Este ensaio tem a intenção de demonstrar a necessidade de junção de forças entre os dois ramos do judiciário epigrafados. Se no passado a divisão era favorável, razões públicas superiores deram novo colorido ao debate. Nos últimos anos, o crescimento da demanda e o inchaço da máquina judiciária resultaram em um elevado congestionamento de processos, sem vazão suficiente. A unificação pode significar um alento a esse panorama. Serão expostos sucintamente os entraves e as vantagens da medida.
Desde que foi criada, na Constituição de 1934, a Justiça do Trabalho passou por diferentes pressões políticas e sociais que visaram sua extinção, tendo resistido bravamente. A Justiça Federal é um ramo da justiça comum vinculado à União. Foi prevista nos Decretos 848 e 1.030, editados por Campos Salles em 1890. A Constituição de 1891 a regulamentou em capítulo próprio, determinando a nomeação de seus membros pelo Presidente da República. Foi extinta em 1937, retornando décadas depois à burocracia judiciária.
O termo incorporação não atende adequadamente à realidade dos dois ramos. De fato, veja-se a comparação de ambas. Segundo a 15ª edição do Relatório Justiça em Números, a Justiça do Trabalho está sediada em 624 municípios, tendo 1.587 varas, com uma despesa total de 19,1 bilhões de reais. Já a Justiça Federal tem sede em 279 municípios, com 988 varas e uma despesa total de 14,2 bilhões de reais. Logo se vê que o caso é de unificação, e não de incorporação.
O mesmo relatório aponta como despesa total dos 90 órgãos do judiciário uma monta de 93,7 bilhões de reais, dos quais 90,8% correspondem a gastos com recursos humanos. A racionalização do gasto público e a adoção do modelo gerencial, torna imperativa a conclusão de que os dois ramos devem se unir. Não se trata da extinção de quaisquer deles, mas na soma de esforços para otimizar a prestação do serviço em ambiente de escassez de recursos orçamentários.
Os órgãos judiciários possuem a maior parte de seus colaboradores na atividade-meio, lotados nos setores de cerimonial, eventos, ginástica laboral, recursos humanos, folha de pagamento, informática, médico, segurança, engenharia, apoio administrativo e motoristas de carros oficiais. Os concursos públicos de ingresso nos referidos órgãos costumam publicar editais contendo uma dúzia de cargos, dos quais uma pequena fração se destina à atividade-fim.
A Justiça do Trabalho possui diversos edifícios espalhados pelas capitais e cidades de grande porte, como sede de seus 24 tribunais e fóruns trabalhistas, além de centenas de prédios menores. Em São Paulo, por exemplo, os edifícios que albergam o TRF3 e o TRT2 estão a poucas quadras de distância entre si. Na capital federal, os prédios do judiciário mais servem ao patrimônio cultural do que à prestação de serviços à população.
A situação se repete na distribuição desigual de unidades judiciárias país afora. No Ceará, a cidade de Tianguá é sede da Justiça do Trabalho, mas não o é da Justiça Federal. Já em Tauá, no mesmo estado, está instalada a Justiça Federal, mas não a Justiça do Trabalho. A unificação de ambas traria ganhos evidentes na prestação de serviços aos jurisdicionados. Economizaria recursos com adoção de uma folha de pagamento comum, já que ambas são regidas pela mesma legislação (Lei nº 11.416, LC 35/79 e Lei nº 8.112/92). Haverá, ainda, o compartilhamento do ativo imobilizado, digitalização e teletrabalho.
O Tribunal de Justiça cearense realizou recentemente uma reforma estrutural, criando comarcas agregadas, a fim de aproveitar os benefícios da digitalização e do teletrabalho no processo de interiorização da prestação jurisdicional. A mesma situação se replica em vários estados.
No critério comparativo, a Justiça Federal só terá a ganhar com a medida. A Justiça do Trabalho possui em seus quadros 4.000 membros e 40.000 servidores ativos. O tempo para decisão nos processos trabalhistas é de 9 meses, segundo o relatório do CNJ. Tempo menor que o dos juizados especiais, que é de 10 meses. Na Justiça Federal esse prazo sobe para 22 meses.
A utilidade dos dados do relatório é relativa. O documento Técnico nº 319 do Banco Mundial, publicado em 1996, continha diretrizes para uma reforma profunda nos sistemas judiciários da América Latina e Caribe, com adoção de medidas simples, tais como gestão de acervo, controle orçamentário, soluções alternativas de conflitos e mensuração da eficiência.
No Brasil, as diretrizes impulsionaram a reforma do Judiciário, que dormitava no congresso há anos, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, que criou o Conselho Nacional de Justiça. Como forma de comparar o desempenho dos órgãos judiciários, o CNJ passou a publicar um relatório anual, que está em sua 15 ª edição.
Esse intento não ficou a salvo de problemas metodológicos, tais como aferição do desempenho de órgãos judiciários com enormes diferenças de escala, além de estarem sediados em regiões com disparidades hemisféricas de pib per capita e IDH, o que impactou principalmente nos dados sobre a realização de acordos e a efetividade da fase executiva.
Para tanto, foi aprovada a Resolução CNJ 76/2009, que elenca as fórmulas utilizadas no sistema de estatística – SIEJP. Segundo o último relatório, assinado por três estatísticos, o IPC-Jus (índice de produtividade comparada) se baseia no método de análise envoltória de dados, adotado em engenharia de produção, para medir a capacidade produtiva de cada tribunal, com base em 810 variáveis enviadas por estes órgãos.
Neste método, semelhante a uma linha de produção fordista, os insumos (inputs) são transformados em produtos (outpust). Busca-se uma correlação linear, usando multicritérios e critérios subjetivos. A demanda judicial é um típico critério exógeno não controlável, resultando em um insumo bastante fragmentado regionalmente.
Em pesquisa operacional, o método leva a um problema de programação linear, com utilização de algoritmos polinomiais (Simplex ou Projetivo), que visam otimizar o poliedro resultante das condições do problema. O modelo é largamente utilizado na indústria e no fluxo de transportes. Busca essencialmente alcançar a fronteira de eficiência, respondendo de forma potencializada à pergunta: quanto pode ser produzido com os recursos disponíveis?
Este método de comparação essencialmente quantitativo, com inspiração fordista, tem se mostrado problemático, com diversas associações apontando adoecimentos dos colaboradores, tanto membros quanto servidores, em virtude das metas de produção propostas.
O controle de qualidade, adotado na engenharia de produção, em compasso com a engenharia de segurança do trabalho, não está presente no relatório, sendo basicamente um efeito da análise de recursos, que fica a critério da iniciativa das partes do processo.
