A natureza jurídica da teoria da perda de uma chance

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O presente trabalho, tem como tema central a responsabilidade civil pela perda de uma chance, com o principal objetivo em analisar os critérios de sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, em particular sua a natureza, a verificação sobre a atual

RESUMO

O presente trabalho, tem como tema central a responsabilidade civil pela perda de uma chance, com o principal objetivo em analisar os critérios de sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, em particular sua a natureza, a verificação sobre a atual recepção da teoria de perda de uma chance no direito brasileiro; a identificação da forma de determinação de qual a modalidade de dano a mesma se enquadra caso seja aplicada a teoria no caso concreto. A perda de uma chance é a frustração de uma oportunidade de obter um benefício, esperada pela vítima, caso não houvesse o corte abrupto em decorrência do ato do lesante, que gera o dever de indenizar, ainda se tratando única e exclusivamente da teoria típica da perda de chances. Estruturado por meio do método indutivo, com pesquisas em fontes normativas, doutrinárias e análise de casos. Demonstra-se com este estudo, que a teoria da perda de uma chance é aceita pela maioria da doutrina e também pela jurisprudência pátria. Para a aplicação da teoria, a chance perdida deve ser séria e real e a indenização proporcional à possibilidade de obter sucesso na chance perdida.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Perda de uma chance. dano autônomo. Teoria típica.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 9

2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL 11

2.1 Pressupostos da responsabilidade Civil 11

2.2 Nexo de Causalidade 15

3 A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. 23

3.1 O surgimento da Teoria da perda de uma chance. 24

3.2 Conceito da Teoria da Perda de chance. 27

3.3 Chances Reais e Serias 29

3.4 Modalidades da Teoria da perda de uma chance 31

4 DEBATE DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL SOBRE A TEORIA 35

4.1 A perda da chance como uma nova categoria de dano 35

4.2 A perda da chance como agregador do dano moral 36

4.3 A perda da chance como dano emergente e sua coexistência harmoniosa com os danos moreias e materiais 38

4.4 Análise do atual entendimento dos Tribunais 40

4.5 Compatibilidade da Teoria da Perda de uma Chance no ordenamento jurídico brasileiro 45

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 48

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 50

  1. INTRODUÇÃO

Talvez mais do que em qualquer outra seara do direito privado, a responsabilidade civil permite trabalhar com o direito construído no cotidiano das pessoas o dia a dia, as tendências sociais, sendo, sem dúvida, um privilegiado campo para a disseminação doutrinária e jurisprudencial.

Desde seus primórdios da sociedade e no decorrer da história, buscou-se saber como e a quem deveriam ser imputados os danos injustamente causados a outrem em fatos cotidianos. Retornar a vítima ao status quo ante é o mínimo que se espera do Estado quando provocado para dirimir os conflitos que lhe são submetidos por meio do judiciário. Conceitos como culpabilidade, dolo, ilicitude, dano, responsabilidade objetiva e subjetiva tornaram-se de conhecimento do senso comum pois cada dia que se passa se torna mais corriqueiro, uma vez que vivemos em um momento de crescente afã pelas demandas indenizatórias.

A constante evolução da sociedade e sua dinamicidade ensejar a modificação no paradigma bem como o enquadramento dogmático da responsabilidade civil, o que acabou por ampliar, de forma significativa, a noção de dano indenizável.

Em meio a este novo cenário, destaca-se uma nova modalidade de demanda que passou a ser difundida nos meios forenses: a responsabilidade civil pela perda de uma chance ou como tratado na presente monografia a Teoria da perda de uma chance, cujo embasamento doutrinário e teórico ganhou seus primeiros contornos no século XIX, na França, e seus estudos se espalharam por grande parte da Europa, principalmente nos países do sistema caw low, vindo mais tarde a se tornar uma realidade no direito brasileiro, tão real que a aplicabilidade da mesma se dissipa ano após anos .

Incontáveis são as situações cotidianas em que alguém se vê privado da chance de conquistar uma determinada vantagem ou evitar um determinado prejuízo, em virtude de uma conduta seja ilícita ou negligente de outrem.

Um advogado que, por negligência, perde o prazo de interposição de recurso judicial em favor de seu cliente e por isso fulmina a oportunidade de a referida causa ser apreciada em segunda instância, ou até mesmo de reverter a sentença e ganhar a demanda, ou o advogado que por seu modo negligente  não comunica os prazo de uma audiência ao autor bem como não apresenta defesa, fazendo com que o cliente perca a chance de exercer o seu direito constitucional do contraditório e ampla defesa. Um jovem que, por conta do mau funcionamento do transporte público coletivo, chega atrasado e perde a oportunidade de realizar uma prova de concurso a qual estudava para a mesma durante anos e, por conseguinte, se tornar servidor público. Uma pessoa, que por ter sido incluída indevidamente no cadastro de maus pagadores, perde a chance de obter um financiamento junto a instituição financeira, a qual serviria para o financiamento da própria casa, privando assim de conquistar um imóvel de família. Um candidato a um emprego que, após passar por todo o processo seletivo, se vê aprovado, abandona o emprego anterior e, quando da formalização do novo contrato, é surpreendido pelo arrependimento de seu empregador no último segundo.

A lista de possibilidades parece infinita, mas veremos ao longo do trabalho que, para a configuração da perda da chance como obrigação de reparar, deve-se atentar para critérios rígidos como a realidade e a seriedade das chances, além de nexo causal claro e a busca pela certeza do dano.

No primeiro capítulo, serão abordadas, de forma concisa e mais didática possível, as noções gerais sobre responsabilidade civil, como os pressupostos da responsabilidade civil, bem como, as teorias que permeiam o nexo de causalidade.

No segundo capítulo, começaremos a análise propriamente dita da responsabilidade civil pela perda de uma chance, na qual será observada a origem do instituto, suas definições, buscando demonstrar as razões pela qual a perda da chance “clássica” ou “típica” deve ser considerada um dano autônomo ao resultado final esperado.

Após realizadas as considerações basilares sobre o tema, o terceiro e último capítulo investigará os requisitos e limites para a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance, bem como sua compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro e o atual entendimento dos Tribunais.

O estudo se justifica, uma vez que a Teoria da Perda de uma Chance vem sendo amplamente difundida no âmbito das relações privadas, bem como instigando intensos debates doutrinários e decisões absolutamente contraditórias no âmbito jurisprudencial.

Em síntese, a proposta do presente trabalho é levar à comunidade acadêmica, por meio de ampla pesquisa bibliográfica, as mais importantes e interessantes discussões sobre o tema, através dos ensinamentos dos mais renomados juristas que se preocupam em aprofundar sobre a temática em questão.

  1. DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Para início de estudo, o primeiro capítulo traz à baila informações estruturais acerca da responsabilidade civil, onde as mesmas servirão de subsídios ao leitor para a compreensão da teoria da perda de uma chance, esse modo de interpelação, fará com que o leitor obtenha uma noção geral da responsabilidade civil e respectivamente entenda a como os conceitos se aglutinam a teoria da perda de uma chance.

Pode-se conceituar a responsabilidade civil da seguinte forma:

Logo, a responsabilidade civil é um direito jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. Nesse sentido, a doutrina é unânime em afirmar, como não poderia deixar de ser, que não há responsabilidade sem prejuízo (dano). Para o dano patrimonial, o regime é de reparação, para o dano moral, o de compensação.1

Desse modo pode-se extrair que a responsabilidade civil é destinada a restaurar o equilíbrio violado pelo dano e assim recuperar a relação jurídica que antes havia, então a partir da responsabilidade civil vamos encontrar os conceitos necessários para o entendimento da Teoria da perda de uma chance.

1.1Pressupostos da responsabilidade Civil

Atualmente podemos vislumbrar duas formas de responsabilidade civil, sendo ela objetiva e subjetiva, pois o código civil vigente, em seu artigo 9272 trata: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187)3 causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

A partir de tal cumulação dos artigos supracitados, dando ênfase ao artigo 186, encontra-se a cláusula geral da responsabilidade civil subjetiva, onde a mesma interpôs em sua aplicabilidade o elemento culpa no momento da conduta do agente.

Após superado a positivação da responsabilidade subjetiva, o código civil também deu leque e consagrou a chamada responsabilidade civil objetiva, na qual a obrigação de reparar é independente da culpa do agente no momento que causará o dano, estando embasada no parágrafo único do art. 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Diante das teorias supramencionadas sobre a responsabilidade civil, Carlos Roberto Gonçalves trata a forma existencial das mesmas no código civil:

O Código Civil brasileiro filiou-se à teoria subjetiva. É o que se pode verificar no art. 186 do novo diploma, que erigiu o dolo e a culpa como fundamentos para a obrigação de reparar o dano. A responsabilidade subjetiva subsiste como regra necessária, sem prejuízo da adoção da responsabilidade objetiva, em dispositivos vários e esparsos.4

Antes de adentrarmos nos pressupostos essenciais, é de suma importância entender a exclusão do ato ilícito como um pressuposto essencial, principalmente na teoria a ser estudada.

O dano pode ser causado por um ato ilícito bem como um ato lícito, o autor Rubem Fonseca traz a justifica mais adequada para tal exclusão.

O ato ilícito não pode ser enquadrado como elemento geral e necessário da responsabilidade civil, porque pode haver responsabilidade civil por ato lícito. Exemplos: a desapropriação é um ato lícito que gera responsabilidade geral e necessário da responsabilidade civil, porque pode haver responsabilidade civil por ato lícito. Exemplos: a desapropriação é um ato lícito que gera responsabilidade civil, pois gera um dano ao direito de propriedade; o direito de passagem forçada para um imóvel encravado em outros gera o dever de indenizar o proprietário.5 (Grifo nosso).

Sendo assim tem-se como 4 (quatro) pressupostos essenciais para a reparação por meio da responsabilidade civil, sendo eles; Conduta, culpa, dano e nexo de causalidade.

  1. Conduta

Para Sérgio cavaleire: “entende-se por conduta o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão”6 onde se traduz ao comportamento voluntário e consciente humano, que pode ser positivo (ação) ou negativo (omissão), causador do prejuízo. Ambos serão idôneos para justificar a responsabilidade civil, com obrigação de indenizar.

