Uma reflexão acerca dos crimes midiáticos e da Lei de Abuso de Autoridade.

Uma análise sob o ponto de vista legal

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A LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE E A MÍDIA

Feito o exame a respeito do discurso jurídico com vistas a descrever a posição do campo legal e das práticas especializadas que reproduzem estruturas importantes, tais como a circulação do conhecimento jurídico vinculado a necessidade da interpretação pedagógica da lei na esfera do Tribunal do Júri, buscou-se relevância na Pedagogia, nas doutrinas, no Código de Ética, Código Penal (CP) e Código de Processo Penal (CPP).

Agora, será feita análise na Lei de Abuso de Autoridade de maneira a fomentar formas de comunicação e interpretação que fundamentem os processos jurídicos, a fim de possibilitar a prolatação de sentenças absolutórias ou condenatórias, de cunho justo e não respaldadas na interferência de uma mídia sensacionalista, que faz um discurso com viés de condenação.

Em janeiro de 2020 entrou em vigor a nova Lei de abuso de autoridade, nº 13.869/2019, e esta, por sua vez, trouxe consigo algumas polêmicas no campo jurídico e também jornalístico.

Partir-se-á, agora, para análise da nova de Lei de abuso de autoridade, será analisado, portanto, os limites impostos pela mídia relacionado ao processo penal.

De início, analise-se o artigo 38 da Lei nº 13.869:3

Art. 38. Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação:

Assim, interpretando-se o referido artigo, tem-se aquela famosa situação perpetrada pelos meios de comunicação, antecipando a culpa de alguém, imputando a autoria e a prática de um crime. E, nestes casos, muitas vezes, nem mesmo se iniciou um processo ou alguma investigação. E a mídia coloca a responsabilização no indivíduo, atribuindo culpa, como se ele já tivesse sido condenado.

Como dito, anteriormente, no 1º tópico, o clamor público influenciado por essa mídia sensacionalista de forma indireta obriga o Poder Judiciário a tomar medidas urgentes ou até mesmo antecipando a culpa de alguém, o que acarreta na fomentação do ódio e eventualmente dupla punição (pela sociedade e pelo Judiciário), com isso, acabam acarretando na supressão de garantias e direitos fundamentais.

Outro artigo importante – que veio para contribuir no desenfreamento midiático – é o art. 13:

Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:

I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;

II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;

III - (VETADO).

III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro: (Promulgação partes vetadas)

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.

Quando a lei fala em “curiosidade pública”, ela faz alusão a exibição desprovida de finalidade específica ou interesse público, onde se visa, tão somente, entregar o sujeito a sanha popular de saber quem ele é e o que fez.

Para melhor elucidação do tema proposto, trar-se-á alguns exemplos práticas para entendimento se há o enquadramento do referido crime, segundo a Lei de Abuso de Autoridade.4

Situação 1: Durante o transporte do detento/preso da viatura para a Delegacia de Polícia, a imprensa fotografa e filma o conduzido e divulga sua imagem na televisão ou jornal. Há crime?

NÃO. Se a interpelação da mídia se dá em trânsito ou em dependência de acesso não controlado (via pública), os policiais não tem como obstar o trabalho da imprensa, a qual, neste país, é livre. Diante disso, lhes falta dolo. E se este não existe, não há que se falar em crime.

Situação 2: Durante o transporte do detento/preso em área de circulação livre da Delegacia para o gabinete da autoridade policial ou sala (cartório, investigação etc), a imprensa fotografa e filma o conduzido e divulga sua imagem na televisão ou jornal. Há crime?

NÃO. Se a interpelação da mídia se dá em área não restrita e de livre acesso ao público (átrio, corredores, recepção etc), os policiais não podem obstar a presença dos profissionais de imprensa, salvo nas hipóteses excepcionais em que a área está interditada ou expressamente controlada. Sem isso, não há crime.

Situação 3: Durante o transporte do detento/preso em área de circulação livre para a Delegacia e ou gabinete específico, um policial, percebendo a presença da imprensa, interrompe o transporte e, forçosamente, ergue a cabeça do conduzido e a exibe a imprensa, para que esta o fotografe ou filme. Há crime?