Voltando ao assunto proposto, um argumento utilizado para frear a unificação da Justiça do Trabalho com a Justiça Federal é o suposto enfraquecimento do trabalhador hipossuficiente, frente à retirada de seus direitos.
No entanto, medidas de racionalização e otimização tendem a trazer benefícios aos que acorrem às serventias judiciais. Os membros e servidores da Justiça Federal são experimentados na análise de casos previdenciários, demarcação de terras indígenas e função social da propriedade. Lidar com o direito do trabalho não trará nenhuma dificuldade valorativa. O mesmo se diga da Justiça do Trabalho, versada na análise de casos contra o poder público, como mostra o estoque de precatórios nos tribunais trabalhistas. Demais disso, deve prevalecer a adequação e a eficiência na prestação do serviço jurisdicional, tal como determina a lei (CDC, art. 22).
Uma premissa bastante propalada alardeia o caráter essencialmente técnico direito do trabalho, necessitando de um ramo especializado para seu manejo. Contudo, um olhar lógico, pelo viés da não contradição, pode mudar essa perspectiva. Esse ramo do direito material visa regular a relação capital/trabalho, sob a batuta do princípio da proteção. É de se esperar que seja simplificado, para trazer segurança jurídica às partes da relação contratual. Em um país com baixas qualificação e nível educacional, as regras devem ser mais simples e compreensíveis.
Nesse sentido, foi aprovada uma reforma na legislação trabalhista, que teve a finalidade de simplificar e tornar claro esse ramo do direito, facilitando seu entendimento pelos atores da relação jurídica que lhe serve de base. Outras alterações mais recentes tiveram o mesmo intento, como a Medida Provisória da Liberdade Econômica e do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, bem como o esforço de sintetizar as normas regulamentadoras.
É preciso situar essas alterações legais na atual conjuntura econômica. Os anos de 1980 foram aclamados como a década perdida, em virtude de uma retração econômica da ordem de 7% do PIB. No período de 2014 a 2016, o país atravessou a maior recessão de sua história, que fez o PIB regredir 10%. Os anos de 2017 a 2019 foram de recuperação, com crescimento do PIB girando em torno de um 1% ao ano.
A análise econômica do direito uniu o direito à economia, antes estanques. Por meio dela, procedeu-se à alteração de diversas leis de diferentes ramos do direito, tais como o Código Civil, CLT e as leis orçamentárias, adequando os contratos e a gestão pública à nova realidade econômica.
A título exemplificativo, o intervalo intrajornada teve sua regulamentação simplificada, ficando mais claro ao entendimento do trabalhador e do empregador. A indenização do intervalo não possui mais repercussão nas verbas de natureza salarial, o que resultava em incorporações que dificultavam os cálculos trabalhistas. Inovação mais recente ocorreu com o acidente de percurso, que deixou de ser considerado acidente de trabalho atípico. No entanto, no caso de o empregador fornecer o transporte aos trabalhadores, ficará obrigado a garantir sua segurança, sob pena de responder criminalmente, na forma do artigo 132, parágrafo único, do Código Penal.
Uma importante modificação adveio com o fim da ultratividade dos instrumentos normativos, adotada pelo TST desde 2012 por meio da Súmula 277. Antes havia a incorporação das cláusulas do acordo ou convenção coletiva ao contrato individual de trabalho depois de decorrido o período de 2 anos, com fundamento no direito adquirido. A atual redação do artigo 614, §3º, da CLT estimula a negociação em pequenas empresas, algo inexistente antes da reforma, além de prestigiar a segurança jurídica.
Os precedentes dos tribunais trabalhistas também deram combustível à reforma. No período de 2011 a 2012, o TST aprovou 34 precedentes que criaram ou estenderam direitos. A hermenêutica jurídica distingue a norma do texto legal. A atividade julgadora passa pela interpretação das leis, a fim de extrair a norma que emana do enunciado. No entanto, o uso dos métodos interpretativos e integrativos não pode resultar em usurpação das funções dos demais poderes.
A separação funcional dos poderes é princípio fundamental e cláusula pétrea, previstas expressamente na Constituição da República, nos artigos 2º e 60, §4º, III. O título IV da Constituição Federal de 1988 divide organicamente os poderes da República, delimitando suas competências e limites. O avanço de um poder nas funções típicas de outro é conduta rechaçada pelo texto constitucional e prevista como crime de responsabilidade.
Em termos históricos, a “Magna Charta Libertatum”, do ano de 1215, já gestava uma espécie de controle das leis régias pelo parlamento. No ano 911, vikings se estabeleceram na Normandia, onde hoje é o norte da França. Em 1066, os povos normandos conquistaram a Inglaterra, abolindo a escravidão na região em 1072. No ano de 1100, já sob o reinado de Henrique I, é assinada a Carta das Liberdades, tida como a precursora da Magna Carta de 1215, mas sem a utilidade prática desta.
Na primeira metade do século XVIII, Montesquieu viajou para a Inglaterra. Após conhecer o sistema legal britânico e analisar a Constituição do país, ele elaborou sua teoria da divisão de poderes e dos mecanismos de freios e contrapesos. Para ele, ao Judiciário seria conferido o poder de punir os crimes e julgar os litígios entre particulares, aplicando o texto legal de forma lógico-silogística, sem poder criativo. Nas suas palavras: “Tampouco há liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estiver unido ao poder legislativo será arbitrário o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos; pois o juiz será legislador. Se estiver unido ao poder executivo, o juiz poderá ter a força de um opressor”.
O filósofo iluminista não esgotou a investigação sobre os governos moderados, deixando um convite ao leitor para que o faça por si, investigando e refletindo acerca do grau de liberdade na distribuição dos três poderes.
Esta teoria sofreu um duro golpe 55 anos depois de publicada, com a adoção do judicial control nos EUA, no caso Marbury v. Madison, em 1803. Desenvolvia-se, assim, o veto judicial, ao lado do já existente veto do Executivo. Por meio dele, o Judiciário podia declarar a inconstitucionalidade das leis, conferindo efeitos retroativos à sua edição e nulificando o ato legislativo.
Desde então, o ativismo judicial cresceu em envergadura e tamanho, abarcando todos os ramos do direito e alterando substancialmente as disposições normativas. Antes relegado a lacunas intra legem, de normas vagas e obscuras, espalhou-se por todo o ordenamento jurídico.
