O alvoroço sobre a extinção negocial

Resolver, resilir, revogar, distratar, denunciar e rescindir, tudo a mesma coisa?

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Este artigo tratará das figuras que permeiam a extinção dos negócios jurídicos em geral: distinguir-se-á resolução, resilição, revogação, distrato, denúncia e rescisão, mesmo diante dos equívocos doutrinários, judiciais e legislativos sobre o tema.

 

  1. Situando os modos de extinção dos contratos.

 

Não apenas o civilista, o constitucionalista, o tributarista têm o dever de primar pelo manuseio adequado do instrumental que o Direito lhe confere. Na verdade, a todo operador do Direito, independente do segmento jurídico, cabe aquilo que Karl Larenz[1], Karl Engisch[2], F. C. Pontes de Miranda[3] e Antônio Junqueira de Azevedo[4] ensinaram, a saber, de que os signos com os quais o mundo jurídico é construído exigem precisão terminológica, a delimitação do conceito e do conteúdo de cada categoria jurídica, bem como a situação delas na teoria geral, que abrange os limites da dogmática, para, a partir daí, rumar às minúcias.

Desse movimento que muito lembra o trajeto que o material faz em um funil – cujo conteúdo ingressa em uma área maior e migra para espaços menores -, cabe destacar o fim dos contratos. Este artigo tem como objeto não o começo ou o meio do contrato (e de sua consequente relação contratual), e sim o seu fim, particularmente os chamados modos de extinção da revogação, resolução, resilição, distrato, denúncia e rescisão.

Segundo a doutrina[5], todos os contratos podem ter seus efeitos cessados por meio das figuras mencionadas, isto é, podem ser revogados, resolvidos, resilidos, distratados, denunciados ou rescindidos, o que leva à conclusão de que essas figuras devem ser estudadas não em relação a uma ou algumas espécies contratuais, e sim no que as antecede, a teoria geral dos contratos.

Logo, as linhas que seguirão têm como intuito apresentar questões sobre a extinção dos contratos em geral, dentro de um panorama de teoria geral, não, necessariamente, com relação a um tipo contratual.

 

  1. Uma coisa é uma coisa, outra coisa, outra coisa: revogação, resolução, resilição, distrato, denúncia e rescisão.

 

Apontam F. C. Pontes de Miranda[6] e Paulo Lôbo[7] que o sistema jurídico atribui como sendo o mais natural para dar termo às relações no segmento do Direito das obrigações o adimplemento, que é um ato-fato jurídico que tem um tríplice efeito, quais sejam, a satisfação do crédito, a extinção da relação obrigacional e a liberação do devedor.

Judith Martins-Costa[8] analisa as formas de extinção das relações obrigacionais e extrai a seguinte classificação: (i) causas extintivas naturais da relação jurídico obrigacional, apontando como grandes exemplos o adimplemento satisfatório da prestação e o alcance de hipóteses previstas em elementos particulares (termo, condição ou encargo), com adimplemento; e (ii) causas não-naturais, que são circunstâncias internas ou externas à relação obrigacional que levam à sua extinção, exemplificando com as figuras da decretação de invalidade, impossibilidade superveniente, operação da denúncia.

Dentro dessa grande aba de causas anômalas ou não-naturais de extinção das relações jurídicas obrigacionais é que se atentarão as considerações abaixo, especificamente no que diz respeito às hipóteses normativas de extinção das relações contratuais, as quais envolvem as figuras da revogação, resolução, resilição, distrato, denúncia e rescisão.

No âmbito legislativo cabe destacar que alguns diplomas tratam com maior ou menor abrangência as figuras acima, que serão tratadas doravante como causas não-naturais de extinção dos negócios, em especial os contratos.

Inicia-se pelo Código Civil (CCB/2002), que prevê entre os arts. 472 e 480 hipóteses de extinção do contrato, cabendo destacar os seguintes enunciados normativos:

‘’Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.

Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Seção II

Da Revogação da Doação

Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo’’ (sem grifo no original).

