Artigo Destaque dos editores

Tem futuro a imputação objetiva?

Exibindo página 2 de 4
16/03/2006 às 00:00
Leia nesta página:

4.A imputação objetiva na visão de ROXIN

            A maioria dos tratados de Direito Penal define a imputação objetiva como fruto da criação de um risco e, por conseqüência a sua efetiva realização.

            CLAUS ROXIN, em sua obra Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal, acrescenta um elemento a mais denominado "alcance do tipo". Neste aspecto, citado autor trata de todos os casos em que outras pessoas, além do próprio autor, contribuem de modo relevante para o resultado típico.

            A visão de ROXIN sobre a imputação objetiva se subdivide em quatro vertentes, a saber: a diminuição do risco, a criação de um risco jurídico-penalmente relevante, a teoria do incremento do risco e a esfera de proteção da norma, ou dito de forma mais técnica, o alcance do tipo.

            Em síntese, suas idéias se traduzem no princípio do risco. A imputação objetiva versa sobre o resultado.

            Analisando de forma sucinta cada um das partes do esquema estrutural do modelo de ROXIN, percebe-se que com relação à diminuição do risco, faltará a criação de um risco e, portanto, a imputação, se o autor modificar um curso causal de tal maneira que ele diminua a situação de perigo já existente para a vítima, ou seja, se melhorar a situação do objeto da ação.22

            O exemplo citado em doutrina descreve o caso em que "A" percebe que "B" lança uma pedra em direção a cabeça de "C". Ato imediato, "A" empurra "C" e faz com que a pedra atinja outra região menos perigosa no corpo de "C". Neste caso, não há que se falar em tipificação de crime de lesões corporais praticadas por "A".

            Assim, percebe-se que neste caso existiu uma conduta tendente a diminuir o risco de uma situação de perigo.

            Já a imputação ao nível de criação de um risco jurídico-penalmente relevante, ou seja, a exclusão da imputação se falta a criação do perigo, justifica-se segundo CALLEGARI, citando ROXIN, vez que "se deve afastar a imputação ao tipo objetivo quando o autor certamente não diminuiu o risco de lesão ao bem jurídico, mas tampouco o aumentou de modo juridicamente considerável".23

            Exemplifica-se esta hipótese citando o clássico exemplo do sobrinho que desejando receber uma herança compra para o tio rico uma passagem área em uma companhia falida e com aviões sem a manutenção adequada, esperando que citada aeronave se envolva em acidente. De fato o avião sofre uma pane e cai na selva matando o tio rico. Indaga-se: deveria ser imputado o resultado ao sobrinho que comprou a passagem? A resposta é certa e não deixa margens a dúvidas: não, vez que não houve criação de um risco juridicamente relevante. A queda do avião foi obra do acaso.

            No caso ora citado, não existia risco penalmente relevante na ação de enviar o tio rico em avião, já que o sobrinho mal intencionado não podia objetivamente controlar a falha técnica que ocasionou o acidente aéreo.

            Como a provocação de uma conduta socialmente normal e geralmente não perigosa não pode estar proibida, não haverá uma ação homicida tipicamente delitiva, ainda que excepcionalmente tal situação seja causal a respeito de uma lesão de um bem jurídico.24

            Em conclusão, pode-se afirmar que o risco implícito na ação carece de relevância jurídico-penal.

            Já com relação ao incremento do risco, importante mencionar que referida teoria relativa à concorrência de riscos é tratada pela doutrina sob outras várias denominações, tais como, "conexão de antijuridicidade", "causalidade da infração do dever de cuidado", "fundamentação do resultado na infração do dever de cuidado", "relação do fim da norma".

            Conforme leciona MIRENTXU CORCOV BIDASOLO, "o fundamento da teoria do incremento do risco baseia-se na afirmação de que a finalidade de proteção da norma de cuidado existe para reduzir o perigo de lesão ao bem jurídico, quando a conduta ultrapassou a medida do risco permitido".25

            A teoria do incremento do risco elaborada por CLAUS ROXIN em 1.962, parte do seguinte questionamento: deverá ser imputado ao agente, um resultado que, mediante uma conduta conforme o direito, haveria sido evitado não com segurança, mas possível ou provavelmente?