O ativismo levado às últimas consequências, ou iluminismo judicial, que cria ou estende direitos, foi prática corriqueira do STF. Atualmente, após intensa reação consequencialista, as decisões aditivas têm sido bastante restritas. No caso da Justiça do Trabalho, tornou-se uma constante. A Carta Magna conferiu ao STF a precípua função de guardar a constituição, conforme o caput do artigo 102. Já no artigo 23, inciso I, 1ª parte, incumbiu a todos os entes federativos a competência de zelar pela guarda da constituição e das leis.
Hodiernamente, a postura institucional do STF tem sido de deferência ao legislativo, salvo situações excepcionais, modelo esse que deve ser seguido pelos demais ramos do Judiciário.
Sob a atual ordem constitucional, fazer leis implica desgaste perante a sociedade, costurando-se os apoios necessários, sujeitando-se a relações espúrias, constrangimentos orçamentários e um processo legislativo rigoroso. Não por outra razão, a Constituição da República prevê a iniciativa das leis de forma pormenorizada.
Um processo judicial pode ter tramitação mais célere que um processo legislativo, o qual perpassa pela discussão em várias comissões, manobras e obstruções, conforme os regimentos das casas legislativas. Por sua vez, um Recurso Extraordinário com Repercussão Geral ou uma ADI podem ser julgadas em poucos dias, se adotado, quanto a esta, o rito abreviado.
Usando a técnica de julgamento conforme, normas jurídicas gerais e abstratas são criadas por um “colégio legislativo”, com a decisão favorável de 6 membros. Para além do STF, os tribunais trabalhistas também se servem da técnica, com a decisão da maioria de seus órgãos especiais.
Nenhuma lei, por si só, impedirá o ativismo, porque fundamentado em cláusulas abertas, de extração constitucional. Somente uma mudança de postura institucional poderá remediá-lo. A fusão dos dois ramos implicará esta mudança de perspectiva, trazendo novos ares à análise dos casos trabalhistas.
O excesso de ativismo rompeu com a engenharia constitucional, contrariando competências expressamente asseguradas, sem que haja menção alguma no texto constitucional a seu respeito. Nessa ordem de ideias, o Judiciário deve ser incluído no elenco das limitações recíprocas, submetendo-se ao regime de freios e contrapesos, sob pena do desbalanceamento funcional da divisão de poderes, sujeitando-se à fiscalização da sociedade.
Afinal, a Carta Cidadã diz no artigo 1º, parágrafo único, que o povo é o detentor e destinatário final do poder do Estado. A decisão ativista não vai à sanção ou veto presidencial, e nem sempre traz efeitos benéficos para a sociedade. A reforma trabalhista veio em socorro à segurança jurídica na relação capital/trabalho, abalada pelo abuso legiferante do judiciário trabalhista, desnorteando o empresariado.
A observância da legislação e dos precedentes do TST e TRTs tomavam um esforço e tempo preciosos das empresas. O risco sempre constante de gerar passivos trabalhistas na contabilidade desviava o foco da competição mercadológica. São centenas de súmulas, orientações jurisprudenciais (SDI-1, SDI-2 e SDC) Precedentes Normativos e enunciados das mais diversas jornadas, fóruns e encontros.
Nesse sentido, veio à baila a alteração do artigo 702, inciso I, alínea “f”, da CLT, que passou a exigir quórum mínimo de dois terços e dez sessões distintas para estabelecer súmulas e enunciados da jurisprudência uniforme. Referidos enunciados possuem efeito vinculante, conforme artigo 927, incisos IV e V, e artigo 332, do CPC/2015, devendo ser observados pelas demais instâncias.
Logo em seu artigo 1º, o CPC/2015 adotou a teoria da constitucionalização do processo, tendo a comissão que o elaborou se inspirado nos estudos de Italo Antolina e Giuseppe Vignera, publicados em Turim, na Itália, no início dos anos de 1990, conforme aduzido na nota de rodapé nº 9 da Exposição de Motivos do novo código. A Lei Processual passou a valorizar a efetividade e a segurança jurídica, e sua transposição ao processo do trabalho era almejada pelos atores da relação capital/trabalho.
No eterno embate entre competências, a Justiça Federal já analisou causas que hoje tramitam pelos tribunais do trabalho, sem que houvesse diferenças substanciais no rito ou no julgamento do mérito, a exemplo das causas decorrentes do artigo 27, § 10, do ADCT. O mesmo ocorreu com a Justiça do Trabalho, que passou a analisar casos típicos da justiça comum, com as alterações advindas pela EC nº 45/04.
Com a unificação, a Justiça do Trabalho terá o que sempre pleiteou: a competência para processar e julgar os casos envolvendo servidores públicos federais, como dispõe o artigo 114, I, 2ª parte, da CRFB, competência essa vetada pelo STF no julgamento da ADI 3395.
Duas matérias podem ilustrar o cipoal de competências na relação capital/trabalho. No caso do FGTS, as ações que buscam o levantamento dos valores depositados no fundo em decorrência do falecimento do titular da conta devem ser ajuizadas na Justiça Estadual – Súmula 161 do STJ. Se a ação for em face da CEF em decorrência de sua atuação como agente operadora do fundo, a competência será da Justiça Federal – Súmula 82 do STJ. Por fim, a ação proposta pelo trabalhador contra o empregador envolvendo o descumprimento da Lei nº 8.036/90 deve ser ajuizada na Justiça do Trabalho.
No caso de o trabalhador sofrer um acidente, o quadro é ainda mais complexo. O tema ganha relevo prático, considerando que o país ocupa o quarto lugar no ranking mundial de acidentes de trabalho e de trânsito.
Em se tratando de ação proposta pelo acidentado ou seus herdeiros contra o INSS pleiteando os benefícios decorrentes do acidente de trabalho a competência é da Justiça Estadual. Já a ação proposta pelo acidentado ou seus herdeiros contra o INSS pleiteando benefícios decorrentes de acidente de outra natureza, tais como o acidente de trânsito no percurso entre a residência e o trabalho, deve ser ajuizada na Justiça Federal. Por sua vez, a ação do acidentado ou seus herdeiros contra o empregador pedindo indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho deve ser ajuizada na Justiça do Trabalho, por força da EC nº 45 e da SV nº 22 do STF. A súmula 35 do STF, aprovada em 1963, já estendia a legitimidade da ação à companheira que vivesse em união estável, nos casos de acidente do trabalho ou de transporte. Por fim, a ação regressiva da AGU contra o empregador pleiteando o ressarcimento dos benefícios pagos pela autarquia previdenciária deve ser ajuizada na Justiça Federal.