No campo do Direito do trabalho, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) merece destaque nos seguintes preceitos:

‘’Art. 29.  O empregador terá o prazo de 5 (cinco) dias úteis para anotar na CTPS, em relação aos trabalhadores que admitir, a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver, facultada a adoção de sistema manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério da Economia.

§ 2º - As anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social serão feitas:

c) no caso de rescisão contratual;

CAPÍTULO V

DA RESCISÃO

Art. 477.  Na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo’’ (sem grifo no original).

No campo consumerista, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece em relação aos contratos de venda e compra mobiliária ou imobiliária:

‘’Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

Art. 35. (...)

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos‘’ (sem grifo no original).

Vê-se que as figuras da resolução, resilição, revogação, rescisão e denúncia aparecem nos textos com os quais os operadores do Direito (advogados, juízes, promotores, estagiários e demais estudiosos da ciência jurídica) trabalham.

Passando à seara judicial, o seguinte julgado do Tribunal Superior do Trabalho reconhece aplicação de penalidade pela demora no pagamento de verbas oriundas do fim de relação de trabalho:

‘’AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI 13.015/2014. CONTRATO DE TRABALHO. RESCISÃO INDIRETA. MORA SALARIAL. ATRASO NO RECOLHIMENTO DO FGTS. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO COM SINDICATO. O Tribunal Regional, amparado no conjunto probatório dos autos, entendeu caracterizada a falta grave da empregadoraensejando a rescisão indireta, porquanto evidenciados o atraso salarial contumaz e a ausência dos depósitos do FGTS na conta vinculada do reclamante. Consignou ainda que a reclamada não honrou com o compromisso de pagamento parcelado dos salários, firmado com o Sindicato do reclamante, o que resultou no ajuizamento de ação de cumprimento. (...)’’ (TST, AIRR n. 20557-86.2016.5.04.0203, Rel. Min. Maria Helena Mallmann, 2ª Turma, j. 07/08/2018, Dje: 17/08/2018, sem grifo no original).

Em análise de relação contratual cujo objeto foi o fornecimento de combustível, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) apontou que o descumprimento do que determinado pelo princípio da boa-fé resulta na rescisão contratual:

‘’AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. COMPROVAÇÃO DA QUEBRA DE BOA-FÉ CONTRATUAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. O Tribunal de origem, com arrimo no acervo fático-probatório carreado aos autos, concluiu que houve quebra da boa-fé contratualmotivando a rescisão de contrato de fornecimento de combustível. (...)’’ (STJ, AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.259.114/MS, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 27/11/2018, Dje 04/12/2018, sem grifo no original).

Dentro desse quadro no qual a legislação não serve de dicionário ou vocabulário, estabelecendo signos dotados de vagueza que permite maior atuação do intérprete em relação à aplicação (ou não) no caso concreto, cabe agora iniciar o papel de importância que a doutrina desenvolve ao definir e responder às seguintes indagações: afinal, o que é revogar, rescindir, resolver, resilir, distratar e denunciar? Como se extrai dos textos legais e judiciais, são figuras iguais, próximas ou distintas?

Baseados na preocupação ponteana de precisão terminológica, Marcos Bernardes de Mello[9], Judtih Martins-Costa[10] e Rodrigo Xavier Leonardo[11] mostram que o ambiente da prática e de certa parcela doutrinária acabam por misturar ou confundir as categorias relacionadas ao poder de desligamento contratual.

Iniciando-se pela revogação, trata-se de um ato jurídico que tem como base o exercício o poder formativo extintivo por meio do qual seu titular, ou quem seja legitimado para tal, por força do ordenamento jurídico ou da convenção, retira a vontade (= retira-se a vox) que permitiu a conclusão do negócio jurídico (no caso, contratual), de modo a voltar à situação anterior à própria conclusão negocial[12].

Revogar (= revocare) consiste em ato que se volta para o plano da existência e que retira a vontade, elemento nuclear negocial, em casos previstos na lei ou no negócio[13] e com eficácia prospectiva (ex nunc)[14].

