Introdução
O artigo em discussão tem como tema: A Constituição da República de Moçambique: Uma análise crítica sobre as normas supraconstitucionais no ordenamento Jurídico Moçambicano, de salientar que de forma específica tema tem seguintes objectivos:
Analisar o artigo 18 da CRM face as normas norma supraconstitucionais; Discutir as teorias que defendem as normas supraconstitucionais; Criar equilíbrio das normas supraconstitucionais com as infraconstitucionais no ordenamento jurídico moçambicano. No que tange a justificativa, o tema é relevante e traz uma actualidade e destina-se toda sociedade e sobretudo aos cultores de Direito Constitucional. Com o presente tema pretende-se clarificar o significado da Soberania e a sua supremacia em todas vertentes. Também pretende-se incutir aos Estados ao nível de mundo que não existe um que é pequeno na esfera internacional em relação ao outro independentemente da sua economia[1].
Assim, importa explicar que esta discussão teve a sua génese na sala Magna da Universidade Católica de Moçambique na faculdade de Direito, em Moçambique, na cidade de Nampula, no curso de Doutoramento em Direito Público, módulo de Metodologia Jurídica. Esta discussão entre os Doutorandos surgiu duas posições com pensamentos antagónicos: Sendo, um defendia a supremacia das normas constitucionais e outro defendia com base no ordenamento jurídico-constitucional moçambicano que as normas do Direito internacional depois da sua ratificação na Assembleia da República são infraconstitucionais. Esta discussão e foi alargada até levantou muitos comentários no grupo do Watsapp dos Doutorandos, mas sem a conclusão plausível.
No que refere a organização, como não existe uma forma específica sobre o artigo científico, fincando a mercê de qualquer linha editorial, mas para este obedece a seguinte: Nota introdutória, o desenvolvimento dos conteúdos e finalmente as considerações finais. Desta feita, começamos com alguns conceitos básicos com vista a nos abrirem horizontes principais para a discussão profunda.
- Direito Constitucional e a sua origem histórica
Nos termos de definição, o Direito Constitucional é a parcela da ordem jurídica que rege o próprio Estado enquanto comunidade e enquanto poder[2]. É o conjunto de normas (regras e princípios) que recortam o contexto jurídico correspondente a comunidade política como um todo e aí situam os indivíduos e os grupos, uns em face dos outros e perante Estado-Poder e que, ao mesmo tempo definem a titularidade do poder, os modos de formação e manifestação da vontade política, os órgãos de que esta carece e os actos em que se concretiza.
Chama-se também Direito político, por essas serem normas que se reportam directa e imediatamente ao Estado, que constituem o estatuto jurídico do Estado ou do político, que exprimem um particular enlace da dimensão da dimensão política e da dimensão jurídica das relações entre os homens.
Qualquer Estado, em qualquer época e lugar, postula sempre normas com a tal função. O que não podem deixar de variar, a extensão e alcance dessas normas e as funções conexas ou complementares que se lhes prendam. E variam, não apenas em virtude das condições gerais de conservação ou de modificação do ordenamento, mas sobretudo em virtude dos fins e dos modos de exercício do poder e das posições recíprocas de governantes e governados (em que consistem os regimes, as formas de governo, os sistemas políticos).
Falando em Direito Constitucional, pensa-se mais na regulamentação jurídica, no estatuto, na forma de Direito que é a constituição. Falando em Direito político pensa-se mais no objecto da regulamentação.
Como a constituição nesta acepção se afigura inerente ao conceito ou indissociável da existência do Estado, dir-se-ia de todo em todo indiferente empregar o primeiro ou segundo qualitativo. Mas não é tanto assim, porque cabe proceder a uma delimitação resultante de experiência histórica e exigida pelas necessidades de estudo.
Na verdade ninguém ignora o marco representado na história do Estado e do Direito público pelas revoluções dos séculos XVIII e XIX e suas sequelas, as quais puseram termo ao Estado absoluto e abriram caminho a um novo modelo ou tipo de organização política. O Estado constitucional, representativo ou de Direito. E, doravante, do que se trata é, justamente do Direito que aparece ligado a uma constituição (escrita salvo na Grã-Bretanha), do Direito que se encontra numa constituição com um conteúdo determinado e com uma forca jurídica diversa da dos outros corpos de normas de ordenamento.
