Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar as principais mudanças, os benefícios e desvantagens atrelados à regulamentação do teletrabalho no Brasil, ocorridos após a reforma trabalhista de 2017. Dentre as principais questões que nortearam a pesquisa, destaca-se o questionamento sobre “Quais foram os avanços ou, se houve, quais os retrocessos trazidos com a aludida regulamentação? Foi atingida a pacificação social e segurança jurídica aguardada?” Da análise da aludida modalidade de trabalho estudada, é forçoso reconhecer inúmeros benefícios sociais com ela advindos, a exemplo da inclusão e manutenção no mercado de trabalho, das mães com filhos pequenos, pais de família que são portadores de mobilidade reduzida, ou ainda, jovens altamente capacitados portadores de graves deficiências, que por tais condições muitas vezes são alijados de oportunidades de emprego. O artigo analisou na literatura jurídica, a evolução do teletrabalho no Brasil e como se deu sua regulamentação, estabelecendo os avanços e retrocessos até então verificados, após a reforma trabalhista de 2017. O artigo foi embasado do cotejo de pesquisas bibliográficas em livros, periódicos, sites de internet, jurisprudências e leis que regulam ou atrelam à matéria objeto, como a CLt e a Constituição Federal. Diante do estudo, concluiu-se que diversas discussões foram encerradas, ao passo que muitas outras surgiram, em virtude de a novel legislação ter deixado lacunas, que a priori, acredita-se serão preenchidas com novas bases teóricas e jurisprudenciais.
Palavras-chave: CLT. Teletrabalho. Reforma Trabalhista.
1. Introdução
É fato que o desenvolvimento da sociedade Brasileira no vigente século, somado ao vertical salto tecnológico experimentado em diversos ramos e atividades, impactou diretamente nas relações jurídicas de trabalho, exigindo dos poderes legislativo e judiciário, assim como dos operadores de direito correlatos, incessantes estudos direcionados à amparar direitos, orientar obrigações e, entregar dentro do possível, tutela jurisdicional uniforme e estável.
De acordo com Melo (2017), indiscutivelmente a evolução da telemática e, consequentemente, da informática e tecnologias móveis, modificaram profundamente as relações de trabalho que vivenciamos em nosso país, notadamente a partir da década de 90, período em que despertaram diversas formas novas de trabalho, dentre elas, o trabalho à distância, remoto, home office ou teletrabalho, realidade efetivamente vivenciada nos dias atuais.
Ocorre, que o notado salto não foi devidamente acompanhado pela legislação obreira, tendo o direito trabalhista pátrio regulamentado o trabalho remoto apenas ao final do ano de 2017, após longo período de lacuna legislativa e diversas discussões acaloradas entre juristas. De fato, a ausência de previsão legal culminou em inevitáveis entendimentos distorcidos e, considerável instabilidade jurídica, problemas aparente e parcialmente sanados pelo novel diploma legal, que ainda precisa de ajustes e formação evolutiva, como ocorre com qualquer norma que é inserida ou sofre alteração legal.
As principais discussões sobre o tema, gravitavam em torno da natureza jurídica do contrato entabulado (se regido por normas cíveis ou trabalhistas), se ocorreria ou como ocorreria o controle da jornada de trabalho e contabilização de horas extras, se as normas de segurança e medicina do trabalho incidiriam nessa modalidade de emprego e como o empregador poderia fiscalizar sua utilização nos moldes determinados pela CLT e NR’s incidentes, dentre outras. Isso tudo, fez emergir teorias e entendimentos que eram extremamente relevantes, já que, a depender da posição que fosse adotada, poderia ocasionar soluções diametralmente opostas e quiçá, injustas ao empregador ou ainda, ao empregado.
Importante destacar que, diante dos imbróglios existentes antes da Reforma Trabalhista existente, a adoção da aludida modalidade de trabalho era temida e evitada por muitos empreendedores, o que aparentemente foi mitigado pelo advento da Lei n. 13.467/2017.
As mudanças trazidas pela reforma obreira, atreladas ao resquício de insegurança, incertezas e anseios que acompanham a inserção do teletrabalho em nossa legislação trabalhista, fora a matriz propulsora do intento deste trabalho, cujo objeto tem por escopo analisar se a aludida reforma encerrou as discussões travadas, se trouxe ou não a segurança jurídica capaz de fomentar a adoção do trabalho remoto, quais as vantagens e desvantagens do referido modelo e, principalmente, busca-se identificar a existência de elos frágeis e possíveis soluções para controvérsias que possam surgir.
Assim, para desenvolver este trabalho, utilizou-se como metodologia de pesquisa o estudo bibliográfico de cunho jurídico, jornalístico e legal, a análise de jurisprudências e enunciados do tst e da ANAMAtRA, bem como, o cotejo de bases teóricas com as delimitações trazidas pela Lei n. 13.467/2017.
Como se nota, a problemática, a atualidade e a importância do assunto ora discutido é evidente, em razão de sua direta influência no âmbito econômico e principalmente social, particularmente por estarmos vivenciando período recente, de uma reforma que foi por muito tempo aguardada.
2. Origem, conceito e requisitos para configuração do teletrabalho como relação de emprego
Para adentrar ao tema central do presente estudo, revela-se fundamental traçar um breve escorso histórico sobre a evolução legislativa e o surgimento do teletrabalho em nosso sistema jurídico, assim como, esclarecer seu conceito, suas principais características e os requisitos para configuração desta crescente modalidade de relação de emprego.