A exemplo de revogação, o CCB/2002, na esteira do CCB/1916, prevê que ‘’A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo’’ (art. 555), enumerando como hipóteses de ingratidão no art. 557: ‘’I - se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele’’, ‘’II - se cometeu contra ele ofensa física’’, ‘’III - se o injuriou gravemente ou o caluniou’’ e ‘’IV - se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava’’.

No campo eficacial, o CCB/2002 determina que ‘’A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida’’ (art. 563).

Passando para outra categoria (e outro plano ponteano), a figura da rescisão ganha seus contrastes no ordenamento brasileiro, ainda mais diante de hipóteses normativas que determinam que a certo comportamento faltoso por parte de alguém tem como consequência a rescisão contratual. Exemplifica-se com os citados arts. 29, parág. 2º, 477, CLT, assim como o art 35, III, CDC.

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Ocorre que o receio doutrinário de imprecisões terminológicas recaiu sobre a categoria da rescisão, que é, na verdade, um poder formativo extintivo por meio do qual seu titular, ou quem ostente legitimidade para operá-lo, desfaz o ato negocial por vício no objeto ou no direito que seja preexistente ou concomitante à celebração da avença[15].

Segundo F. C. Pontes de Miranda[16], rescindir (= rescindere) significa cortar (= cindir), descer ao suporte fáctico normativo e romper o negócio jurídico inquinado por intermédio de atuação do Estado-Juiz que atende à pretensão rescisória.

Por envolver vício que ataca algum aspecto do ato jurídico, evidente as imprecisões contidas tanto nos dispositivos legais quanto nos julgados mencionados, visto que nenhum deles pontua algum tipo de problema sobre o objeto ou sobre o direito que serviram como centro da análise.

Exemplifica-se com o vício redibitório, cujo texto do CCB/2002 permite que haja a redibição (= espécie de rescisão) na hipótese na qual ‘’A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor’’ (art. 441). O vício que inquina o objeto do contrato permite que a parte maneje medida judicial que corta o negócio jurídico, rescinda-o de forma a desconstituir o próprio ato negocial.

A resolução se expressa de duas formas, uma como gênero, a resolução lato sensu, que a resilição e a segunda acepção resolutiva, a resolução stricto sensu[19].

Inspirado na origem francesa, Orlando Gomes[20] concebe a resilição não é uma espécie não como uma espécie de resolução, e sim um gênero, o que fica evidente no CCB/2002 (Seção I Do Distrato), cujo art. 473 determina que a resilição pode ser unilateral ou bilateral (= distrato).

Visando maior aprimoramento técnico, inclusive em relação à problemática legislativa, F. C. Pontes de Miranda[21] é assertivo ao afirmar que resilição é resolução com efeitos prospectivos (ex nunc). Na verdade, o sustento da questão está no fato de que a hipótese que enseja uma resolução lato sensu não se imiscui com hipótese de distrato.

Atendo-se às figuras resolutivas, a resolução lato sensu pode ser definida como o poder formativo extintivo por meio do qual seu titular, ou quem legitimidade tenha para tal, extingue o negócio e a relação negocial por inadimplemento grave ou por impossibilidade superveniente de cumprimento sem atribuição de culpa[22].

Dentro do quadro desenhado se diferenciam as espécies em relação aos efeitos[23]: a resolução stricto sensu tem efeitos retroativos (ex tunc), atingindo o ato negocial em seu nascedouro e desde ali desconstituindo os efeitos, enquanto a resilição tem seus efeitos ex nunc, não atingindo a validade e a eficácia do que realizado anteriormente, mas desconstituindo dali para frente a relação jurídica negocial. Destaque-se, também, que tanto Rodrigo Xavier Leonardo[24] quanto F. C. Pontes de Miranda[25] apontam que o campo fecundo de atuação resilitória é dos negócios contratuais por tempo determinado.

Segundo asseverado por Marcos Bernardes de Mello[26] e F. C. Pontes de Miranda[27], resolver em sentido amplo significa atuar a partir do plano da eficácia, com efeitos que retroagem ou não. Como exemplo, o segundo doutrinador afirma que ‘’O que iria continuar, e deixa de continuar, porque houve a resiliçãofoi atingido pelo corte que se fêz. É como se frase estivesse feita e estivesse sendo lida, mas se interrompeu a leitura, para sempre’’[28].