O Direito constitucional provém do constitucionalismo moderno; e mesmo quando, como sucede em numerosos países no nosso tempo, se distancia muitíssimo das linhas ideológicas iniciais deste, está associado a noções de constituição material, formal, e instrumental antes desconhecidas. É o Direito constitucional assim balizado que se torna, por seu turno, alvo de um tratamento científico e didáctico especializado aquele que leva a cabo a ciência do Direito constitucional e a que não pode comparar-se o rudimentar e vago tratamento do procedente Direito público[3].
Por outro lado, não raro, ao adoptar-se a expressão Direito político segue-se uma visão restritiva do seu âmbito, circunscrevendo –o à organização e a limitação jurídica do poder político. Ou seja: reduz-se ao Direito político ao Direito de Estado-poder e relega-se para fora ou para diferentes zonas tudo quanto concerne ao Estado-comunidade. Porém, esta maneira de entender deve ter-se por insatisfatória, pois não poder haver estatuto de poder sem estatuto da comunidade política a que se reporta, nem limitação da autoridade dos governantes sem consideração da liberdade dos governados.
A Constituição é tanto Constituição política como constituição social, não se cinge a ordenação da vida estatal (em sentido estrito). Nem se quer o Direito constitucional do século XIX se confiava aos órgãos e agente do poder político; ele era, além disso (ou através disso) um Direito dos cidadãos diante do poder- ao garantir direitos e liberdades individuais e a incluir neles como a propriedade, intervinha, pelo menos negativamente, na sociedade.
E, como se reconhece à vista desarmada, as constituições actuais contemplam larguíssimos aspectos e áreas da dinâmica económica, social e cultural em interacção com o Estado.
O alargamento do fenómeno político para além e para a cima do Estado e a sua recorrentemente citada crise não põe em causa o Direito constitucional enquanto Direito da Constituição, porque a Constituição é o acto fundamental de ordenamento jurídico e pressupõe um poder originário, poder constituinte.
1.2 As características do Direito Constitucional
O mais profundo conhecimento preliminar do Direito Constitucional sem ainda ter chegado ao momento do seu estudo pormenorizado deve ser apoiado pela apreciação dos traços distintivos que permitem a respectiva singularização no contexto mais vasto do Direito em que o mesmo se integra. Essa nem sequer é uma observação isenta de olhos num momento em que aquele conhecimento é superficial, embora uma breve alusão a essas características decerto faculta avançar-se um pouco mais na perspectiva dilucidação.
Várias são as características que podemos elencar, cada uma delas carecendo de uma explicação breve, iluminando um pouco mais os meandros do Direito Constitucional:[4]
- Supremacia; b)Transversalidade; c)Politicidade; d)Estadualidade; e) Legalismo; f)Fragmentarismo; g) Juventude; h)Abertura;
Antes, porém de indagarmos o sentido de cada uma destas características, interessa situar o Direito Constitucional no contexto dos grandes compartimentos da ordem jurídica e aí proceder à respectiva localização.
Está sobretudo em questão a dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado, a qual tem sido o grande factor de especialização jurídico – científica, mas igualmente de orientação formal-pedagógica no Direito interno.
Qualquer um dos critérios que, ao longo do tempo, têm sido propugnados para defender a operatividade desssa summa divisio é válido para inserir o Direito Constitucional no Direito Público, não se suscitando a este propósito qualquer dúvida:
- É um sector do Direito que claramente avulta interesse público, na medida em que nele se estabelecem as máximas orientações da vida colectiva sob a responsabilidade do Estado;
- É um sector do Estado que especialmente regula o poder público, bem como as suas relações com as pessoas e os outros poderes, sendo assim esse o seu objecto normativo primacial;
- É um sector do Direito que posiciona o poder público na sua veste de suprema autoridade suprema soberana, atribuindo-lhe as mais amplas faculdades normativas que se reconhece.