Sobre as origens mais remotas do teletrabalho, referenciou o Tribunal Superior do Trabalho, em acórdão prolatado em 17/09/2014[1], que Jack Nilles – antigo cientista da NASA, teria sido seu fundador por intermédio de estudo realizado em 1973, denominado de telecommuting. Verberou o relator do caso que:
A propósito, JACK NILLES – antigo cientista da NASA – foi o fundador do teletrabalho, por intermédio de estudo realizado em 1973, denominando-o de telecommuting. NILLES o define pelo “mover parte ou a totalidade do trabalho para fora do escritório, para casa ou um centro de teletrabalho.” Por sinal, IVANI CONTINI BRAMANTI cita LORENZO GAETA, segundo o qual: “Teletrabalho é a prestação de quem trabalha com um videoterminal, geograficamente, fora da empresa a quem a prestação é dirigida.” Por seu turno, vejamos o ensino de RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA: “O teletrabalho, que se define como trabalho prestado a distância por intermédio de sistemas de computadores e telecomunicações, foi apresentado como um meio de libertação do trabalhador dos rígidos horários e da frequência obrigatória ao local de trabalho, poupando-lhe dos gastos com locomoção, alimentação e vestuários.
Já em nosso ordenamento trabalhista pátrio, a Consolidação das Leis do Trabalho por meio do Decreto Lei n. 5.452 em vigor desde 10 de novembro de 1943, sustentou até novembro de 2017, o principal arcabouço jurídico desta natureza consolidado, trazendo em seu bojo, previsões legais que tinham por escopo regular as relações individuais e coletivas de trabalho[2]. Embora muitas previsões do referido diploma tenham se tornado obsoletas, confusas e permeadas por alterações legislativas, fora esta importante norma a base de nossa atual jurisprudência e novel legislação trabalhista, introduzida em nosso ordenamento através da Lei nº 13.467, promulgada em 13 de julho de 2017, e, em vigor desde 11 de novembro de 2017[3].
Por muitos criticada, é certo que nossa legislação obreira necessitava de atualização capaz de responder aos anseios de uma coletividade que não mais se encaixava entre as enormes lacunas e obscuridades que lhe assombravam. Dentre as inovações aguardadas com a reforma, encontravam-se relações jurídicas de trabalho não regulamentadas e normas correlatas destituídas de efetividade, o que demandava dos aplicadores do direito, muitas vezes, esforço imaginativo sobrecomum ao suscitar princípios gerais do direito, do processo e do direito do trabalho, circunstâncias que causavam grave insegurança jurídica e, em algumas vezes até mesmo, desfechos injustos.
De acordo com Melo (2017) nesse afã, em que pese não seja recente a existência de relações trabalhistas que se enquadram como trabalho à distância, estudos jurisprudenciais remontam ter sido na década de 90 as primeiras experiências de trabalho à distância em nosso país, que não se deflagrou com maior intensidade em razão do verdadeiro campo minado pressentido pelos empregados e empregadores, que se viam de um lado desamparados legalmente, e de outro, socorridos por jurisprudências escassas, superficiais e não uníssonas.
Lepletier e Cruz (2018:13), defendem que apesar de o teletrabalho ser um tema aparentemente novo no Brasil, “remonta a cerca de duas décadas de existência. Já era praticado com o nome de home office em diversas empresas privadas, principalmente as originárias do exterior, e outras que possuíam representações pulverizadas no território nacional.”
Noutra via, ao que pese a maioria dos autores nacionais (SANtOS, 2018; ORSI, 2018) defendam que o teletrabalho foi regulamentado com o advento da Lei nº 13.467/2017, a exemplo de Luciano Viveiros (2018: 1), o qual afirma que “A Lei nº 13.467/17 traz ao Texto Consolidado o modelo de home office, que até então não tinha previsão legal e se orientava por meio de entendimentos firmados pelos Tribunais Regionais e superior do trabalho”, há quem discorde e afirme, que a regulamentação do trabalho à distância remonta ao ano de 2011, posição defendida por Enoque Ribeiro dos Santos (2018: 171) o qual afirma que o teletrabalho “já é utilizado e regulamentado nos países da União Européia há longa data, e regulamentado na CLT, no art. 6º, por meio da Lei nº 12.552/2011, agora também recebeu novo regramento por meio da Reforma Trabalhista, nos arts. 75-A a 75-E”, posicionamento que aparentemente contraria a maior parte da doutrina.
De fato, prevê o art. 6º da CLT, com a redação dada pela Lei nº 12.552/2011 que: “Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.”, mas daí, concluir que o teletrabalho já estaria regularizado em nosso ordenamento com essa superficial e não específica previsão, parece ser exagero.
Isso porque, o teor da aludida norma denota-se extremamente limitada, não se desincumbindo de satisfazer a necessidade de regramento próprio e esmiuçado, capaz de conferir segurança àqueles que o adotam, providência esperada e que de fato, só surgiu com a Reforma Trabalhista – lei vigente.
Em consultas realizadas no banco de dados jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho, encontrou-se julgado[4] exarado antes do advento da Lei nº 12.552/2011, onde a Ilustre Relatora Ministra Rosa Weber - hoje ministra do Supremo Tribunal Federal, ressaltou à época, a evolução do trabalho remoto e de outas figuras jurídicas, como o trabalho em regime parcial e o terceirizado, enfatizando a superação de paradigmas arcaicos e sinalizando a evolução que até o ano de 2017 era aguardada. Veja trecho do julgado:
Dentre as mudanças recentes no modo como se organizam as empresas para produzir bens e serviços – como parte de um amplo movimento de superação de paradigmas arcaicos e emergência de novos paradigmas – a chamada terceirização é, por certo, uma das mais importantes dessas mudanças, ao lado de outras como o teletrabalho e o trabalho a tempo parcial. São mudanças que com certeza afetarão, mais dia menos dia, o próprio direito do trabalho, feito à imagem e semelhança de paradigmas arcaicos e em superação.
Quanto à denominação, além da opção legal que elegeu o termo teletrabalho, é possível identificar diversas outras nomenclaturas utilizadas pela doutrina para este tipo de labor, como: trabalho à distância, home office, e-workplace, home-based telework, new technology homework, trabalho compartilhado (COSTA, 2003), networking, telecommuting e remote working (BARROS, 2008), dentre outros, que de tempos em tempos se revelam.
Tal multiplicidade se deve, em virtude desta modalidade de trabalho não versar sobre novidade fática, já que vem sendo adotada na prática em nosso país e quiçá, no mundo, ao longo de várias décadas, de modo que sua base teórica, legal e jurisprudencial ainda busca se sedimentar, circunstâncias que culminam na adoção de terminologias diversas, criadas por diversos autores.
