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Direito educacional: o quê? para quê? e para quem?

29/05/2005 às 00:00
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1. Considerações iniciais

Pretendemos apresentar as relações existentes entre educação e direito, analisando as contribuições de educadores, juristas e cientistas dos diferentes ramos das ciências humanas e sociais. Para tanto, com o objetivo de superar a fase legislativa do ensino, temos o propósito inicial, de contribuir para construção de uma teoria e prática do Direito Educacional e promover um debate com os educadores e profissionais do direito sobre a relação do Direito com a Educação.

No primeiro momento, vamos apresentar as diferentes concepções, conceitos e objetivos do direito educacional, bem como tratar de duas questões básicas: as fontes do direito educacional e a discussão sobre direito subjetivo à educação, considerando o direito à educação como direito subjetivo privado, mas destacando a importância o direito subjetivo público à educação, como norma-princípio de ordem pública e cogente. Em seguida, destacar os instrumentos e mecanismos colocados à disposição do cidadão comum, dos operadores do direito, alunos e/ou responsáveis, gestores educacionais e/ou estabelecimentos de ensino e o poder público, em matéria educacional e, finalmente, propor uma especialização desse novo ramo do saber jurídico. Afinal, o que? Para que? E para quem o Direito Educacional? – Cabe aos educadores e juristas contextualizarem essas indagações, como contribuições efetivas para a educação brasileira.


2. Direito Educacional

A discussão dos juristas e educadores em relação ao direito educacional iniciou-se, em termos efetivos, em outubro de 1977 no 1º Seminário de Direito Educacional, realizado em Campinas. Além disso, o primeiro importante trabalho para sistematização do direito educacional foi publicado em 1981, pelo educador e jurista Alberto Teodoro Di Dio "Contribuição à sistematização do direito educacional". E aqui, nas palavras de PAULO NADER, tal a presença da educação no Direito Positivo, que já se fala na existência de um Direito Educacional. 1

A questão crucial do Direito Educacional, segundo o jurista Lourival Vila nova, é a possibilidade desse novo ramo da ciência jurídica desdobrar-se em duas questões correlacionadas. Uma, a da existência de normas, cujo conteúdo é dado pelas relações sociais na espécie de relação educacional; outra, a da construção sistematizada de conhecimentos, que tenham por objeto tais normas. Ele sustenta, ainda, que há relações sociais educacionais como há relações econômicas de produção, de consumo, de trabalho, de família e de poder; quer sob a forma de relações de administração dos grupos não-políticos, ou relações de administração e governo nos grupos políticos. 2

O trabalho dos profissionais do direito, gestores educacionais e todos aqueles que lidam com a legislação educacional consiste em qualificar as relações educacionais em conformidade com o Direito Educacional e a legislação de ensino.

2.1. Conceito e objetivos do Direito Educacional

Uma questão, que logo se apresenta, é sem dúvida, a escolha da expressão "direito educacional". E, num segundo momento, a definição ou conceito desse novo ramo da ciência jurídica. 3 Aliás, todo conhecimento jurídico necessita do conceito de direito, embora não se tem conseguido um conceito único de direito e tampouco de direito educacional.