A primeira das características referenciadas é da supremacia que o Direito Constitucional ocupa dentro da Ordem Jurídica.
Não é mais possível equacionar o Direito Positivo sem nele ao mesmo tempo ver uma estrutura hierarquicamente organizada, em que se depara uma existência de diferentes patamares normativos, compostos por outros tantos conglomerados de normas e de princípios jurídicos – positivos.
Olhando para este escalonamento da Ordem Jurídica, o Direito Constitucional, enquanto à respectiva força jurídica, assume uma posição suprema, colocando-se no topo da respectiva pirâmide, desse facto decorrendo importantes corolários[5].
A localização no cume da hierarquia da Ordem Jurídica, implica que o respectivo sentido ordenador não possa ser contrariado por qualquer outra fonte, que lhe deve assim a obediência, tal facto se traduzindo na ideia de conformidade constitucional ou de constitucionalidade.
Esta forma suprema não se mostra apenas concebível numa óptica substantiva, dada essa localização no topo da Ordem Jurídica. Ela é também adjectiva, ao igualmente implicar a adopção de mecanismos de verificação dessa supremacia, assim como a determinação de consequências negativas para os actos e os comportamentos que violem aquele Direito Supremo.
Aquela supremacia – que é hierárquico-normativa- não se pode confundir, com tudo, com qualquer putativa ilimitação material das opções do Direito Constitucional, as quais se perspectivam dentro das condições axiológicas a que necessariamente se encontra adstrito.
O posicionamento do Direito Constitucional no cimo do Ordenamento Jurídico não pode também reflectir-se numa perspectiva material, o que automaticamente faz transparecer a transversalidade das matérias que o atravessam.
É que, por força desse lugar eminente, ao Direito Constitucional defere-se uma preocupação de traçar as grandes opções de certa comunidade política, o que determina a sua relação com múltiplos temas, que nos dias de hoje, se mostram relevantes a convivência colectiva, o que, aliás, se revela em número progressivamente maio, que bem se compreende na hodierna e inevitável intensificação regulativa.
A transversalidade que se expressa nestas muitas conexões com tantos lugares na Ordem Jurídica foi bem identificada por um professor de origem italiana, refugiado na Suíça e depois radicado na França, no século XIX, POLLEGRINO ROSSI, ao considerar que o Direito Constitucional seria um posto “têtes chapitre” da Ordem Jurídica.
Decerto que esta transversalidade traz dificuldades acrescidas nas tarefas de harmonização com zonas fronteiriças de outros ramos de Direito, sobretudo na utilização de conceitos que sejam oriundos de outras paragens, não se podendo olvidar ainda a maior complexidade das tarefas hermenêuticas que lhe estão associadas.
Características que igualmente no Direito Constitucional, mas que também por certo lhe aumenta o seu encanto científico, é da sua politicidade, resultado evidente por o seu objecto ser estatuto do poder público.
A perspectiva a frisar aqui, Porém, não é tanto a da natureza desse objecto quanto sobretudo a das implicações que tal facto se projectam sobre a definição do regime jurídico que vai estabelecer.
Essa politicidade impõe a necessidade suplementar de se estar mais atento à proximidade entre as situações juridicamente reguláveis pelo Direito Constitucional e aquelas que devem manter-se no campo puro da Política: mesmo no caso da intervenção do Direito Constitucional, é por vezes de aceitar que aí a decisão possa ser livremente determinada por critérios políticos, não juridicamente controláveis ao nível dos respectivos parâmetros próprios.
Em resumo: pode aqui residir uma dificuldade acrescida, nem sempre fácil de transpor, de perceber os casos que devem ser deixados ao livre jogo de actividade política, assim dispensando ou aliviando a intervenção jurígena que necessariamente o Direito Constitucional acarreta, para além de outros problemas que surjam associados às tarefas especificamente interpretativas[6].