            Dito jurista alemão cita em sua obra o exemplo do condutor de um caminhão que deseja ultrapassar um ciclista e o faz sem observar a distância regulamentar exigida, aproximando-se uns 75 cm do mesmo. O ciclista, por sua vez, está fortemente embriagado e, em virtude de uma reação provocada pelo álcool, gira a bicicleta para esquerda, caindo sob as rodas traseiras do caminhão. Comprova-se que, provavelmente (variante: possivelmente), o acidente teria ocorrido ainda que o motorista tivesse observado a distância regulamentar de separação lateral ao ultrapassar.26

            A solução que melhor se apresenta para a análise da tipificação do delito e ainda no tocante à responsabilidade penal do agente que conduzia o caminhão é oriunda de decisão proferida pelo Tribunal Supremo Federal da Alemanha(BGHSt 11, p. 11 et seq) e comentada por GÜNTHER JAKOBS: "Há alguns dados que induzem a pensar que o ciclista, dada a sua embriaguez, tenha se assustado pelo ruído produzido pelo caminhão e, suponhamos isto para não complicar sem necessidade o caso, assustado, tenha feito um movimento reflexo lateral incontrolado de tal magnitude que a distância do caminhão já não tenha desempenhado papel algum na catástrofe. Se se aplica o princípio in dúbio pro reo, a decisão é clara: o motorista que leva a cabo a ultrapassagem, ao não manter a suficiente distância lateral, gera com seu comportamento um risco não permitido; entretanto, tal risco não está numa relação planificável com o susto que por causa do ruído sofrem os ciclistas ébrios, e tampouco o está com o fato de que estes resultem atropelados se realizam um movimento excessivo até um dos lados; pode ser que seja provável que as coisas sucedessem de outro modo, mas isso não está provado. Por conseguinte, o motorista do caminhão não teria de responder pela conseqüência sobrevinda, é dizer, por homícidio. Em favor do caminhoneiro teria que se partir da base de que o ciclista deveria atribuir-se o acidente a si mesmo como conseqüência da infração de seus deveres de autoproteção: participar do tráfego viário apesar de sua incapacidade para conduzir. Essa foi a sentença do Tribunal Supremo Federal, que manteve esta jurisprudência até o momento atual, sendo aplaudido por uma parte da doutrina".27

            Esta decisão do BGH fez história no Direito Penal.

            De outra banda, a corrente doutrinária defendida por CLAUS ROXIN28 e no Brasil por DAMÁSIO E. DE JESUS29, aponta no sentido de que no exemplo ora tratado, haveria nítida e cristalina imputação objetiva do resultado, respondendo o motorista pela morte do ciclista, em face da teoria do incremento do risco.

            Neste sentido, defendem a idéia de que enquanto não se revele que o comportamento não permitido nada aporte para a explicação, mas que somente tenha variado o risco para a vida daquele ciclista que fora atropelado, claro estará que o condutor do caminhão incrementou o risco de morte da vítima. Portanto, à luz desse entendimento, o motorista deverá responder pelo resultado(crime de homicídio).

            Adotando o mesmo entendimento, preconiza INGEBORG PUPPE que "el chófer del camión fue absuelto, pues, injustamente. Su absolución solo estaria justificada si se estuviese dispuesto a renunciar a todo tipo de imputación en ámbitos no determinados. El análisis de la estructura lógica de los procesos no determinados ha demostrado nuevamente que el requisito de la causalidad de la infracción del deber de cuidado justifica una absolución mucho menos frecuente que la que admite la praxis y también la doctrina dominante".30

            Diante dos antagônicos fundamentos apresentados pelos cultos penalistas defensores da teoria do incremento do risco, ouso me filiar à doutrina de GÜNTHER JAKOBS, corroborada pela jurisprudência alemã.

            Ora, relativo ao caso sub examen, a ausência de procedimentos prévios de segurança não explica um dano quando de maneira evitável o procedimento houvera resultado inútil.

            Necessário se faz nesta hipótese, invocar o princípio do in dubio pro reo, conduzindo à absolvição do motorista do caminhão, vez que não há como se comprovar de forma cabal que o resultado (morte do ciclista) pode ser atribuído ao comportamento do condutor do veículo.