Renato Alberto Teodoro Di Dio, precursor do Direito Educacional brasileiro, afirma que o mais apropriado seria a expressão direito da educação, direito educacional ou direito educativo. Os puristas optariam por direito educativo, uma vez que o adjetivo educacional soaria a galicismo. De outro lado, no linguajar comum, educativo carrega a conotação de algo que educa, ao passo que educacional seria o direito que trata da educação. Consciente das possíveis objeções, que, segundo ele, podem ser feitas ao termo; usaremos a expressão Direito Educacional, à espera de que o uso e os especialistas consagrem a melhor denominação. 4 "Direito Educacional é o conjunto de normas, princípios, leis e regulamentos que versam sobre as relações de alunos, professores, administradores, especialistas e técnicos, enquanto envolvidos, mediata ou imediatamente, no processo ensino-aprendizagem."5 Para Edivaldo Machado Boaventura, "O Direito Educacional, como disciplina nova que é, não pode ser visto e estudado tão somente dentro dos limites da legislação. Muito ao contrário, deve ser tratado à luz das diretrizes que lastreiam a educação e os princípios, que informam todo o ordenamento jurídico. Tanto no caso das relações de trabalho como nos relacionamentos da educação, legislação seria apenas um corpo sem alma; continua Susseking; uma coleção de leis esparsas e não um sistema jurídico dotado de unidade doutrinária e precisos objetivos, o que contraria uma inquestionável realidade.6 Para nós, não é tarefa fácil conceituar Direito Educacional. Este tem natureza híbrida e interdisciplinar, com regras de direito público e privada. Defendemos a existência de um direito misto, que tutela tanto os interesses públicos como privados. Aqui, sugerimos um conceito, que pode ser contextualizado e aprimorado pelos educadores e juristas. "Conjunto de normas, princípios, institutos juspedagógicos, doutrinas e procedimentos, que disciplinam as relações entre alunos e/ou responsáveis, professores, administradores, estabelecimento de ensino e o poder público, enquanto envolvidos diretamente ou indiretamente no processo de ensino-aprendizagem, bem como investiga as interfaces com outros ramos da ciência jurídica e do conhecimento". O Direito Educacional tem duplo objetivo: de um lado atua preventivamente, no âmbito administrativo; por outro lado, atua na solução judicial, no âmbito judicial. Neste caso, o Direito Educacional, como veremos no item 2.4. deste trabalho, disponibiliza instrumentos ou mecanismo preventivo administrativos e mecanismo ou instrumentos judiciais.

2.2. Fontes e princípios

A expressão fonte significa a origem, a procedência, a nascente, o lugar onde nasce alguma coisa. No caso do Direito Educacional usamos a expressão para designar os meios, formas de expressões ou de produção do direito ou da norma jurídica educacional. Devido as limitações e os propósitos do presente trabalho, vamos apresentar breves considerações sobre o tema.

As fontes do direito podem ser materiais ou formais. A primeira surge da própria realidade social, representadas pelas correlações de forças sociais, econômicas, políticas, religiosas, cultural, educacional e valores da sociedade. A segunda é representada pelos diferentes meios ou formas de expressão ou produção do Direito como, por exemplo: lei, costume, jurisprudência e doutrina. E aqui, tratam-se das fontes formais tradicionais do Direito, quer vamos tratar.

Apesar de quase toda doutrina afirmar que os princípios do direito não constituem fontes do direito, e sim elemento de integração do direito, vale lembrar que com advento da Constituição Federal de 1988 e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, os princípios da educação e de ensino, como veremos no item 2.2.5, assumiram funções normativas e específicas (Vide art. 206 da Constituição Federal e art. 3º da LDB).

2.2.1. Lei

No caso brasileiro, ao contrário do direito de tradição Anglo-americana (jurisprudencial), a principal fonte do direito é a lei. A palavra lei pode significar tanto norma geral emanada do Poder Legislativo, como qualquer norma de direito escrito, desde a Constituição até um decreto regulamentar ou mesmo decreto individualizado. A forma escrita é manifestação mais característica da lei. Igualmente, está é a concepção adotada pelo Direito Educacional: Lei em sentido amplo; Lei em sentido estrito.

O Direito Educacional tem como fonte várias legislações no sentido amplo: decretos, portarias, regulamento, regimento escolar, resoluções e pareceres normativos dos conselhos de educação, tratados e convenções internacionais. 7

Contudo, a fonte primeira e fundamental do Direito Educacional brasileiro está na Constituição federal. Trata-se do Título VIII, da Ordem Social, Capítulo III, intitulado Da Educação, da Cultura e do Desporto, com uma soma de dez artigos dedicados à educação (art. 205 a 214), com os princípios do Direito Educacional

Vale lembrar que, dentre as muitas leis que fluem da Constituição de 1988 em direção ao ordenamento jurídico-educacional, podemos destacar:

  • as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996), que estrutura a administração, declara princípios e procedimentos, regulamenta os currículos, o ano escolar, os conteúdos programáticos e a duração dos cursos;

  • Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990);

  • Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990);

  • Conselho Nacional de Educação (Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995);

  • Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental de Valorização do Magistério (Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996);

  • Decreto 3274/99;

  • Anuidades Escolares (Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999);

  • Direito Ambiental (Lei nº 9.797, de 27 de abril de 1999);

  • Plano Nacional de Educação (Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001);

  • "Bolsa Escola" (Lei nº 10.219, de 11 de abril de 2001);

  • Decreto nº 3.860, de 9 de julho de 2001, que dispõe sobre a organização do ensino superior e avaliação de cursos e instituições;

  • Programa de Diversidade na Universidade (Lei 10.558, de 13 de novembro de 2002);

  • Lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira";

  • Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência (Lei nº 10.845, de cinco de março de 2004),

  • Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Lei 10.861, de 14 de abril de 2004);

  • PROUNI (Lei 11.096, de 13 de janeiro de 2005).

Quando a educação a distância (EAD), temos o art. 80 da LDB, cujos regulamentos estão disciplinados nos Dec. 2.494, de 10 de fevereiro de 1998, Dec. 256, de 27 de abril de 1998, Portaria Ministerial 301, de 7 de abril de 1998 e Portaria 2.253, de 18 de outubro de 2001.8 Aqui, a EAD pode oferecer relevante contribuição como instrumento de inclusão digital e educacional daqueles que historicamente foram discriminados pelo poder público e pela sociedade. Para tanto, se faz necessária à democratização do acesso às tecnologias da comunicação e da informação, bem como a implementação de uma cultura digital no contexto educacional.

Por fim, consagração do direito à educação tem sido constantemente lembrada nas declarações, tratados, convenções, cartas de princípios, compromissos, protocolos e acordos internacionais, que buscam a internacionalização do direito à educação. Esta tem como paradigma a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em Resolução da III Sessão Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948.

2.2.2. Costumes

Para PAULO NADER enquanto a lei é um processo intelectual que se baseia em fatos e expressa a opinião do Estado, o costume é uma prática gerada espontaneamente pelas forças sociais.9 Na nossa visão, para consolidação do costume como norma obrigatória se fazem necessárias uma consciência social e jurídica da sua necessidade no contexto social. O mesmo aplica-se ao Direito Educacional

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O Direito Educacional estão presentes vários costumes, por exemplo, o pedido de revisão de prova e de 2ª chamada; conteúdos mínimos para o ensino; indicadores para currículo; pedido de documentos escolares etc.10 É oportuno lembrar que alguns desses costumes já foram incorporados na Constituição de 1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Estatuto da criança e do Adolescente e Lei das Anuidades Escolares.

Portanto, a lei e os costumes são formas de expressão do Direito Educacional. A lei seria a forma fundamental, principal e formal, enquanto o costume uma das formas complementares, secundárias e materiais. Em seguida, à jurisprudência, à doutrina e aos princípios gerais do direito.

2.2.3. Jurisprudência

O Direito Educacional no Brasil tem na jurisprudência uma das suas principais fontes, uma vez que os conflitos juspedagógicos vêm marcando as relações entre governo, alunos e estabelecimento de ensino. Para João Roberto Moreira Alves, presidente do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação:

"As fontes jurisprudenciais do Direito Educacional estão presentes nas decisões dos tribunais, ou seja, na esfera jurídica com os acórdãos e as súmulas, também chamadas de enunciados. Igualmente, nas decisões dos colegiados (Conselho de Educação), no campo administrativo com os pareceres das entidades educacionais, que têm força de jurisprudência (jurisprudência administrativa)".

Como tema atual, a responsabilidade civil dos estabelecimentos de ensino vem se destacando nas decisões dos tribunais, ou seja, na esfera jurídica.