A alta quantidade de acidentes de trânsito, principalmente envolvendo motocicletas, explica a abundância de ações consignatórias na Justiça do Trabalho, propostas pelas empresas com a finalidade de discutir a sucessão dos créditos do de cujus, conforme o artigo 1º da Lei nº 6.850/80, que prevalece frente à norma geral do artigo 1.829 do CC/2002. O Traumatismo craniano representa a causa mortis da maioria dos atestados de óbito, evidenciando a importância de políticas de educação e fiscalização no trânsito, principalmente quanto à velocidade e ao uso correto do capacete.
Como uma forma de proteção ao trabalhador, o artigo 19, §2º, da Lei 8.213/91, que trata dos benefícios previdenciários, prevê uma contravenção penal punível com multa, no caso de a empresa descumprir as normas de segurança e higiene do trabalho. Essas causas tramitam na Justiça Estadual. Por sua vez, a Súmula 736 do STF define a competência da Justiça do Trabalho para as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde do trabalho.
O atual regramento do dano extrapatrimonial decorrente de acidentes de trabalho delimita uma reparação moral no importe de 50 salários mínimo. No caso de morte do trabalhador por culpa da empresa, os sucessores receberão ainda pensão vitalícia equivalente ao salário que ele recebia, lucros cessantes e danos emergentes, indenização de gastos médicos e hospitalares, bem como o pagamento das despesas de transporte do corpo e sepultamento.
Neste quadro, uma reforma trabalhista se mostrava extremamente necessária. Os excessos cometidos no afã das sugestões não desnaturam sua finalidade. Os erros cometidos foram extirpados pelo exercício regular dos poderes do estado. A esse respeito, o trabalho de gestantes em ambiente insalubre e o pagamento dos encargos de sucumbência pelo trabalhador, sofreram veto judicial. Já o fim do pagamento das horas in intinere e a blindagem patrimonial no grupo econômico permanecem válidas.
No que respeita ao fim do imposto sindical, a postura da Suprema Corte foi deferente ao Parlamento. A cobrança desta contribuição compulsória servia apenas às cúpulas sindicais, sem o retorno esperado pelos trabalhadores desfalcados em um dia de trabalho.
Atualmente, os sindicatos procuram se legitimar perante as classes que representam, a fim de justificar as contribuições facultativas. Isso não reduziu as garantias institucionais, antes reforçou a negociação direta, sem o ingresso constante de dissídios coletivos. O que antes se resumia a espetáculos e sorteios no dia do trabalhador, agora se traduz em ganhos reais nas relações de trabalho, a exemplo do que ocorre setor petroleiro.
Cogitou-se da possibilidade de a reforma gerar empregos. Esta visão está destorcida. Nenhuma lei cria empregos, do contrário não haveria desemprego em nenhum país do mundo. A lei apenas regula a relação de emprego, bem como facilita sua formação e desfazimento. A criação de empregos está atrelada essencialmente ao crescimento e dinamismo da economia.
No propósito de regular os contratos de trabalho presentes e futuros, a reforma visou arrefecer a tensão existente na seminal relação capital/trabalho. Esta relação, se manejada de forma adequada, tem o potencial de gerar e distribuir riquezas e combater a miséria.
Os precedentes dos tribunais do trabalho sacudiram as estruturas do Estado Democrático de Direito, eliminando a clássica equidistância do julgador, que se transforma em uma terceira parte da causa, com posição autônoma no processo e interesses próprios.
O iluminismo judicial se tornou uma heurística para o puro ato de legislar. Esse ativismo se revela em todos os graus de jurisdição: contratos de trabalho apresentados pelas partes, com força probante prevista em lei, eram descartados em audiência, por não terem nenhum valor legal; inspeções judiciais com indisfarçável suspeição; e um cabedal de precedentes que tornaram os direitos sumulares maiores que os direitos legais.
A reforma buscou não apenas simplificar a burocracia legal, mas também solidificar a separação funcional de poderes. Não por outra razão, o STF e o STJ vinham ano a ano restringindo a competência do judiciário trabalhista, na leitura que faziam do artigo 114 da Constituição da República. Isso ocorreu no caso dos servidores públicos, pensões complementares e greves de trabalhadores públicos. Uma clara reação dos órgãos de sobreposição ao ativismo desregrado da Justiça especializada.
Por diversas vezes, a Justiça do Trabalho já esteve no radar da pura e simples extinção, o que levaria à assunção de sua competência pelos fóruns estaduais, que têm competência residual. Em 1999, o presidente do Congresso, Antônio Carlos Magalhães, protagonizou intenso embate com o presidente do STF, Carlos Velloso. Em jogo estava a existência do ramo especializado trabalhista. À época, como agora, a justiça do trabalho era tida como um imenso leviatã tropical, que aumentava o custo-Brasil, trazendo pressão inflacionária e perdas de competitividade.
O sistema capitalismo sucedeu o feudalismo, após o declínio desse sistema em virtude dos efeitos da peste negra. A Rússia é uma exceção, onde o sistema feudal perdurou até o início do século XX, sendo sucedido pelo socialismo na Revolução de 1917. Os primórdios da industrialização no Brasil não foram diferentes do de muitos países. Frederick Taylor, apesar das suas boas intenções, foi mal compreendido, entrando injustamente para a história através do clássico de Chaplin, “Tempos Modernos”, no qual as máquinas dominavam os homens. Jornadas exaustivas, caldeiras, mortes e crianças. Esse início atribulado advindo da invenção do motor a vapor, da eletricidade e do cálculo (ciência dos fluxos) fizeram as pessoas sentirem saudades do contrato de vassalagem, vigente no sistema feudal.
Por sua vez, o Estado Patrimonial, existente na península ibérica e na Prússia, serviu de paradigma para o Brasil. O positivismo e a contrarreforma, com sua luta contra o lucro, encontraram no paternalismo varguista sua mola propulsora.
A legislação trabalhista da Itália, sob a batuta do fascismo de Mussolini, foi importada por Vargas. Lá, foi logo abandonada ao fim da guerra. Aqui, a CLT continuou praticamente intacta por 70 anos. A Constituição de 1946 previu o direito de greve, o que era um grande paradoxo em uma legislação de matriz fascista, que se explica pela ordem constitucional então implantada. O dirigismo estatal na relação capital/trabalho perdurou por décadas, deixando marcas na cultura judiciária.
No aspecto histórico, a CLT foi elaborada enquanto o país compunha os últimos esforços da guerra. O item 84 de sua exposição de motivos situa o panorama da época: “Ao pedir a atenção de Vossa Excelência para essa notável obra de construção jurídica, afirmo, com profunda convicção e de um modo geral, que, nesta hora dramática que o mundo sofre, a Consolidação constitui um marco venerável na história de nossa civilização, demonstra a vocação brasileira pelo direito e, na escureza que envolve a humanidade, representa a expressão de uma luz que não se apagou”.