Uma vez supracitado o art.186 7do Código Civil atual, estabelece que qualquer ação ou omissão, que cause danos a outrem comete assim ato ilícito, dar-se dessa forma a ocorrência de uma ação seja comissiva ou omissiva, essa última ocorrendo quando o dever de agir é exaurido.

O autor Carlos Gonçalves traz em sua obra um leve resumo geral da aplicabilidade a aplicabilidade e os excludentes de forma sucinta e clara:

Refere-se a lei a qualquer pessoa que, por ação ou omissão, venha a causar dano a outrem. A responsabilidade pode derivar de ato próprio (CC, arts. 940, 953 etc.), de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente (art. 932) e, ainda, de danos causados por coisas (art. 937) e animais (art. 936) que lhe pertençam. Neste último caso, a culpa do dono é presumida (responsabilidade objetiva imprópria). Para que se configure a responsabilidade por omissão é necessário que exista o dever jurídico de praticar determinado fato (de não se omitir) e que se demonstre que, com sua prática, o dano poderia ter sido evitado. O dever jurídico de não se omitir pode ser imposto por lei (dever de prestar socorro às vítimas de acidentes imposto a todo condutor de veículos) ou resultar de convenção (dever de guarda, de vigilância, de custódia) e até da criação de alguma situação especial de perigo.8

Concluímos, portanto, que, conduta é um ato humano, seja uma ação ou omissão, que gera o dano a outrem.

  1. Culpabilidade

Para esse pressuposto da responsabilidade não usaremos um parâmetro doutrinário apenas uma breve averiguação do art. 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”9 Isso porque principalmente o elemento culpa na teoria da perda de uma chance não se presume, sendo que a mesma deve ser apurada em cada caso concreto.

Carlos Gonçalves traz em sua obra uma explanação acerca da culpa pois trata a medida do elemento culpa que melhor se enquadra ao art. 186 da referida legislação:

O previsível da culpa se mede pelo grau de atenção exigível do homo medius. A obligatio ad diligentiam é aferida pelo padrão médio de comportamento; um grau de diligência considerado normal, de acordo com a sensibilidade ético-social.10

Resumindo e conceituando que: A conduta culposa deve ser medida pelo que normalmente acontece, e não pelo que extraordinariamente possa acontecer. Não se pode exigir do agente um cuidado que não seria usualmente adotado pelo homem comum, logo só há de se falar em culpa quando o evento for previsível.

  1. Dano

Dano, conceitua-se como prejuízo sofrido pela vítima decorrente da conduta praticada pelo ofensor, sendo essa comissiva ou omissiva, esse pressuposto é um dos mais debatidos no certame da responsabilidade civil, se não há um dano não haverá de se falar em dever de indenizar, pode haver casos em que ocorra a responsabilidade sem o pressuposto culpa mas não haverá sem o pressuposto dano.

Para Sérgio Cavalieri Filho:

O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano.11

Carlos Roberto Gonçalves também deixa lastro da seguinte forma em relação ao conceito do dano e as modalidades em que o dano pode ocorrer seja na esfera patrimonial ou extrapatrimonial.

Sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser patrimonial (material) ou extrapatrimonial (moral), ou seja, sem repercussão na órbita financeira do lesado. O Código Civil dedica um capítulo à indenização (arts. 944 a 954), isto é, à liquidação do dano ou modo de se apurarem os prejuízos. Mesmo que haja violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa e até mesmo dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida sem que se tenha verificado prejuízo. A inexistência de dano torna sem objeto a pretensão a sua reparação. Às vezes a lei presume o dano, como acontece em casos de ofensas aos direitos da personalidade.12

Vale aqui entender as categorias de dano patrimonial e extrapatrimonial se dividindo nas seguintes espécies.

Dano material (dano patrimonial); é a modalidade de dano que atinge o patrimônio da vítima e é usualmente conhecido como perdas e danos, onde o mesmo pode se circunstanciar em dano emergente e lucros cessante.
Alípio Donizetti explica da seguinte forma cada um deles:

Dano emergente é o prejuízo é o prejuízo efetivamente experimentado pela vítima, que importa em uma redução patrimonial, os lucros cessantes, por sua vez, são ganhos que a vítima deixa de auferir, na qual impedem o aumento de seu patrimônio.13 (Grifo nosso).

Dano moral (dano extrapatrimonial); é a modalidade de dano que atinge a esfera subjetiva, onde está relacionada diretamente a lesão aos direitos da personalidade, Donizetti fala que:

O dano pode estender seus reflexos na esfera subjetiva da intimidade, o que é mais interna, relacionada como plano psíquico, emocional ou se limitar na espera objetiva da intimidade que é mais interna, relacionada com o plano social, exteriorizada nos elementos do nome, da reputação e da imagem.14

Dano é o prejuízo sofrido pela vítima decorrente da conduta praticada pelo ofensor, sendo essa comissiva ou omissiva.

1.2Nexo de Causalidade

O nexo de causalidade se trata da relação verificada entre a conduta praticada pelo agente até o prejuízo ora causado, sendo assim um pressuposto necessário para a configuração da responsabilidade civil pois une os demais pressupostos acima mencionados, deve-se identificar se o dano decorre da conduta do agente para que assim possa sobressair a dever de indenizar, ou seja, deve existir uma causa, um liame causal entre a ação ou omissão do agente e o prejuízo sofrido pela vítima.

Para tanto para que haja efetivamente o dever de indenizar não basta apenas a presença dos pressupostos como explica Sérgio Cavaliere.

[...] não basta, portanto, que o agente tenha praticado ação ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não ocorrerá a cargo do autor material do fato. Daí a relevância do nexo causal.15

Anteposto para possibilitar uma melhor explanação deste estudo, será feita uma breve apresentação das teorias tradicionais que versam sobre esse pressuposto da responsabilidade civil.

Cabe ainda mencionar que o nexo de causalidade pode ser rompido diante de caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiro, o que afasta a responsabilização do agente.

  1. Das Teorias do nexo de causalidade.

Se vale entender as teorias do nexo de causalidade, pois em alguns momentos ao tratar da Teoria da Perda de uma chance no que tange a sua autonomia, tem-se que ter em estudo a importância do nexo de causalidade e até onde o liame do mesmo é alcançado e assim entender em qual teoria do nexo de causalidade a chance se acomoda e se perfaz como dano autônomo.

  1. Teoria da Equivalência de Condições (Conditio Sine Qua Non)

Teoria entendida como a mais polemica, baseado nas causas relevantes e ao alcance exacerbado das condições.

Rubem Valente explica que:

Desenvolvida a partir das ideias do filosofo Von Buri. A ideia basilar da teoria é que todo e qualquer comportamento anterior que haja concorrido para o resultado é causa. Adotada no direito penal (temperada pela teoria da imputação objetiva), gera o problema da regressão infinita do nexo causal;16

Sendo assim entende-se que todos os eventos envolvidos no fato são considerados igualmente como causas geradoras do dano, não se leva em consideração nessa teoria se a causa principal é capaz por si só de produzir o resultado, se estiver envolvido, dá-se como causa.

Rafael Silva, compreende da seguinte forma:

A teoria da equivalência das condições estabelece como causa do dano todas as condições sem as quais este não aconteceria. Ou seja, todos os eventos necessários para a ocorrência do dano são considerados causas equivalentes. Não existe uma distinção qualitativa entre as condições, pois, entende-se que com o desaparecimento de qualquer uma delas, não ocorreria o dano.17 (Grifo do autor).

Participa também a essa vertente Carlos Gonçalves.

Toda circunstância que haja concorrido para provocar o prejuízo é considerada causa. Essa teoria tem recebido críticas, pois, pode produzir resultados absurdos, por exemplo, na hipótese de um homicídio a responsabilidade poderia ser estendida até mesmo ao fabricante da arma.18

Para Sérgio Cavalieri:

Para saber se uma determinada condição é causa, elimina-se mentalmente essa condição, através de um processo hipotético. Se o resultado desaparecer, a condição é causa, mas, se persistir, não a será. Destarte, condição é todo antecedente que não pode ser eliminado mentalmente sem que venha ausentar-se o efeito.19

Sua análise é imprescindível para a compressão das teorias subsequentes, contudo a mesma já se encontra superada dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Assim, todas as condições que concorrem em um determinado evento danoso têm a mesma relevância, não se questionando qual foi a mais importante para o resultado.

Em resumo e em uma pequena análise doutrinária acima citada entendemos que, todas as causas, antecedentes são consequências para o resultado é que as mesma se equivalem, dado a possibilidade de se atribuir ao dano uma infinita quantidade de causas, atingindo e gerando um dever de reparação demasiadamente remotas, onde no momento do caso concreto as pessoas envolvidas não deveriam ser responsabilizadas, pois se todas as circunstâncias envolvidas são causas, o número de agentes serão basicamente infinitos, tal motivo essa teoria é tão criticada.

  1. Teoria da causalidade adequada

A teoria da causalidade adequada teve como precursores os alemães Von Kries e Rumelin ainda no final do século XIX e é de grande influência na doutrina e jurisprudência brasileira. Nessa teoria, a condição deve ser adequada e determinante na ocorrência do dano

Entende-se como causa Rafael Silva:

O antecedente não só o necessário mas também, o adequado à produção do resultado. Logo, se várias condições concorrer ampara determinado resultado, nem todas serão causas, mas somente aquela que for a mais adequada à produção do evento.20

A Ideia de Carlos Gonçalves em relação a essa teoria é a seguinte:

Quando várias forem as condições que concorreram para determinado resultado, somente será causa aquela que for mais adequada à produção do evento. Ou seja, a causa será aquela que for mais determinante e assim, desconsideram-se as demais.21

Ainda nas palavras dele:

“A” desfere uma pancada em face de “B”, suficiente apenas para lhe gerar um ferimento, porém “B” vem à óbito em razão de ser portador de uma fraqueza nos ossos do crânio. Observando-se a hipótese sob a ótica da causalidade adequada, o ato ilícito cometido por “A” não pode ser considerado uma causa adequada para o dano infligido a “B”.22

Rafael Silva23 esclarece que tanto a Teoria da Equivalência de Condições, quanto a Teoria da Causalidade Adequada se constituem em conditios sine qua non, contudo, na mesma, não basta que o ato antijurídico seja condição sine qua non do prejuízo, ele deve constituir in abstrato, uma causa para o dano.

