilização aqueles que por qualquer razão ou interesse possam solapar o correto uso da liberdade garantida para fins proibidos na legislação brasileira, mas somente depois de obedecidos os princípios da ampla defesa e do contraditório, dentro de um devido processo legal.2
Para tanto, é preciso compreender que o jornalismo investigativo, tem seu foco fundamentado na ausência de fatos concretos, fator que culmina na dúvida, o repórter geralmente começa com uma dica ou uma hipótese, mas seu dever é encontrar um caminho de reportagem. Muitas vezes, isso é um desafio. Pode haver documentação limitada, ninguém pode estar disposto a ser entrevistado. E o processo de reportagem, uma vez concluído, pode levar o repórter a uma descoberta que é muito diferente da indicada pela sugestão original.
Com toda essa evolução, a mídia ganhou mais espaço. Porém, o mundo da atualidade, vive da ficção e das fantasias que ela própria cria. O que causa sérios problemas quando interfere na esfera jurídico-penal, buscando a alienação e a dominação das pessoas, com campanhas como as de "lei e ordem", toda vez que o poder das agências penais se encontra supostamente ameaçados, uma vez que esse tipo de política criminal só se realiza através da intervenção na realidade, ou até mesmo de invenção de fatos que não aconteceram, motivando cada vez mais a "indústria da pena" como única solução para os problemas da criminalidade, onde, os políticos junto com a mídia buscam promoção e ganhos econômicos.
Com toda essa superexposição, não há como a sociedade não acompanhar os crimes que ocorrem dia a dia, hora a hora. Fatores que propiciam o envolvimento da população que passa a formar juízo de valor com base nas teses da reportagem investigativa, deixando de lado os aspectos legais da metodologia do fato cometido.
Percebe-se que com os meios de comunicação de massa, com a inserção das reportagens investigativas que os consumidores tornam-se alienados, se sentindo impotentes e perdendo o poder de crítica diante do sistema que lhe são impostos através do discurso jornalístico sobre a criminalidade, e automaticamente sendo cada vez mais dependentes da indústria cultural.
Basta lembrar a intervenção da Rede Globo, quando a filha de Glória Perez, Daniella Perez, foi assassinada, em dezembro de 1992, crime de natureza bárbara, que ganhou repercussão graças à dramatização e espetacularização da mídia investigativa. E o caso que já havia chocado o país, ganhou as manchetes dos principais jornais, dos programas policiais, esteve nos telejornais por dias a fio, fomentando o clamor social. E graças à influência da mídia, a população clamou do Legislativo a inclusão do homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos, resultando na alteração da Lei nº 8.072/1990.
Afinal, a reportagem investigativa pode assumir um poder inominado, imperscrutável, sutil, preconceituoso e quem sabe indeclarado de absolver ou condenar o sujeito frente a investigações realizadas a revelia, de maneira a influenciar os jurados que atuarão em plenário em contraponto vale ressaltar a sua função de prestação de serviço, visto que a população brasileira lutou por anos para uma imprensa livre. Uma imprensa que viesse ao encontro do Estado Democrático e dos pilares constitucionais, uma imprensa de cunho informativo, que enalteça a formação da ideia do homem médio a cerca do fato e não uma imprensa que venha persuadir entendimentos e fatos.
Percebe-se que a sociedade passa a acreditar em tudo que é apresentado como verdade absoluta. As pessoas passam a acreditarem no fato, porque foi dito na televisão, no Jornal Nacional, no Jornal da Band e ou no Jornal da Record, ou mesmo porque foi publicado na "Veja" ou na "Época", como as informações fossem inquestionáveis, fossem verdades absolutas.
Em se tratando de crimes de clamor público, a espetacularização é latente, e a dramatização ganha espaço, desvirtuando os próprios fins dos meios de comunicação, que é levar a informação, de forma imparcial, com responsabilidade e ética. Infelizmente, não é isso que se tem visto, na grande maioria dos casos.
A programação midiática se foca, atualmente, na espetacularização e a dramatização dos fatos violentos, ou seja, a reportagem investigativa foca-se no sensacionalismo como estratégia de comunicação, com capacidade de atrair o interesse do público e expandir o universo de leitores.
Não é raro, ao ligar a televisão, e deparar-se com a análise do criminoso vil ou o depoimento de uma vítima ou de um operador do Direito relatando os momentos de horror. Operadores do Direito sendo sabatinados, indagados, a respeito de informações, que merecem o segredo judicial, atitudes estas que dividem espaço com notícias de variedade e mais severamente a opinião da massa.
Diante dessas considerações se nota um espetáculo nos meios de comunicação, quando os repórteres de cunho investigativo passam a transmitir as notícias como se fosse uma novela da vida real, cheia de considerações, sem técnica, “achômetros”, sem análise legal e jurídica da metodologia do delito cometido.
Ainda cabe ressaltar o caso Isabella Nardoni, ocorrido no ano de 2008, que foi transformado pelos meios de comunicação em uma novela midiática. Sem querer levantar qualquer bandeira em defesa ao "casal Nardoni", o que se pretende demonstrar, neste ponto, é que ainda nos primeiros momentos, logo após o crime, a mídia já se pôs a criar inúmeras versões para o ocorrido, simulações eram transmitidas nos telejornais, especialistas de diversas áreas que sequer tiveram acesso aos autos do inquérito policial se pronunciaram sobre supostos erros e acertos da perícia, dentre outras questões.
Nesse contexto, muito antes da conclusão do inquérito, e do oferecimento da denúncia contra o pai e a madrasta, Alexandre e Anna Carolina, à época supostos autores do delito, o "casal Nardoni" já se encontrava condenado pelo clamor social, tanto que a prisão preventiva dos dois foi decretada sob este argumento.
A influência midiática conduzirá a condenação pública prévia e irreversível dos acusados, em clara afronta ao princípio da presunção da inocência.
Para tanto, é necessária uma maior responsabilidade social da mídia, sem, contudo, implicar em censura prévia ou cerceamento da liberdade de expressão, mas sim consciência dos efeitos maléficos da ingerência nos julgamentos de competência do Tribunal do Júri, pois não há direito fundamental absoluto, e o exercício da liberdade de imprensa deve atentar para a presunção da inocência, mediante pena de condenação pública.
Na atualidade, não é permito que se tolerem comportamentos que coloquem em xeque a “honorabilidade e a segurança” dos membros de quaisquer poderes republicanos, principalmente quando pautados em atitudes de ódio e intolerância. É preciso resguardar nossas instituições de ataques, fortalecendo-as, para que contribuam na superação das crises políticas com serenidade e diálogo e busquem a justiça de maneira plena para ambos os lados, acusado e acusadores.
Por sua vez, as chamadas "fake news", disseminando notícias ou informações deliberadamente nocivas, à margem das normas legais, com violação de direitos, não se confundem com o papel da imprensa que, certa ou errada, responde diretamente por seus atos e pelo que é noticiado no âmbito da comunicação social. Exatamente por isso, a imprensa não deve ser objeto de qualquer tipo de cerceamento, como ensina nossa Constituição, desde que exerça seu papel de informação e não de operadora do Direito.