1.2Estadualidade do Direito Constitucional
Traço que paralelamente não pode ser olvidado é o da estadualidade que impregna o Direito Constitucional, por ser este, um passo, sujeito e objecto do próprio Estado.
Claro que não se desconhece que o Direito não tem uma pertença necessariamente estadual, até se valorizando, nos tempos mais recentes, as preocupações pluralistas da Ordem Jurídica, que no domínio das fontes, quer no domínio das entidades que são submetidas ao império do Direito e que o aplicam.
Contudo, sem dúvida que o Direito Constitucional ostenta uma estadualidade intrínseca, sendo por ventura o mais estadual dos sectores jurídicos, ao representar a radicalidade da soberania estadual, daí decorrendo sua a projecção na modelação da pertinência dos outros ordenamentos jurídicos que não tenham uma origem estadual[7].
Ao nível das fontes do Direito em geral, o Direito Constitucional expressa ainda uma específica tendência no mundo como se sublinha a importância relativa de uma delas na produção das normas e dos princípios constitucionais, sendo influenciada por uma concepção legalista.
Inevitalmente que o Direito Constitucional assenta uma visão de cunho legalista, pois que o acento tónico, na relevância que é conferida às respectivas possíveis fontes normativas, recai sobre a lei, sendo até este sector do Direito o resultado de uma intenção particular de disciplinar o poder público, bem como os espaços de autonomia das pessoas que o mesmo serve.
Assim é, desde logo, por razões históricas, uma vez que o Direito Constitucional- paralelamente a codificação que representou-se estabeleceu contra um Direito essencialmente consuetudinário na preocupação de rasgar com o passado monárquico – absolutista triunfante até ao século XVIII.
Assim é, por outro lado, por razões estratégicas, tendo em atenção a função específica que está atribuída ao Direito Constitucional na regulação do poder público, porquanto se pretende, com a precisão possível, limitar o seu exercício, tarefa muito mais espinhosa-para não dizer impossível se feita por uma via consuetudinária ou jurisprudencial[8].
Assim é, por fim, por razões filosófico-politicas, na medida em que o Direito Constitucional esteve e está associado à expressão democrática da soberania, que dificilmente se pode revelar em actos jurisdicionais ou que, nos actos costumeiros, não pode representar-se quantitativamente nas maiorias, que são apenas viáveis nas deliberações apropriadas à produção das leis.
Em razão da sua função ordenadora, O Direito Constitucional apresenta-se do mesmo modo como fragmentário, pois que não leva a cabo uma regulação exclusivistas das matérias constitucionais, em face da congénita essencialmente regulativa que o acompanha.
Tal fragmentarismo significa que raramente complete ao Direito Constitucional efectuar uma regulação completa das matérias sobre que se debruça deixando muitos dos seus elementos de regime a outros níveis reguladores, aparecendo como um sector mínimo fundamental, no qual se estabelecem, ao nível da cúpula, os fundamentos dos diversos institutos jurídicos públicos e privados.
Obviamente que esta característica nem sempre se apresenta com a mesma intensidade e a perspectiva qualificação pode estar estritamente relacionada com o facto de haver matérias mais tipicamente constitucionais do que as outras, para tal contribuindo cada opção no sentido de uma forte ou fraca constitucionalização material e formal das questões que são chamadas à respectiva órbita regulativa.
O critério temporal na apreciação de um ramo do Direito não deixa de ser importante, já que a duração da respectiva vida autónoma inelutavelmente se reflecte nos resultados a que possa chagar-se.
É indubitável que o Direito Constitucional-juntamente com muitos outros ramos do Direito Público, como é o caso do Direito Administrativo, seu contemporâneo, e do Direito Internacional Público, aparecido algum tempo antes-comungam de uma mesma juventude na respectiva elaboração pelo pouco tempo que medeia entre a sua criação moderna e a actualidade.
As consequências não deixam de se sentir, em primeiro lugar, numa actividade doutrinária e jurisprudencial não tão abundante e sedimentada quanto sucede com os ramos jurídicos mais antigos, com profundos lastros históricos- culturais, a mergulhar nas profundezas de outras épocas históricas, como antiguidade clássica e a Idade Média[9].