Por sua vez, em relação ao conceito de teletrabalho em nosso ordenamento trabalhista, diversos eram os entendimentos doutrinários anteriores à Reforma Trabalhista, fato que não será aprofundado neste trabalho em virtude da opção legislativa ter entendido por bem, regulamentá-lo e evitar, assim, confusões terminológicas acerca do tema.
Nesse espeque, elucida Henrique Correia ao afirmar que:
Não é comum que os diplomas legislativos tragam as definições legais para os termos utilizados, muitas vezes deixando a tarefa de interpretação das palavras e expressões para a doutrina e jurisprudência. Entretanto, o legislador da Reforma Trabalhista estabeleceu o conceito de teletrabalho para evitar a confusão acerca do tema (CORREIA, 2018:647).
Desse modo, o art. 75-B da CLT considerou o teletrabalho como sendo “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.”
Da leitura do dispositivo, percebe-se que o legislador delineou regras específicas para a configuração do teletrabalho, apontando precipuamente que o empregado deve trabalhar à distância (o que se denota ocorrer com maior frequência na própria residência do empregado e justifica a denominação home office), assim como, utilizaria necessariamente recursos tecnológicos (internet, aplicativos de comunicação etc). Por fim, prevê o dispositivo que o exercício desta modalidade de trabalho nos moldes delineados, não será considerado trabalho externo.
O trabalhador externo, por sua vez, é considerado aquele que desempenha suas funções fora das dependências da empresa em virtude da própria natureza do trabalho, havendo verdadeira impossibilidade de fiscalização de sua jornada, sendo também, despicienda a utilização de tecnologia da informação. Como se percebe, as diferenças são tênues embora identificáveis.
Sobre o conceito, semelhanças e diferenças encontradas no teletrabalho e trabalho externo, Marcelo Moura (2018:176), explica que:
O art. 75-B resolveu conceituar o teletrabalho pelo critério da preponderância do trabalho fora das dependências do empregador e que não se caracterizem como trabalho externo. O teletrabalho por sua própria natureza, é aquele que não está vinculado ao estabelecimento empresarial. As tarefas são executadas remotamente. Já o trabalho externo sempre tem alguma vinculação física com o empregador, mesmo que por intermédio de supervisores ou prepostos. O teletrabalho, por sua vez, pressupõe uma intensidade maior de autonomia, A distinção é muito tênue. Alguns trabalhadores externos como os instaladores de aparelho de transmissão de TV a Cabo, se utilizam de equipamentos remotos para instalação e configuração dos aparelhos instalados na residência, mas nem por isso, são trabalhadores remotos. A preponderância do serviço remoto exige a ausência de fiscalização frequente do empregador, ainda que este possa, a distância orientar e supervisionar o trabalho de seus subordinados.
Para finalizar, merece destaque a previsão inserida no Parágrafo Único do art. 75-B, do que se extrai que o comparecimento do trabalhador remoto ao estabelecimento empresarial do empregador, para reuniões ou entrevistas, por exemplo, não descaracteriza a natureza do teletrabalho.
Em relação ao reconhecimento do vínculo de emprego na modalidade teletrabalho, além da observância dos requisitos acima apontados e dispostos no art. 75-B e seguintes da CLT, importa ressaltar a necessidade de que haja contrato escrito com detalhamento de direitos e obrigações (artigos 75-C e 75-C), que serão no próximo capítulo explorados. Todavia, adianta-se que além destes, faz-se necessário também, o preenchimento dos pressupostos comuns às relações empregatícias, elencados no art. 3º da CLT, quais sejam: pessoalidade, ineventualidade, subordinação e remuneração.
Viveiros (2018:176) traça as características do vínculo empregatício ordinário, assim definindo-as:
– Pessoalidade seria o intuitu personae que está marcado na qualificação profissional de um trabalhador, ou seja, a demonstração de conhecimento técnico, administrativo ou operacional na função que exerce;
– Ineventualidade seria, exatamente, fixar habitualidade na prestação de um respectivo serviço, configurando presença ao trabalho em dias certos e sabidos. Eventual é aquele que não participa sistematicamente de certa atividade de trabalho, pois a sua presença naquele local é incerta e não sabida;
– Subordinação está presente na tutela e direção das atividades laborais exercidas, em regra, por um empregador ou seu preposto. Subordinado é aquele que cumpre ordens e não tem liberalidade, também restrito ou limitado a fazer o que alguém determina ou impõe, por meio de controle ou fiscalização;
– Remuneração é pagamento recebido de uma só fonte por serviços prestados, em estado de absoluta dependência econômica. Auferir ganhos de várias fontes descaracterizaria a condição de dependência e consequente vínculo por remuneração.
Como se nota, da simples análise e cotejo dos requisitos comuns das relações de emprego e daqueles específicos do teletrabalho, é forçoso reconhecer que o legislador optou por ponderar e flexibilizar algumas características gerais em relação ao trabalho remoto, destacadamente o da presença ao local do trabalho e, a subordinação, revelando nítida prevalência do negociado sobre o legislado, cujas previsões que merecem destaque, se passa a perquirir.
3. Análise das principais previsões legais atinentes ao teletrabalho
Após tracejar sobre a origem, a denominação, o conceito e os requisitos para configuração do teletrabalho como relação de emprego, impende analisar a atual legislação incidente sobre o tema, a fim de verificar suas principais nuances e problemáticas.
Remonta-se em virtude disso, à necessidade de apontamentos complementares relacionados aos pressupostos gerais da subordinação e da não eventualidade, extraídos do art. 3º da CLT, que ao repercutirem sobre as relações de trabalho remoto, podem suscitar algumas dúvidas. Quanto aos demais, não se verifica necessidade de delongas, pelo que, não serão esmiuçados.
As principais discussões acerca da subordinação no trabalho remoto, remetem ao controle e direcionamento das atividades do obreiro, que em virtude de exercê-las fora da sede empresarial, suscita a dificuldade de controle e supervisão do empregador ou de superiores hierárquicos, assim como, a expedição de ordens e orientações.
