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O atual art. 285-A do CPC:

breves anotações da Lei nº 11.277/06

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06/03/2006 às 00:00
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Uma crítica construtiva:

            Há, porém, um ponto que passou despercebido pelo legislador e pode importar em situação processual relevante.

            É esse o fato de que, ao se julgar improcedente o pedido do autor, o réu não saberá desse acontecimento se não houver recurso por parte do autor, o que se mostra inviável.

            Porém, o réu tem, sim, interesse em saber se houve tal julgamento, pois, caso o autor repita a demanda em outro Juízo – cujo magistrado não tenha a mesma posição que aquele que anteriormente apreciou o outro processo –, não terá esse réu como alegar a preliminar da coisa julgada (art. 301, VI do CPC).

            Esse fato é relevante, pois importa em evitar a indevida repetição de ações, cuidado esse que se deve ter sempre em mente.

            Nunca há que se descurar da orientação de que "o processo não pode ser manipulado para viabilizar o abuso de direito, pois essa é uma idéia que se revela frontalmente contrária ao dever de probidade que se impõe à observância das partes... O ordenamento jurídico brasileiro repele práticas incompatíveis com o postulado ético-jurídico da lealdade processual. O processo, em sua expressão instrumental, deve ser visto como um importante meio destinado a viabilizar o acesso à ordem jurídica justa, achando-se impregnado, por isso mesmo, de valores básicos que lhe ressaltam os fins eminentes a que se acha vinculado" [11].

            Há, então, que se perquirir como se pode resolver a situação, sem que se fira a intenção da lei, que foi o de evitar a citação do réu fora da hipótese de recurso, o que deve ser prestigiado. A proposta que ora se posta é simples e não iria ferir o fanal acima apontado.

            Bastaria que, com o trânsito em julgado, o réu fosse apenas intimado para ciência de que o processo existiu e que a relação jurídica já foi resolvida com mérito, situação essa que não é totalmente estranha no processo civil pátrio.

            Para tanto, é suficiente relembrar os termos do art. 59, §2º da Lei de Locações (Lei nº 8.245/91), o qual determina que, qualquer que seja a hipótese que finque pedido de despejo, há que se dar ciência desse pedido aos sublocatários, sem que tal importe em inclusão desses no pólo passivo da relação processual, pois a própria norma afirma que a finalidade dessa citação é a de possibilitar que esses possam vir intervir no processo como assistentes, lembrando sempre a orientação jurisprudencial e doutrinária que tal só se destina aos sublocatários legítimos. Firme é a orientação nesse sentido, asseverando que "o sublocatário legítimo, seja total ou parcial, terá de tomar ciência da ação, o que não se confunde com a citação. O sublocatário não é réu, pelo que não se justifica ser citado" [12].

            Atente-se que, na situação acima indicada, o processo citado ainda tem curso e que, na proposta apresentada, esse processo já não mais estará em curso, o que diminui qualquer possibilidade de potencial dano ao réu.

            Assim, estará se preservando a intenção do legislador, para que o réu não venha ao processo desnecessariamente, e, ao mesmo tempo, estará se preservando a eticidade processual, permitindo que o réu tenha ciência desse fato e possa opor essa defesa indireta se for futuramente demandado pelo mesmo fundamento.

            Essa proposta pode ser adotada desde logo, pois embora não esteja prevista expressamente, não há vedação para que o magistrado assim proceda, pois ao juiz cabe conduzir o processo com vistas no art. 125 do CPC.

            Note-se que o inciso II desse art. 125, que indica ser um poder-dever do juiz "velar pela rápida solução do litígio", deve ser concebido numa atitude macro-processual, com vistas endo-processual. Ou seja: não se deve pensar apenas naquele processo em que se esteja, mas na própria relação jurídica que se espraia para fora do limite físico, material, desse processo.

            Nessa perspectiva, a rápida solução do litígio não é só do que ora se julga, mas também de todos os processos em geral e que com este possam interferir.


Conclusão:

            Pode-se, por fim, afirmar que feliz foi o legislador em aprovar essa inovação legislativa, a qual vai ao encontro da orientação de "um processo simples, accessível e barato; um processo que se afaste do formalismo estéril e do dogmatismo acadêmico; um processo que assegure ao titular do direito subjetivo o que tal direito lhe confere e tudo aquilo que dele se deriva, segundo a técnica jurídica e de acordo com os ditames do bom senso e dos valores éticos predominantes; um processo de resultados, que supere com presteza todos os entraves a uma rápida solução do litígio; enfim um processo que transforme o programa do devido processo legal no sonho do processo justo." [13].

            É bem verdade que esse arquétipo do "processo justo" não é um sonho estanque. Ao contrário, é um sonho sempre em movimento, cujo dinamismo se faz necessário como meio de acompanhar e satisfazer a constante mudança da sociedade.

            É nesse espectro que se entende como válida a nova regra processual, seja pelo viés da sua conformação ao ordenamento jurídico, seja por sua real utilidade prática para as partes e para o sistema processual como um todo.

            Não podemos nos afastar da trilha de que, "mais uma vez, e agora no território da democracia política, o direito, seus procedimentos e instituições passam a ser mobilizados em favor da agregação e da solidarização social, como campo de exercício de uma pedagogia para o civismo." [14]

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Notas

            01

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Mauro. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 20/21.

            02

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. I. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 213/214.

            03

CÂMARA, Alexandre de Freitas. Lições de direito processual civil, vol. II, 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 60.

            04

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 301

            05

CÂMARA, Alexandre de Freitas. Lições de direito processual civil, vol. I, 9ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 322

            06

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processo civil, vol. III, 30ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 420

            07

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, 22ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.27

            08

SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de direito processual civil, vol. 1, 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 260

            09

Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Resp. 184599/ES. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.

            10

Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Resp. 73536/MG. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.

            11

Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Rcl-AgR-QO 1723 / CE. Rel. Min. Celso de Mello

            12

SOUZA, Sylvio Capanema de. Da locação do imóvel urbano: direito e processo. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 422

            13

THEODORO JUNIOR, Humberto. O novo processo civil brasileiro: no liminar do novo século, 2ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 41

            14

VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. p. 153.
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Sobre o autor
Ricardo Alberto Pereira

juiz de Direito em Niterói (RJ), mestre em Direito e Sociologia pela Universidade Federal Fluminense, professor de Direito Processual Civil nos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Estácio de Sá, professor de Direito Processual Civil da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), magistrado instrutor da Escola de Administração do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (ESARJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Ricardo Alberto. O atual art. 285-A do CPC:: breves anotações da Lei nº 11.277/06. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 978, 6 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8060. Acesso em: 18 abr. 2024.

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