No entanto, a principal consequência a salientar reside na ideia de não ser possível lidar com conceitos e soluções testadas há muitos séculos, os quais sobreviveram à experiência do tempo e das circunstâncias, tal verificação podendo trazer o perigo de adicionais factores de debilidade dogmática nas soluções a encontrar.
Cumpre finalmente considerar que o Direito Constitucional pode beneficiar de um traço de abertura, que o faz permeável aos influxos de outros ramos normativos, estando muito longe de ser um sistema normativo fechado.
Isso é essencialmente verdadeiro a partir da consideração do respectivo caracter fragmentário, porquanto para certas matérias não é o Direito Constitucional uma disciplina unitária, em larga medida sendo esse papel dificultado pelo seu cunho transversal e plurimaterial.
Em termos práticos, o Direito Constitucional aceita complementaridades e recepções de outros ordenamentos, internacionais e internos, e com, eles mantém relações intersistemáticas que não podem ser desprezadas, sobretudo na parte dos direitos fundamentais[10].
2.1 A relação entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional Público
Se o Direito Internacional Público é o sector do Direito que estabelece as normas e os princípios que disciplinam a organização e actividade dos membros da sociedade internacional, enquanto actuam nessa órbita e assistidos de poder público, ao Direito Constitucional compete a definição da relevância desse Direito na ordem Interna, não só no modo da sua inserção e no respectivo lugar hierárquico, bem como os diversos poderes das pessoas colectivas internas no que respeita à participação nas relações internacionais, com a natural relevância que é dada ao Estado, entidade mais proeminente nas relações internacionais[11].
Segundo André Goncalves Pereira e Fausto de Quadros, perfilham a orientação formal e definem o Direito Internacional é o conjunto das normas jurídicas criadas pelos processos de produção jurídica próprios da Comunidade Internacional, e que transcendem, o âmbito estadual.
Ainda aqui se depara um critério falível, uma vez que tem a desvantagem de reduzir este sector jurídico a uma dimensão meramente formal, como se não houvesse dimensões materiais e subjectivas a levar em consideração[12].
Por outro lado, esta definição confronta-se com a dificuldade de no Direito Internacional não houver apenas fontes que lhe sejam privativas: o costume, uma das mais relevantes fontes internacionais, não é estruturalmente diverso do costume interno, pelo que, por este critério, nunca poderia ser qualificado como fonte do Direito Internacional.
2.2 As concepções doutrinárias na relação do Direito Internacional com o Direito Interno
O estabelecimento de princípios e normas de Direito Internacional, no plano da sociedade Internacional, não se afigura, por si só, suficiente para garantir a respectiva efectividade.
Sendo participado por uma multiplicidade de sujeitos que dispõem de ordenamentos jurídicos próprios, somente através da sua inserção na Ordem Internacional de cada um deles o Direito Internacional se afigura fiável do ponto de vista do seu dirigismo normativo[13].
Numa feição político-doutrinário, que se destina a avaliar o tipo de relações que são susceptíveis de serem praticadas entre estes dois conjuntos normativos, duas são as grandes teorias que se têm digladiado entre si, segundo pressupostos diversos que desembocam também em resultados distintos: A teoria dualista e a teoria monista.
O dualismo- derivação do voluntarismo e defendido por autores como HEINRICH TRIEPEL, na Alemanha, e DIONISIO ANZILOTTI, na Itália, sendo a corrente mais antiga de todas- afirma que o Direito Internacional e o Direito Estadual são duas ordens jurídicas radicalmente distintas, que não se podem misturar, numa tese que se apoia em vários argumentos:
- Na diferença das fontes: enquanto no plano interno sobressai a lei, como acto jurídico-público de feição unilateral, no plano internacional, vai prevalecendo mais e mais o tratado que tem uma raiz contratual e não unilateral;
- Na diferença dos sujeitos : enquanto que no plano interno as fontes normativas se aplicam a uma multidão de entidades jurídicas, públicas e privadas, singulares e colectivas, no plano internacional o conjunto dos sujeitos é restrito a uma dimensão ainda demasiadamente institucional, composta por entidades de Direito público;
- Na diferença de mecanismos garantísticos: enquanto no plano interno os mecanismos de coerção funcionam com eficácia, a partir dos tribunais, apoiados depois nas forças policiais e nas armadas, no plano internacional, a estrutura jurisdicional, ainda que existente, é bastante frágil, sendo poucos os mecanismos de aplicação das respectivas sanções.
