Sobre o sofrimento e a felicidade

03/04/2020 às 18:01
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Reflexões sobre o sofrimento enquanto indispensável elemento de “evolução e aprimoramento humano”.

Faz parte da epopeia do gênero humano (voluntária ou involuntariamente) experimentar as sensações do medo e do sofrimento (ou seja, o receio do padecimento, da aflição, da angústia, do suplício, etc), mesmo que (necessariamente) imbuídas de uma (veemente) repulsa, associada ao desejo, simultâneo e contrapositivo, de obtenção (persistente) de um (utópico) estado de paz de espírito, conhecido, coloquialmente, por felicidade. Destarte, não é incomum, cotidianamente, ouvirmos a frase “o importante é ser feliz”, dita e repetida como se fosse um dogma irrefutável e, por via de consequência, o objetivo (único e) central da vida humana terrena.

Todavia, a verdade é que, - independentemente de nossas exteriorizações volitivas -, a felicidade é essencialmente uma condição (e, portanto, um correspondente e sempre presente efeito consequente) de nossas ações que, por sua vez, - em função de (nítidas e específicas) escolhas (associadas ao livre arbítrio) -, podem, ao reverso do desejado, conduzir ao sofrimento e à própria infelicidade.

Não por outra razão, a atribuição de uma importância capital relativamente às nossas (permanentes) opções, presumivelmente direcionadas ao pretenso propósito de encontrar (dentre tantas possibilidades) o verdadeiro caminho que possa (de fato) nos conduzir à felicidade e, simultaneamente, nos afastar do sofrimento.

Ainda assim, e não obstante a lógica de todo esse “processo mental”, é importante registrar que a felicidade não pode ser alcançada como simples “objetivo”, posto que somente a bondade, - ou mais precisamente as ações e as intenções nobres -, é que possui o verdadeiro condão de realizar, através da força do amor que todos trazem em seus corações, um estado de absoluta tranquilidade. Tal fato ocorre porque não é qualquer atitude (ou fato) que nos permite conduzir à felicidade; posto que a mesma (naturalmente) advém do bem e da consequente satisfação que a realização de atos de bondade traz aos nossos corações.

Portanto, felicidade e infelicidade são resultados últimos (ainda que não definitivos e, portanto, sempre passíveis de mutação) de nossas escolhas, assim como, em certa medida, o sofrimento também o é.

VIKTOR FRANKL, criador da logoterapia e uma das mentes mais brilhantes da centúria passada, certa feita lecionou, com mérita propriedade, que se a vida tem um propósito, logo o sofrimento igualmente o tem. FIÓDOR DOSTOIÉVSKI, grande escritor e filósofo do Século XIX (que sofreu imensamente durante sua vida), expressou, nesta toada, que seu único medo era de não ser digno de seu sofrimento, pois, segundo o mesmo, a dor era um importante fator de aprimoramento do espírito do homem.

Não por acaso, - e de forma muito diferente do senso comum -, o sofrimento atua como um indispensável elemento de “evolução e aprimoramento humano”, considerando, por derradeiro, que é através dele (e de sua experiência) que se expõe a beleza, que se alcança o refinamento e se exterioriza a grandeza.

Todas as nobres almas, seja no campo religioso, filosófico, artístico, ou seja, praticamente em qualquer alçada, foram consciências que sofreram profundamente. Todavia, foram, também e por efeito consequente, “essências” capazes de realizar a mágica da transformação, permitindo que o sofrimento se convertesse, em última análise, em fonte de grandeza e inspiração, e não de (indesejável) dor, obtendo, por fim, - e como natural resultado -, o tão almejado estado de felicidade.

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

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