Já no caso concreto, o operador do Direito analisa todas as causas que concorreram para a realização do evento danoso e identificar, valorando e ponderando dentre as causas qual a responsável pelo dano.

Após tal valoração, a causa se dá como adequada, quando por si só ela for capaz de provocar o resultado, sem a necessidade de outra situação a ela vinculada, sendo assim, somente será responsabilizado aquele que concorreu para a causa principal.

  1. Teoria do dano direto e imediato

Entende-se que essa terceira teoria foi adotada pelo artigo 1.151 do Código Civil francês, o qual influenciou o direito brasileiro estando positivado no artigo 403 do código Civil vigente:

“Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”24, onde sua aplicabilidade recai em casos de responsabilidade contratual quanto extracontratual.

A interpretação da letra da lei tem efeito direto e imediato, prevista no dispositivo legal supramencionado no art. 403 do Código Civil, restringe demasiadamente o que será reparável, excluindo, por exemplo, danos indiretos.

A crítica desta teoria é a excessiva restrição, pois retira todo e qualquer dano indireto, o que pode acarretar maiores prejuízos ao ofendido, por exemplo, Segundo Rafael Silva: “O dano ocasionado ao veículo utilizado para o trabalho, que acarreta a locação de outro automóvel, o qual, mesmo não sendo considerado efeito direto e imediato do acidente, deve ser incluído como dano a reparar”.25

Rafael Silva traz uma crítica interessante sobre essa teoria: “Direto e imediato seria a negação da possibilidade de reparação de danos indiretos ou remotos como, por exemplo, o “dano por ricochete”, adotado amplamente pela doutrina e jurisprudência”.26

Sérgio Savi também discute a teoria da seguinte forma: “Se houver situações em que se possa afirmar com segurança que o pensamento do legislador às vezes vai além da letra da lei (ou seja, que a lei majis dixit quam voluit, como diziam os clássicos), este será seguramente uma delas”.27

Gisele Sampaio traz uma ideia da doutrina um pouco mais completa, a crítica desde autores e também fazendo sua própria crítica pois a flexibilização do pressuposto do nexo causal está fundamentalmente a reparação integral do indivíduo:

Nos últimos tempos, acompanhando as transformações da responsabilidade civil, o conceito de nexo causal foi flexibilizado, com vistas a permitir a efetivação do princípio da reparação integral. Não é mais possível em alguns casos, à luz dos princípios constitucionais, exigir da vítima a prova cabal e absoluta da relação de causalidade. Dessa forma, apesar de o nexo causal ser, tal qual o dano, um dos elementos da responsabilidade civil, exige-se, com fundamento na nova ordem constitucional, que a prova da relação de causalidade seja flexibilizada em certas situações.28

Se vale como plano de tela o seguinte questionamento de Roberto Altheim:

Se de um lado a flexibilização desenfreada do nexo causal deve ser criticada e impedida pelo Poder Judiciário para evitar um desenfreado número de indenizações indevidas, de outro lado, a nova tendência a se desvincular de uma interpretação do nexo causal de forma tão rígida é medida necessária para permitir a reparação em casos que não o seriam.29

Teoria do dano direto e imediato é a adotada no ordenamento jurídico brasileiro como explica Carlos Gonçalves que: “essa é teoria adotada pelo Código Civil que considera como causa jurídica apenas o evento que se vincula diretamente ao dano, sem a interferência de outra condição sucessiva.”30

No entanto, cumpre salientar que o referido dispositivo pertence ao título que trata do inadimplemento das obrigações no Código Civil de 2002, ou seja, possui relação expressa com a seara negocial. Não obstante, aqueles que são adeptos da teoria do dano direto e imediato consideram que o artigo em questão traça os fundamentos do nexo de causalidade para todo o sistema de responsabilidade civil, seja negocial ou extra negocial.

Apesar da jurisprudência também já ter acolhido tal teoria, essa não é a posição majoritária. Caio Mário da Silva Pereira, Fernando Noronha, Sérgio Cavalieri Filho e Rafael Peteffi da Silva são apenas alguns, pois não busca os pressupostos essenciais da reparação integral na qual se baseia o princípio solidarista na qual a responsabilidade civil se encosta.

  1. Teoria do nexo de causalidade parcial

Como visto nos tópicos acima, as teorias supracitadas se baseiam no conditio sine qua non, se valendo dos termos do art. 373 do CPC18, contudo, as teorias tradicionais não alcançam o princípio solidarista, princípio está delineado na Constituição Federal de 1988.

Assim o nexo de causalidade parcial, entraria como uma forma de nexo causal onde instrumentaliza a reparação quando existirem diversas concausas e não souber definir no caso concreto qual das causas atuou para tanto.

Caio Mário em sua obra explica que:

Observando-se a casuística sob o manto da teoria tradicional, negar-se-ia a indenização na ausência de certeza, o que estaria consubstanciado na expressão “tudo ou nada”. Todavia, ao se flexibilizar tal premissa, adotar-se-ia a causalidade parcial. Destarte, a conduta seria ressarcida na medida em que o agente participou para a geração do dano, por meio de possibilidades concretas e provadas cientificamente.31

Tais entendimentos permitem entender até aqui ponto as causas influenciam os resultados.

Traçadas tais considerações preliminares, imperioso notar ainda que, em alguns casos, se faz necessário uma flexibilização na aplicação dos elementos tradicionais da responsabilidade civil a fim de proteger a vítima, para que essa não se encontre injustamente sem reparação.

Nessa trilha, caminha a responsabilidade civil pela perda de uma chance, já que comporta uma forma especial de responsabilidade que, em certos casos, necessitará relativizar o nexo causal, além de outras especificidades que serão analisadas adiante.

  1. A teoria da Perda de uma chance.

O presente capitulo tem o intuito de delimitar a problemática da presente monografia, uma vez que ao mesmo demostrará um pequeno esboço histórico, o conceito de chance por si só, os requisitos para a que a chance passe de uma questão hipotética e assim recaia sobre a questão da sua identidade como dano, bem como distinguir as modalidades de chances presentes no ordenamento jurídico brasileiro.

Assim Antes de adentrarmos propriamente na instigante questão da natureza jurídica do dano decorrente da perda de uma chance, se mostra necessário traçar uma distinção entre a perda da chance por si só considerada e a perda da vantagem esperada ou dano final.

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Trata-se de problemática complexa e serve como ponto de partida para entendermos a aplicação da teoria em comento.

Para ilustrar a temática, interessante se mostra traçar um paralelo entre a perda de uma chance e os lucros cessantes. Como já visto anteriormente no capítulo destinado à análise do dano patrimonial e extrapatrimonial, as situações clássicas de lucros cessantes são representadas pelo que a vítima razoavelmente deixou de lucrar.

Rafael Silva assevera que

[...] é possível notar que, nos lucros cessantes, não há uma certeza absoluta quanto à relação existente entre a conduta do réu e os lucros cessados ou perdidos, entretanto,existem indícios suficientemente fortes para que o juiz possa gerar a convicção de que é razoável supor que o autor deixou de auferir determinados lucros devido à conduta do réu, a qual poderá ser caracterizada como conditio sine qua non para o aparecimento do dano uma certeza absoluta.32

O clássico caso de lucros cessantes é o do taxista que deixa de obter o lucro que normalmente aufere, em virtude de ter seu automóvel danificado por conta de um abalroamento culposo. Durante o tempo de reparação do veículo, o taxista recebe a indenização por danos materiais a título de lucros cessantes.

Nestes casos, não se confundem os conceitos de lucros cessantes e perda da chance, uma vez que o próprio art. 402 do Código Civil previu o instituto dos lucros cessantes como dano final ou vantagem esperada.

Seguindo assim Rafael Silva33 que diferencia os dois institutos é que na perda de uma chance a conduta culposa do réu não é conditio sine qua non para que haja o dano final, mas somente a perda da oportunidade de almejar a vantagem esperada.

Em obra destinada a investigar a responsabilidade civil pela perda de uma chance no Direito do Trabalho, o Juiz do Trabalho e mestre pela Universidade de São Paulo, Flávio da Costa Higa brilhantemente diferencia os institutos abordando a linha tênue entre os danos oriundos da perda da chance e os lucros cessantes:

[...] no primeiro caso, o juízo é de probabilidade, mas não no sentido de se supor qual seria o estado atual da vítima diante da inocorrência do ato ilícito (teoria da diferença), mas de calcular qual seria a probabilidade de o ofendido obter o resultado final esperado, em termos percentuais. [...] Já na segunda hipótese, o grau de probabilidade de que os fatos idôneos (pressupostos constitutivos) necessários à percepção da vantagem ocorram é tão grande, por decorrer do andamento normal da vida, que leva o intérprete a presumi-lo, mediante a formulação de um raciocínio hipotético de como os acontecimentos naturais se dariam sem a ocorrência do ilícito.34

Sendo assim as modalidades se diferem dando norte para o presente trabalho.

1.3O surgimento da Teoria da perda de uma chance.

Durante muitos anos os ordenamentos jurídicos ignoraram a problemática de reconhecer o a perda da oportunidade bem como a perda de uma vantagem ou de evitar um prejuízo, pois se havia então a questão das incertezas do nexo de causalidade, porém na França foi o primeiro país a se dedicar ao estudo da teria da perda de chances.

A França foi o primeiro grande polo jurídico a dedicar atenção especial aos estudos da teoria da perte d’une chance. O tema despertou discussões acirradas e acabou por influenciar a Corte de Cassação daquele país a atribuir à perda da chance o status de dano indenizável.35

Já a aplicabilidade da teoria teria ocorrido em 17 de julho de 1889 na corte de cassação francesa.

Relatos afirmam que o primeiro julgamento no sentido de aceitar a aplicabilidade da teoria ocorreu em 17 de julho de 1889, hipótese na qual a Corte de Cassação Francesa conferiu indenização pela perda de uma chance a uma vítima que se viu privada de ter possibilidades de êxito em uma demanda, por conta de uma atuação culposa de um oficial ministerial que impediu o curso normal do procedimento. 36

O mais interessante é que a doutrina francesa desenvolveu tanto quanto em julgados como em seus estudos doutrinários, que a perda de chances sendo totalmente distinta do resultado final.