O próprio HEINRICH TRIEPEL não deixa de ser impressivo na metáfora que utiliza para simbolizar a necessidade de colaboração do Direito Interno no sentido de dotar o Direito Internacional de efectividade, comparando este a um marechal de guerra que, no terreno da batalha, só pode dar ordens aos outros generais, dependendo da sua colaboração (os Direitos internos), ao transmitirem tais ordens aos respectivos soldados, só assim se tornando viável ganhar a contenda[14].
O monismo, que conta hoje com o maior número de adeptos, frisa pelo contrário, os diversos aspectos que têm feito aproximar as naturezas do Direito Internacional e do Direito Estadual, exactamente naqueles mesmos argumentos.
- Na proximidade das fontes se é verdade que os tratados internacionais enquanto tal, não têm paralelo no Direito Estadual, não é menos verdade que, ao nível interno, há sinais de intensa “ contratualização legislativa”, para além do facto de no Direito Internacional serem relevantes outras fontes, como o costume que é estruturalmente idêntico ao costume interno, que também se considera aplicável;
- Na coincidência de sujeitos: não pondo em causa o maior pendor institucional do Direito Internacional, não se pode também dizer que outros sujeitos, como a pessoa humana, não sejam directos destinatários dos actos jurídicos – públicos que ele próprio dimana;
Na diversificação dos mecanismos de garantia: o ponto de partida quanto à perfeição do aparelho estadual de coerção nem sempre é verdadeiro, com recurso cada vez mais frequente às soluções arbitrais, ao mesmo tempo que, no plano internacional, se tem privilegiado a consolidação das estruturas jurisdicionais, de que o recente Tribunal Penal Internacional vem a ser exemplo.
Não deixa de ser exemplar a defesa que HANS KELSEN faz do monismo entre o Direito Internacional e o Direito Interno, simultaneamente criticando o dualismo; Esse dualismo contradiz o conteúdo do Direito Internacional, já que o próprio Direito Internacional estabelece uma relação entre as suas normas e as normas das diferentes ordens jurídicas nacionais. Se o Direito Internacional for considerado uma ordem jurídica válida, a teoria pluralista está em contradição com o Direito positivo. No entanto, os representantes dessa teoria aceitam o Direito Internacional como Direito positivo[15].
2.3 As correntes doutrinárias monistas em especial
Sendo hoje as correntes monistas sem dúvida as correntes dominantes na concepção científica acerca da relevância do Direito Internacional no Direito Interno, não deixa de ser importante falarem, no entendimento que oferecem quanto à posição recíproca de ambos os ordenamentos, uma vez ligados entre si. Duas têm sido as orientações sugeridas:
- Monismo com primado de Direito Interno: é uma doutrina que tem sua raiz no voluntarismo estadual, que na teoria como na prática conduz à negociação do próprio Direito Internacional, não podendo ter hoje a aceitação;
- Monismo com primado de Direito Internacional: é uma orientação que reflecte a posição de que, em crítica aquele voluntarismo, se aceita a prevalência do Direito Internacional sobre o Direito Interno, tendência que hoje vai conquistando uma esmagadora maioria de adeptos.
