A INCLUSÃO DOS SERVIÇOS DE CAPATAZIA NA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO

05/04/2020 às 08:36
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE A QUESTÃO DA INCLUSÃO DOS SERVIÇOS DE CAPATAZIA NA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO.

A INCLUSÃO DOS SERVIÇOS DE CAPATAZIA NA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO

Rogério Tadeu Romano

O âmbito do trabalho portuário, capatazia é a atividade de movimentação de cargas e mercadorias nas instalações portuárias em geral, incluindo-se suas retro-areas e EADI, que compreende o recebimento, a conferência, o transporte interno, a abertura de volumes para a conferência aduaneira, a manipulação, a arrumação, a entrega e ainda o carregamento e descarregamento de embarcações com uso de aparelhamento.

O STJ enfrentou a matéria diante de recursos, de relatoria do ministro Gurgel de Faria, foram interpostos pela Fazenda Nacional contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que entendeu que a taxa de capatazia incidente após a chegada de mercadorias no porto não pode ser incluída no cálculo do valor aduaneiro. 

Já se entendeu que tais serviços, consistentes na atividade de movimentação de mercadorias importadas nas instalações dentro do porto, conforme disposto no artigo 40, § 1º, I, da Lei 12.815/2013, não integram o valor aduaneiro e, portanto, não devem ser considerados para fins de composição da base de cálculo do II.

Isso porque o artigo 4º, § 3º, da IN RFB 327/2003, ao incluir no cálculo do valor aduaneiro os gastos com capatazia, extrapolou os limites fixados no artigo 77, II, do Decreto 6.759/2009, que permite a inclusão dos custos relativos apenas à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada ao porto ou aeroporto alfandegado.

Essa a posição expressa pelo ministro relator ministro Gurgel de Faria.

Foram os seguintes os recursos analisados:

REsp 1.799.306
REsp 1.799.308
REsp 1.799.309

A 1ª Turma do STJ confirmou que a taxa de capatazia não deve integrar o conceito de “valor aduaneiro” para fins de composição da base de cálculo do Imposto de Importação. Em 2015, a 2ª Turma já tinha decisões no mesmo sentido. Porém, a Fazenda Nacional ainda tem esperanças de reverter esse posicionamento.

As importadoras entraram com ações judiciais após a publicação pela Receita Federal da Instrução Normativa nº 327, de 2003, que incluiu na base de cálculo do Imposto de Importação – que é o valor aduaneiro – as despesas com capatazia.

A decisão da 1ª Turma foi unânime. Os ministros entenderam que a instrução normativa da Receita Federal desrespeita os limites impostos pelo Acordo de Valoração Aduaneiro e o Decreto nº 6.759, de 2009. As normas estabelecem que somente devem ser computados no valor aduaneiro os gastos com carga, descarga e manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada ao porto ou aeroporto.

Pela instrução normativa, porém, devem ser incluídos os valores desembolsados já em território nacional. “A realização de tais procedimentos de movimentação de mercadorias ocorre apenas após a chegada da embarcação, ou seja, após a sua chegada ao porto alfandegado”, afirma na decisão o relator do caso, o ministro Benedito Gonçalves.

Na decisão, o ministro ainda cita precedentes da 1ª Turma e da 2ª Turma no mesmo sentido. Na 2ª Turma, o caso foi relatado pelo ministro Herman Benjamin. Os magistrados também entenderam que a instrução normativa da Receita Federal extrapola o que foi determinado pelo Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto nº 6759, de 2009.

O Imposto sobre Importação (II) é tributo de competência da União Federal, cuja base de cálculo, no caso de mercadorias estrangeiras, é o valor aduaneiro e cuja alíquota está indicada na Tarifa Externa Comum (TEC). O valor aduaneiro, por sua vez, deve ser apurado nos termos do Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT 1994 (Acordo de Valoração Aduaneira), que estabelece diversos métodos de valoração aduaneira.

O artigo 77 do decreto 6.759, de 5/2/09 (Regulamento Aduaneiro) prevê que integram o valor aduaneiro, independentemente do método de valoração utilizado: (i) o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou o aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro (inciso I); (ii) os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada aos locais referidos no inciso I (inciso II); e (iii) o custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas nos incisos I e II (inciso III do artigo 77). 

Apesar da redação do artigo 77 do Regulamento Aduaneiro (“até o porto ou o aeroporto”), a Receita Federal do Brasil (RFB) determinou, por meio do §3º do artigo 4º da instrução normativa 327, de 9/5/03, a inclusão no valor aduaneiro de gastos relativos à descarga da mercadoria no território nacional (serviços de capatazia).

Poderia uma instrução normativa extrapolar os limites do decreto editado, ferindo o princípio da legalidade?

Necessário discutir o princípio da legalidade dentro do direito tributário.

O princípio da legalidade da função executiva, de que a legalidade da Administração é simples aspecto, desdobra-se nos princípios da preeminência da lei e o princípio da reserva de lei.

O princípio da preeminência da lei, princípio da legalidade em sentido amplo, fórmula negativa ou regra da conformidade, traduz-se na proposição de que cada ato concreto da Administração é inválido, se e na medida em que contraria uma lei material.

Por sua vez, o princípio da reserva de lei, princípio da legalidade em sentido restrito, surgiu originalmente com o sentido de que cada ato concreto da administração que intervém na liberdade ou propriedade do cidadão, carece de autorização de uma lei material; mas veio mais tarde a evoluir no sentido de exigir a mesma autorização para todo e qualquer ato administrativo, ainda que, de forma direta, não contendesse na aludida esfera privada dos particulares.

Entende-se pela experiência doutrinária que, se o princípio da preeminência da lei representa muito mais a defesa da própria ideia de generalidade numa fase de evolução do poder administrativo concebido essencialmente como uma ampla esfera de autonomia ou mero âmbito da licitude, o princípio da reserva legal desempenha uma função de garantia dos particulares contra as intervenções do poder.

Na doutrina alemã, do que se lê das observações de Peters, Huber, Wolff e Forsthoff, o princípio da legalidade reveste no direito administrativo o seu conteúdo mínimo de uma simples regra de preeminência da lei. Assim,  no direito administrativo brasileiro, há o entendimento de que apenas se deve exigir uma reserva de lei no que se diz respeito à criação de deveres, de conteúdo positivo ou negativo. A Constituição dita: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”(artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal).

Fala-se em reserva de lei material e reserva de lei formal. No primeiro caso, basta que a conduta da Administração seja autorizada por uma norma geral e abstrata, seja ela a lei constitucional (norma paratípica), a lei ordinária (norma típica primária) ou mesmo o regulamento (norma típica secundária). No segundo caso, torna-se necessário que o fundamento legal do comportamento do órgão executivo seja um ato normativo dotado com força de lei, de ato provindo de órgão com competência legislativa normal e revestido da forma externa legalmente prescrita.

A atividade administrativa que não se traduz na criação de limites à liberdade pessoal ou patrimonial dos cidadãos, apenas se encontra submetida à regra da preeminência da lei.

No direito administrativo, há uma reserva relativa de lei formal, porém, no que concerne ao direito tributário, a trilha é a reserva absoluta de lei formal.

Toda a conduta em sede de direito tributário será norteada e se fundamentará na lei, de que seja o seu pressuposto necessário.

Assim, o direito administrativo se contenta com uma simples reserva de lei material, baseado no item generalidade, novidade, próprios de um perfil normativo.

Todavia, no direito tributário, há o entendimento, uma vez que é intensa a intervenção da administração na propriedade, na renda, nos serviços, na circulação de bens industrializados ou não, por parte dos cidadãos, que essa intervenção estatal deve se dar dentro das garantias da lei formal, pois, como disse o juiz Marshall: “the power to tax involves the power to destroy”, como se viu no caso Mc Culloch v. Maryland, e, H. 316.

Isso porque, toda vez que se tratar de limitação de direitos fundamentais, a lei será imprescindível.

Desde já se expõe que, em direito público tributário, vale o conceito de processo legislativo, de modo a permitir que as medidas provisórias (artigo 64,§ § 1º e 4º), que têm o caráter de lei, tenham força de lei nos limites da urgência e relevância, e sejam fonte de obrigação tributária.