De fato, à depender do ramo de atividade, do modelo de gestão e do próprio processo implementado para o desenvolvimento do trabalho remoto, o aludido controle e acompanhamento poderão encontrar certa complexidade ou particularidades. Todavia, tal problemática pode ser resolvida com a implementação de ferramentas tecnológicas direcionadas ao intento, como por exemplo, o uso de ferramentas de comunicação como o Skype, o Hangouts e videoconferências por smartphones, e até mesmo pelo uso de softwares, que podem ser utilizados para controlar ou direcionar as atividades desempenhadas pelo empregado, que também poderão ser supervisionadas em tempo real.
Quanto ao pressuposto da não eventualidade, as principais discussões recaem sobre o controle diário das atividades do obreiro. Ocorre, que da mesma maneira que acontece em relação ao pressuposto da subordinação, já existem diversas ferramentas telemáticas para acompanhamento e supervisão do labor, tanto para evitar o desrespeito dos direitos e descumprimento das obrigações pelas partes, assim como, para garantir que os pressupostos da relação trabalhista sejam observados.
Assim, destaca-se que em razão da própria natureza e pressupostos estabelecidos ao contrato de teletrabalho, o uso de tecnologias da informação e de comunicação são necessariamente empregados como ferramentas para o labor, revelando-se perfeitamente viável a implementação de softwares capazes de organizar a rotina do trabalhador, propiciando também, o controle e a supervisão dos empregadores quanto ao acesso, registro de horários, atividades desenvolvidas, estabelecimento de metas e controle de prazos, cumprimento de jornada de trabalho, uso adequado de equipamentos de segurança e saúde do trabalho, dentre outros.
Como se nota, ao contrário do que inicialmente se pensa, é possível inclusive, que o controle das atividades e subordinação do obreiro seja mais eficaz com o uso de ferramentas no trabalho home office, do que em tese seria feiro no local do trabalho, já que dificilmente o empregador permanece acompanhando o empregado durante toda a jornada laboral.
De outro lado, da inferência do capítulo II-A, artigos 75-A ao 75-E da CLT pós Reforma, destaca-se inicialmente, o posicionamento de Moura (2018:176), o qual defende que a regulamentação do trabalho remoto “atende às novas formas de trabalho que surgem a cada dia. É um encontro da lei com a realidade virtual.”
Segundo o citado autor, “O art. 75-A propõe uma prevalência das regras deste capítulo sobre as regras gerais da CLT para o trabalhador remoto. Trata-se de uma especialização dentro da especialização” (MOURA, 2018:176).
Conforme já alinhavado, nosso legislador pátrio optou em conceituar a modalidade de trabalho em espeque no art. 75-B, caput, da CLT, que em virtude de não exigir maiores enfrentamentos, dispensa novos destaques. Contudo, justifica ressalva, a previsão esculpida no parágrafo único, assim redacionado:
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.
Desse modo, em que pese o trabalho remoto seja exercido fora do estabelecimento empresarial, não estará este tipo de labor descaracterizado, caso seja necessário o comparecimento eventual do teletrabalhador para reuniões, entrevistas ou esporadicamente, para alguma atividade que demande o comparecimento físico do empregado.
Por sua vez, o art. 75-C da CLT trouxe relevante previsão, senão, a mais importante regra sobre o trabalho remoto. Trata-se da necessidade de pactuação expressa e escrita desta espécie de trabalho. Frisa-se, que não basta a simples entabulação de contrato de trabalho escrito. Deverão as partes, elaborarem contrato individual de trabalho detalhado, ou seja, que preveja as atividades que serão realizadas em home office, além de outras importantes questões que influenciarão os direitos e deveres do empregado e do empregador.
Nesse afã, do cotejo da norma ora estudada com os demais dispositivos legais atinentes, é perceptível que o legislador buscou privilegiar a autonomia da vontade nas relações teletrabalhistas, haja vista que imbuiu as partes de pactuarem regras que atendam as especificidades que possuam. Desse cenário liberal, por consequência, emerge a conclusão de que alguns direitos trabalhistas ordinários foram claramente mitigados, fato que gerou inclusive, discussões quanto à inconstitucionalidade de algumas regras teletrabalhistas[5].
Dentre as normas e princípios apontados como afetados e mitigados com a Reforma Trabalhista, destaca-se o da proteção ao empregado hipossuficiente, que teve sua autonomia da vontade ampliada de modo a possibilitar a negociação direta entre este e seu empregador diretamente, como ocorre no contrato de trabalho remoto.
Aprofundando sobre o tema e com propriedade singular, leciona Romar (2018:65) que “o princípio da proteção do hipossuficiente, embora não tenha sido extinto, foi afetado pela Reforma Trabalhista”, fato constatado pela ampliação da autonomia individual do trabalhador, vez que se considera válida a negociação direta entre este e o empregador em diversos aspectos. Conclui a jurista Romar (2018:113):
Verifica-se, portanto, que a Reforma Trabalhista adota posicionamento no sentido de considerar que o trabalhador tem condições de negociar diretamente com o empregador em diversos aspectos decorrentes da relação de emprego, não entendendo aquele como parte economicamente mais fraca da relação, e afastando, portanto, o conceito de hipossuficiência.
Segundo dispõe o aludido texto legal, para os trabalhadores que já estejam prestando serviços fisicamente na empresa, a opção de alteração para a modalidade de teletrabalho deverá ser objeto de aditivo contratual, sendo imprescindível a concordância expressa do trabalhador, conforme dispõe o §1º do art. 75-C, da CLT. Nota-se, portanto, que se trata de opção mútua (HRUSCHKA, 2017).