SIM. Nesse caso o policial agiu intencionalmente, pois preferiu exibir o preso a continuar sua marcha a fim de encaminha-lo ao lugar de direito. Ele estava com a capacidade de resistência diminuída e foi forçado a exibir-se.

Situação 4: No interior do seu gabinete de trabalho, isto é, num ambiente de acesso controlado, um Delegado de Polícia convoca a imprensa para exibir, como “troféu”, um detento/preso que foi capturado, exibição esta desprovida de interesse público, afinal não existe a comprovada necessidade de reconhecimento pessoal do mesmo por outros delitos. Haverá crime com a divulgação das imagens à curiosidade pública?

SIM. O detento/preso está com a capacidade de resistência reduzida e sob a custódia do Estado (ambiente controlado). A exposição, em si, visa apenas a satisfação da curiosidade pública e, quanto muito, a vaidade do agente público. Nesse caso, o delito, em tese, subsiste.

Situação 5: Policiais de determinada equipe, após uma prisão, tiram fotos com os detidos/presos e as postam em redes sociais, comemorando a ação. Há crime?

SIM. Os detentos/presos estão tecnicamente com a capacidade de resistência diminuída e tem o corpo ou parte dele expostos a curiosidade pública, a qual, nesse caso, é indeterminada. Ainda que os rostos sejam borrados, o crime em tese persiste, pois a lei fala em “parte do corpo”.

Como se vê, a Lei de Abuso de autoridade, veio com as suas alterações, na tentativa de punir aqueles agentes que violem ou abusem do seu poder, ferindo, assim, direitos fundamentais das envolvidos no âmbito criminal.

Com maestria, Guilherme de Souza Nucci, fez uma importante e necessária reflexão sobre isso: 5

Em vez de colocar no palco da mídia quem é culpado, deve-se guardar sigilo, respeitando-se a figura de todo réu. Por que antecipar culpa? E se a pessoa for absolvida? Quem retira da mente das pessoas a culpa lançada em rede social ou, pior, em rede nacional de TV e rádio? É preciso responsabilidade e absoluta honestidade para ser autoridade, exercendo o poder de suas atribuições. Não se pode banalizar a reputação alheia e jamais se deve eleger um alvo para perseguir, por mais culpado que ele possa parecer.

Dessa forma, deve ser ponderado que, a nova Lei veio de maneira acertada para controlar condutas abusivas, e isso se mostra necessário para devolver à coletividade a segurança de somente pessoas serem abordados pelos agentes da área criminal após a prática de algum injusto penal e por força da prática desse ato, evitando-se ações e prisões arbitrário-exageradas.


CONCLUSÃO

Neste artigo, foram realizados um estudo e uma reflexão sobre os crimes midiáticos e da lei de autoridade.

Foi possível observar, do ponto de vista legal, a força que o sensacionalismo midiático tem mediante uma decisão jurídica no que tange a casos polêmicos, de repercussão social, bem como tecer a necessidade de uma interface legal do julgador na tomada de decisão, visando exclusivamente à punição do delito cometido e o cumprimento da justiça.

Para tanto, foi abordado a relação da mídia no julgamento dos crimes dolosos, fazendo referência a principiológica das decisões sobre o prisma da segurança jurídica; fez-se uma análise da liberdade de pensamento e do direito à informação de maneira tal a considerar a influência negativa que a mídia exerce sobre a opinião dos indivíduos; foi feita ainda menção ao discurso da mídia como mediador do justo, abordou a visão do Direito e da mídia frente a casos de repercussão nacional, de maneira a se trazer conceitos do Direito Penal e Processo Penal, para que seja feita uma ligação da parte jurídica com a área da comunicação e a finalizando se abordará a imersão da lei de abuso de autoridade no contexto legal.

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E, ao final, foi exposto algumas alterações legislativas importantes sobre a Lei de abuso de autoridade que influenciam o trabalho dos meios de comunicação.

A nova Lei só veio para legitimar o discurso pregado há tempos de que, de fato, a mídia influencia o processo penal, o julgamento, a pessoa investigada ou ré de um processo criminal.