2.2.4. Doutrina

Muitos autores há, que excluem a doutrina como fonte do Direito. Miguel Reale não reconhece doutrina como fonte do direito. Porém, em análise última acrescenta: "A doutrina não é fonte do Direito, mas nem por isso deixa de ser uma das molas propulsoras e a mais racional das forças diretoras do ordenamento jurídico".11 Ao contrário, A. L. Machado Neto sustenta que a doutrina tem o caráter de fonte do direito. Por doutrina, como fonte jurídica, entende-se a obra científica dos jurisprudentes ou juristas, comentando a legislação, os costumes ou a jurisprudência, procurando realizar a necessária coerência dos sistemas jurídicos e construir os intuitos à base das disposições normativas vigentes. 12

No caso do Direito Educacional, por se tratar de um ramo novo do direito com carência de pesquisa, entendemos que a doutrina, como fonte jurídica, é fundamental para a construção da teoria, sistematização e autonomia do Direito Educacional. Para nós, trata-se, aqui, da possibilidade efetiva de reunir doutrinas, em corpos mais ou menos homogêneos no contexto da ciência jurídica educacional.

Podemos citar alguns doutrinadores e estudiosos do Direito Educacional: Renato Alberto Teodoro Di Dio, João Roberto Moreira Alves, Edivaldo Boaventura, Pedro Sancho da Silva, Paulo Nathanael Pereira Souza, Horácio Wanderlei Rodrigues, João Roberto Covac, Helder Martinez Dal Col, Elias Motta de Oliveira, Carlos Alberto Bittar, Damares Ferreira, Aurélio Wander Bastos, Maria Regina Muniz, Messias Costa, Célio Muller, Jorge Saboya, Rita de Cássia Borges de M. Amaral, Murilo José Digiácomo, Carlos Alberto Lima de Almeida, Selma Aragão.

Podemos destacar três temas que estão sendo construído pela doutrina jurídica: 1º Responsabilidade Civil dos Estabelecimentos de Ensino; 2º Contratos nas Relações Jurídicas Educacionais e 3º Direito à educação como direito personalíssimo.

2.2.5. Princípios do Direito

Toda disciplina jurídica autônoma corresponde a um conjunto sistematizado de princípios e normas. O Direito Educacional, como ramo da ciência jurídica, também tem os seus princípios, tanto que, as legislações quer sejam constitucionais ou infraconstitucionais mencionam princípios.

Para Luiz Roberto Barroso, já se encontra superada a distinção que outrora se fazia entre norma e princípio. A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas em geral e as normas constitucionais em particular podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípio e as normas-disposição. Igualmente, os princípios estão inclusos tanto no conceito de lei, quanto no de princípios gerais do direito. Essa tendência, que tem sido chamada de pós-positivista, entende os princípios como normas jurídicas vinculantes, dotados de efetiva juridicidade, como outros preceitos encontráveis na ordem jurídica. 13

Essa nova tendência que se introduziu no Direito Educacional com o advento da Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Aliás, nesse sentido, os princípios assumiram funções normativas específicas, reforçando-se os princípios doutrinários educacional (art. 206 CF e arts 2ª e 3ª LDB).

2.3. Direito Subjetivo e o Direito à Educação

"Todas as grandes conquistas da história do direito, como a abolição da escravatura e da escravidão, a livre aquisição da propriedade territorial, a liberdade de profissão e de consciência, só puderam ser alcançada através de séculos de lutas intensas e ininterruptas. O caminho percorrido pelo direito em busca de tais conquistas, (...) sempre pelos direitos subjetivos pisoteados, (...) violado o direito subjetivo, o titular defronta-se com uma indagação: deve defender seu direito, resistir ao agressor, em outras palavras, deve lutar, ou deve abandonar o direito para escapar à luta? A decisão a este respeito só a ele pertence".(Rudolf Von Ihering, 1891: p. 8-13-15)14

Para nós, no caso do direito subjetivo à educação, tendo como paradigma os artigos 205, 208 e 209 da Constituição Federal, a decisão, também, nos pertence. E mais ainda, devido à responsabilidade social do poder público, da família, da instituição de ensino e da sociedade na garantir o direito à educação.