Já em caso de alteração do regime de teletrabalho para o presencial, prevê o §2º do mesmo artigo, a desnecessidade de consentimento por parte do empregado, bastando que o empregador informe sua opção em regressar com o modelo antigo de prestação dos serviços (físico), oportunizando prazo de transição não inferior a 15 dias, lançando obviamente, os correspondentes registros em aditivo contratual. Neste caso, impera a unilateralidade por parte do empregador, haja vista ter o legislador compreendido, que o retorno do trabalhador remoto às dependências da empresa não lhe causaria prejuízo. Esta é a conclusão que se alcança da leitura das aludidas normas:
Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.
§1o Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.
§2o Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.
A autonomia da vontade e mitigação substancial de princípios protecionistas, por outro lado, também é evidenciada pela prevalência do negociado sobre o legislado, partindo o legislador do pressuposto de que não é possível contemplar todas as situações e atender todas as necessidades de diversas categorias, pelo qual, foram introduzidas importantes previsões em se tratando de contrato de teletrabalho.
Com efeito, dispõem os artigos 611-A e 611-B que normas coletivas prevalecerão sobre a lei, o que induz à conclusão que, a negociação coletiva será considerada válida, mesmo se contrariar certos preceitos legais ou ainda, se reduzir ou mitigar direitos, o que se compreende ser altamente temerário.
Neste sentido, ao pontuar aspectos importantes sobre a renúncia e a transação de direitos trabalhistas, Carla Tereza Romar (2018:113) cita posicionamento de Arnaldo Süsseking e verbera:
Em relação à renúncia de direitos previstos em normas jurídicas, ensina Arnaldo Süssekind que, “ainda que se trata de direito não imposto por norma jurídica de ordem pública, a renúncia, admitida em princípio, deve ser examinada de conformidade com os princípios tendentes a restringi-la. Portanto, são irrenunciáveis os direitos que a lei, as convenções coletivas, as sentenças normativas e as decisões administrativas conferem aos trabalhadores, salvo se a renúncia for admitida por norma constitucional ou legal, ou se não acarretar uma desvantagem para o trabalhador ou um prejuízo à coletividade”. No que diz respeito à renúncia de direitos decorrentes da negociação entre as partes, fixados por contrato de trabalho, referido autor se posiciona no sentido de sua renunciabilidade, desde que não haja proibição legal a respeito, que inexista vício de consentimento e que da renúncia não decorra prejuízo ao empregado.
Como se percebe dos ensinamentos acima expressados, grande celeuma parece sobrevoar a disponibilidade, a renúncia e a transação sobre direitos teletrabalhistas, em que pese a lei seja clara quanto à sua possibilidade.
Noutro prisma e, partindo da ótica obreira, certamente uma das primeiras reflexões que podem emergir por parte do empregado ao ser questionado sobre o interesse de alterar o modo de prestação do trabalho do físico presencial para o modelo em home office, certamente está relacionada aos custos que terão de ser suportados para viabilizar o exercício de seu labor. Neste ponto, a previsão legal também aponta para prevalência da autonomia da vontade, cuja situação fática poderá emergir embaraços. Dispõe o art. 75-D da CLT, que:
Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.
Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.
Ao analisar o citado artigo, Correia (2018:178) ressalta que, a nova lei possibilita a entabulação de acordo escrito onde o empregado se responsabilize pela “aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto”, podendo ou não ser reembolsado pelo empregador, a depender do que estiver escrito em contrato, ou seja, a lei não impõe ao empregador arcar com tais custos, tampouco lhe confere obrigação em ressarcir o trabalhador pelas despesas realizadas.
Como se percebe, o legislador transferiu aos contratantes o poder de definir tais responsabilidades, o que pode resultar em abusos, desleixos e prejuízos ao empregado, que não deve de modo algum, suportar os ônus da atividade empresarial, com base no que baliza o Princípio da Alteridade. De fato, impor ao empregado que arque com as despesas do empreendimento, afrontaria a própria função social da lei obreira e diversos princípios do Direito do Trabalho, descortinando a transferência de tal ônus, incompatibilidade com este ramo do direito.
Todavia, sobre a regra em espeque, não se pode perder de vista regramentos e fontes do direito do trabalho que protegem de modo geral o trabalhador e equilibram à relação jurídica mantida entre este e seu empregador. A lei, em verdade, apenas regulamentou a livre negociação entre as partes, cuja prática já é adotada muito antes de previsto o trabalho remoto, não sendo rara as vezes que o empregador combina com o empregado o pagamento de despesas e ainda aporta ajudas de custo, participação em lucros ou outros meios para compensá-lo pelos gastos e trabalho realizado.
Além disso, em virtude das necessidades e organização empresarial, é possível também, que o contrato de teletrabalho especifique quais equipamentos e ferramentas deverão ser utilizadas pelo trabalhador de acordo com as que têm disponíveis, além de orientar o uso correto. Como elucida o professor Henrique Correia (2018: 114), “o empregador jamais poderá exigir que as despesas do trabalho sejam arcadas e suportadas pelo empregado, devendo o empregador arcar sempre com todos os riscos necessário ao desenvolvimento de sua atividade”.
Tal posicionamento se fortalece ao ser analisado em cotejo com a previsão dos arts. 166 e 462, §1º, ambos da CLT:
Art. 166 da CLT: A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.
Art. 462, §1º, CLT: Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.
Como se percebe, existem previsões ao longo da CLT que direcionam claramente a responsabilidade do empregador pelo custeio das atividades empresariais e da proteção do empregado, haja vista que fazem parte do risco do negócio. Trata-se, portanto, de investimentos que lhe viabiliza aferição de lucro, cujo despendimento financeiro revela-se necessário ao fomento das atividades, pelo que, não podem ser transferidos ao trabalhador. A lei buscou apenas, regulamentar a bilateralidade das negociações, admitindo que as partes façam ajustes em busca de equilíbrio contratual.
A razoabilidade de tal compreensão, é extraída também quando se analisa a possibilidade de o empregado ressarcir o empregador em caso de ter-lhe causado dano, como é possível em casos de responsabilidade objetiva. Logo, as regras relacionadas ao custeio e ônus do labor, devem ser analisadas de modo ponderado e mitigado, a fim de evitar a inversão do ônus financeiro que por obvio, é empresarial.