Como disposição de vanguarda, o artigo 5º da CLT, que vige íntegro desde sua aprovação, já estipulava a igualdade de gênero no pagamento de salários. No Brasil de 1940 essa previsão era revolucionária. O artigo 9º, jamais alterado, serviu de fundamento para obstar a renúncia ou transação na estabilidade da gestante. Já o artigo 8º foi alterado pela atual reforma, com a finalidade de conter o ativismo e conferir segurança jurídica aos dissídios individuais e coletivos.
O Varguismo e o Peronismo fincaram suas raízes na região do cone sul. A cultura da extorsão e a “indústria da Justiça do Trabalho” (conceito paralelo à “indústria dos danos morais” nos EUA) fomentaram profundas reformas nesse ramo do judiciário. Em 1999, foi aprovado o fim do sistema classista. Em 1979, Murilo Macedo, então Ministro do Trabalho, apresentou projeto de autoria de José Pastore, que assessorava o Ministério à época. Tratou-se da primeira tentativa de fazer prevalecer o negociado sobre o legislado, preservando-se os direitos sociais previstos na Constituição de 1969.
Em 2000, James Heckman, prêmio nobel de economia, pregou a desregulamentação das relações de trabalho na América Latina. O projeto de criação da ALCA foi abortado. O Brasil tem hoje avançados níveis de integração de mercados com o continente europeu, Oriente Médio (países árabes e Israel) e o extremo oriente (China). Mas a integração com a maior economia do mundo, na América do Norte, continua sendo uma meta longínqua.
A situação de complexidade advinda da legislação e dos precedentes era tamanha que as empresas ministravam cursos de como demitir um empregado. O ativismo judicial jogou areia na engrenagem da economia.
Os tribunais pátrios são administrados por pessoas pouco afetas à gestão, que não conhecem a realidade do empreendedorismo. As decisões ativistas oneram os cofres públicos, sem preocupações com a transparência e as metas fiscais. A própria Lei de Responsabilidade Fiscal, que impôs limites de gastos, passou bastante apertada no STF quando foi aprovada, por 6 x 5.
Essa burocracia fomentou o patrimonialismo e a corrupção. As “comissões” em obras públicas são uma constante na história recente do país. 5% no tempo de Jânio Quadros, passando para 10% no regime militar, e chegando a 30% nos governos Quércia e Paulo Maluf. Em São Paulo, é bem conhecida a fortuna de alguns ex-governadores, cuja herança bilionária inclui vários edifícios e shopping centers, patrimônio esse inalcançável pelo erário. Os escândalos recentes envolvendo mesadas a parlamentares e desfalques à Petrobrás tinham “comissões mais modestas”, de 3%, mas com valores brutos muito mais vultosos.
Em outro escrito, do ano de 2017, discorremos sobre a necessária modificação da legislação, a fim de torná-la mais ágil e efetiva no combate ao crime. Alertamos que leis ágeis podem ser adotadas por qualquer nação, independentemente do nível de pib per capita que ostente. Uma análise completa pode ser vista no link: “https://jus.com.br/artigos/60347/carta-contra-o-odio”. Neste ínterim, sobreveio a Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime. Ao lado de medidas simples, sem custo adicional, necessárias para agilizar a repressão ao crime, a lei trouxe medidas burocráticas com elevado impacto orçamentário. Isso inviabilizou sua pronta implementação, sendo tais medidas suspensa pelo STF.
Alguns escritores de direito do trabalho, com assento no TST, pregam que o neoliberalismo trouxe a flexibilização das relações de trabalho, como a criação do FGTS, que pôs fim à estabilidade decenal. Nos escritos de Godinho, por exemplo, há um indisfarçável erro de cronologias.
Deveras, a escolha pelo depósito fundiário era estimulada pelo governo nos anos 1960, como uma forma de planejamento da vida economicamente ativa. Em 1966, a lei previu um depósito de 8% ao mês, em substituição à indenização de um salário mensal por cada ano trabalhado. Os valores são equivalentes. Por sua vez, o movimento neoliberal surgiu nos anos 1930, após a crise de 1929, mas não teve nenhuma projeção. O movimento só ficaria conhecido décadas depois, no início dos anos 1980, por meio da atuação de um grupo de economistas baseados na Escola de Chicago, que ajudaram o governo chileno a implantar uma série de reformas econômicas.
Nos anos de 1990, os processos trabalhistas discutiam inflação e defasagem salarial, numa época em que crescia a ideologia do Estado Mínimo. Roberto Campos, pai do atual presidente do Banco Central, pregava a abertura dos mercados, o fim das taxas alfandegárias e a abertura comercial. Dizia que o Estado Mínimo economizaria recursos que poderiam ser investidos em educação, saúde e moradia.
Contudo, o Estado Mínimo estava focado principalmente no fim da República dos Alvarás. Nesse sentido, foi criado o MAPA, que visava a reforma do Estado. A luta contra a burocracia é antiga e continua acesa, como mostra a acalorada discussão sobre a retomada das reformas no atual cenário.
A atribuição ao STJ da competência para julgar os recursos de revista traria um bafejo de imparcialidade, com análise desapaixonada das questões jurídicas postas à apreciação. Isso conteria o ativismo, dando um fôlego aos investimentos. As grandes corporações, que figuram entre as maiores litigantes, possuem departamentos jurídicos bem equipados, às vezes maiores que a própria estrutura judiciária. Pouco sentem os prejuízos do ativismo, em comparação aos pequenos empresários.
Decisões ativistas dos tribunais do trabalho invariavelmente se encaixam no artigo 896-A, §1º, IV, da CLT, que trata da transcendência jurídica do recurso de revista, em vista da existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista, afetando todo o planejamento do setor produtivo.
O artigo 896-B da CLT determina a aplicação subsidiária ao recurso de revista das normas do CPC/2015 referentes ao recurso extraordinário e especial repetitivos. A IN nº 38 do TST regulamentou o procedimento do recurso de revista e de embargos repetitivos. Logo, a absorção da competência do TST pelo STJ não significará nenhuma surpresa. Muito ao revés, mostra-se viável operacionalmente e trará uma visão mais legalista à aplicação das normas trabalhistas.
A análise dos casos por uma seção especializada do STJ implicará um olhar despido de ideologias e calcado numa perspectiva coletiva, tal qual o STF. Como exemplo, o TST impôs uma condenação de R$ 15 bilhões à Petrobras S/A, em ação sobre RMNR dos trabalhadores da ativa, que incorporou o adicional de periculosidade a todos os empregados da empresa, incluindo os dos setores administrativos. A decisão foi suspensa pelo STF, por possível violação do artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição da República, tendo em vista a existência anterior de acordo coletivo da empresa sobre a matéria, que foi flagrantemente desconsiderado pelo TST.