            Eis em suma as discussões e fundamentos que envolvem o tema da teoria do incremento do risco.

            Por fim, a última vertente firmada por ROXIN com relação à imputação objetiva diz respeito à esfera de proteção da norma.

            Citado mestre alemão buscando a aperfeiçoar a terminologia jurídica, evitando assim eventuais confusões, decidiu adotar a expressão "alcance do tipo" para designar determinados grupos de casos.

            Assim, existem casos nos quais, apesar de a superação do risco permitido ter claramente elevado o perigo de que ocorresse um determinado curso causal, estará excluída a imputação do resultado.31

            Nesse passo, a imputação objetiva pode faltar, quando o resultado fica fora do âmbito de proteção da norma que o autor vulnerou mediante sua ação, já que em tal caso não se realiza no resultado o risco juridicamente desaprovado que criou o autor, senão outra classe de risco.32

            Em síntese, a imputação objetiva pode faltar se o resultado se encontra fora do âmbito da esfera de proteção da norma.

            O exemplo clássico para ilustrar o tema, diz respeito a dois ciclistas que dirigem no escuro, um atrás do outro, sem iluminarem as bicicletas. Por causa da ausência de iluminação, o ciclista da frente colide com um ciclista vindo em sentido oposto.

            Certamente, se o ciclista que vinha atrás estivesse iluminando o seu caminho, o terceiro ciclista teria evitado a colisão. Numa situação tal, a impossibilidade de imputação se dá em função da inexistência da obrigação de iluminar bicicletas alheias e que a norma que impõe o dever de trafegar com faróis acesos tem a finalidade de evitar sinistros com a pessoa do próprio condutor, e não de terceiros. Portanto, a não imputação do tipo de lesões corporais ou homicídio, decorreria, enfim, do fato de não se achar o resultado coberto pelo fim de proteção da norma.

            Em suma, o risco permitido exclui a imputação objetiva do resultado. Exclui, ainda, o tipo. Nestas hipóteses, trata-se de exclusão da tipicidade e não justificação.

            Outro exemplo seria aquele em que "A" atropela culposamente a "B", menor com 16(dezesseis) anos de idade, vindo este a sofrer graves lesões. A mãe de "B" fica sabendo do acidente e ao chegar ao local do fato vê o filho lesionado e sofre um colapso cardíaco vindo a falecer.

            Nesta hipótese, o resultado está fora da esfera de proteção da norma e "A" não responderá pela morte da genitora do menor atropelado.

            Ressalte-se por fim que referido critério adicional da imputação objetiva utiliza-se preferencialmente, no âmbito dos delitos culposos, onde uma série de circunstâncias mais ou menos imprevistas cooperam para a produção de danos diretos de algum modo previsíveis pelo sujeito.

            Já nos delitos dolosos aponta a doutrina no sentido de que não existe a possibilidade de reconhecimento deste critério já que todos os casos são reconduzidos aos de criação ou aumento do risco.


5. A imputação objetiva na visão de JAKOBS

            A teoria da imputação objetiva desenvolvida por GÜNTHER JAKOBS se encontra vinculada à idéia de que o sistema da teoria do delito deve tomar como ponto de referência a esfera de administração autônoma que corresponde ao cidadão, à pessoa.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

            Trata-se, pois, de um grande mecanismo de determinação de âmbitos de responsabilidade dentro da teoria do delito, que permite constatar quando uma conduta tem caráter objetivamente delitivo.

            A imputação objetiva é relativa a um comportamento, sendo ressaltada a importância dos papéis que as pessoas exercem na sociedade.

            Para JAKOBS a função do Direito Penal está na reafirmação da vigência da norma que o comportamento delinqüente violou.

            O Catedrático da Universidade de Bonn na Alemanha, GÜNTHER JAKOBS, define sua teoria acerca da imputação objetiva, partindo de quatro premissas básicas: o risco permitido, o princípio da confiança, a proibição de regresso e a competência ou capacidade da vítima.

            Cumpre-nos agora, uma breve análise sobre o sistema jakobsiano.

            O risco permitido é uma das bases do sistema de imputação de JAKOBS.

