REINCIDÊNCIA E EXECUÇÃO PENAL

29/04/2020 às 09:29
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE RECENTE DECISÃO DO STJ NA MATÉRIA.

REINCIDÊNCIA E EXECUÇÃO PENAL

Rogério Tadeu Romano

 

Discute-se a questão da reincidência.

A reincidência é uma circunstância agravante da pena que é fator que a agrava, quando não constitui ou qualifica o crime (artigo 61 do Código Penal).

É de se considerar circunstância de um crime todo aquele elemento previsto em lei que não integra o tipo penal, não está previsto como parte da conduta, mas deve subsidiar o agravamento ou abrandamento da pena a ser fixada, caso esteja presente no caso concreto.

 A presença das circunstâncias do artigo 61 do Código Penal, em um delito, demonstra um grau maior de reprovação da conduta do delinquente, daí advindo a necessidade de uma pena mais severa em face dele.

Em determinados crimes, o tipo penal pode prever alguma circunstância como elemento do delito, como parte dele, ela será, então, uma circunstância elementar do tipo penal.

 Noutros casos, a norma penal, em sua redação, já inclui no tipo uma circunstância como causa à imposição de uma pena mais severa, nessa hipótese se fala em circunstância qualificadora, em crime qualificado.

A doutrina apresenta duas espécies de reincidência: a real, que ocorre apenas quando o agente cumpriu a pena correspondente ao crime anterior, e a ficta, que existe com a simples condenação anterior. Segundo o artigo 63, onde se adotou essa segunda corrente, “verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença, que, no País, ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. Para que ocorra a reincidência, com a consequente agravação da pena a ser imposta ao autor de determinado crime, é necessário que já tenha transitado em julgado uma sentença condenatória contra ele proferida no pais ou no estrangeiro, por outro crime (crime antecedente).

A agravante de reincidência prevista no artigo 61, inciso I, para que seja aplicada, exige que tenha trânsito em julgado a anterior sentença condenatória antes do cometimento do segundo crime. Não se caracteriza a reincidência se, na ocasião da prática de novo crime, estiver pendente de julgamento de qualquer recurso sobre o delito anterior, inclusive o extraordinário (RT 503/350).

Entende-se que, para o reconhecimento da reincidência, é indispensável a comprovação da condenação anterior por documento hábil, exigindo-se, daí, a competente certidão cartorária em que conste a data do trânsito em julgado.

Por certo, havendo a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, não prevalece a sentença anterior para o efeito da reincidência, já que nessa hipótese desaparecem os efeitos da decisão. Mas, tratando-se de prescrição da prescrição executória, que extingue somente a pena, não fica excluída a agravante quando do cometimento de novo crime (RT 432/377). .

A teor do artigo 64, inciso I, do Código Penal, não prevalece para efeito de reincidência “a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a cinco anos, computado o período de prova da suspensão ou livramento condicional, se não ocorrer a revogação”.

Adota-se, pela redação dada pela Lei 6.416/77, o sistema da temporariedade com relação à caracterização da reincidência. Sendo assim, a condenação anterior somente será considerada para o reconhecimento da agravante de reincidência, se não houver decorrido cinco anos entre a data do cumprimento da pena referente ao delito anterior e a prática de crime posterior.

A lei determina que se passe a computar no prazo de cinco anos o período de prova de suspensão ou livramento condicional, se não ocorreu a revogação do benefício.

Necessário distinguir o que se chama de criminoso primário e criminoso reincidente. Criminoso primário é aquele que jamais sofreu condenação irrecorrível. Chama-se reincidente aquele que cometeu um crime após a data do trânsito em julgado da sentença que o condenou por crime anterior enquanto não transcorrido o prazo de cinco anos contados a partir do cumprimento ou da extinção da pena.

Não será considerado primário ou reincidente aquele que já foi condenado anteriormente por sentença transitada em julgado e comete o delito posterior após o prazo de cinco anos a contar do cumprimento ou extinção da pena.

Caso reconhecida a agravante de reincidência, são seus efeitos: agrava a pena (artigo 63); prepondera essa circunstância na fixação da pena (artigo 67); quando em crime doloso, impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou multa (artigo 44, inciso II, e 60, § 2º); impede a concessão do sursis quando se tratar de crimes dolosos (artigo 77, inciso I); impede que se inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto (a não ser que se trate de detenção) ou aberto (artigo 33, § 2º, b e c); aumenta o prazo para a concessão de livramento condicional (artigo 83, inciso II); aumenta o prazo para a prescrição da pretensão executória (artigo 110, última parte); interrompe o prazo da prescrição (artigo 117, inciso V); revoga o sursis, obrigatoriamente, em caso de condenação por crime doloso (artigo 81, inciso I) e facultativamente na hipótese de crime culposo ou contravenção (argigo 81, § 1º); revoga o livramento condicional, obrigatoriamente, em caso de condenação a pena  privativa de liberdade (artigo 86) e, facultativamente, na hipótese de crime ou contravenção, quando aplicada pena que não seja privativa de liberdade (artigo 97); revoga a reabilitação, quando o agente for condenado a pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade (artigo 44, § 5º); possibilita o reconhecimento da infração penal prevista no artigo 25 da LCP; impede a liberdade provisória para apelar (artigo 594 do CPP); impede a prestação de fiança em caso de condenação por crime doloso; impede o reconhecimento de causas de diminuição da pena (artigos 155, § 2º, 171, § 1º), dentre outros efeitos.