A adoção de um procedimento executivo comum igualmente trará ganhos de efetividade. A atual aplicação da Lei nº 6.830/90 à execução trabalhista é subsidiária, conforme previsão do artigo 899 da CLT. É aplicada casuisticamente, em omissões ontológicas e axiológicas, dando margem à insegurança jurídica. É necessário empregar um rito unificado, como forma de otimizar a execução dos créditos trabalhista e fiscal.
Atualmente, apesar de esforços louváveis, a execução desses créditos inicia anos depois dos fatos jurídicos que lhe dão origem. Como resultado, há formação de passivo na dívida ativa, na casa de dois trilhões de reais, cerca de metade irrecuperável aos cofres públicos. Isso frustra expectativas de arrecadação que mantêm as políticas públicas. Os créditos trabalhistas restam igualmente sonegados, com uma taxa de efetividade das execuções em torno de 30%, limitando-se o jurisdicionado a receber uma folha de papel nos demais casos.
A maioria dos pequenos empreendedores não sustentam seus negócios por muitos anos. Quando o processo finalmente chega na fase executiva, seja fiscal ou trabalhista, a empresa já não existe mais ou foi repassada a terceiros. Isso implica incidentes intermináveis na execução. No caso trabalhista, será discutida a responsabilidade entre os sucessores, prevista no artigo 448-A, parágrafo único, da CLT com a aplicação da teoria do empregador único, se restar provada a fraude, bem como a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, disciplinada no artigo 133 do CPC e artigo 50 do CC/2002, cujo §4º restringe sua aplicação no caso de grupo econômico.
Em se tratando de execução fiscal, de natureza tributária ou não tributaria, a discussão irá girar em torno da responsabilidade na sucessão, prevista no artigo 133 do CTN, incluindo o prazo de 6 meses nele previsto, conforme determina o artigo 4º, §2º, da Lei nº 6.830/80. Por força deste artigo, pode ser aplicada ainda a disposição referente à responsabilidade no trespasse de estabelecimentos comerciais, prevista no artigo 1.146 do CC/2002, observando-se o prazo de um ano nele indicado, em caso de débitos contabilizados.
Afora a desconsideração da personalidade jurídica, poderá haver o redirecionamento da execução. No caso de sociedades anônimas, o artigo 158 da Lei nº 6.404/76 prevê a responsabilidade executiva dos administradores. Todavia, ela não pode ser um simples efeito da inadimplência, como determina a súmula 430 do STJ.
A unificação dos ritos executivos possibilita a adoção conjunta do instituto da indisponibilidade de bens, previsto no artigo 185-A do CTN. Por meio dele é possível reduzir o acervo de execuções baixadas ao arquivo ou extintas pela prescrição intercorrente.
O artigo 49-A, parágrafo único, do CC/2002, prestigia a autonomia patrimonial da empresa, importante para a geração de empregos, tributo, renda e inovação. Sua importância sobreleva-se no corrente ano, com a redução drástica no fluxo de caixa das empresas, que estão acordando o pagamento de 50% dos salários durante o “lockdown”. Isso demonstra a urgência de medidas que dinamizem a execução, com sua reformulação estrutural.
A reforma trabalhista diminuiu as incertezas advindas dos conceitos jurídicos vagos e imprecisos que existiam na legislação, delimitando a moldura legal onde o aplicador da lei deve se situar. Essa diretriz já constava do artigo 489, §1º, II, do CPC/2015. Sua extensão ao processo do trabalho era inevitável. Karl Engisch leciona que diante de conceitos jurídicos indeterminados, o julgador deve estabelecer seu significado preciso e dizer como ele se relaciona ao caso sob análise.
É descabido atrelar a reforma trabalhista a critérios ideológicos. As medidas desburocratizantes devem ter base empírica, e não em ideologias. A relação capital/trabalho é uma das bases da sociedade, ao lado de outras relações, como a família e o consumo. Sua simplificação, com a redução da tensão nela existente, deve ser almejada por todos. Em tempos de quarentena, as pessoas estão ansiosas para trabalhar e consumir. Isso faz parte da condição humana, com as aptidões e necessidades a ela inerentes. Não só a família, mas também o trabalho e o consumo satisfazem os anseios biológicos e psicológicos do homem.
A proliferação de discursos que pregam hostilidades entre patrões e empregados, em clima conflagrado de inimizade, impacta a produtividade nacional, tornando-a uma das mais baixas do mundo. A pouca qualificação da mão de obra e a escassez de investimentos são apontadas como causas subjacentes a este quadro, catalisado pela visão adversarial da relação capital/trabalho. São causas que se retroalimentam, em um círculo vicioso.
Não por outra razão, a produção agropecuária brasileira figura como uma notável exceção, por ser bastante mecanizada e integrar um setor com baixa intensidade de mão de obra. Em um cenário de proliferação de máquinas autônomas, a contratação de trabalhadores não pode ser um entrave para empresa, suportado à custa de benefícios fiscais.
Condições condignas de trabalho e retornos de produtividade não são excludentes, senão condições essenciais para enfrentar a revolução industrial que se avizinha. Contudo, falta ao país eliminar o trabalho análoga à de escravo, presente tanto nos grandes centros como nos rincões do país. Isso implica atuar que o mesmo se faça no plano internacional. A extração de cobalto na RDC, por exemplo, vitima principalmente crianças, fornecendo insumos às gigantes tecnológicas, como Tesla, Apple e Microsoft.
Com as alterações da reforma, a tensão diminui consideravelmente. Antes, o término da relação de trabalho era quase sempre inamistoso, na base do tudo ou nada. Ou o empregado pedia a conta ou a empresa mandava embora. Hoje, o distrato pode ser feito por acordo entre as partes. Não existe mais a obrigação acessória de homologação do termo de rescisão pelo sindicato da categoria, que aumentava a burocracia da dispensa.
O encerramento pode ser feito também por acordo extrajudicial, com homologação pela justiça. Esse procedimento de jurisdição voluntária visa aferir o equilíbrio entre as prestações acordadas. A lei teve o cuidado de estabelecer o patrocínio das partes por advogados distintos. Essa simplificação pôs fim às negociações paralelas ilegais no momento de encerramento do contrato de trabalho.