O pioneirismo francês foi responsável por propor que, ao invés de admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou-se a defender que o dano indenizável deveria ser um dano distinto do resultado final, ou seja, a perda da chance em si. Fez-se a pertinente diferenciação entre o resultado almejado e a possibilidade de conquista-lo. 37

A teoria da perda de chances se dissipou por toda França e com isso influenciou o sistema common law do direito Britânico:

A teoria foi ganhando espaço na jurisprudência francesa e acabou por inspirar outros países europeus. No direito britânico, inspirado na família jurídica da common law, o caso pioneiro de aplicação da perda de uma chance ocorreu em 1911. No caso concreto, conhecido como Chaplin v. Hicks, a autora participava de um concurso de beleza organizado pelo réu e já se encontrava entre as 50 finalistas, no entanto, por ato culposo do réu, foi impedida de participar da fase final do concurso, fase esta que constava de uma apresentação diante de jurados com a finalidade de distribuir 12 prêmios diversos entre as finalistas. A solução jurídica encontrada pelos magistrados foi a utilização da “doutrina das probabilidades”, concedendo à autora uma indenização correspondente a 25% das chances de conquistar um dos prêmios38

Já na Itália a primeira manifestação em 1983 como descreve Sérgio Savi:

Na Itália, a primeira manifestação da aplicação da teoria da perda de uma chance data de 19 de novembro de 1983 e envolvia um grupo de trabalhadores convocados por uma determinada empresa para participar de um processo seletivo para contratação de motoristas, no entanto, após a realização de exames médicos, alguns destes trabalhadores, aspirantes ao emprego, tiveram, de forma injustificada, cessado o direito de participar das fases subsequentes da seleção, que seriam fundamentais para uma futura admissão. Neste caso, a Corte de Cassação Italiana admitiu a indenização do dano oriundo da perda da oportunidade de participar das demais fases do processo seletivo, reconhecendo valor patrimonial à chance por si só considerada, desvinculando-a do resultado final, que seria a conquista do emprego. A Corte foi mais além e alocou o dano decorrente da perda de uma chance como dano emergente.39

Já adentrando no ordenamento jurídico Brasileiro não se tem tanto um pré estudo doutrinário como na França porem Flávio da Costa Higa40 foi o primeiro a escrever a ordem cronologia de onde a chance se manifestaria, se manifestando assim no Tribunal do Rio Grande do Sul em 1990 e 1991, através do então desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior. O pioneirismo foi expresso por duas decisões emblemáticas.

A primeira em 12 de junho de 1990 fixou importantes pressupostos para a aplicação da perda de uma chance, entretanto rechaçou sua aplicação. Tratava-se do caso em que a autora se submeteu espontaneamente a uma cirurgia visando a correção de miopia, no entanto, após a intervenção, ao invés de ver seu olho curado, acabou adquirindo hipermetropia no olho operado como narra Flávio Higa.41 A segunda e mais marcante foi a de 29 de agosto de 1991, se tornou a primeira decisão em solo brasileiro a aceitar a perda de uma chance como dano indenizável.

Tratava-se de um caso de extravio dos autos de processo judicial, com a subsequente negligência do advogado em postular a restauração dos autos e informar sua cliente da situação processual, bem como a medida judicial cabível O então relator, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, concluiu que o advogado rompeu com os “deveres inerentes à profissão de advogado” e que a “omissão da informação do extravio e não restauração dos autos, causaram à autora a perda de uma chance e nisso reside seu prejuízo”.42

Após a aplicabilidade da teoria é certo trazer à baila o pensamento de Rafael Silva em relação a evolução da Teoria.

Atualmente, a teoria encontra enorme respaldo doutrinário e jurisprudencial tanto no direito comparado, quanto no direito brasileiro e sua utilização é observada tanto na responsabilidade civil contratual ou negocial quanto na responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, assim como na responsabilidade subjetiva e objetiva.43

Conclui-se assim a evolução e marco para a aplicabilidade da Teoria da perda de chances no ordenamento Jurídico Brasileiro.

1.4Conceito da Teoria da Perda de chance.

Expostos todos os fatos acima, parece ser possível e necessário finalmente apresentar uma definição sobre o que seria a teoria da perda de uma chance. De forma geral, é possível dizer que a teoria da perda de uma chance se caracteriza pela perda de uma oportunidade em virtude de ato ou comportamento tomado por terceiros que retira a chance de a pessoa auferir lucros ou evitar prejuízos. Ou seja, a responsabilidade civil pela perda de uma chance ocorre quando uma pessoa perde oportunidade de ter condições futuras melhores, seja através de um ganho, seja através da possibilidade de não ter se prejudicado.

Para melhor elucidar o assunto, mostra-se oportuno trazer o conceito apresentado por Sérgio Cavalieri:

Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda.44

Conforme menciona o artigo 40345 do Código Civil, só se incluem nas perdas e danos os prejuízos efetivos sofridos pela parte. Sobre o assunto, vale mencionar o que explica Sílvio de Salvo Venosa:

Se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda de oportunidade. A “chance” deve ser devidamente avaliada quando existe certo grau de probabilidade, um prognóstico de certeza, segundo avaliamos. Por exemplo, a probabilidade de o cavalo obter vitórias e de o recurso não interposto ser bem-sucedido, nas hipóteses levantas anteriormente. Ou a probabilidade de o corredor maratonista vencer, estando em primeiro lugar da prova, tendo sido obstado por um espectador. O julgador deverá estabelecer se a possibilidade perdida constituiu uma probabilidade concreta, mas essa apreciação não se funda no ganho ou na perda porque a frustração é aspecto próprio e caracterizador da “chance”46

Continua o autor com Silvio Venosa:

A oportunidade, como elemento indenizável, implica a perda ou frustração de uma expectativa ou probabilidade. Quando nossos tribunais indenizam a morte de filho menor com pensão para os pais até quando este atingiria 25 anos idade, por exemplo, é porque presumem que nessa idade se casaria, constituiria família própria e deixaria casa paterna, não mais concorrendo para as despesas do lar. Essa modalidade de reparação de dano é aplicação da teoria da perda de uma chance. Sempre que se adota um raciocínio deste nível, há elementos de certeza e elementos de probabilidade no julgamento47

A partir disso, nota-se que não podem todas as chances perdidas ser vistas da mesma forma. O magistrado ao analisar os casos deverá examinar com o devido cuidado se a possibilidade tratada constitui chance real, um resultado provável, ou se trata apenas de uma hipótese ou uma chance remota.

As chances e as probabilidades de eventos esperados se concretizarem variam consideravelmente, de forma que não cabe dar à chance de um cavalo de hípica bem treinado ganhar uma importante competição o mesmo peso da chance de um pangaré ganhar o mesmo evento.

Outro fator importante a ser levado em consideração no momento de se apreciar uma causa de perda de uma chance é o fato de que não se deverá indenizar aquilo que foi perdido, como seria próprio das ações de lucros cessantes. Aqui, o que verdadeiramente se indeniza é a chance perdida de se obter um resultado ou de se evitar um determinado prejuízo, na proporção daquela chance de gerar resultados positivos. Ou seja, nas palavras de Sérgio Cavalieri, a indenização:

[...] deve ser pela perda da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda da própria vantagem. Mediante os pré-requisitos explicados acima fica clara como a atuação do juiz é importante para a correta aplicação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance. Isso porque caberá ao magistrado determinar, no caso concreto, se a chance é real ou se é meramente hipotética. Sendo real e séria, ainda caberá estudar a chance que existia de o autor ser bem-sucedido se sua chance não houvesse sido retirada e, por fim, fixar a indenização com base nessas informações.48

Tal conceito da Teoria da perda de chance permite neste momento que seja traçado a questão dos pressupostos que advém da mesma, é meramente logico que a teoria já faz uso dos pressupostos tradicionais responsabilidade civil, contudo a mesma faz uso específico de pelo menos mais dois pressupostos para a sua aplicabilidade, pois com os mesmos a teria afasta sua característica de hipótese e implanta em si as chances reais e serias, se fazendo assim um dano indenizável.

1.5Chances Reais e Serias

A doutrina pátria elege alguns critérios gerais para aplicação da teoria da perda de uma chance. São estes critérios que caracterizam a teoria da perda de uma chance e que diferem esta espécie das demais hipóteses de responsabilidade civil. A doutrina e jurisprudência de alguns países trazem peculiaridades acerca das chances sérias e reais como por exemplo os Estados Unidos.

Nos Estados Unidos, a preocupação da doutrina e da jurisprudência com a seriedade das chances é tão grande que a aplicação da teoria praticamente se restringe aos casos da seara médica, por falta de estatísticas em outras áreas. Na França, por sua vez, apesar da doutrina encontrar as mesmas dificuldades, a aplicação em outros tipos de casos, como empresariais, judiciais de jogos de azar é mais comum.49

Rafael Silva50 narra Corte de Cassação francesa não conferiu indenização para um cliente de uma corretora de valores que geriu de modo fraudulento e incompetente a sua carteira de ações. O motivo para a Corte de Cassação ter negado a concessão de indenização foi a imprevisibilidade do mercado de ações, mesmo que a carteira de ações fosse administrada por profissional competente. Destarte, a Corte de Cassação francesa reputou que a chance perdida era hipotética demais para ser indenizada. Bem interessante aqui tentar mostrar a tentativa de probabilizar as os pressupostos da Teoria da perda de chance.

O sistema norte-americano, principalmente, nos casos de responsabilidade civil pela perda de uma chance na área médica, adota o padrão likely than not (mais provável que não). Segundo este padrão de causalidade, se um procedimento médico retirou 51% das chances de um paciente sobreviver, estaria identificada a existência do nexo de causalidade entre a ação do agente e o nexo causal sofrido pela vítima, tornando inaplicável a teoria da perda de uma chance. Dessa forma, somente pode ser aplicada esta teoria em casos em que o ato do agente retire menos de 50% das chances de a vítima auferir a vantagem esperada.51

Nítido que a Corte Italiana seguiu um padrão diferente em relação a esses pressupostos, uma vez que a mesma não segue o padrão Norte Americano do tudo ou nada, conforme Sérgio Savi52 ensina que a Corte de Cassação italiana adota caminho oposto. De acordo com ela, para a aplicação da teoria da perda de uma chance é necessário a existência de pelo menos 50% de chances de a vítima alcançar seu desiderato.