3. A infra constitucionalização das normas internacionais no ordenamento jurídico moçambicano
Os arts. 6 e 98, delimitando o território estadual e aludindo aos direito nos espaços internacionais; Os arts. 17, 19, 20, 21, e 22, estipulando diversas orientações e princípios em matérias de relações internacionais; Os arts. 18, definindo o regime da incorporação do Direito Internacional no Direito interno moçambicano; os arts. 43, oferecendo normas e princípios de Direito Internacional na interpretação e aplicação dos direitos fundamentais; os arts. 162, al. b), conferindo ao Presidente da República competência para celebrar tratados internacionais; os arts. 179, als. e), t) e u), conferindo a Assembleia da República competência para aprovar e ratificar tratados internacionais; A elaboração das convenções internacionais a luz da CM deve apoiar-se neste summa division: Os tratados de um lado, e os acordos, do outro. Os tratados internacionais respeitam sempre a competência política -legislativa da Assembleia da República, sendo as suas fases assim desenhadas:
- Pré-negociação pelo Governo: “compete, nomeadamente, ao conselho de Ministro: (…) Preparar a celebração de tratados internacionais”. Negociação e adopção pelo Presidente da República: “No domínio das relações internacionais, compete ao Presidente da República: (…) celebrar tratados internacionais”[16]
- Aprovação pela Assembleia da Republica: “compete a Assembleia da Republica legislar sobre as questões básicas da política interna e externa do país: (…) ratificar e denunciar os tratados internacionais” e “ratificar os tratados de participação de Moçambique nas organizações internacionais de defesa”. Os acordos internacionais respeitam sempre a competência política legislativo-administrativo do Governo, sendo as suas fases assim delineadas, aqui se assinalando que não se subdistingue entre a aprovação e a ratificação, só esta oferecendo autonomia, certamente por ambas as fases, teoricamente autonomizáveis, recaírem sob a responsabilidade do mesmo órgão, que e o Governo: “compete, nomeadamente, ao conselho de Ministro (…) …celebrar, ratificar, e denunciar acordo internacionais, em matérias da sua competência governativa’’. Mantendo-se na tónica quase constante do Estados Africanos de Língua Portuguesa, o Direito constitucional Internacional de Moçambique que opera a distinção entre tratados e acordos internacionais, sem nunca, contudo, se adiantar na respectiva dilucidação.
Assim sendo, pode dizer-se, com segurança, que o tratado internacional é mais solene em comparação com o acordo internacional: O tratado internacional e negociado e adoptado com a intervenção do Presidente da República, com a devida e prévia preparação efectuada pelo Governo, ao que se segue a aprovação e a ratificação da Assembleia da República, além de o tratado internacional respeitar a matéria da competência Assembleia da República, além de o tratado internacional respeitar a matéria da competência político – legislativa deste órgão parlamentar; O acordo internacional, sempre da competência do Governo, é do foro deste órgão de soberania em todas as suas fases de conclusão, além de respeitar a matéria da sua competência legislativo-administrativa[17].
4. Considerações finais
Com o tema deste artigo científico concluiu-se que, o Direito Constitucional é um ramo do Direito Público e tem uma expressão pragmática com a Constituição, pois ela é a Lei fundamental dentro dum Estado. Como é de praxe, cada Estado concebe a sua Constituição de acordo com a sua realidade sociocultural, económica e política. Como é sabido que com a realização da Revolução Burguesa Francesa em 1789 a expressão da democracia[18] começa a ganhar um espaço amplo no prisma Internacional. Assim, o Direito Constitucional não é uma disciplina isolada, eis a razão de ter uma relação com as outras ciências no âmbito da interdisciplinaridade, mas para a situação em causa a sua relação com o Direito Internacional não deve ferir aqueles as directrizes da Constituição de Moçambique, pois é taxativa quanto a isso. No que tange a teoria monista em especial ao dar a relevância o Direito Internacional é concernente a matéria que ele trata, e por coincidência de substância são acolhidas no ordenamento jurídico.