Valendo-se dessa mesma passagem, vê-se que resilir impõe a manutenção da frase e de tudo o que lido até então. Já a resolução stricto sensu significa interromper a leitura e apagar a frase, excluindo o presente e o passado, bem como inviabilizando o futuro, ou seja, retira do mundo jurídico o que até então nele existia[29].

De forma cerebrina, exemplifica-se a resolução em sentido estrito com a hipótese de uma venda e compra imobiliária na qual o comprador pagou o preço, mas não recebeu a coisa em contrapartida, perdendo o interesse pouco tempo após (= tornando o inadimplemento inviável). A partir dessa perda de interesse na manutenção da contratação, o comprador maneja a resolução contratual, retornando ao status quo, ou seja, desconstitui o negócio, recebe o preço de volta e mantém o vendedor com o imóvel.

Um caso hipotético de resilição é o da locação imobiliária para fins residenciais: não há como retroagir os efeitos, visto que não é possível o locador ter de volta o tempo de posse que o locatário exerceu sobre a coisa até o desligamento negocial.

O distrato é concebido como o negócio bilateral por meio do qual se desfaz a relação jurídica decorrente de um ato negocial pretérito, podendo atingir seus efeitos pretéritos naquilo que se restringe aos negociantes[30].

Com as adequadas precisões ponteanas, calha o que aponta Paulo Lôbo[31] de que o distrato consiste em desfazer o que tratado anteriormente, isto é, é um negócio jurídico autônomo que tem por fito desfazer os efeitos de outro ato negocial.

Como aponta F. C. Pontes de Miranda[32], o distrato atua no plano da eficácia e elimina a relação jurídica juntamente com as posições jurídicas (= poderes e deveres) dela decorrentes, inclusive com a possibilidade das partes do negócio originário e que será distratado determinarem a extinção retroativa, reconstituindo-as ao status quo. No caso, o negócio em si não é atingido pelo ‘des-trato’ em razão dos efeitos surtidos perante terceiros, eficácia esta conservada.

Portanto, os planos da existência e da validade permanecem, atuando o distrato no plano da eficácia, permitindo que a vontade das partes determina a projeção eficacial: se retroativo (ex tunc) ou prospectivo (ex nunc)[33].

Vê-se duas grandes distinções do distrato para a resilição: (i) de caráter eficacial, a resilição tem efeitos ex nunc e que desfaz o negócio jurídico, enquanto o distrato pode ser operado frente a relação negocial tanto ex tunc quanto ex nunc, a depender da vontade das partes celebrantes e da natureza da relação a ser desfeita; e (ii) de caráter conteudístico, eis que resilir se fundamenta no inadimplemento ou em questão que inviabiliza o cumprimento negocial, sem culpa atribuível, enquanto o distrato decorre de vontade das partes.

Exemplifica-se com um contrato de prestação de serviços advocatícios que os envolvidos, advogado e contratante, entendem que não há mais necessidade dos serviços jurídicos. Por isso, celebram um segundo contrato, este com a finalidade de dar termo à relação até então tida entre as partes, mas expressamente determinando que os atos até então realizados têm seus efeitos cristalizados, especialmente os êxitos obtidos em demandas processuais e nos atos negociais relativos à transmissão do direito de propriedade sobre imóvel.

Mais uma vez, vê-se a confusão terminológica que descambou no plano legislativo civilista, eis que os traços acima mostram que resilir e distratar não pertencem a um gênero comum, assim como têm efeitos e, também, fundamentos de operabilidade distintos.

Como última categoria de poder de desligamento, parte da acepção extraída de Judith Martins-Costa[34] e Rodrigo Xavier Leonardo[35] de que a denúncia é o poder formativo extintivo por meio do qual o seu titular, ou alguém legitimado para tal, com base no ordenamento legal ou no negócio, com (= denúncia cheia) ou sem justa causa (= denúncia vazia), põe fim a uma da relação negocial originariamente concebida sem prazo determinado.