Rafael Silva53 ensina e entende que a linha de raciocínio italiana é isolada, pois negaria indenização em casos de razoáveis probabilidades de alcançar os objetivos, por exemplo, 20%, 30% ou 40% de chances. Se a tendência encontrada no direito italiano fosse apoiada, casos que tratam da perda da chance de obter aprovação em determinado concurso ou licitação pública, comuns nos ordenamentos francês e norte-americano, somente poderiam ser admitidos se restassem apenas dois concorrentes, pois somente desta maneira a vítima poderia obter mais de 50% de chances de lograr êxito no certame público. Caso a última fase de um concurso público contasse com quatro candidatos, aquele que fora eliminado injustificadamente nunca poderia ajuizar uma ação de indenização, pois contaria, dependendo do caso concreto, com algo em torno de 25% de chances de obter sucesso.

Assim, apesar de não existir unanimidade no direito, em relação ao percentual mínimo de chances de a vítima obter sucesso no evento aleatório, para a aplicação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance, existe com senso de que as chances devem ser, no mínimo, sérias e reais.

1.6Modalidades da Teoria da perda de uma chance

A teria da perda de chance evolui de duas formas nos ordenamentos jurídicos nacional e internacionais

Rafael Silva divide o instituto em 2 (dois) grupos de forma bem didática:

O primeiro seria caracterizado pelos casos nos quais o processo aleatório em que se encontrava a vítima é totalmente interrompido pela conduta do réu, antes de chegar ao seu final, aniquilando com todas as chances daquela. Esses casos apresentariam as chances perdidas pela vítima como uma especificidade do conceito de dano, garantida pela ciência Estatística. Já no segundo grupo, a conduta do réu não interrompe o processo aleatório em que se encontrava a vítima, fazendo com que haja apenas uma diminuição das chances de auferir a vantagem esperada. Nesses casos, o processo aleatório foi até o seu momento derradeiro e a ciência Estatística utilizada apenas para medir em que grau a conduta do réu contribuiu para a causação do dano final, fazendo com que as chances perdidas não passem de causas parciais para a perda da vantagem esperada pela vítima.54 (Grifo nosso).

Em análise ao acima exposto é que o grupo 1 (um) é denominado pela doutrina de “perda de chance clássica” ou perda de chance típica”, aquela é marcada pelo interrupção do processo aleatório em que a vítima do dano se encontrava, cessando assim, antes de alcançar o final, todas as chances de ela obter a vantagem final esperada ou de evitar determinado prejuízo, sendo em qualquer esfera material ou extrapatrimonial.

No grupo 1 (um) a perda da chance se mostra isolada e autônoma do dano final, devendo ser considerada sem levar em consideração a hipótese ou o que poderia ter acontecido.

Para melhor compreensão usaremos os exemplos citados por Flávio Higa,55 clássico exemplo do jóquei que, por falha da transportadora contratada, não chegou a tempo de participar de uma corrida, lesando assim nitidamente a chance de quem apostou no participante ausente, neste caso a vantagem esperada é eliminada, eliminando assim o candidato das chances de obter o êxito, sendo que o resultado final é um evento certo e presente.

  Do outro lado o grupo  2 (dois), intitulado de “perda de chance atípica” na qual o processo aleatório não sofro interrupção, chegando ao seu momento final, o que ocorre é uma diminuição considera das chances de obter um ganho, nesse caso se faz uso da noção de oportunidades perdidas com a finalidade de delimitar até que ponto o comportamento ilícito do agente contribuiu com a sua conduta para o resultado final, se encaixando no nexo de causalidade parcial, nexo estudado no capítulo I do presente trabalho, se vale o nexo de causalidade parcial pois não se sabe ao certo se uma causa ou um conjunto de causas que ensejou o dano final. Aqui se encaixam os erros médicos (responsabilidade civil por chance de cura ou sobrevivência).  

Rafael Silva afirma que, nestes casos, a perda da chance deve ser: “Uma opção subsidiária, utilizada somente após esgotar as possibilidades da utilização ortodoxa do nexo causal”.56

 Para exemplo, o caso do paciente que faleceu ou se torna inválido e, com o passar do tempo o mesmo descobre que o seu diagnóstico foi negligentemente omitido pela equipe médica responsável, percebe-se nesse caso, é que a perda da chance não impediu que o processo aleatório chegasse ao seu final, ( onde o paciente segue a sua própria sorte, mesmo após a omissão do médico, sem se saber se iria falecer ou não), mas diminui a chance de êxito da vítima, como expõem Flavio Higa57 “Aqui, a vinculação da perda de chance com o dano final é totalmente final e incerta”.

 O maior desafio no estudo da teoria é a sua essência pois a perda de chance está na difícil tarefa de “absorver o desconhecido “ em uma busca pela complexa localização da “álea”, tem-se como  no sentindo o dicionário da língua portuguesa: “Álea é um termo jurídico que significa literalmente a possibilidade de prejuízo simultaneamente à de lucro - ou, em outras palavras, risco” este ponto também possibilita mais duas distinções de suma importância para a teoria:

Flávio Higa aponta algumas distinções sendo elas:

Na perda de uma chance “típica”, a álea está no dano (resultado final). Nele reside a ignorância humana sobre os acontecimentos. Sabe-se que a vítima tinha um interesse aleatório; que este foi usurpado pela interrupção do processo aleatório (ato ilícito); que esta interrupção foi a causa da perda do interesse aleatório (nexo causal), mas, como a vítima só participa da cadeia causal até a intervenção interruptiva, não se sabe se ela conseguiria ou não o resultado almejado (dano equivalente ao resultado final).

[...]De outro bordo, na perda de uma chance “atípica”, a álea está no nexo causal. Nele, habita o desconhecimento sobre os fatos. Sabe-se que a vítima tinha um interesse aleatório; que este foi usurpado pela não interrupção do processo aleatório até o seu fim, também se sabe que ela sofreu o prejuízo ou não obteve o benefício que perseguia (dano equivalente ao resultado final). Porém, não se pode precisar se o ilícito do réu foi causador do dano (nexo causal), embora haja a “certeza da probabilidade”.58 (Grifo nosso).

Em resumo temos então a distinção entre perda de chance clássica (típica) e a perda de uma chance atípica que residente justamente em enxergar o dano decorrente da perda da chance como um dano autônomo ou não em relação ao resultado final desejado, contudo, na chance clássica (típica), a interrupção do processo aleatório enseja por si só um dano autônomo e sem nenhuma vinculação ao dano final.

O caso abaixo servira como ponto de partida para o entendimento da teoria no presente caso ilustrativo:

(CASO 1) “Em 27/09/2019 ( vinte e sete de setembro de dois mil e dezenove) um Requerido em uma Ação de Danos Morais C/C. Materiais, é derrotado, sendo assim o mesmo alega em outro juízo que, por negligência de seu “procurador”  não apresentou contestação devida, sendo que a mesma não exauria todos os fatos e fundamentos do direito, se tratando apenas de uma peça de bloqueio genérica”. Nesse caso existe a “perda de êxito na demanda judicial”.               

Tomemos nota do seguinte entendimento, nunca se definirá neste caso ao certo foi a contestação má elaborada que levará o Requerente a perder a presente demanda, uma vez que o processo de protocolo da mesma não fora interrompido, bem como a ação tramitou em julgado (trânsito em julgado). Sendo assim, não há de se falar que a contestação gerou a derrota do mesmo, pois em momento algum o processo alheatório foi interrompido, chegando em derradeiro ao final. Logo não há o elemento “certeza” do dano, apenas uma “hipótese”, portanto não há de se falar na aplicabilidade da perda de uma chance, uma vez que ordenamento Brasileiro não admite “ danos baseados em hipóteses” se recai então a noção de nexo de causalidade parcial, para entender assim até qual ponto o advogado foi negligente com  seu cliente.

(CASO 2) Aludimos aqui que o mesmo Requerente do (Caso 1), é derrotado em uma ação judicial, que posteriormente alega que, por ato negligente de3 seu advogado ora procurador nos autos, não apresentou contestação no prozo legal, nem mesmo deu ciência ao seu cliente da data de audiência de conciliação, onde o mesmo se torno revel, assim “ perdeu a chance de exercer o direito constitucional e processual de contraditório e ampla defesa” . Aqui existe de forma nítida o elemento certeza do dano, e o processo aleatório foi drasticamente interrompido, não se tratando de hipótese, e sim de um dano certo e autônomo pois “seu direito de defesa foi brutalmente interrompido, Pode-se notar que a um nexo de causalidade entre a conduta do advogado e  a perda da chance, sendo que resta aos julgadores analisarem o resultado final, apenas para se embarcar de seriedade e realidade a chance perdida, bem como a forma de quantificar o dano decorrente da presente teoria.

Assim pode ser vista a perda de chance, contudo a perda de chance como um dano autônomo ao resultado esperado é o que melhor se adéqua, pois se amolda perfeitamente (CASO 2), a responsabilidade civil.

Daremos agora início a análise a um verdadeiro divisor de águas da presente monografia, onde questões metodológicas, será abordada como ponto central do presente trabalho, a modalidade clássica ou típica de perda de uma chance, tendo em vista a distância conceitual, doutrinaria e jurisprudencial significativa existente entre ambas as espécies.

  1. DEBATE DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL SOBRE A TEORIA

No ordenamento jurídico Brasileiro, existem  aproximadamente 4 (quatro) entendimentos distintos a natureza jurídica da perda de uma chance, como descrito temos a perda de chance com lucros cessantes, outros entendem como uma nova categoria de danos, e outros entendem como um plus para o dano moral e ainda os que entendem como uma foram de dano emergente, sendo que nos tópicos a serem abertos ao decorrer deste capitulo, fica adstritos a estudar as últimas três concepções:

1.7A perda da chance como uma nova categoria de dano

Muitos doutrinadores assim entendem como uma nova categoria de dano isso pelo fato de que muita das vezes a teoria foi vista de forma única aos danos e pressupostos da responsabilidade civil.