Por fim, de acordo com a previsão inserida no parágrafo único do aludido artigo, fica claro que eventuais equipamentos que sejam fornecidos pelo empregador a fim de viabilizar o teletrabalho, não integrarão sua remuneração, ou seja, tratam-se de utilidades sem natureza salarial.
Outro ponto nevrálgico atinge as questões ligadas à saúde e segurança do trabalho, cuja previsão está inserida no art. 75-E caput e parágrafo único da CLT.
Determina a lei, que é obrigação do empregador instruir o trabalhador remoto de modo expresso e ostensivo, orientando as precauções que deverão ser adotadas para evitar doenças e acidentes de trabalho, colhendo do obreiro, assinatura em termo de responsabilidade onde se compromete a seguir as aludidas instruções.
No entanto, a simples adoção desta medida não basta para elidir a responsabilidade do empregador. Segundo Romar (2018:207), “o regime de teletrabalho não exclui a responsabilidade do empregador por doenças e acidentes decorrentes do trabalho exercido pelo empregado”. Complementa o posicionamento, de que a responsabilidade do empregador em relação à orientação e fiscalização sobre o cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalho subsistem mesmo que tais regramentos tenham sido observados, Lepletier e Cruz (2018:63), ao destacar que:
É importante lembrar que a Consolidação das Leis Trabalhistas, no artigo 157, que não foi revogado na Reforma Trabalhista, dispõe que cabe ao empregador não somente cumprir as exigências das normas de segurança e medicina do trabalho, quanto fazê-las cumprir (...).
Diante da citada previsão, diversas são as discussões sobre a dificuldade que o empregador em tese teria, para fiscalizar e fazer cumprir as normas de saúde e segurança do trabalho, quanto ao uso adequado e contínuo de equipamentos capazes de neutralizar ou minimizar acidentes ou doenças laborais. Ocorre, que a problemática também aponta ser facilmente contornável com o uso de tecnologias móveis, nos moldes amplamente explanados.
Outra questão que suscita acalorados debates é a exclusão do controle de jornada da modalidade de trabalho remoto, conforme literal disposição do art. 62, III, da CLT, que atrelada às problemáticas acima elencadas, fora alvo de duras críticas e deflagraram projetos de leis que visam modificar ou até mesmo revogar no todo ou em parte, as novas regras apresentadas. Assim, dispõe a norma:
Art. 62. Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
(...)
III – os empregados em regime de teletrabalho. (incluído pela Lei nº 13.467, de 13.07.2017.
As principais críticas sobre a ausência de obrigatoriedade do controle de jornada, se referem à ausência de desconexão e a possível burla de direitos trabalhistas relacionados ao pagamento de horas extras.
Todavia, neste tocante a autonomia da vontade aparentemente se revela mais adequada do que quando comparada a outras previsões legais teletrabalhistas, pois, havendo maior liberdade ao trabalhador remoto, soa demasiado ônus impor ao empregador controlar todas as atividades do empregado remotamente, em que pese isso seja perfeitamente possível, como esboçado.
É notório, que o controle de jornada seja realizado por dispositivos informáticos e telemáticos, como acessos à programas, tablets, celulares ou outros dispositivos, que em tempo real possam registrar as atividades e horários de trabalho, situações que ensejarão a incidência de horas extras. Logo, caso seja interesse das partes, é possível que a jornada de trabalho e o modo que o controle ocorrerá, fiquem estabelecidos no contrato de trabalho.
Além disso, este tipo de contrato de trabalho permite que supervisores direcionem ordens, determinem as atividades e estabeleçam horários e datas para execução e entrega, a fim de evitar irregularidades, como excesso de jornada ou até a desídia na função, por meio das próprias ferramentas inerentes a esta espécie de trabalho.
Caso opte por não regular a produção por carga horária diária ou semanal, ainda é possível a estipulação de metas de produção factíveis, sejam diárias, semanais ou quinzenais, quando o controle poderá ser realizado por resultados, e não por horas de trabalho, caso em que sequer se discutirá horas extras.
Contrário às alterações legais oriundas com a Reforma Trabalhista, relacionadas ao teletrabalho, salienta o Deputado Marco Maia do PT-RS na exposição de motivos que embasou o Projeto de Lei n. 8501/2017[6], o qual objetiva revogar integralmente as aludias normas, que, os prejuízos ao teletrabalhador são evidentes diante da ausência de direito à desconexão, a ilegalidade quanto ao custeio dos recursos necessários à implementação e fomento das atividades remotas e ainda, a exclusão do controle de jornada de tal modalidade de trabalho.
No entanto, tais premissas não revelam condições absolutas e implacáveis, sendo que eventuais problemas e abusos que surgirem com a aplicação destes dispositivos certamente serão revistos e penalizados, cabendo ao judiciário repelir as lesões suportadas e construir entendimento jurisprudencial sólido que direcione a aplicação adequada de tal modalidade contratual.
Nessa toada, esclarece Viveiros (2018:101), que em virtude de o trabalho em regime de home office ser realizado fora da empresa, ficaria prejudicado o controle de horários, nos termos do art. 62 da CLT. Contudo, há condições do empregador efetivar tal controle através dos sistemas de entrada e saída do provedor ou out look corporativo.
Moura (2018:144), por sua vez, ao analisar o artigo em baila, afirma que “[...] o trabalhador à distância poderá, contudo, ter sua atividade controlada, rigorosamente, por meios telemáticos, como uso de senha, câmeras, GPS etc. Nesse caso, o empregado deixará de se inserir na exclusão desse artigo”.
Assim, como se nota, seria um absoluto retrocesso retirar de nossa Consolidação das Leis do Trabalho, previsões legais tão aguardadas, que finalmente passagem a amparar os trabalhadores remotos, o que certamente acarretaria grave insegurança jurídica e, inviabilizaria sua prática no mercado de trabalho atual.
Como acima explorado, é fácil identificar latente preocupação sobre quatro pontos relacionados ao teletrabalho na Reforma Trabalhista que demonstram considerável sensibilidade: a subordinação, a ausência de controle da jornada de trabalho, a livre pactuação sobre o custeio das despesas decorrentes do teletrabalho e, a vigilância das normas de saúde e medicina do trabalho.