Com amparo em F. C. Pontes de Miranda[36] e Marcos Bernardes de Mello[37], denunciar significa determinar o termo a uma relação duradoura, sendo da espécie denúncia vazia em hipótese na qual não há necessidade de fundamento para seu manejo, e denúncia cheia para casos que o manejo tem sustento na lei ou no negócio.

Tendo em vista que a denúncia recai sobre o plano da eficácia, particularmente sobre a relação jurídica, seus efeitos são ex nunc, ou seja, se operam desde a nunciação e inviabiliza a produção de efeitos futuros[38].

Iguala-se a denúncia da resolução quanto aos efeitos, que são prospectivos (ex nunc), mas ambas as categorias ganham traços distintivos por três razões. A primeira é de caráter conteudístico, eis que resilir pauta-se no incumprimento ou na inviabilidade não culposa, enquanto a denúncia pode se basear em mera vontade (vazia) ou com bases legais ou negociais (cheia)[39].

A segunda razão é de caráter eficacial, posto que a resilição, apesar de ex nunc, desconstitui o negócio (plano da existência) e a relação jurídica dele decorrente (plano da eficácia), enquanto a denúncia apenas dá um fim à relação jurídica, conservando-se o negócio e o que dimanou da relação até a nunciação de seu fim[40].

A terceira razão é de caráter temporal: a denúncia ocorre em negócios sem limitação temporal, enquanto a resilição se opera como poder que antecipa o fim de negócios com prazo determinado[41].

Rodrigo Xavier Leonardo[42] lança de analogia para diferenciar os poderes formativos extintivos da denúncia e da resilição, afirmando que ‘’há enorme diferença entre o poder de substituir as reticências de uma relação jurídica por um ponto final [= denunciar] e o poder de antecipar um ponto final [= resilir], modificando o contrato e a relação originalmente concebida’’.

Vê-se que as confusões doutrinárias podem ser dissipadas, ainda mais diante da análise das origens terminológicas das figuras em comento. Em que pese alguma comunicação entre algumas acepções, depreendeu-se que uma coisa é uma coisa, outra coisa, outra coisa no que diz respeito às formas não naturais ou anômalas de extinção da relação contratual (e até do próprio negócio jurídico).

O fato de estar em texto legal não significa que há acerto jurídico, eis que os órgãos legislativos são em sua essência políticos, acessíveis por qualquer um que tenha a vocação para o exercício do múnus público, não necessariamente por operadores do Direito.

Às vezes, o Direito cede à Política quanto aos textos que servem de base para o trabalho desenvolvido pelos operadores jurídicos, que devem se valer de recursos hermenêuticos para apontar e superar os erros causados pelo descuido político, o que fica evidente na diferenciação entre os poderes formativos extintivos de revogar, rescindir, resolver, resilir, distratar e denunciar.

 

Sobre o autor
Felipe Bizinoto Soares de Pádua

Mestrando em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público de São Paulo (IDPSP) (2021-). Pós-graduado em Direito Constitucional e Processo Constitucional pelo Instituto de Direito Público de São Paulo/Escola de Direito do Brasil (IDPSP/EDB) (2019). Pós-graduado em Direito Registral e Notarial pelo Instituto de Direito Público de São Paulo/Escola de Direito do Brasil (IDPSP/EDB) (2019). Pós-graduado em Direito Ambiental, Processo Ambiental e Sustentabilidade pelo Instituto de Direito Público de São Paulo/Escola de Direito do Brasil (IDPSP/EDB) (2019). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC) (2017). É monitor voluntário nas disciplinas Direito Constitucional I e Prática Constitucional, ministradas pela Profª. Dra. Denise Auad, na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. É membro do grupo de pesquisa Hermenêutica e Justiça Constitucional: STF, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). É membro do grupo de pesquisa Direito Privado no Século XXI, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Foi auxiliar de coordenação no Núcleo de Estudos Permanentes em Arbitragem (NEPA), da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2018). Foi articulista da edição eletrônica do Jornal Estado de Direito (2020-2021). Advogado na Cury, Santana & Kubric Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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