Sílvio Venosa entende a perda de uma chance como:

[...] um terceiro gênero de indenização, que estaria situado como subespécie dos danos patrimoniais, num verdadeiro “meio termo” entre os danos emergentes e os lucros cessantes, uma vez que não se amolda nem a um nem a outro.59

Raimundo Melo e Janaína Guimarães e seguem a mesma linha de raciocínio de Silvio venosa, os três autores fundamentam perda de uma chance não se encaixa como dano emergente ou lucro cessante, por se tratar de uma nova categoria de dano indenizável.

Em que pese essa proposta é criticada, pois esbarra na questão da certeza, que é um requisito essencial para a configuração do dano. De acordo com os pressupostos da responsabilidade civil, não há de se aceitar a incidência por meio de danos pautado apenas em probabilidades. Com um olhar um pouco mais crítico, podemos pensar que a teoria da perda de chance é uma evolução das modalidades existentes de dano, porém a mesmo não goza de caraterísticas dos pressupostos já existentes, onde em cada caso concreto busca subsídios nas modalidades já existentes porem com um olhar para as chances reais e serias ou seja novos pressupostos.

1.8A perda da chance como agregador do dano moral

Este entendimento é pautado nos julgados brasileiros na qual se fez por intocáveis julgados, os mesmo acreditam que a frustração séria e real se pauta apenas em um agregador de dano moral ou seja um plus, propriamente nas palavras de Rafael silva60 “em outras palavras, o dano decorrente da perda de uma chance ensejaria apenas danos morais”

Assim temos o julgado da Apelação Cível n. 2003.001.19138:

[...] É certo que o fato de ter o advogado perdido a oportunidade de recorrer em consequência da perda de prazo caracteriza a negligência profissional. Da análise quanto à existência de nexo de causalidade entre a conduta do apelante e o resultado prejudicial à Apelada resta evidente que a parte autora da ação teve cerceado o seu direito de ver apreciado o seu recurso à sentença que julgou procedente a reclamação trabalhista, pelo ato do seu mandatário, o qual se compromete ao seu fiel cumprimento, inserido que está, no elenco de deveres e obrigações do advogado, aquele de interpor o recurso à sentença contra qual irresignou-se o mandante. Houve para a Apelada a perda de uma chance, e nisso reside o seu prejuízo. Estabelecida a certeza de que houve negligência do mandatário, o nexo de causalidade e estabelecido o resultado prejudicial demonstrado está o dano moral.61 (Grifo nosso).

Na ementa acima, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entendeu que a conduta negligente do advogado que perdeu o prazo na interposição de recurso em desfavor de seu cliente se tratava apenas de um dano moral.

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul no julgamento da Apelação Cível n. 70.003.003.845. concorre da mesma linha de pensamento, como mostra a ementa a seguir:

[...] quanto aos danos materiais, tenho que estes incorreram. Embora seja evidente o prejuízo sofrido pelo autor em razão das informações prestadas quanto a sua pessoa, tenho que não se pode presumir que este conseguiria o emprego na empresa Erva Matte Zaffari Ltda., e, muito menos, lá permaneceria trabalhando por muito tempo. Tenho que o maior prejuízo sofrido pelo autor foi a perda de chance de obter o emprego, ou seja, a possibilidade de concorrer com os demais candidatos em patamar de igualdade, com a mesma possibilidade de obter a vaga. No meu entender, tal prejuízo encontra-se na esfera dos danos morais, devendo ser levado em conta quando do arbitramento destes. Não vislumbro possibilidade de condenar a ré ao pagamento de salários que o autor perceberia caso conseguisse o emprego, pois tal fato não passa de presunção, não acompanhada da prova necessária para a condenação da empresa ré por danos materiais.62 (Grifo nosso).

No voto acima é possível observar que o dano decorrente de perda de uma chance se encontra apenas a esfera do dano extra patrimonial, em resumo a autora da presente demanda estava desemprega, ajuizou a Ação de danos marais e matérias em face da emprega na qual prestava serviços, por um ato negligente do departamento pessoal da mesma, a autora teve sua imagem denegrida frente a possíveis possibilidades da empregada, ensejando a perda de um novo emprego, o voto vencedor acima, mostra que os danos matérias foram excluídos e os danos morais mantidos, entretanto de forma reduzida.

Essa corrente de perda de chance como dano moral, interpretada a restringir outros entendimentos, se mostra ineficiente se analisarmos sua aplicabilidade no ponto patrimonial, o não é aceitável uma vez que analisado o enquadramento dogmático da teoria.

Sérgio Savi analisa a ineficiência de perda de chance como plus de dano moral da seguinte forma:

O que não se pode admitir é considerar o dano causado pela perda de chance como sendo um dano exclusivamente moral. Até porque, [...] a frustração de uma oportunidade séria e real de incremento no patrimônio pode causar danos de natureza patrimonial, que se enquadram como uma subespécie de dano emergente.63

vale ressaltar que essa corrente não é de todo equivocada se analisada com maior amplitude, pelo fato que em alguns casos em que o julgador não poderá julgar o dano material, entretanto poderá considerar a perda da expectativa como algo indenizável a título de danos morais. Contudo classificar apenas como plus de dano moral despesa os requisitos essências da própria teoria novamente os requisitos reais e sérios.

1.9A perda da chance como dano emergente e sua coexistência harmoniosa com os danos moreias e materiais

No ordenamento jurídico brasileiro, a tese que mais se adequa ao enquadramento dogmático da teoria da perda de chance baseia-se nos livros, trabalhos e teses publicadas pelo autor Sérgio savi, que usa como base o direito italiano, mais precisamente das lições proferidas por Antônio de Cupis em seu livro Il danno: teoria generale dela responsabilità civile que assim traduz:

Ao se inserir a perda de chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado, (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial). [...] Assim, não se concede indenização pela vantagem perdida, mas sim pela perda da possibilidade de conseguir essa vantagem. Isto é, faz-se uma distinção entre resultado perdido e chance de consegui-lo. Ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regra da certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a chance, o dano é, portanto, certo.64

Se, supracitada as lições com a sua própria forma como deve ser feito  busca do enquadramento dogmático da teoria, afirmando que a perda de chances se analisada com conformidade com o caso concreto, está apta  a originar tanto danos patrimoniais como os danos extrapatrimoniais aceitando a cumulação de ambos, e conclui que, em caso de danos patrimoniais, a perda de chance se enquadra perfeitamente ao dano emergente.

Tem-se um  julgado que abriu ainda mais credibilidade para a aplicabilidade da teoria neste sentido do Superior Tribunal de Justiça no  Recurso Especial n. 1.079.185/MG temos como relatora a  Ministra Nancy Andrighi:

Ao perder, de forma negligente, o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frustra as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto, de reparar a perda de “uma simples esperança subjetiva”, nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance. (...) A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos morais. (Grifo nosso).

Flavio Higa65 afirma que a falha está na tentativa de vincular a perda de chances ao mesmo enquadramento dogmático de danos emergentes, reside em que, de acordo com grande parte da doutrina, se abarca apenas em danos patrimoniais deixando a desejar em relação aos danos extrapatrimoniais,  Contudo o autor busca a seguinte saída para tal problemática nas palavras de Sílvio Neves Baptista “O estreitamento da classificação do dano emergente e do lucro cessante em, apenas, subespécies de dano patrimonial é uma restrição de todo inaceitável, pois é possível estendê-las a várias hipóteses de dano moral”66.

Aguiar Dias segue a mesma linha de pensamento da seguinte premissa de distinção entre dano moral e dano moral.

[...] ao contrário do que parece, não decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter da sua repercussão sobre o lesado. De forma que tanto é possível ocorrer dano patrimonial em consequência de lesão a um bem não patrimonial como dano moral em resultado de uma ofensa à bem material.67

Tal entendimento acima citado, afasta a ideia que o dono emergente deve ser usado tão somente em casos de danos patrimoniais, usando essa perspectiva, seria possível enquadrar, em qualquer crise sistêmica, a perda der uma chance como uma categoria pura de danos emergentes, sendo uma subespécie de dano emergente, visto que seria sim possível, em casos, a aplicação como desdobramento de lesões extrapatrimoniais.

Ainda em relação ao enquadramento dogmático, a mesma se desvincula do enquadramento clássico trazendo como ponto de vista que a perda de chances tem características de situações lesivas e assim, passível de gerar qualquer espécie de reparação civil prevista no ordenamento jurídico pátrio, ilustrando assim seu pensamento:

O dano decorrente da perda de uma chance nem sempre, porém, poderá ser qualificado como dano emergente, porque também pode envolver interesses extrapatrimoniais. Exatamente por isso, ao que parece, a perda de uma chance também não pode ser considerada propriamente, um terceiro gênero, ao lado do dano emergente e do lucro cessante, sendo antes uma situação lesiva da qual pode originar um dano patrimonial ou extrapatrimonial, a depender do interesse em jogo.68

Tamanha foi a divergência tanto doutrinária quanto jurisprudencial que houve a época a necessidade de levar a problemática a debate na V Jornada de Direito Civil organizada pelo Conselho da Justiça Federal, sendo aprovado o esclarecedor enunciado nº. 443:

Art. 927. A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.69

Com vistas a sintetizar o pensamento que hoje é muito bem visto na jurisprudência, a Ministra Nancy Andrighi, em voto didático proferido no já supramencionado REsp 1.079.185/MG, chancela  o entendimento de que a perda da chance pode representar tanto um dano material quanto um “agregador” do dano moral, não admitindo, contudo, que seja visto somente como um dano exclusivamente de natureza moral, mas se assemelhando a uma subespécie de danos emergentes.

1.10Análise do atual entendimento dos Tribunais

Rafael Silva70 narra que a teoria da perda de uma chance já é amplamente utilizada por inúmeros tribunais de todo o país. Os magistrados, de vários modos e sob várias perspectivas, aplicam a perda de uma chance como instrumento útil ao deslinde das ações reparatórias de danos. Entretanto, mesmo com o avanço exponencial experimentado, não seria oportuno dizer que a teoria já goza de aplicação irrestrita e sem ressalvas, uma vez que parte da jurisprudência pátria ainda não teve o devido contato com suas corretas. No momento atual, o que se nota não é uma posição contrária à aplicação da Teoria da Perda de uma Chance, mas sim a dificuldade encontrada pelos tribunais em harmonizar seus conceitos onde Sérgio savi71 em uma breve pesquisa jurisprudencial, observando principalmente a atividade jurisdicional dos Tribunais de Justiça dos Estados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, já é possível observar uma clara ausência de uniformização no que tange ao entendimento do instituto de origem francesa. Como já abordado no presente trabalho, no capítulo sobre a divergência quanto à natureza jurídica, algumas decisões entendem que a perda da chance estaria apta apenas a ocasionar danos extrapatrimoniais, outras confundem o instituto com os lucros cessantes e uma parcela entende tratar-se de um dano emergente quando o prejuízo for material, mas compatível com os danos morais, inclusive podendo cumular-se entre si.