Existem ainda muitos entraves formais. O formalismo já foi uma conquista democrática, inspirada na isonomia das partes do processo. Todavia, não pode ser levado à risca. No tribunal de Nuremberg, Hermann Göring, comandante da Luftwaffe e responsável pelos campos de concentração nazistas, foi condenado à pena capital. Na véspera do enforcamento, tomou uma cápsula de cianureto e amanheceu morto. Isso não impediu que o verdugo arrastasse seu corpo até o cadafalso e cumprisse formalmente os termos do veredicto.
O excesso de formalismo está na raiz de muitos problemas atuais do Judiciário. O simples preenchimento de formulários, a exemplo do que ocorre em países desenvolvidos, em substituição a enigmáticas petições iniciais, traria formidável presteza ao processo do trabalho. Uma medida singela que impactaria não só na fase postulatória, mas em todo o trâmite até sua resolução final. A simplificação da fase recursal igualmente traria um impacto positivo na duração razoável dos processos, reclamada pelo atual dinamismo dos negócios e alçada a direito fundamental.
O Brasil precisa abandonar o subcapitalismo e ingressar em um capitalismo consciente, com relações de trabalho livremente negociadas. A persistência do clima hostil traz perspectivas desanimadoras. O artigo 7º, inciso XXVII, da Constituição da República protege o emprego contra a automação. Foram aprovadas leis que protegem postos de trabalho, como a Lei nº 9.956/2000, que proíbe bombas de auto-serviço nos postos de combustíveis. A lei garante milhares de empregos no país, mas também aumenta encargos e encarece o preço final ao consumidor. Na Europa e nos EUA, é comum os próprios motoristas abastecerem seus veículos.
Pesquisas e levantamentos recentes indicam que 55% dos 45 milhões de trabalhadores formais no Brasil estão sujeitos a alto riso de automação. Estes levantamentos confirmam achados em pesquisas no exterior, que reportam um percentual de 47% de tarefas suscetíveis de automação. As pesquisas já consideram a relevância da tarefa, que se divide em analíticas, interativas, cognitivas e manuais rotineiras. Inclui ainda as tendências de mercado, como os postos de trabalho no setor de energia solar.
O emprego civil formal está em transformação acelerada, com impacto em praticamente todas as tarefas da CBO (Classificação Brasileira de Ocupações). Trata-se de uma tendência mundial, que pode gerar muitos postos de trabalho, a depender de como se vai lidar com ela.
Historicamente, a difusão de novas tecnologias é acompanhada pela criação de muitos empregos inovadores, com o consequente declínio de ocupações mais tradicionais. Nos últimos quinze anos, a propagação de tecnologias e inovações úteis ao mercado e à sociedade foi a grande responsável pelo crescimento mundial do emprego observado no período. Atualmente, existem diversas tecnologias maduras para pronta difusão ao mercado, gerando a necessidade de adaptação gradativa da relação capital/trabalho, tais como as decorrentes da economia compartilhada.
A título exemplificativo, os caixas bancários foram substituídos por caixas eletrônicos. Por sua vez, os caixas eletrônicos ocupavam diversos operadores, que estão sendo substituídos por atendentes virtuais. Os próprios bancos estão minguando, frente ao crescimento das fintechs. Trabalhadores portuários, como estivadores e capatazia, estão sendo substituídos por operadores de máquinas digitais de transporte de carga. Com o progresso da TI, e das preferências de consumo, empresas e ocupações desaparecem, dando origem a novos nichos no mercado de trabalho.
Ramos inteiros de mercado, consolidados há décadas no gosto do público, desaparecem rapidamente, sem que os consumidores sequer se deem conta. Esse movimento sempre inicia um novo ciclo no mercado de trabalho. O mesmo se passa com órgãos e cargos públicos. Operadores dos carros de fumacê ainda resistem ao lado de agentes comunitários de saúde. Combatendo herboviroses, como a dengue, os carros passam no fim de tarde, quando tem pouco vento, baixa umidade e uma temperatura mais amena. Uma função de enorme importância, mas que também não está infensa aos reclamos da inovação.
A tecnologia traz muitos empregos com uma mão e tira outros tantos com a outra. A adaptação dos mercados exigirá especialização setorial, barreiras regulatórias e, principalmente, análise do custo capital/trabalho. Modernamente, o lucro contábil não constitui o único móvel da atual geração de empreendedores. As experiências de microcrédito na Índia, que renderam um prêmio nobel ao seu idealizador, passaram a inspirar os novos líderes. Para além das fortunas de cifras astronômicas, as inovações devem estar atreladas a uma causa social ou ambiental que instigue o espírito de competição. Estas mudanças trouxeram impactos nas relações de trabalho.
Se tornou comum nas grandes empresas a adoção de governança corporativa, implantada no Brasil com base no Código de Melhores Práticas do IBGC. Após os escândalos mundialmente conhecidos das empresas Xerox e Enron, as corporações passaram a adotar um balanço social, ao lado do tradicional balanço patrimonial. Trata-se de uma forma de divulgar sua relação com todos os envolvidos (stekholders), incluindo colaboradores. Essa dinâmica prioriza a autorregulação da empresa, prevendo a equidade (fairness), prestação de contas (accountability) e transparência (disclousure) na sua atuação.
No Brasil, os escândalos de projeções globais das empresas EBX, JBL e Petrobrás, com forte impacto para acionistas e trabalhadores, intensificaram um movimento de conformidade na atuação das empresas no mercado, inclusive a pequenas e médias. Ao lado dessas mudanças estruturais, surgiu a uberização do mercado de trabalho, em substituição aos tradicionais modelos fordista, taylorista, toytista e volvista, impactando no surgimento de novas vagas de trabalho para microempreendedores individuais.
A justiça do trabalho não pode estar alijada dessa realidade, como se estivesse encastelada numa torre de marfim. A digitalização já atinge todos os setores dos tribunais, inclusive da atividade-fim, com programas baseados em IA, que minutam recursos autonomamente. As audiências por videoconferência são uma realidade, inclusive no STF. A comunicações processuais são feitas por meio virtual. No Canadá, a plataforma jurídica “Ross” faz consultas e elabora petições com taxa de acerto maior que os profissionais da área, utilizando “big data” e programação em linguagem natural. Outras plataformas disputam esse nicho de mercado, como “Westlaw” e “LexisNexis”.
A justiça do Trabalho está definhando. Não há liberação de verbas adicionais, seguindo uma tendência mundial e inexorável de readequação dos gastos públicos. As aposentadorias dos colaboradores não estão sendo repostas por novos concursos públicos, uma vez que o encargo orçamentário é remanejado para rubrica diversa, sem economia de recursos.