Nestes termos, a relevância preconizada aqui não significa que é uma hierarquia superior face a constituição de Moçambique e também corroboramos com o Professor Catedrático Jorge Bacelar Gouveia que tudo leva a crer que a distinção em causa se apoia em duas dimensões igualmente presentes: uma dimensão material, que se relaciona com a importância das matérias; e uma dimensão de competência, a qual tem que ver com as entidades intervenientes na respectiva conclusão[19]. Desta feita, a constituição moçambicana ao colocar as normas do Direito Internacional no seu ordenamento jurídico como as infraconstitucionais é por questão dos procedimentos jurídicos que o Estado se vincula e não pelo desprezo dessas normas. Portanto, não colocando em causa as normas supraconstitucionais pela sua relevância devido as matérias que trata e por preservar a humanidade face as opressões dos governantes ditadores, mas nos termos de hierarquia de forma inequívoca, inadiável são infraconstitucionais[20] e o seu modo de recepção obedece os limites preconizados pela Constituição da Republica de Moçambique, pois, ao contrário disso seria a violação do princípio de não ingerência nos assuntos internos.
Bibliografia
1.Legislação
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Assembleia da República, Constituição da República de Moçambique, (alterada pela Lei nº 1/2018 de 12 Junho) in Boletim da República, I Série Número 115, de 12 de Junho.
2.Doutrina
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional: O Estado e os sistemas constitucionais, Tomo I,1, 10ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014.
GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 4ª Edição, Editora Almedina, Coimbra, 2013.
GOUVEIA, Jorge Cláudio de Bacelar, Direito Constitucional de Moçambique, 1ª Edição, Editora Instituto do Direito de Língua Portuguesa, Maputo, 2015.
[1] Vide os artigos 17, 18 e 43 da CRM.
[2] MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional: O Estado e os sistemas constitucionais, Tomo I,1, 10ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp.13-14.
[3] MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional: O Estado e os sistemas constitucionais, Tomo I,1, 10ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p.15.
[4] GOUVEIA, Jorge Cláudio de Bacelar, Direito Constitucional de Moçambique, 1ª Edição, Editora Instituto do Direito de Língua Portuguesa, Maputo, 2015, p.33.
[5] GOUVEIA, Jorge Cláudio de Bacelar, Direito Constitucional de Moçambique, 1ª Edição, Editora Instituto do Direito de Língua Portuguesa, Maputo, 2015, pp.34-35.
[6] GOUVEIA, Jorge Cláudio de Bacelar, Direito Constitucional de Moçambique, 1ª Edição, Editora Instituto do Direito de Língua Portuguesa, Maputo, 2015, p.36.
[7] GOUVEIA, Jorge Cláudio de Bacelar, Direito Constitucional de Moçambique, 1ª Edição, Editora Instituto do Direito de Língua Portuguesa, Maputo, 2015, p.36.
[8] GOUVEIA, Jorge Cláudio de Bacelar, Direito Constitucional de Moçambique, 1ª Edição, Editora Instituto do Direito de Língua Portuguesa, Maputo, 2015, p.37.
[9] GOUVEIA, Jorge Cláudio de Bacelar, Direito Constitucional de Moçambique, 1ª Edição, Editora Instituto do Direito de Língua Portuguesa, Maputo, 2015, p.38.
[10] GOUVEIA, Jorge Cláudio de Bacelar, Direito Constitucional de Moçambique, 1ª Edição, Editora Instituto do Direito de Língua Portuguesa, Maputo, 2015, p.39.
[11] Idem, p.41.
[12]GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 4ª Edição, Editora Almedina, Coimbra, 2013, p.33.
[13] Idem, pp.381-382.
[14] GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 4ª Edição, Editora Almedina, Coimbra, 2013, p.383.
[15] GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 4ª Edição, Editora Almedina, Coimbra, 2013, p.384.
[16] Artigos 18, 43, 98,162, 179 da CRM.
[17] GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 4ª Edição, Editora Almedina, Coimbra, 2013, p.364-366.
[18] Esta Expressão na Constituição moçambicana começa a ser desenvolvida com a constituição de 1975 sob ponto de vista realístico, mas ganha ímpeto com as constituições de 1990, 2004 e com a nova Constituição aprovada através da Lei nº1/2018 de 12 de Junho.
[19] GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 4ª Edição, Editora Almedina, Coimbra, 2013, p.364.
[20] Vide, artigos 17-18 da CRM.