Rafael Silva72 com a ebulição dos julgados referentes à perda de uma chance, o Superior Tribunal de Justiça foi provocado a se pronunciar sobre o tema e, num primeiro momento, raramente utilizava-se explicitamente da Teoria da Perda de uma Chance. Entretanto, com o advento do novo Código Civil e sua adequação ao paradigma solidarista inserido no texto constitucional, os conceitos de Responsabilidade Civil evoluíram e o referido Tribunal Superior se viu no mister de considerar a perda de uma chance como dano indenizável. O leading case sobre o tema, que ficou conhecido como o caso do “Show do Milhão”, foi o mais emblemático até então realizado pelo STJ, servindo de parâmetro para os posteriores enfrentamentos e é tido pela doutrina como o julgado “ideal” em matéria de responsabilidade civil pela perda de uma chance

O supracitado acórdão proferido no Recurso Especial n. 788.459/BA sendo o STJ, Recurso Especial n. 788.459-BA, Quarta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 8/11/2005, DJ em 13/03/2006, enfrentou o caso de uma participante do famoso programa televisivo de perguntas e respostas, transmitido pelo SBT, chamado “Show do Milhão”.

No caso em tela, a participante logrou êxito até alcançar a última pergunta do quiz, que, caso fosse corretamente respondida, ensejaria o prêmio de 1 milhão de reais, entretanto, a referida pergunta não estava corretamente formulada, não sendo passível de resposta.

A pergunta assim dispunha: “A Constituição reconhece direitos dos índios de quanto do território brasileiro? 1) 22%; 2) 2%; 3) 4% ou 4) 10%. O questionamento era visivelmente mal formulado e claramente induzia a participante em erro, uma vez que a Constituição Federal não contempla qualquer percentual mínimo de ocupação indígena no território. Segundo Flávio Tartuce73 tal situação gerou profundo receio da participante em responder à pergunta, o que ocasionou sua desistência e, por conseguinte, levando a importante, mas insuficiente quantia de 500 mil reais até então adquirida.

A participante, sentindo-se lesada, foi a juízo requerendo os outros 500 mil reais que, somados ao valor já conquistado, seria equivalente ao montante total a que teria direito se tivesse acertado a última pergunta. Obteve êxito tanto na primeira, quanto na segunda instâncias. No entanto, em sede de Recurso Especial, o STJ, apesar de ter confirmado parcialmente o entendimento prolatado nas instâncias inferiores, entendeu de modo diverso no que diz respeito à tênue diferença entre a perda da chance de obter a vantagem esperada e a perda da vantagem esperada propriamente dita.

O Ministro Fernando Gonçalves, em voto proferido no referido acórdão, concluiu que não era possível dizer, com absoluta certeza, que a autora acertaria uma nova pergunta que viesse a ser elaborada. Sérgio Savi74 entendeu pela impossibilidade de condenar o valor do montante integral, qual seja, 1 milhão de reais.

Em complemento, o Ministro reconheceu que restou configurada uma oportunidade séria e real de a participante ganhar o prêmio máximo do programa, tendo essa oportunidade, por si só, valor econômico autônomo capaz de gerar uma indenização. No cálculo do quantum indenizatório, foi utilizada a lei das probabilidades matemáticas que se encaixou perfeitamente ao caso concreto. Assim, para Sérgio Savi75, como havia quatro opções de resposta, as chances eram de 25% de acerto e, como a última pergunta valia, de forma isolada, 500 mil reais, a condenação incidiu sobre este montante, sendo fixada em 25% de 500 mil reais, ou seja, 125 mil reais.

O acórdão é tido como impecável e extremamente técnico. Os requisitos e limites de aplicação foram completamente observados, quais sejam, a seriedade e a realidade da chance, bem como o quantum indenizatório foi perfeitamente calculado com base na aplicação de um coeficiente redutor ao montante integral do dano final.

Outro acórdão importante proferido pelo STJ é de 2009 sendo STJ, Recurso Especial n. 1.190.180-RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2010, DJe em 22/11/2010 onde e também é paradigma para a correta utilização da responsabilidade civil pela perda de uma chance.

Trata-se do acórdão proferido no Recurso Especial STJ, Recurso Especial n. 335.392-RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/Acórdão Min. Castro Filho, julgado em 26/03/2002, DJe em 17/06/2002, já anteriormente citado no presente trabalho. Neste caso, o advogado perdeu o prazo de interposição do recurso de apelação, frustrando a chance de êxito de seu cliente, bem como a oportunidade de ver seu recurso apreciado em segunda instância. A importância do acórdão está no entendimento de que a perda de uma chance está apta a ensejar tanto danos patrimoniais, quanto extrapatrimoniais, a depender do caso concreto.

Ademais, inúmeros outros julgados tiverem como matéria analisada a perda de uma chance. Foi o que ocorreu nos Recursos Especiais n. 1.190.180-RS e n. 821.004-MG.

Em matéria trabalhista, alguns acórdãos proferidos por Tribunais Regionais do Trabalho já entenderam que a perda de uma chance é compatível com o direito laboral, como é o caso do Tribunal Mineiro. Vejamos um trecho da ementa proferida no Recurso Ordinário n. 1533-2007-112-03-00-5. RT 3ª Região, Recurso Ordinário n. 1533-2007-112-03-00-5, Rel. Des. Emerson José Alves Lage, julgado em 25/09/2008, publicado em 2/10/2008.:

Se o reclamante tinha como justa e real a probabilidade de um ganho salarial decorrente de sua promoção ao cargo de supervisor de vendas da reclamada, porque aprovado em processo seletivo interno da empresa, mas viu perdida a chance de conquistar esse resultado em razão de ato ilícito praticado pelo empregador, quando da sua dispensa, manifestamente abusiva e ilícita, faz jus à reparação patrimonial decorrente deste ilícito. E aqui, independentemente dos ganhos perdidos, o que se indeniza é o prejuízo consistente na perda dessa oportunidade, a perda da chance real de alcançar a promoção legitimamente esperada.76

No entanto, na seara trabalhista, a aceitação da perda de uma chance não se demonstra tão consolidada quanto em âmbito cível como se observa no entendimento do STJ.

O Tribunal Superior do Trabalho ainda não foi exaustivamente provocado e, portanto, não emitiu ainda seu ponto de vista dominante. Contudo, alguns acórdãos proferidos pela Corte Superior do Trabalho indicam a aceitação da teoria na seara trabalhista, desde que cumpridos os requisitos analisados no presente trabalho.

O TST já se pronunciou no caso de uma trabalhadora que pleiteava indenização pela perda de uma chance, na qual alegava perda da oportunidade de obter lucro com a aplicação financeira em mercado de capitais, em virtude do atraso no pagamento de suas verbas rescisórias.

No Recurso de Revista n. 144540-94.2006.5.02.0085 Recurso de Revista n. 144540-94.2006.5.02.0085, Segunda Turma, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva. DEJT em 9/4/2010, de relatoria do Ministro Renato de Lacerda Paiva, decidiu-se que não houve provas suficientes de que a reclamante aplicava, com frequência, numerários no mercado de capitais, ou tivesse a intenção de aplicar aquela quantia específica referente às verbas rescisórias.

Do mesmo modo, não foi possível afirmar com a seriedade necessária que a aplicação renderia lucros, visto que o mercado de capitais é oscilante. Diante de tal fundamentação, tornou-se possível inferir que o único entrave para aplicação da teoria foi a ausência de lastro probatório mínimo para comprovar a perda da chance, levando a interpretar que o TST aplicaria a teoria em caso de contexto probatório favorável (HIGA, 2012).

Em outro acórdão proferido, o TST. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n. 860-16.2011.5.15.0117, Quarta Turma, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, DEJT em 26/4/2013, considerou possível a indenização pela perda da chance por quebra da expectativa de um trabalhador que se viu privado da oportunidade obter novo emprego em virtude de um equívoco cometido pelo preposto da reclamada.

Em tal situação, deve o julgador avaliar o possível aumento patrimonial que a vítima obteria, se não houvesse o evento danoso; vale dizer, se o preposto da Reclamada não tivesse agido com negligência em relação ao teste de seleção a que se submeteu o Reclamante.

No mesmo sentido, o acórdão n. 1233-28.2011.5.14.0003, TST, Recurso de Revista n. 1233-28.2011.5.14.0003, Terceira Turma, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT em 3/5/2013, de relatoria do Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, proferido em Recurso de Revista.

Diante do exposto, é inegável que a teoria da perda de uma chance está consolidada na jurisprudência do STJ e consequentemente nos Tribunais Estaduais e, sem sombra de dúvida, na seara trabalhista o caminho a ser trilhado pelos Tribunais Regionais e pelo TST parece ser o mesmo.

1.11Compatibilidade da Teoria da Perda de uma Chance no ordenamento jurídico brasileiro

Vale aqui entender a compatibilidade da Teoria da perda de chances onde que para Rafael Silva77 o Código Civil de 2002 adotou em seu bojo a técnica legislativa de cláusulas gerais, a fim de permitir maior flexibilidade no enquadramento do caso concreto à norma jurídica. Ademais, juntamente com tal preceito, é movimento sem volta a análise do direito privado sob o prisma constitucional.