            Tudo o que se cria no mundo, de uma forma ou outra poderá importar em risco até mesmo ao seu criador. Verdadeiramente encontramos nos dias atuais enclausurados em uma sociedade de riscos. A ocorrência de perigo de dano é algo esperado como conseqüência natural de toda ação ou conduta humana.

            Chega-se à ilação de que as sociedades modernas são sociedades de risco.

            Assim, analisando o caráter ubíquo dos riscos permitidos (erlaubtes risiko), manifestou GÜNTHER JAKOBS no sentido de que " qualquer contato social implica um risco, inclusive quando todos os intervenientes atuam de boa-fé: por meio de um aperto de mãos pode transmitir-se, apesar de todas as precauções, uma infecção; no tráfego viário pode produzir-se um acidente que, ao menos enquanto exista tráfego, seja inevitável; um alimento que alguém serviu pode estar em mau estado sem que tenha sido possível dar-se conta disso; uma anestesia medicamente indicada, e aplicada conforme a lex artis, pode provocar uma lesão; uma criança pode sofrer um acidente a caminho da escola, ainda que se estabeleçam medidas de segurança adequadas".33

            Em face da realidade acima constatada, não podemos chegar à ilação de que referidas condutas ou contatos sociais devam ser evitados, vez que não há como se imaginar uma sociedade que não esteja exposta de forma direta ou indireta aos riscos.

            Surge como conseqüência natural dessa situação observada, a aceitação de que o risco inerente à configuração social deve ser inevitavelmente tolerado como risco permitido.

            Tal concepção decorre do progresso da sociedade, da evolução acelerada dos costumes, das crescentes descobertas feitas pelo homem e notadamente, no que se refere às invenções e descobertas de novas tecnologias nos diversos ramos de atividade (medicina, engenharia, aviação, transporte terrestre e marítimo, computação, etc).

            Para o funcionalismo radical de JAKOBS, ao se submeter o bem jurídico a uma situação de risco, este haverá de ser desvalorado pela norma a efeitos de uma eventual sanção: nem todo risco ou perigo é penalmente relevante. Assim, não forma parte do rol de qualquer cidadão eliminar todo risco de lesão de outro, pois existe claramente um risco permitido.

            O risco permitido deve ser entendido como uma conduta que cria um risco juridicamente relevante, mas que de um modo geral (independente do caso concreto) está permitida e, por isso, a diferença das causas de justificação exclui a imputação do tipo objetivo.34 Como exemplo, podemos citar o caso em que Paco apesar de conduzir veículo automotor observando as regras de trânsito, vem a atropelar Oscar; não haverá, malgrado a relação causal, a imputação objetiva do tipo de homicídio culposo, posto que Paco atuou dentro do risco permitido inerente ao tráfego urbano.

            Torna-se, pois, irrefutável a constatação de GÜNTHER JAKOBS ao aduzir que "um comportamento que gera um risco permitido é considerado socialmente normal, não porque no caso concreto esteja tolerado em virtude do contexto em que se encontra, mas porque nessa configuração é aceita de modo natural. Portanto, os comportamentos que criam riscos permitidos não são comportamentos que devam ser justificados, mas que não realizam tipo algum".35

            Por fim, cumpre estabelecer que a diferença entre risco permitido e proibido não está na gravidade do perigo e sim em que, às vezes, é lícito e em outras não o é.36

            Enquanto o risco pertence ao mundo natural, a permissão e a proibição determinam-se de acordo com as regras do ordenamento social.

            Importante vertente adotada dentro do sistema da imputação objetiva de JAKOBS refere-se ao princípio da confiança (vertrauensprinzip).

            A razão de sua formulação reside basicamente na razoável responsabilidade do ser humano.

            Parte-se da regra de que todas as pessoas são responsáveis e agem conforme as normas estabelecidas para a vida em sociedade (grupo social), visando como escopo principal, evitar danos ou prejuízos a terceiros.

            Pelo citado princípio, não se imputarão objetivamente os resultados produzidos por quem obrou confiando em que outros se manteriam dentro dos limites do perigo permitido.