Vale lembrar que Pontes de Miranda foi o primeiro jurista a discutir, a defender e a definir o direito à educação como um direito público subjetivo. A propósito, ele, com sua larga e profunda cultura filosófica e jurídica, avançou tanto ou mais do que os educadores na defesa dos direitos educacionais de natureza constitucional. 15 Da mesma forma, o educador Anísio Teixeira foi um dos primeiros a defender o direito à educação como direito de interesse público, promovido pela lei:

"O direito à educação faz-se um direito de todos, porque a educação já não é um processo de especialização de alguns para certas funções na sociedade, mas a formação de cada um e de todos para a sua contribuição à sociedade integrada e nacional, que se está constituindo com a modificação do tipo de trabalho e do tipo de relações humanas. Dizer-se que a educação é um direito é o reconhecimento formal e expresso de que a educação é um interesse público a ser promovido pela lei. (ANISIO TEIXEIRA. Educação é um direito: p.60)16

O direito à educação, como direito subjetivo público, é um direito social fundamental (art. 6º c/c art. 205 CF), com três objetivos definidos na Constituição Federal, que estão diretamente relacionados com os fundamentos do Estado brasileiro (art. 1º c/c art; 3º da CF): a) pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania; c) qualificação da pessoa para o trabalho. Além disso, por um lado, o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito é um direito subjetivo; por outro lado, é um dever jurídico do Estado oferecer o referido ensino, caso contrário, ou seja, o não-oferecimento ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente (art. 208 § 2º da CF; art. 5º § 4º da LDB; art. 54 § 1º e § 2º do ECA). Contudo, o direito à educação, como direito subjetivo privado, apresenta características dos direitos da personalidade (art. 11 do Código Civil). A propósito, quando ele é violado poderá acarretar danos irreparáveis para pessoa, o Estado e a sociedade. E aqui, segundo Eduardo Bittar, o direito á educação carrega em si as características dos direitos da personalidade, pois é um direito natural, imanente, absoluto, oponível erga omnes, inalienável, impenhorável, imprescritível, irrenunciável. não se sujeitando aos caprichos do Estado ou à vontade do legislador, pois se trata de algo ínsito à personalidade humana desenvolver, conforme a própria estrutura e constituição humana. 17

Existem outros instrumentos extrajudiciais ou judiciais que podem ser acionados para garantir o direito à educação? Sim, em seguida vamos apresentar alguns mecanismos institucionais, extrajudiciais e judiciais, que disciplinam as relações jurídicas educacionais.

2.4. Instrumentos de tutela à educação

As instituições de ensino privadas ou/e públicas deparam-se com grandes mudanças de concepções na área da educação, quer sejam legislativas ou da própria sociedade, que estão provocando o aumento de conflitos nas relações educacionais. Nesse contexto, surgem os instrumentos preventivos institucionais ou extrajudiciais e instrumentos judiciais, que veremos a seguir. É bom lembrar que o Direito Educacional serve muito mais para prevenir e orientar as relações educacionais, do que apresentar soluções judiciais diante dos conflitos de interesses entre os atores das relações jurídicas educacionais.

E aqui, no primeiro momento, como instrumento preventivo é conveniente utilizar os procedimentos da própria estrutura administrativa do estabelecimento de ensino: elaborar o contrato de prestação de serviço educacional com clareza, precisão e de acordo com a lei vigente; disponibilizar aos alunos o regimento interno ou escolar da instituição de ensino (carta magna do estabelecimento de ensino); divulgar o projeto pedagógico do curso, o plano de curso e os procedimentos acadêmicos; criar mecanismos administrativos conciliatórios como, por exemplo, uma ouvidoria, e aplicar, se necessário, penalidades pedagógicas. Acrescenta-se, que o Ministério Público, o Conselho Tutelar e os Conselhos Municipais de Educação atuam, também, preventivamente, buscando o entendimento com a pessoa ou autoridade, até porque é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente (arts. 70 a 73 do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90). Aliás, nem todos os mecanismos de proteção ao direito à educação são judiciais, ou seja, acionados junto ao Poder Judiciário.