E se a reincidência não for reconhecida na sentença? Poderá o juiz da execução penal assim reconhece-la?

Em julgamento de embargos de divergência, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou entendimento de que a reincidência – independentemente de ter sido reconhecida na sentença condenatória – deve ser considerada no momento da execução da pena, por ser parte integrante da análise das condições pessoais do condenado e, portanto, do ato de individualização da pena. 

Com a decisão, tomada por maioria de votos, a seção resolve divergência entre a Sexta Turma – que já tinha essa orientação – e a Quinta Turma – para a qual a reincidência não reconhecida expressamente na sentença não poderia ser proclamada pelo juiz executante, sob pena de violação da coisa julgada e do princípio non reformatio in pejus.

No caso analisado pela seção, a Quinta Turma havia aplicado o entendimento de que não é possível reconhecer a reincidência apenas no momento da execução da pena, se ela não foi declarada de forma expressa na sentença condenatória.

O Ministério Público Federal interpôs os embargos de divergência alegando que a reincidência configura circunstância de caráter pessoal e acompanha o condenado durante todo o cumprimento da pena, inclusive para fins de progressão de regime, livramento condicional e outros benefícios, devendo ser considerada pelo juízo da execução.

A relatora dos embargos, ministra Laurita Vaz, destacou que a Sexta Turma tem entendido que o juízo da execução deve se ater ao teor da sentença condenatória no que diz respeito ao tempo de pena, ao regime inicial e à possibilidade de que a pena privativa de liberdade tenha sido substituída ou não por restritiva de direitos.

No respeitável acórdão, no EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.738.968 – MG, individualização da pena se realiza, essencialmente, em três momentos: na cominação da pena em abstrato ao tipo legal, pelo Legislador; na sentença penal condenatória, pelo Juízo de conhecimento; e na execução penal, pelo Juízo das Execuções.

Ademais, foi observado:  

'Tratando-se de sentença penal condenatória, o juízo da execução deve se ater ao teor do referido decisum, no tocante ao quantum de pena, ao regime inicial, bem como ao fato de ter sido a pena privativa de liberdade substituída ou não por restritivas de direitos. Todavia, as condições pessoais do paciente, da qual é exemplo a reincidência, devem ser observadas pelo juízo da execução para concessão de benefícios (progressão de regime, livramento condicional etc)' (AgRg no REsp 1.642.746/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2017, DJe 14/08/2017).

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No respeitável acórdão referenciado colho:

“De fato, no que tange à aventada ofensa aos artigos 59 e 68, ambos do Código Penal, sob o argumento de que o reconhecimento da reincidência pelo juiz da execução penal viola a coisa julgada e afronta o princípio da non reformatio in pejus, observa-se que quanto à matéria o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, em especial com o entendimento que vem sendo firmado por esta Sexta Turma. Com efeito, deve se ter em mente que a execução penal possui como pressuposto a existência de um título condenatório ou uma sentença absolutória imprópria, tendo como objetivo 'fazer cumprir o comando comando emergente da sentença' (MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 13ª ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 31) ou decisão criminal, conforme dispõe o art. 1° da Lei de Execução Penal. Nessa linha de consideração, tratando-se de sentença penal condenatória, o juízo da execução deve se ater ao teor do referido decisum, no que diz respeito ao quantum de pena, ao regime inicial, bem como ao fato de ter sido a pena privativa de liberdade substituída ou não por restritiva de direitos, fatores que evidenciam justamente o comando emergente da sentença. Todavia, as condições pessoais do recorrente, da qual é exemplo a reincidência, devem ser observadas na execução da pena, independente de tal condição ter sido considerada na sentença condenatória, eis que também é atribuição do juízo da execução individualizar a pena. Nesse passo, ainda que a sentença condenatória trouxesse a informação de reincidência do réu à época, se tal condição não existisse, o juízo da execução não a consideraria para fins de individualização e execução da pena. Sobre o tema individualização de pena, importante lição traz a doutrina: "A individualização da pena no processo de conhecimento visa aferir e quantificar a culpa exteriorizada no fato passado. A individualização no processo de execução visa propiciar oportunidade para o livre desenvolvimento presente e efetivar a mínima dessocialização possível. Daí caber à autoridade judicial adequar a pena às condições pessoais do sentenciado." (BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 23). (grifo nosso) 'Atendendo a essa característica do processo de execução penal, hoje, na maioria dos sistemas penais ocidentais, a quantidade da pena e a forma de cumprimento vêm estabelecidas pela sentença condenatória, com independência de que venha a posterior atuação judicial (ou administrativa) responder às futuras necessidades individualizadoras.' (p. 211).

Foi lembrada decisão do Supremo Tribunal Federal, por meio de decisões monocrática de alguns de seus ministros, v.g.: RHC 144602/ES, Relator Min. DIAS TOFFOLI, DJe-123 DIVULG 20/06/2018 PUBLIC 21/06/2018, de onde se extrai o seguinte esclarecimento: "O reconhecimento da circunstância legal agravante da reincidência (art. 61, I, do Código Penal), para fins de agravamento da pena do réu, incumbe ao juiz natural do processo de conhecimento. De outro lado, a aferição dessa condição pessoal para fins de concessão de benefícios da execução penal compete ao Juiz da Vara das Execuções.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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