            O princípio da confiança manifesta sua eficácia naqueles casos em que com a atuação infratora de um sujeito se misturam outros participantes na atividade de que se trate, nos quais se encontram imersos no mesmo perigo criado pela infração.37

            Sua efetiva aplicação se dá em especial nas questões afetas ao tráfego de veículos automotores, no trabalho em equipe de profissionais e na realização de conduta dolosa ou culposa por parte de terceiro.38

            Um dos exemplos trazidos pelos manuais de Direito Penal relata o caso em que um cirurgião opera a um paciente, que vem a morrer depois de poucos dias em conseqüência de uma infecção. As perguntas que surgem são evidentes e lógicas: é imputável ao médico a morte da vítima por infecção? Poderia se buscar a responsabilidade de um terceiro? Suponhamos que a atuação do médico (o desenvolvimento da operação cirúrgica) tenha sido perfeita, tendo este cumprido cabalmente as obrigações que lhe competiam. Mas, o que sucede se a infecção que desencadeou a morte do paciente se deve a não desinfecção do material empregado na operação? Seria da competência do médico inspecionar a correta esterilização do material, ou, pelo contrário, seria competência de terceiros (enfermeiras, etc)? Conforme o princípio da confiança, haverá que supor que razoavelmente o cirurgião "confia" que o material já havia sido previamente desinfetado por outros, em cumprimento de seus específicos deveres: não seria portanto competência do médico, e não lhe seria imputável o resultado.

            Por fim, sobre o princípio da confiança, resume JAKOBS: "Cuando el comportamiento de los seres humanos se entrelaza, no forma parte del rol del ciudadano controlar de manera permanente a todos los demás; de otro modo, no sería posible la división del trabajo. Existe un princípio de confianza".39

            Uma terceira instituição dogmática reconhecida no âmbito da imputação objetiva é a proibição de regresso ou proibição da ascendência.

            Os conceitos da proibição de regresso e da doutrina da proibição do regressus ad infinitum não devem ser confundidos. Assim, o conceito "clássico" da proibição de regresso não deve ser equiparado à moderna concepção conceitual adotada pela teoria da imputação objetiva. Na relação de causalidade objetiva, o regressus ad infinitum tem caráter absoluto, uma vez que o nexo causal não admite interrupção, resolvendo-se o problema com as teses da ausência de dolo, da relevância típica, etc. Na imputação objetiva, o princípio da proibição de regresso é relativo, admitindo exceções.

            A proibição de regresso é um critério para limitar a imputação de um resultado a certos comportamentos que podem ser causais, mas que estão fora do interesse do direito penal.

            Esta instituição dogmática denominada proibição de regresso (regrebverbot), tem sido qualificada como "a mais original" no pensamento jakobsiano.

            Com o escopo de ilustrar o tema, vejamos o seguinte exemplo: A esposa de um presidiário se dirige a uma padaria e compra um pão tipo "baguete". Suponha-se que haja de duas maneiras distintas: 1ª) confidencia ao padeiro que vai esconder um punhal no pão e entregar a seu marido na próxima visita, com o qual ele fugirá da cadeia mediante ameaça ao carcereiro; 2ª) solicita ao padeiro que confeccione um "baguete" especial, maior do que dos costumeiramente vendidos, esclarecendo que é para abrigar um punhal de grandes proporções, com o qual seu marido irá fugir da prisão. Indaga-se: O detento, usando a arma, foge da cadeia mediante ameaça de morte ao carcereiro. O padeiro responde pela fuga criminosa? Na primeira hipótese, não; na segunda, sim, de acordo com os princípios da proibição de regresso.40

            Imagine-se ainda a hipótese de quem vende armas de fogo em loja autorizada e legalmente registrada no comércio local. Logicamente, não pode ser responsabilizado pelos delitos porventura cometidos pelos compradores, face ao uso pernicioso e danoso das armas vendidas em seu estabelecimento comercial. Da mesma forma, o proprietário de um hotel, não pode ser incriminado pela prática de crimes contra os costumes, em razão de ter recebido como hóspedes, um casal que posteriormente se descobre tratar-se de pessoas envolvidas no comércio sexual.

            Tratam-se nos exemplos acima descritos, de ações denominadas por parte da doutrina como "neutras" ou "cotidianas", que se inserem no rol de atividades usuais e normalmente praticadas pelos agentes dentro de suas atividades diárias.