Foi possível verificar e analisar dispositivos importantes que ajudarão vítimas do abuso de poder a se proteger.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Judson Pereira de. Os Meios de Comunicação de Massa e o Direito Penal: a influência da divulgação de notícias no ordenamento jurídico penal e no devido processo legal. 2007. Disponível em: https://www.bocc.ubi.pt/pag/almeida-judson-meios-de-comunicacao-direito-penal.pdf. Acesso em: 11/03/2020.

BRASIL. Código Penal Brasileiro. Planalto Central. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso: 11/03/2020.

______. Código de Processo Penal Brasileiro. Planalto Central. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 11/03/2020.

______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto Central. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicaocompilado.htm.Acesso em: 10/03/2020.

______. Constituição da República Federativa do Brasil. Planalto Central. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm. Acesso em: 10/03/2020.

______. Legislação Federal. ADPF 130. p. 213, 2009. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605411. Acesso em 11/03/2020.

CERVINI, Raúl. Incidencia de las “mass media” en la expansion del control penal em latino America. Revista brasileira de ciências criminais, São Paulo. 1994.

CUNHA, Rogério Sanches, GRECO Rogério, Abuso de autoridade - lei 13.869/2019 comentada artigo por artigo: 2019, Ed. Juspodivm.

Delegado Marcelo de Lima Lessa. Disponível em: https://www.sindpesp.org.br/noticias_det.asp?nt=2491. Acesso em 16/03/2020.

Maia, Alneir Fernando S. Nova Lei de Abuso de Autoridade terá difícil aplicação prática. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-dez-10/alneir-maia-lei-abuso-autoridade-dificil-aplicacao. Acesso em: 14/03/2020.

NUCCI, Guilherme de Souza, A nova lei de abuso de autoridade: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI312282,31047-, 03 de outubro de 2019, acesso 15/03/2020.

VIEIRA, A. L. M. Processo penal e mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

VINCENÇO, Daniele Medina. O poder da mídia na decisão do tribunal do júri. (2012). Disponível em: https://tcconline.utp.br/wp-content/uploads//2014/03/o-poder-da-midia-na-decisao-do-tribunal-do-juri.pdf. Acesso em 12/03/2020.


Notas

1 JOAQUIM, Nelson. Direito educacional. O quê? Para quê? E para quem?. Jus Navegandi. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6794/direito-educacional. Acesso em: 15/10/2019.

2CORTEZ, Rita. Entidades se manifestam acerca de censura a sites que divulgaram reportagem sobre Toffoli. Entidades representativas da advocacia e da imprensa divulgaram notas sobre decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Migalhas. 2019. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI300488,81042-Entidades+se+manifestam+acerca+de+censura+a+sites+que+divulgaram. Acesso em: 01/09/2019.

3 Planalto. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm> Acesso 15 de março de 2020.

4 Delegado Marcelo de Lima Lessa. Disponível em: <https://www.sindpesp.org.br/noticias_det.asp?nt=2491> Acesso em 16 de março de 2020.

5 NUCCI, Guilherme de Souza, A nova lei de abuso de autoridade: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI312282,31047-, 03 de outubro de 2019, acesso em 15 de março de 2020.

Sobre as autoras
Sandra Mara Dobjenski

Advogada, pesquisadora de Direito Penal e Processual Penal e sobre a relação com a mídia nos casos de grande repercussão. Especialista em Direito Penal, Criminologia, Processo Penal e Direito Penal Econômico - UNINTER. Pedagoga – Faculdade Bagozzi. Especialista em Pedagogia Empresarial. Bacharel em Direito – Faculdade Curitibana. Sd Jurisadvogando.

Fernanda Paula Sousa Cruz

Advogada na cidade de Franca/SP há 03 anos. Antes disso, fiz estágio na Procuradoria Jurídica do Município de Franca, por 2 anos, atendendo a defesa do Município nas áreas cível, trabalhista e fiscal. Fiz estágio na Defensoria Pública, na área criminal, por 1 ano e 6 meses.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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