Todavia, além de o teletrabalho expressar realidade crescente em nosso cotidiano, as fragilidades apontadas não seriam extirpadas das relações de emprego com a revogação das previsões legais que buscaram, de fato, amparar empregadores e empregados, que até a Reforma Trabalhista adotavam o labor remoto sem respaldo legal adequado.
Ao que parece mais adequado, será o amadurecimento das relações teletrabalhistas e a estabilização da jurisprudência pátria, os alicerces que solidificarão dia após dia, o arcabouço capaz de propiciar a segurança jurídica tão aguardada, mesmo porque, caso as partes estejam imbuídas de boa-fé, e o trabalho à distância seja adequadamente planejado e executado, é inconteste e factível o cumprimento dos parâmetros estabelecidos em lei sem prejuízo aos empregados e aos empregadores.
4. O cenário do teletrabalho, suas principais vantagens e desvantagens
Como se percebe da simples leitura da lei, denota-se com certa facilidade, possíveis áreas profissionais aptas ao exercício desta modalidade de trabalho, que de fato já tem se expandido, como dito, de acordo com o surgimento e desenvolvimento das ferramentas tecnológicas de informação e comunicação.
De acordo com Viveiros (2018), é inegável que o avanço das tecnologias foram ao longo do tempo, demandando dos empregadores e trabalhadores adaptações às necessidades e possibilidades de exercerem atividades fora do estabelecimento patronal.
Pesquisas realizadas após o advento da Reforma Trabalhista, já deflagraram diversos estudos e embasaram reportagens[7], que concluíram ter havido de fato, crescimento de empresas que aderiam ao modelo de trabalho à distância, assim como, defloraram em diversos trabalhadores, a busca de oportunidades de emprego que adotam tal modalidade de contratação, já que nestes moldes teriam maior liberdade e comodidade na execução de seu labor. Isso, aparentemente se deve, à maior difusão e segurança jurídica trazida pela novel legislação obreira.
Ao verberar sobre o advento da Reforma Trabalhista, que trouxe em seu bojo a disciplina do teletrabalho, verberou Correia (2018:645) sobre alguns aspectos importantes que foram considerados pelo legislador, pontuando que:
[...] a disciplina do teletrabalho é necessária para que o país, assim como as nações mais modernas, possa se adaptar aos novos modelos de contratação, que têm como finalidade o aumento do número de empregados no mercado de trabalho formal. Sustenta-se que o teletrabalho permite a redução dos custos da empresa, maior flexibilidade de horários ao empregado, o aumento da produtividade, além de benefícios à sociedade como a redução do trânsito nas cidades.
Assim, é inegável que muitas lacunas foram sanadas, e que as previsões inseridas na CLT, referente aos contratos de trabalho remoto implicam, em relevante avanço social e legal.
O referido diploma legal trouxe em seu âmago, regulamentação própria e expressa, aplicável ao teletrabalho, notadamente as regras previstas nos artigos 6º, 62, III, 65-A a 65-E, 611-A e 611-B, todos da CLT, o que fortaleceu o cenário trabalhista, angariando a cada dia novos adeptos desse padrão alternativo de trabalho, que promete impulsionar a produtividade dos aderentes ao modelo.
Segundo o especialista em teletrabalho, Cleo Carneiro[8], o mercado de trabalho tem crescentemente acolhido esta modalidade de emprego que já não revela tendência futura, mas sim, realidade que se expande gradualmente. Segundo ele, o trabalho não é uma tendência, é uma realidade que já é adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho, Superior Tribunal Federal e Tribunal de Contas da União, sendo exemplo de órgãos que adotaram tal modalidade que tem dado certo. O Expert defende que:
[...] não faz o menor sentido com o avanço da tecnologia, os profissionais ainda precisarem se deslocar até o trabalho, gastando horas e mais horas no trânsito para fazerem tarefas que poderiam ser feitas em casa. (...) o teletrabalho gera qualidade de vida. Primeiro, porque ninguém perde tempo, nem o teletrabalhador, nem a empresa. O teletrabalho gera ganho na produtividade, dá mais foco, mais concentração e disposição à pessoa.
Sem pretender esgotar as principais vantagens que justificam a adoção do trabalho em home office, é possível citar: a redução de despesas empresariais com espaço físico e pessoais além de outras despesas correlatas; diminuição de acidentes de trânsito e de trabalho; otimização de tempo e aumento de produtividade; flexibilização dos horários de trabalho; inclusão no mercado de trabalho de portadores de deficiência; melhora na qualidade de vida dos colaboradores; redução de tempo de locomoção, estresse e gastos com refeições, vestimentas, desgaste de veículos ou transporte público; possibilidade de conciliação em cursos de aperfeiçoamento e qualificação; interação com a família; redução de riscos de contágio com doenças; diminuição de violência no trânsito; melhora na mobilidade urbana e diminuição de congestionamentos; redução da emissão de gases, poluentes tóxicos e poluição urbana em virtude de diminuição de veículos em tráfego; redução de ruídos urbanos e consumo de energia dentre inúmeros outros benefícios.
De outro lado, Lepletier e Cruz (2018:52), explicam que as principais desvantagens oriundas desta modalidade de trabalho aparentemente estão atreladas à saúde ocupacional do trabalhador. Nesse afã, é possível identificar a solidão do teletrabalhador que se vê isolado de colegas; falta de suporte gerencial para coordenar as atividades profissionais; dificuldade em estabelecer prioridades e separar a vida pessoal da profissional; perda da privacidade pessoal e profissional; possibilidade de excesso de jornada laboral; falta de organização e disciplina; dificuldade em gerenciar o tempo e a produtividade; progresso da carreira pela desconexão natural que ocorre em virtude do distanciamento de supervisores e colegas; ausência de aferição de alguns benefícios previdenciários e trabalhistas; precariedade das condições ergonômicas que podem dificultar o desempenho e produtividade do trabalhador etc.