            Destarte, denota-se que pela teoria da proibição do regresso, o agente que desencadear com outra pessoa, relação de comportamento eivado pelo caráter da inocência (boa-fé), não poderá ser responsabilizado por atitude comportamental futura perpetrada por aquela, mesmo que referida conduta seja ilícita.

            A proibição de regresso tem uma capacidade de rendimento muito maior daquela a que se atribui, vez que ela demonstra justamente a autonomia do ilícito de participação, tanto na sua dimensão interna como externa.

            Sobre o assunto, de modo claro e conciso, preleciona ANDRÉ LUÍS CALLEGARI que "conforme a teoria da proibição de regresso, deve-se renunciar aos resultados que se obtenham com a teoria da equivalência a respeito daquelas condições nas quais, para a produção do resultado, mediou a atuação dolosa e culpável de um terceiro. Ditas condições não cumprem nenhum tipo objetivo de autoria; por conseguinte, em caso de imprudência, sua criação é impune, e, havendo dolo, ficam abarcadas pelas ampliações do tipo de autoria: os preceitos relativos à participação".41

            Importante mencionar que a regra de uma conduta dolosa posterior excluir a imputação objetiva de comportamento anterior, não se reveste de caráter absoluto.

            Segundo CLÁUDIA LÓPEZ DÍAZ, "cede a hipótese de o autor anterior encontrar-se na posição de garante".

            Exemplifica a citada penalista colombiana, citando o caso do suicídio passional. Suponha-se, numa hipótese sentimental, que a esposa ameace matar o filho comum, a tiros de revólver se o marido, a quem ama apaixonadamente, abandonar o lar. Ele, descuidadamente, deixa uma arma de fogo a seu alcance e anuncia o rompimento definitivo, saindo de casa. Ela cumpre o prometido e mata a criança. Ele responde pelo resultado (a título de culpa), tendo em vista sua posição de garantidor da proteção do menor.42

            Chega-se à ilação de que existe de forma relativa a proibição de regresso na imputação objetiva, na qual "um comportamento anterior considerado inócuo não pode ser considerado co-autoria ou participação em conduta futura proibida, tratando-se de fato antecedente atípico".43

            Em resumo e concretizando esta breve análise sobre a proibição de regresso, assinala GÜNTHER JAKOBS que "el carácter conjunto de un comportamiento no puede imponerse de modo unilateral-arbitrario. Por tanto, quien asume con outro un vínculo que de modo estereotipado es inócuo no quebranta su rol como ciudadano, aunque el outro incardine dicho vínculo en una organización no permitida, pues no es posible ascender a aquél en este âmbito de la organización no permitida. Por conseguiente, es de reconoscer la existência de una prohibición de regreso, pues un comportamiento que de modo estereotipado es inocuo no constituye participación en una organización no permitida".44

            Como último princípio limitador da imputação objetiva no modelo de JAKOBS, a competência ou capacidade da vítima se resume no atuar da vítima a seu próprio risco, sendo que em determinadas situações ocorre a exclusão da imputação objetiva.

            Portanto, em certas atividades perigosas, algumas pessoas se dispõem a executá-las assumindo os riscos existentes.

            Se a vítima resulta lesionada por ter infringido os deveres de auto-proteção ou por atuar de maneira incompetente, o resultado lesivo lhe será imputável.

            Citando um exemplo prático, vejamos o caso de uma pessoa que resulta lesionada ao manejar uma máquina. Nesta hipótese, o agricultor adquiriu para sua fazenda uma máquina nova. Um dos peões que ali trabalha, diante de enorme curiosidade, resolve "mexer" na máquina, resultando ferido.

            A intervenção dolosa ou negligente do peão deverá ser analisada como causa do resultado, que deverá ser considerado como um caso fortuito ou azar, em virtude do princípio da competência da vítima. Assim, não se imputará o resultado ao agricultor dono da fazenda.

            A verdadeira beleza do sistema de JAKOBS está não só em sua teoria da imputação objetiva, mas nos reflexos que esta teoria provoca no restante da teoria do crime, e na precisão e harmonia com que cada problema é resolvido, sempre se levando em conta tais efeitos colaterais.45

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Flávio Cardoso Pereira

promotor de Justiça em Goiás, pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Flávio Cardoso. Tem futuro a imputação objetiva?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 988, 16 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8109. Acesso em: 18 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos