A colaboração premiada deve continuar sendo feita pelo Delegado de Polícia, mesmo com advento da Lei do Pacote Anticrime (Lei Federal nº 13.964/2019)

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20/03/2020 às 22:00
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Colaboração premiada pelo pacote anticrime dentro do sistema acusatório puro (ou próprio) e da paridade de armas, por ser meio de obtenção de provas (numa de suas facetas), deve servir preferencialmente nas investigações policiais, sob a presidência da Autoridade Policial, à luz da Constituição Federal

Malgrado a vigência da Lei do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), vozes surgem asseverando que a colaboração premiada por ter sido contemplada e positivada agora pelo Pacote Anticrime como “negócio jurídico processual”[1] não poderia ser celebrada mais pelo Delegado de Polícia.

Afinal, o que isso tem de verdade?

Com todo respeito, nenhuma verdade, porque por mais que o intérprete se apegue apenas a expressão “negócio jurídico processual”, ele não pode olvidar que a todo o tempo o legislador ordinário previu a possibilidade de o delegado de polícia celebrar o acordo de colaboração premiada na vertente de direito material.

Ademais, o acordo de colaboração premiada é meio de obtenção de prova (aspecto processual), logo qualquer tentativa de alijar a possibilidade de o Delegado de Polícia celebrá-lo, parece ser apenas com intuito classista ou de fomentar a impunidade, já que atrapalharia sobremaneira nas atividades investigativas que estariam previstas sob a faceta processual para angariar autoria e materialidade delitiva, em proteção à sociedade.

Não distante da afirmação acima, a operação “Lava Jato” é prova atual e clara de que grande parcela dos acordos de colaboração premiada entabulados com os delatores, que escancararam a fisiologia sofisticada de atuação criminosa, tiveram participação da Polícia Federal (polícia judiciária), sem a qual, dificilmente se teria chegado tão longe – reconheçamos isto despido de qualquer vaidade.

A fim de comprovar nossas falas de que o legislador ordinário previu a possibilidade de o delegado de polícia celebrar o acordo de colaboração premiada, percorreremos cada ponto da Lei nº 12.850/2013 (lei de organizações criminosas), aduzindo que nem com o advento do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019) se alterou o panorama geral da situação jurídica.

O art. 3º da Lei de Organização Criminosa, considerada como a lei geral sobre colaboração premiada, mesmo com alterações dadas pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), assevera que em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova. Isso implica em reconhecermos de que o Delegado de Polícia pode e deve celebrar o acordo de colaboração premiada. Não há palavras inúteis no texto da lei e nem faria sentido de tolher esta prerrogativa conferida ao Delegado de Polícia, já que a Constituição Federal elegeu apenas a Polícia Judiciária como a instituição vocacionada às investigações criminais.[2]

Quanto ao empoderamento do Delegado de Polícia para realização de colaboração premiada, cita-se os ensinamentos de Eduardo Cabette e Marcius Nahur:

(...) sob o ponto de vista pragmático, agiu muito bem o legislador, pois que normalmente é o Delegado de Polícia aquele que se acha mais próximo e ciente das necessidades de informações para a investigação criminal que conduz. O empoderamento do Delegado de Polícia na colaboração premiada desburocratiza o instituto e o torna mais ágil e eficaz, sem qualquer perda para o Estado de Direito Democrático, pois que, seja para a colaboração acertada com o Promotor, seja com o Delegado, a lei estabelece uma série de garantias ao investigado ou réu (CABETTE; NAHUR, 2014, p. 184).

Isso ganha mais tintura, quando se parte da premissa de que a Lei do Pacote Anticrime (Lei Federal nº 13.964/2019) instituiu em definitivo um sistema acusatório puro ou próprio mais aguçado em nosso país – embora tenhamos nossas ressalvas –, em que o papel de cada instituição na persecução penal deve estar plenamente definido, ou seja, o papel de quem investiga, de quem acusa, de quem defende e de quem julga.

O art. 3º da Lei de Organização Criminosa (reputada como a lei geral sobre colaboração premiada) prescreve que:

“CAPÍTULO II

DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA

Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:

I - colaboração premiada;”

Intuitivamente, quando a legislação diz que em “qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova como a colaboração premiada” parece um aviso claro de que a polícia judiciária poderia ser valer desta positivação legislativa até porque pela Constituição é a única vocacionada a presidir as investigações criminais.

Ademais, prosseguindo nas análises, o art. 3º-B, da Lei de Organização Criminosa:

“Art. 3º-B. O recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração demarca o início das negociações e constitui também marco de confidencialidade, configurando violação de sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por decisão judicial.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

[...]

§ 3º O recebimento de proposta de colaboração para análise ou o Termo de Confidencialidade não implica, por si só, a suspensão da investigação, ressalvado acordo em contrário quanto à propositura de medidas processuais penais cautelares e assecuratórias, bem como medidas processuais cíveis admitidas pela legislação processual civil em vigor.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)”

Extrai-se que, o art. 3º-B, da Lei de Organização Criminosa é ululante ao evidenciar que o “recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração demarca o início das negociações e constitui também marco de confidencialidade, configurando violação de sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por decisão judicial [...] não implica, por si só, a suspensão da investigação”, sendo mais uma prova de que se permitiu à Polícia Judiciária o instituto da colaboração premiada, pois do contrário não faria sentido uma previsão legal com esta amplitude.

Dando sequência, o art. 4º, §2º, da Lei de Organização Criminosa (reputada como a lei geral sobre colaboração premiada) aduz que considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). Ora, para isso partimos da premissa de que houve uma colaboração premiada entabulada pelo Parquet ou pelo Delegado de Polícia.

Vejamos a disposição do art. 4º, §2º, da Lei de Organização Criminosa “in verbis”:

“Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

[...]

§ 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).

Por sua vez, o art. 4º-A, §6º, da Lei nº 12.850/2013 preceitua que:

“4º-A. Considera-se existente o conhecimento prévio da infração quando o Ministério Público ou a autoridade policial competente tenha instaurado inquérito ou procedimento investigatório para apuração dos fatos apresentados pelo colaborador.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

[...]

§ 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor”.

O art. 4º-A, da Lei nº 12.850/2013 estabelece que existente o conhecimento prévio da infração quando o Ministério Público ou a autoridade policial competente tenha instaurado inquérito ou procedimento investigatório para apuração dos fatos apresentados pelo colaborador. Já no § 6º, pontua que o juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

Mais clareza do que a redação do art. 4º-A, §6º, da Lei nº 12.850/2013 não tem de que o Delegado de Polícia pode celebrar o acordo de colaboração premiada, mesmo depois da vigência do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019).

Somado a isto, ainda se tem a interpretação sistemática a reforçar esta posição.

Mas as constatações da possibilidade de o Delegado de Polícia celebrar a colaboração premiada não param por aí, mesmo depois da vigência do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019).

O art. 6º, inciso VI, da Lei de Organização Criminosa sinaliza que:

“Art. 6º O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter:

[...]

IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;”

Deveras, se fosse vedado ainda que sob a égide do Pacote Anticrime a colaboração premiada pelo Delegado de Polícia não faria sentido algum a previsão acima.

Dando continuidade aos enfrentamentos, o art. 7º, § 2º, da Lei nº 12.850/2013 (Lei de Organização Criminosa) dispõe que:

“Art. 7º O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto.

§ 1º As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.

§ 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.”

Perceba-se que no art. 7º, § 2º, da Lei de Organização Criminosa (considerada como a lei geral sobre colaboração premiada) assegura que o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações. E vale contextualizar que a cabeça do artigo faz alusão de que o pedido de homologação do acordo de colaboração premiada será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto.

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Portanto, é mais uma prova cabal de que o Delegado de Polícia mesmo com o Pacote Anticrime em vigor continua possibilitado de celebrar acordo de colaboração premiada.

O Supremo Tribunal Federal já tinha enfrentado esta discussão quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5508 e considerou constitucional a possibilidade de Delegados de Polícia realizarem acordos de colaboração premiada na fase do inquérito policial.

Por maioria de votos, os ministros se posicionaram pela improcedência da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5508, na qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionava dispositivos da Lei 12.850/2013 (Lei que define organização criminosa e trata da colaboração premiada).[3]

Na época os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia votaram, todos acompanhando o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio que adotou o entendimento de que a formulação de proposta de colaboração premiada pela Autoridade Policial, como meio de obtenção de prova, não interferiria no campo da atribuição constitucional do Ministério Público, titular da ação penal, e, em aspectos de deliberar sobre o oferecimento ou não da denúncia.

O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que, mesmo que o Delegado de Polícia propusesse ao colaborador a redução da pena ou o perdão judicial, a concretização desses benefícios, somente se dariam no âmbito judicial, pois se trataria de pronunciamentos privativos do Poder Judiciário.

Outra premissa firmada no precedente histórico do Supremo Tribunal Federal foi de que não seria obrigatória a presença do Ministério Público em todas as fases da elaboração dos acordos de colaboração premiada entre a Autoridade Policial e o colaborador, embora o “Parquet” devesse obrigatoriamente opinar sobre o pacto, cabendo exclusivamente ao Poder Judiciário à decisão de homologar ou não o acordo, depois de avaliar a proposta e efetuar o controle das cláusulas eventualmente desproporcionais, abusivas ou ilegais.

Algumas particularidades deste julgamento devem ser pontuadas, pois o ministro Marco Aurélio em seu entendimento externou a impossibilidade de interferência da Autoridade Policial na atribuição exclusiva do Ministério Público em oferecer denúncia, oportunidade em que os ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso reajustaram os votos para acompanhar integralmente o relator neste ponto. Nesta tese, os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux divergiram parcialmente, sob o entendimento de que, apesar de o Delegado de Polícia ter a possibilidade de entabular acordo de colaboração premiada, a manifestação do Ministério Público sobre os termos da avença deveria ser definitiva e vinculante – o que não prosperou.

O ministro Dias Toffoli também divergiu parcialmente do entendimento supra, para se posicionar de que o Delegado de Polícia poderia submeter ao juiz o acordo de colaboração premiada firmado com colaborador, desde que a proposta trouxesse de forma genérica, somente as sanções premiais previstas no artigo 4º, caput e parágrafo 5º, da Lei 12.850/2013, com manifestação do Ministério Público sem caráter vinculante – o que condiz com nosso sistema, porque não se teria como o julgador ficar refém de uma manifestação, por mais respeito que se tenha a este nobre órgão ministerial. Para Toffoli, o critério ficaria sob o crivo do Poder Judiciário quanto à concessão dos benefícios previstos na lei, levando em consideração a efetividade da colaboração.

Outra pontuação interessante – embora também prevista na lei de organização criminosa sem distinguir, não cabendo ao intérprete distinguir – do ministro Dias Toffoli foi de que ainda que o Delegado de Polícia estivesse diante da relevância da colaboração prestada, o mesmo poderia representar ao Poder Judiciário, nos autos do inquérito policial, acerca de proposta de perdão judicial, ouvido previamente o Ministério Público.                           

Depois de enfrentado os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, analisemos como restou vazada a ementa que fugiu dos padrões tradicionais da Corte Suprema, diante da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5508 que considerou constitucional a possibilidade de Delegados de Polícia realizarem acordos de colaboração premiada na fase do inquérito policial:

“DELAÇÃO PREMIADA – ACORDO – CLÁUSULAS. O acordo alinhavado com o colaborador, quer mediante atuação do Ministério Público, quer da Polícia, há de observar, sob o ângulo formal e material, as normas legais e constitucionais.

DELAÇÃO PREMIADA – ACORDO – POLÍCIA. O acordo formalizado mediante a atuação da Polícia pressupõe a fase de inquérito policial, cabendo a manifestação, posterior, do Ministério Público.

DELAÇÃO PREMIADA – ACORDO – BENEFÍCIOS – HOMOLOGAÇÃO. A homologação do acordo faz-se considerados os aspectos formais e a licitude do que contido nas cláusulas que o revelam.

DELAÇÃO PREMIADA – ACORDO – BENEFÍCIO. Os benefícios sinalizados no acordo ficam submetidos a concretude e eficácia do que versado pelo delator, cabendo a definição final mediante sentença, considerada a atuação do órgão julgador, do Estado-juiz” (STF - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.508 DISTRITO FEDERAL. Ministro Relator, Marco Aurélio).

Inegavelmente, a colaboração premiada possui características de direito material e de direito processual. Aliás, esta interpretação não era unâmime de que seria apenas um negócio jurídico processual, agora positivada pela lei de organização criminosa, vez que a próprias hibridez do acordo dá azo à compreensões diversas.

Além de vozes de Ministros do próprio Supremo Tribunal Federal, parcela respeitável da doutrina também advogava o entendimento de que a natureza jurídica do acordo de colaboração premiada seria de “negócio jurídico”:

“A delação premiada consubstancia uma forma qualificada de delação na qual o investigado ou acusado que prestar informações, nessa condição, sobre fato de terceiro recebe uma sanção positiva representada por um prêmio, cuja consequência se projeta na esfera penal como circunstância de redução de pena, perdão judicial. Portanto, a informação do codelinquente é estimulada de molde a delatar os coautores ou partícipes. Deve-se considerar nas informações prestadas a postura negocial que assume o ato de delação. Em outros termos, as referidas informações decorrem de um negócio jurídico firmado com o réu como produto de razões de política criminal” (FERRO, Ana Luiza Almeida; PEREIRA, Flávio Cardoso e GAZZOLA, Gustavo dos Reis. Criminalidade organizada: comentários à Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. 1ª Ed. Curitiba: Editora Juruá, 2014. fls. 98-99) [grifos nossos].

De mais a mais, a colaboração premiada, como já dita, seria um meio de obtenção de prova e se compete à Polícia a produção probatória e de elementos informativos na fase de investigação (fase extrajudicial/inquisitorial), não pareceria razoável dentro de uma república, inviabilizar as Polícias Judiciárias esta atuação para obtenção de prova e/ou elementos informativos.

De outro lado, partindo-se da premissa de que a colaboração premiada se reputada como negócio jurídico (ou negócio jurídico processual), em que se mira meios de obtenção de provas, temos à conclusão ou ao menos a perspectiva de que a sua negociação e celebração pela polícia judiciária, se harmonizaria perfeitamente com a função investigativa daquela, como estabelecem o art. 144, §1º, inciso IV e §4º da Constituição da República e o art. 4º, caput, do Código de Processo Penal.

Em mais um reforço à argumentação, quando o Delegado de Polícia celebra acordo de colaboração premiada, acaba por agir em análise de outras provas e elementos informativos, atua tipicamente na atividade investigativa de obtenção de elementos probatórios e/ou elementos informativos para formar sua convicção sobre a materialidade e a autoria do delito em nítida atividade de polícia judiciária. Logo, seria irrazoável e injustificável no sistema acusatório puro ou próprio e da paridade de armas (em que se veda a concentração de atribuições a uma única instituição que desequilibre a balança) negar esta possibilidade ao Delegado de Polícia.

Dando continuidade as nossas ponderações, destacamos que mesmo na época antes do Pacote Anticrime positivar a natureza jurídica da colaboração premiada como “negócio jurídico processual”, a colaboração premiada era controvertidamente considerada de natureza jurídica de “negócio processual” ou “negócio jurídico” pelo próprio Supremo Tribunal Federal – além de meio de obtenção de provas – e nem por isso apartava a possibilidade de o Delegado de Polícia celebrar este instrumento importantíssimo no combate e repressão de crimes, mormente os de colarinho branco e da macrocriminalidade.

Aliás, o Plenário do Supremo, como anotado já reconhecia que, na perspectiva processual, a colaboração premiada, a um só tempo, qualificava como meio de obtenção de prova e negócio jurídico contendo direito material. A propósito, vejamos:

A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como “meio de obtenção de prova”, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração.” (HC 127483, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/2015) [destaques nossos].

Em abono a nossa tese de que o Delegado de Polícia continua legitimado e autorizado pelo Pacote Anticrime a celebrar acordo de colaboração premiada, há o recente enunciado da Polícia Civil de São Paulo aprovado no Seminário Polícia Judiciária e a Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), realizado na Acadepol dia 15 de janeiro de 2020:

“Súmula nº 4: O Delegado de Polícia pode formular proposta de acordo de colaboração premiada ao investigado quando reputar presentes as hipóteses legais, bem como analisar proposta de acordo elaborada pelo suspeito assistido por defesa técnica e ainda verificar a necessidade de instrução prévia para a formalização do negócio jurídico processual (Lei 12.850/2013, arts. 3º-B e 4º,§ 6º).”

Desta sorte, é inconcebível qualquer leitura que procure retirar do Delegado de Polícia, a possibilidade de entabular o acordo de colaboração premiada sob os holofotes do Pacote Anticrime.

Aliás, com efeito, não faria sentido valer-se da Lei Federal nº 13.964/2019 que instituiu o popular “Pacote Anticrime” para tolher o Delegado de Polícia da utilização deste importante instrumento no combate e repressão da criminalidade, em prol da proteção da sociedade, quando a “mens legis” ao menos originária do Projeto de Lei do Pacote Anticrime (agora em vigência com uma série de desidratação) era justamente no sentido de conferir maior rigor na esfera penal e processual penal, em face do crime.

Sobre o autor
Joaquim Leitão Júnior

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Mentor da KDJ Mentoria para Concursos Públicos. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos. Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Palestrante. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obras jurídicas e autor de artigos jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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