Da escorreita ponderação dos prós e contras relacionados ao trabalho remoto, percebe-se que a conclusão acerca de sua adoção ou não, está intrinsecamente ligada ao perfil empreendedor e profissional das partes coligadas, sendo certo que para algumas atividades e pessoas, a modalidade estudada se revelará extremamente benéfica e vantajosa, ao passo que, para outras, nem tanto.
Extrai-se da Regista Veja{C}[9], que em virtude de diversas circunstâncias oriundas da atualidade, esta modalidade de trabalho pode revelar fórmula ideal para conciliação da vida pessoal e profissional, não exigindo dos profissionais esforço sobrecomum para que tenham uma vida sustentável, possibilitando refeições em família, participação em reuniões na escola dos filhos ou na orientação de tarefas, maior controle de saúde e acompanhamentos médicos, dentre outras atividades que poderiam ser compatibilizadas com a produção laboral, já que haveria melhor administração do tempo. No mais, a melhoria na administração do tempo e a compatibilização com a vida pessoal, culminaria em maior produtividade.
Certo é, que independente das nuances apontadas, a modernização das relações jurídicas e o avanço tecnológico alcançado, permitem sem maiores temores a adoção do teletrabalho em diversos ramos de atividades, flexibilizando e permitindo ajustes capazes de impulsionar o cumprimento de metas e o aumento de produtividade, sem que com isso, seja imprescindível o comparecimento físico do obreiro. Por consequência, satisfeitos ambas as partes, haveria ganho de qualidade vida e, otimização laboral.
5. Conclusão
Diante do estudo realizado, nota-se que o objetivo proposto foi satisfatoriamente alcançado, haja vista ter sido possível analisar diante das concretas modificações que as relações jurídicas trabalhistas enfrentaram - notadamente em virtude dos avanços tecnológicos, que nossa legislação deu relevante salto em relação à modalidade de trabalho home office, que finalmente foi regulamentada com o advento da Lei nº 13.467/2017. Sob esse aspecto, em que pese a defasagem legal que existia anteriormente sobre o tema ora estudado tenha sido suprida inicialmente, pela inserção dos artigos 75-A a 75-E, certo é, que ainda persistem lacunas e dúvidas que tendem a causar distorções ou até mesmo dúvidas aos operadores do direito e, quiçá, aos diretamente envolvidos nas relações trabalhistas.
Assim, o exercício de trabalho remoto revela-se como realidade inclusiva e altamente eficaz no desempenho de diversas atividades laborais, tratando-se de proposta organizacional para empresas empreendedoras, visionárias que acredita-se, serão altamente promissoras pela otimização de atividades, aumento de resultados e de qualidade de vida aos seus colaboradores e funcionários, públicos ou privados.
Nesse afã, é indiscutível que a inserção das regras atinentes ao teletrabalho, trabalho remoto ou home office, trouxe à legislação trabalhista notável avanço e certa segurança jurídica, haja vista que anteriormente a lacuna legislativa suscitava inúmeros conflitos e inibia sua adoção. No entanto, a Reforma trazida aparentemente está longe de ser um consenso, refletindo em pontos nevrálgicos de regulamentação ou adaptação para que surta sua finalidade legal, consistente no amparo satisfatório de relações de emprego já desenvolvida por muitas empresas e órgãos, a fim de conferir a segurança jurídica tão esperada.
O estudo oportunizou alcançar algumas importantes considerações, dentre elas: a) a alteração dos atuais padrões tradicionais de trabalho; b) o incentivo à criação de novas ferramentas e tecnologias capazes de viabilizar o exercício deste tipo de trabalho, haja vista que alguns requisitos da relação de emprego necessitam de maior controle para serem aferíveis; c) a necessária adaptação ou mitigação de alguns pressupostos trabalhistas, a fim de amparar de modo adequado as relações jurídicas ora estudadas; e d) destaque para a subordinação e o controle de jornada, que se revelam aparentemente difíceis de serem configurados, e ao mesmo tempo, passíveis de controle eficaz em caso de utilização de ferramentas telemáticas eficazes.
Por fim, importantes destacar que as conclusões apresentadas neste trabalho resultam de considerações pontuais que não possuem o condão de esgotar debates e posicionamentos contrários, pois, como outrora salientado, por se tratar de nova realidade legislativa, certamente haverão situações fáticas que poderão colocar à prova diversos apontamentos deste estudo, motivo pelo qual, inclusive, reforça-se a necessidade de aprimoramento e aprofundamento do instituto, o que pretende-se providenciar.
Após a finalização da pesquisa, observa se que é importante superar barreiras e resquícios conservadores de gestão, sendo que existem recursos para garantir segurança das informações, para facilitar a gerência de atividades externas e a infraestrutura é consideravelmente mais simplificada, vez que, diversos custos seriam suprimidos com a produção em home office.
Em que o grande desafio é mudar o pensamento do gestor, que é o decisor, a fazer uma gestão por controle e não por resultados. O teletrabalho é mais uma função de confiança do que de controle. A postura gerencial é fundamental para esse processo. O gestor pode negociar metas, prazos, padrão de qualidade, mesmo o profissional estando em casa. Ele precisa apenas de um canal eficiente de comunicação onde possa fazer um acompanhamento.
Os impactos da novel legislação quanto à adoção do teletrabalho ressaltam diversos pontos que precisam de atenção especial. Dentre eles, a necessidade de entabulação de contrato escrito com descrição de atividades, de custeio e ressarcimento dos insumos e investimentos, do uso de equipamentos e da fiscalização do trabalho, da rotina e parâmetros de desempenho das atividades, se haverá o controle de produtividade ou de resultado, que afetarão o volume de atividades repassadas e consequentemente, o controle de jornada que inicialmente não é exigida, dentre outros, que deverão ser previstos e embasados nos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual.
Espera-se que a reflexão trazida por este trabalho, permita que novos estudos sejam realizados, a fim de contribuir com esclarecimentos sobre a temática ora apresentada.
Referências
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