Dessa maneira, a Constituição Federal, ao estabelecer que a indenização deve ser justa e eficaz, consagrou o princípio da reparação integral dos danos

via de consequência, nos casos em que a chance perdida for amplamente provada e entendida como um dano quantificável, demonstrando o nexo causal entre a conduta e a perda da chance, não há óbice para sua aplicação

Desse modo, o Diploma Civilista estabeleceu em seu art. 186 uma cláusula geral relativa à Responsabilidade Civil. O referido dispositivo possui a seguinte redação: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”78. Em complemento, o art. 927 propõe que “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”79. Após a leitura dos artigos, fica evidente que o legislador se utilizou de um conceito aberto e amplo de dano, não se preocupando em especificar quais as espécies abarcadas por este conceito. Sérgio Savi complementa que os supracitados dispositivos, quando somados aos artigos 948 e 949, oferecem um suporte ainda maior, necessário para a aplicação da teoria da perda de uma chance no Brasil. Em conclusão:

Não há, a nosso sentir, no Código Civil Brasileiro em vigor, qualquer entrave à indenização das chances perdidas. Pelo contrário, uma interpretação sistemática das regras sobre a responsabilidade civil traçadas pelo legislador pátrio nos leva a acreditar que as chances perdidas, desde que sérias e reais, deverão ser sempre indenizadas quando restar provado o nexo causal entre a atitude do ofensor e a perda da chance.80

Ele finaliza seu entendimento, considerando o dano decorrente da perda da chance um dano emergente, o alocando na primeira parte do art. 402 do Código Civil, que assim dispõe: “Salvo as exceções expressamente previstas, em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”81 (Grifo nosso).

Judith Martins-Costa82 entende que o local mais adequado para tratar a perda da chance é o art. 403, cujo texto é assim disposto: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato [...]”.83 (Grifo nosso).

Flavio Higa delimita da seguinte maneira

[...] com fins meramente didáticos, subdivide a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance em contratual e extracontratual. Na seara contratual, acredita ser o art. 389 do Código Civil a “porta de entrada” para o dano decorrente da perda da chance. Ressalta que este viés tem sido o mais experimentado no que tange à perda das chances, principalmente quando é invocada a chamada “obrigação de meio”, como é o caso do advogado, que possui relação contratual com seu cliente, o mesmo ocorrendo com o médico e seu paciente, dentre outros. No que tange à seara extracontratual entende os dispositivos 186 e 927 como seus fundamentos legais de aceitação sistemática84.

Dessa forma, o mesmo autor supracitado de forma objetiva, sintetiza o motivo pelo qual a Teoria da Perda de uma Chance deve ser aceita no ordenamento jurídico brasileiro:

[...] a perda de uma chance é instrumento de tutela dos valores constitucionalmente protegidos, na medida em que irá, em última análise, indenizar, com justiça, a esfera de bens violada, seja ela moral, material ou estética (CF, art. 5º, V e X). Sua reparação prescinde de qualquer prescrição positiva específica, porquanto tem ampla guarida na cláusula geral de responsabilidade civil.85

Portanto, o novo paradigma solidarista do qual o Novo Direito Civil Constitucional faz parte, não cria qualquer óbice para a aceitação da perda de uma chance como um dano certo e indenizável.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a exposição das mais variadas lições doutrinárias e jurisprudenciais, sem se desvencilhar dos respectivos embasamentos normativos, o correto entendimento da Teoria da Perda de uma Chance reside justamente em interpretar o dano decorrente da perda da chance como um dano autônomo em relação ao resultado final esperado.

Enquanto na perda da chance “clássica” ou “típica” a interrupção abrupta do processo aleatório ensejaria por si só um dano autônomo e sem vinculação ao dano final, na “atípica”, pautada na noção de causalidade parcial, a perda da chance é vinculada ao dano final e o processo aleatório não se vê interrompido antes do momento derradeiro.

O presente trabalho se ateve à concepção “clássica” da perda de uma chance e se preocupou, tão somente, em abordar as situações em que o processo aleatório pela qual a vítima fazia parte foi interrompido de plano e, por conseguinte tendo fulminada qualquer chance de a mesma obter a vantagem esperada ou evitar um determinado prejuízo. É essa “chance ou oportunidade perdida” que deve residir o prejuízo. Sob esta ótica, não se tem mais o problema da certeza do dano, uma vez que a perda da chance, por si só, já tem valor patrimonial e/ou extrapatrimonial. Por consequência lógica desta escolha metodológica, o presente trabalho não se preocupou em aprofundar a perda da chance na seara médica, vez que na imensa maioria dos casos, serão observados os preceitos da visão “atípica” da perda de uma chance, pautadas na causalidade parcial.

Quanto à natureza jurídica, nota-se que a proposta mais interessante é a de Sérgio Savi que acredita que a perda da chance é suscetível de causar tanto danos extrapatrimoniais quanto danos patrimoniais a depender do caso concreto e, quando se tratar de danos materiais, deverá ser classificada como danos emergentes e por esta razão, não mais haveria qualquer dúvida quanto à certeza do dano, ensejando indenização da chance perdida por si só.

Os requisitos e limites da aplicação da perda de uma chance são verdadeiros filtros que evitam a “banalização” das demandas indenizatórias. Não são quaisquer “meras expectativas” ou “sonhos distantes” que darão ensejo à tutela reparatória. As chances perdidas devem ser sérias e reais, dentro de um juízo de probabilidades realizado com muita cautela pelo magistrado.

Apesar da pouca experiência jurisprudencial no Brasil, bem como uma constante oscilação entre os Tribunais, não há como negar que a Teoria da Perda de uma Chance já é uma realidade no direito pátrio e a tendência é que cada vez mais os magistrados sejam provocados a decidir sobre suas questões.

Seja na seara cível, seja na seara trabalhista, a concepção contemporânea de responsabilidade civil pautada no novo paradigma constitucional solidarista, acaba por consagrar a plena aceitação da perda de uma chance como um dano certo e indenizável, merecedor da mais ampla tutela reparatória.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 VALENTE, Rubem. Direito civil facilitado. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. p. 208.

2 Brasil. LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acessado em: 02/04/2019.

3 Ibid.

4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigações: Parte especial: Responsabilidade civil. 6. v. 2. t. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p.19.

5 VALENTE. 2017. p. 209.

6 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. - São Paulo: Atlas, 2014. p. 29.

7 BRASIL. LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.

8 GONÇALVES. 2017. p. 25.

9 Ibid.

10 GONÇALVES. 2017. P .30.

11 CAVALIERI FILHO. 2012. p. 76.

12 GONÇALVES. 2017. p. 27.

13 DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático - Direito Civil. 2017. Atlas 2017. p. 410.

14 Ibid. pag. 410.

15 CAVALIERI FILHO. 2014. p. 76.

16 VALENTE. 2017. p. 29.

17 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade Civil Pela Perda de uma Chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3a Edição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 22.

18 GONÇALVES. 2012. p. 35.

19 CAVALIERI FILHO. 2014. p. 48.

20 SILVA. 2013. p 22

21 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Parte Geral. 1. v. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 360.

22 Ibid.

23 SILVA. 2013. p 23.

24 BRASIL. LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.

25 SILVA. 2013. p. 31.

26 Ibid. p. 32

27 SAVI. 2012. p. 45.

28 CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 27-28.

29 Neste sentido, importante mencionar o estudo do nexo de imputação, descrito na obra de Roberto ALTHEIM (Direito de Danos: pressupostos contemporâneos do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2008. p. 127-142).

30 Gonçalves. 2017. p. 25.

31 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito das sucessões. 4. v. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 90.

32 SILVA. 2013. p. 225.

33 SILVA, 2013. p. 225.

34 HIGA. 2012. p. 68.

35 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 35.

36 SILVA. 2013. p. 3.

37 SAVI. 2012. p. 36.

38 SILVA. 2013. p. 11.

39 SAVI. 2012. p. 37.

40 HIGA, Flávio da Costa. Responsabilidade civil: A perda de uma chance no direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2012.

41 HIGA. 2012.

42 Ibid. p. 30.

43 SILVA. 2013. p. 13.

44 CAVALIERI FILHO. 2012. p. 81.

45 BRASIL. LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.

46 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil. 14ª Ed. São Paulo> Atlas, 2014. p. 326.

47 Ibid. 2014. p. 327.

48 CAVALIERI FILHO, 2014. p. 54.

49 SILVA. 2013. p. 139-140.

50 Ibid. 2013. p. 140.

51 Ibid. 2013. p. 141.

52 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p .31.

53 SILVA. 2013. p. 141-142.

54 Ibid. 2013. p. 256.

55 HIGA. 2012.

56 SILVA. 2013, p. 259.

57 HIGA. 2012.

58 HIGA. 2012. p. 176.

59 VENOSA. 2013. p. 441.

60 SILVA. 2013.

61 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº. 2003.001.19138 da 14ª Câmara Cível, julgada em 07 de outubro de 2003, Relator Desembargador Ferdinaldo do Nascimento. Disponível em: <https://tj.rj.gov.br>. Acesso em: 15/04/2019.

62 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº. 70.003.003.845 da 6ª Câmara Cível, julgada em 29 de maior de 2002, Relator Desembargador Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura. Disponível em: <https://tj.rs.gov.br>. Acesso em: 16/04/2019.

63 SAVI. 2012. p. 57.

64 SAVI. 2012. p. 57.

65 HIGA. 2012.

66 BAPTISTA, citado por HIGA. 2012. p. 80.

67 AGUIAR DIAS, citado por HIGA. 2012. p. 80.

68 SAVI. 2012. p. 42.

69 V Jornada de Direito Civil / Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. – Brasília: CJF, 2012. Disponível em: <file:///C:/Users/Eu/Downloads/VJornadadireitocivil2012.pdf>. Acessado em: 25/05/2019.

70 SILVA. 2013.

71 SAVI. 2012.

72 SILVA. 2013.

73 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013b. volume único.

74 SAVI. 2012.

75 Ibid.

76 TRT 3ª Região, Recurso Ordinário n. 1533-2007-112-03-00-5, Rel. Des. Emerson José Alves Lage, julgado em 25/09/2008, publicado em 2/10/2008. Disponível em: <https://trt-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/307128944/recurso-ordinario-trabalhista-ro-30201411403000000230-9420145030114/inteiro-teor-307128973>. Acessado em: 28/05/2019.

77 SILVA. 2013.

78 Brasil. LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.

79 Ibid.

80 SAVI. 2012. p. 68.

81 Brasil. LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.

82 MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. Comentários ao novo código civil. 5. v. Rio de Janeiro: Forense, 2003. t. II.

83 Brasil. LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.

84 HIGA. 2012. p. 110-113.

85 Ibid. p. 111.

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