Para 2020, não há mais a transferência de 0,25% do limite de gastos com pessoal do Poder Executivo ao Judiciário. Isso resulta em um corte de 2,2% no orçamento desse poder, a fim de adequá-lo ao teto de gastos, cujo crescimento é limitado à inflação do ano anterior. O ramo trabalhista teve um corte ainda maior, na ordem de R$ 1,37 bilhões.
As projeções para 2021 são ainda mais restritivas. Ainda é cedo para avaliar os impactos da atual pandemia de SARS-CoV-2 (CID10 B34.2) na economia brasileira, mas projeções da FGV estimam uma queda de 4,4% no PIB até o fim de 2020. A paralisação dos meios de produção decorrentes das medidas de “lockdown” terão forte impacto na arrecadação. O economista Nouriel Roubini, que intuiu a crise de liquidez que assolou o mundo em 2008 e que acarretou uma queda de 0,3% do PIB brasileiro, prevê uma crise econômica ainda mais severa em 2020, com base em projeções econométricas.
A onda de infecção ainda não atingiu com força a América Latina e a África, mas já se projetam efeitos perversos na economia desses continentes, para além dos problemas de saúde. Nesse horizonte de reestruturação da máquina pública, ajuste de contas, redesenho tributário, redução salarial do alto funcionalismo e crescimento da informalidade e do desemprego, a economia e a racionalização de recursos advindas com a fusão dos dois ramos do Judiciário é uma medida urgente.
Em pouco tempo, a Justiça do Trabalho terá uma existência meramente fictícia. É hora de deixar o comodismo de lado e o espírito de corpo. É preciso analisar o cenário como cidadãos, consumidores e usuários de serviços públicos, mas principalmente como contribuintes. Numa palavra, a Justiça do Trabalho não possui mais sustentabilidade.
Deveras, o custo por processo é maior que os direitos financeiros envolvidos nas causas. A arrecadação da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal são mínimas, menos de 1% de suas despesas, considerando o ingresso de recursos próprios, como custas e emolumentos, e descartando os direitos financeiros de outros órgãos, tais como a previdência social e a fazenda pública, que são meras entradas que transitam pelas contas judiciais. A distribuição de processos também é desigual, com ofícios tendo 1000, 2000 e 5000 feitos a seu cargo.
A criação da Super Receita, e sua atual reestruturação, podem servir de paralelo. Com ela unificou-se as estruturas de arrecadação e fiscalização dos ministérios da fazenda e da previdência social, com claros ganhos de escala e economia de recursos. A Lei nº 11.457/2007 pode ser um paradigma, tendo em mira os avanços de desempenho e a redução de custos.
Os laboratórios judiciários podem esboçar um arquétipo da fusão dos dois ramos, com implementação gradativa. É necessário, ainda, a formação de equipes de TI compatíveis com a missão proposta, de mesmo nível de proficiência das empresas privadas, diminuindo as contingências corriqueiras nos sistemas operacionais.
A medida pode trazer alento à cultura do ativismo judicial, que engendrou um pretenso Poder Normativo da Justiça do Trabalho. A legislação prevê esse poder de forma restrita, limitado à prolação de sentenças normativas. Na Justiça Eleitoral, esse poder é restrito à regulação do período de eleições. É preciso tomar novamente a lei como base para uniformizar a jurisprudência.
Apesar da proeminência do Judiciário em questões típicas dos demais poderes, isso não pode levar à tentação do ativismo, dadas as consequências amargas da invasão na esfera legislativa.
O protagonismo judicial exacerbado tem sido muito criticado no Brasil e no mundo, notadamente no concernente à judicialização da política e nos processos estruturais. Como exemplo daquela, a Justiça Federal de primeiro grau tem vetado nomeações de cargos políticos, não por vícios formais, mas com base unicamente na análise do currículo do nomeado.
Quanto às demandas estruturais, grassam decisões que deferem insulina importada, determinam a realização de concursos públicos, determinam confiscos de UTIs e de respiradores durante o estado de emergência da Lei nº 13.979/2020. Estas decisões do Judiciário ficam imunes à lei de responsabilidade fiscal e aos controles interno e externo de economicidade e prioridade, comuns à implementação de políticas públicas. Estas políticas seguem o modelo “dilema das ações coletivas”, definitivamente inexistente nas decisões judiciais.
Uma rápida olhada no artigo 196 da Constituição da República indica que o direito à saúde será garantido mediante políticas sociais e econômicas. Liminares em casos individuais contabilizam bilhões aos cofres públicos, gerando perda de escala na prestação de serviços essenciais à população, como na aquisição de medicamentos.
A imagem popular que divide os membros e tribunais da justiça do trabalho em pró-empregado e pró-empresa não pode subsistir nos tempos atuais. Igualmente, não é aceitável a divisão dos membros e tribunais da Justiça Federal em pró-Estado e pró-cidadão.
O voluntarismo judicial está em declínio. Interpretações jurídicas idiossincráticas e casuísmo são vícios graves na prestação do serviço judiciário. Não é possível ao julgador que escolha sua versão de justiça em detrimento da vinculação à norma de direito.
O direito tem a relevante função de estabilizar normativamente as expectativas humanas. Em uma sociedade cada vez mais complexa, caracterizada pelo crescimento desorganizado dessas expectativas, essa função só será alcançada por meio de seleção normativa destas expectativas, e sua aplicação segura.
Na recomendação precisa de Antonin Scalia: “se você pretende ser um julgador bom e confiável, você tem que resignar-se com o fato de que nem sempre irá gostar das conclusões que encontrará na lei. Se gostar o tempo todo de suas conclusões, você provavelmente está fazendo algo errado”.
A unificação destes dois ramos da justiça não é um abraço de afogados, mas uma boia de salvamento. Após a decisão do STF sobre a competência criminal da Justiça Eleitoral, os integrantes da Justiça Federal pleiteiam a atuação nessa justiça especializa, o que foi inicialmente rechaçado pelo TSE, que manteve inalterada a Resolução nº 21.009/2002.
Os mesmos argumentos de expertise e racionalização de recursos podem ser transpostos à unificação das Justiças Federal e do Trabalho. A especialização de varas federais trouxe excelentes resultados, a exemplo da 13º Vara Federal de Curitiba, da Seção Judiciária do Paraná. Outros exemplos incluem varas aduaneiras, varas de direito da concorrência e varas habitacionais. A criação de uma Vara Federal Mista, especializada em Direito do Trabalho, é plenamente possível.
Está na hora de aprofundar o debate e encarar a realidade de frente, sem mais delongas. Uniformizar as atividades-meio, avançar na digitalização, simplificar procedimentos, unificar a execução e compartilhar equipamentos. A unificação dos dois ramos não pode mais esperar.