No segundo momento, esgotadas todas as possibilidades de compor os conflitos nas relações jurídicas educacionais, surgem os mecanismo ou instrumentos judiciais, ou seja, a presença do Estado-juiz, para apreciar e apresentar uma solução judicial.18 Para tanto, a ordem jurídica coloca à disposição mecanismos judiciais, inclusive remédios constitucionais mais específicos para as questões educacionais. Em primeiro lugar, o acesso à justiça, que significa o acesso à ordem jurídica justa (art. 5°, XXXV da CF; art. 141 do ECA) e o direito de petição, que cabe a qualquer pessoa, pois pode ser exercido perante qualquer órgão público, embora não podemos confundir com o direito de obter decisão judicial, que depende da presença do advogado ou defensor público. (art. 5º,XXXIV da CF; art. 53, V do ECA). Em segundo lugar, temos ação de rito sumário, (art. 208, § 2º da CF; art. 5º, "caput" e § § 3º e 4º da LDB); ação civil pública (art. 129, III da CF; art. 201, V do ECA); mandado de segurança (art.5º, LXIX da CF); mandado de injunção (art. 5º, LXXXI da CF).

Nesse terceiro milênio, não podemos deixar de destacar a importâncias das chamas "Ações Afirmativas na Educação", que atualmente são o centro das discussões no âmbito legislativo, acadêmico e na comunidade em geral. O termo surgiu nos Estados Unidos, no pós-guerra, já na década de 1960, quando as sociedades ocidentais cobravam a presença de critérios mais justo na reestruturação dos Estados de Direito.19 Para Joaquim Barbosa Gomes, ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.20

A sociedade brasileira demorou a perceber que o princípio da igualdade de todos perante a lei não é suficiente para que o direito à educação seja um direito de todos, pois não eliminava as desigualdades que foram acumuladas, principalmente em relação ao negro no Brasil. Hoje, percebe-se que a ação afirmativa quer seja pública ou privada, promove a cidadania ativa dos segmentos excluídos no mercado de trabalho e no sistema educacional. Por isso, a Constituição Federal de 1988 estabelecer proteção especial de trabalho à mulher; prevê no art. 37, VIII percentual de cargos para portadores de deficiência física, o Decreto nº 4.228/2002 cria o Programa Nacional de Ações afirmativas no âmbito da administração Pública, Programa de Ação Afirmativa do Ministério da Justiça, que reserva 20% de seus cargos de direção e assessoramento superior (DAS) a afrodescendentes (Portaria 1.156/2001), o Programa de Ação Afirmativa do Supremo Tribunal Federal, que estabelece cota de 20% de afrodescendentes nas empresas que prestam serviços autorizados a essa Corte. Atualmente, como ações afirmativas na educação temos as experiências da Universidade Nacional de Brasília, Universidade Nacional do Estado da Bahia, Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Universidade do Estado do Norte Fluminense Darcy Vargas – nova Lei nº 4. 151/2003, que iniciou uma segunda etapa das ações afirmativas, reserva em cada curso de graduação: 20% das vagas para estudantes oriundos da rede pública de ensino; 20% das vagas para estudantes oriundos da rede pública de ensino; 20% para negros; e 5º para pessoas com deficiência física, juntamente com integrantes de minorias raciais.

Contudo, é oportuno lembrar, que se podem implementar ações afirmativas, sem utilização de cota, pois esta é apenas uma modalidade ou forma de ação afirmativa. É o caso, da iniciativa do Frei David, que em diversos bairros da baixada fluminense criou o chamado pré-vestibular para negros e carente (PVNC). Este movimento ganhou tamanha dimensão que, em 1994, a PUC-RIO resolveu dar bolsas de estudos para alunos provenientes do PVNC, que passassem no vestibular. 21

Enfim, ações afirmativas podem ser pública e privadas. Aqui, as instituições de ensino superior da rede privada de ensino, também, estão implementando ações afirmativas, com programas de inclusão social no ensino, oferecendo bolsas de estudos parciais, para alunos carentes de recursos e outras iniciativas. No caso do Direito Educacional, como instrumento pedagógico e jurídico de tutela à educação, além de disponibilizar os instrumento preventivos extrajudiciais e instrumento judiciais, vem discutindo as relações entre educação, cidadania e inclusão social na educação, como o propósito de fortalecer o sistema educacional brasileiro, como é o caso do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação.