De outro modo, em sede de direito penal, as medidas provisórias não se prestam a estabelecer condutas criminosas, pois há, em sua excelência, a aplicação do princípio da reserva de parlamento, de sorte que as Convenções Internacionais, por exemplo, não substituem as leis internas de cunho penal.

Admitem-se no direito administrativo e no direito tributário os decretos do Poder Executivo.

No direito tributário, esses decretos regulamentares envolvem importância diante de atos do Executivo para permitir alterar as alíquotas e bases de cálculo de impostos sobre a importação, exportação, e sobre as operações de crédito, câmbio e seguros, por exemplo, com o objetivo de ajustá-los aos objetivos de uma política econômica. Afora isso, a alíquota e a base de cálculo dos demais tributos só podem ser determinados por lei e o decreto não pode atuar dentro do campo dos elementos essenciais dos tributos.

A Constituição autoriza que o Poder Executivo altere as alíquotas do IPI, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei (artigo 153, parágrafo 1º).

O Código Tributário Nacional, lei de normas gerais, materialmente complementar, no artigo 99, determina que “o conteúdo e o alcance dos decretos restringe-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de intepretação estabelecidas na lei”. Quando se fala em regulamento, fala-se em regulamento secundum legem, não se admitindo os regulamentos independentes ou autônomos. Mas execução não é, literalmente, reprodução, atente-se.

As instruções, ao contrário, obrigam apenas aos serviços e não aos particulares e ao Poder Judiciário, pois são atos ordinatórios da Administração.

O regulamento, sob forma de decreto, é ato privativo do chefe do Poder Executivo e a instrução é ato próprio dos ministros, individualmente considerados, e que se destinam à execução das leis, decretos e regulamentos.

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Repita-se que as instruções, essas sim, não vinculam os particulares nem o Poder Judiciário, pois são, na lição de Hely Lopes Meirelles(Direito administrativo brasileiro, 6ª edição, 1978, pág. 153) são “atos ordinatórios” dos ministros individualmente considerados – que tendo por fundamento o poder hierárquico “só atuam no âmbito interno das repartições e só alcançam os servidores hierárquicos à chefia que os expediu. Não obrigam aos particulares, nem aos funcionários subordinados a outras chefias. São atos inferiores à lei, ao decreto, ao regulamento e ao regimento. Não criam, normalmente, direitos ou obrigações para os administradores, mas geram deveres e prerrogativas para os agentes administrativos a que se dirigem”.

Como disse Alberto Xavier(Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação, 1976, pág. 34) isto que se disse das instruções vale também para atos de ordem hierárquica inferior como circulares, portarias e “pareceres normativos” – infeliz expressão que envolve em si insanável contradição de termos. Tais atos, ao invés dos regulamentos, não são atos normativos e, por conseguinte, não são fonte de direito.

Ocorre que o STJ concluiu, recentemente, o julgamento dos recursos representativos da controvérsia acima mencionados como informou o site.

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, sob o rito dos recursos repetitivos, que os serviços de capatazia – movimentação de mercadorias nos portos, como carregamento e descarregamento – devem ser incluídos na base de cálculo do Imposto de Importação. A controvérsia está cadastrada no sistema dos repetitivos como Tema 1.014.

A tese definida pelos ministros é a seguinte: "Os serviços de capatazia estão incluídos na composição do valor aduaneiro e integram a base de cálculo do Imposto de Importação".

Segundo o ministro Francisco Falcão – cujo voto prevaleceu no julgamento –, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) estabelece normas para a determinação de valor para fins alfandegários, prevendo a inclusão no valor aduaneiro dos gastos relativos a carga, descarga e manuseio, associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação.

Ele lembrou que tais serviços integram a atividade de capatazia, de acordo com a Lei 12.815/2013, e a Receita Federal editou instrução normativa explicitando que eles devem fazer parte do valor aduaneiro.

"Evidencia-se que os serviços de capatazia, conforme a definição acima referida, integram o conceito de valor aduaneiro, tendo em vista que tais atividades são realizadas dentro do porto ou ponto de fronteira alfandegado na entrada do território aduaneiro", explicou o ministro.

Nos recursos examinados, o colegiado deu razão à Fazenda e julgou improcedentes os pedidos de exclusão dos serviços da base de cálculo do Imposto de Importação.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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