Considerações finais

Atendendo ao nosso propósito inicial, realizamos uma breve investigação sobre as relações entre educação e, em relação ao Direito Educacional, respondendo as indagações: o quê; para quê? E para quem? Tudo com o propósito de contribuir para a sistematizar e prática Direito Educacional, mantendo as contribuições recíprocas de educadores, juristas e dos diferentes ramos do conhecimento. Do ponto de vista real, aumentaram os conflitos específicos entre os atores do cenário: instituições de ensino, alunos ou responsáveis pelos alunos, professores e governo. Por conseguinte, se faz necessário o conhecimento do Direito Educacional na gestão educacional, como aprimoramento ou especialização profissional.

Enfim, o desenvolvimento desse novo ramo do saber jurídico é um terreno fértil para os jovens pesquisadores, por seu caráter inovador. Interdisciplinar e contribuição para a prática juspedagógica. Cabe, então, aos educadores, gestores educacionais, profissionais envolvidos na formação de docentes e na capacitação para educação à distância, profissionais do direito, poder público, instituições de ensino e as demais instituições do terceiro setor, comprometidas com a educação, participarem e contribuírem efetivamente para a aplicação do Direito Educacional, como instrumento de transformação e inclusão social na área educacional.


Notas

  1. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito – Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 57.

  2. VILANOVA, Lourival. O direito educacional como possível ramo da ciência jurídica.Mensagem da Revista do Conselho de Educação do Ceará. Fortaleza, 1982, p. 47.

  3. Para o educador e consultor jurídico na área educacional Elias de Oliveira Motta, "não há como confundir Legislação do Ensino com Direito Educacional. Enquanto aquela se limita ao estudo do conjunto de normas sobre educação, este tem um campo muito mais abrangente e pode ser entendido como um conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos sistematizados, que objetivam disciplinar o comportamento humano relacionado à educação", como conceituou Álvaro Melo Filho (Cf. MOTTA, Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI. Brasília: UNESCO, 1997. P. 51).

  4. DI DIO, Renato Alberto Teodoro. Contribuição à sistematização do direito educacional. São Paulo, 1981. Tese (Livre-docência) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. P. 25.

  5. Idem, p. 24.

  6. BOAVENTURA, Edivaldo Machado. A educação brasileira e o direito. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1977. P. 30.

  7. BOAVENTURA, Edivaldo Machado. op. cit., p. 77.

  8. Educação a distância: análise dos parâmetros legais e normativos / Roberto Fragale Filho (org.) Rio de Janeiro: PD&A,2003. p. 57.

  9. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito – Rio de Janeiro. Forense, 2005. pp. 156/157.

  10. BOAVENTURA, Edivaldo Machado. op. cit., p. 86.

  11. REALE, Miguel. Op.cit. p. 176.

  12. MACHADO NETO, Antônio Luís. op. cit., p. 214.

  13. BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 1998. p. 141.

  14. IHERING, Rudolf Von. Tradução de Richard Paul Neto. A luta pelo Directo - Rio de Janeiro – Editora Rio, 1978. pp. 8-13-15.

  15. Apud REALE, Miguel. Op. Cit. P. 273

  16. TEIXEIRA, Anísio. Educação é um direito, apresentação de Clarice Nunes, 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. p. 60.

  17. BITTAR, Eduardo C. B. Direito e ensino jurídico: legislação educacional. São Paulo: Atlas, 2001. p. 158.

  18. LIBERATI, Wilson Donizetti. Direito á educação uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 342.

  19. Programa Política da Cor na Educação Brasileira. Laboratório de Políticas Públicas. Coordenador Geral Emir Sader. Rio de Janeiro: UERJ, 2004. pp. 8-16.

  20. GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 40.

  21. SISS. Ahyas. Afro-brasileiros, cotas e ação afirmativa: razões históricas. Rio de Janeiro: Quartet; Niterói: PENESB, 2003. p. 157.

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Sobre o autor
Nelson Joaquim

advogado, mestre em Direito pela UGF, especialista em Direito Civil, Romano e Comparado, professor da Universidade Estácio de Sá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOAQUIM, Nelson. Direito educacional: o quê? para quê? e para quem?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 697, 29 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6794. Acesso em: 4 nov. 2024.

Mais informações

Texto extraído da dissertação de mestrado do autor, intitulada "Educação à Luz do Direito", pela Universidade Gama Filho (RJ), em 2000.

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