O DELEGADO E A CULPA PELO “SER” – SEPARAÇÃO DOS PODERES EM QUARENTENA

Jose Antonio Gomes Ignacio Junior

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A equivocada interferência do Judiciário, no ato de nomeação do Delegado-Chefe da Policia Federal, traz grande preocupação, pois interferir no âmago da discricionariedade do Presidente da Republica, é colocar a separação dos poderes em quarentena.

A decisão liminar do Ministro Alexandre de Moraes, nos autos do Mandado de Segurança 37.097, ajuizado pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT –, foi  equivocada.

Relata o Impetrante que, Alexandre Ramagem, então nomeado para exercer o cargo de Diretor-Geral da Policia Federal (Decreto de 28/04/2020  -DOU de 28/4/2020), não atuaria com a necessária isenção sobre  investigações sigilosas, pois teria ligação intestina com a prole do Presidente (sic), e que sua indicação visava o “aparelhamento” da instituição, receio relatado pelo ex-ministro Sergio Moro em sua fala de despedida.

O Ministro Alexandre, cotejando as manifestações públicas do Presidente e do ex-ministro da Justiça, entendeu que haveria, a priori, ofensa aos princípios da moralidade e da impessoalidade, razão pela qual emitiu ordem judicial de suspensão da nomeação do delegado.

Após o deferimento da medida cautelar, Bolsonaro editou Decreto anulando a nomeação de Ramagem. De plano, oportuno ser ressaltado, que a nomeação em questão, é ato discricionário do Presidente da República (CF, art. 84, XXV e Lei Federal 9.266/1996, art. 2o-C).

Também não é desconhecida posição do Supremo Tribunal Federal, permitindo em casos teratológicos de falta de legitimidade, intervenção do Judiciário contra atos discricionários (REsp 17.126/MG).

A questão em debate é outra: o fato do delegado ter eventual relação de amizade com os filhos do Presidente, e as falas públicas entre este (Bolsonaro) e Sergio Moro, retira a impessoalidade e a moralidade das razões de nomeação? Ou seja, Ramagem pode ser preterido em ocupar o mais alto cargo da instituição que atua por “ser” conhecido da família do nomeante? A história recente do país demonstra que tais vertentes não impediram militantes declarados de certos partidos políticos, amigos de presidentes, de ocupar cargos sensíveis no governo federal, e até nas cortes superiores, sem qualquer desautorização judicial.

Outrossim, o ordenamento não veda que nomeados para cargos em comissão ou confiança, tenham relação de amizade com as autoridades, ao contrário do parentesco (Sumula Vinculante 13).

Quais fatos desabonariam moralmente Bolsonaro e Ramagem, para se “achar” que ocorreria um aparelhamento estatal, de modos a transformar a PF em órgão de inteligência? Certamente nenhum, tanto que o Delegado, até então, chefiava a ABIN, o que demonstra sua respeitabilidade.

O desacerto do Ministro Alexandre de Moraes se equipara ao do Ministro Gilmar Mendes quando inviabilizou a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro na gestão Rousseff.

Essa interferência do STF na liberdade de atuação do Presidente da República, por motivos tão rasos, causa preocupação aos que lutam para manter nosso Estado de Direito e a devida separação dos poderes.

O Delegado foi impedido de ser ocupar o cargo porque de alguma forma, mantém relação de amizade com a família Bolsonaro, não por falta de méritos. Esse raciocínio de julgar pelo “ser” não pelo ato praticado, já ocorreu na historia.

O regime nazista adotava a teoria do Direito Penal do Autor, onde a punição não ocorria pela prática de um ato, mas pelos traços da personalidade do agente:

 "ainda que não haja um critério unitário acerca do que seja o direito penal do autor, podemos dizer que, ao menos em sua manifestação extrema, é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma forma de ser do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva. O ato teria valor de sintoma de uma personalidade; o proibido e reprovável ou perigoso, seria a personalidade e não o ato. Dentro desta concepção não se condena tanto o furto, como o ser ladrão”[1] ... “um Direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação"[2]

Felizmente, essa teoria morreu com o regime nazista, embora alguns tentem revitalizá-la com o nome de Direito Penal do Inimigo, acolhendo os apontamentos de Günther Jakobs. O controle judicial dos motivos determinantes do ato discricionário, deve ser feito com muito cuidado, não sendo recomendável o açodamento, como ocorreu, data vênia, pela via do mandado de segurança em questão. Embora o tema não trate de penalização no sentido estrito da palavra, é certo que Ramagem foi preterido por “ser próximo a família” não por “ter feito” algo desabonador. Aplicou-se pela via transversa, a teoria germânica do século passado, colocando a separação dos poderes em quarentena.


[1]ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. 2007. p. 107. In: MUZZI, Veridiane Santos. Teorias Antigarantistas - Aspectos do Direito Penal do Autor e do Direito Penal do Inimigo.http://www.lex.com.br/doutrina_24043823_TEORIAS_ANTIGARANTISTAS__ASPECTOS_DO_DIREITO_PENAL_DO_AUTOR_E_DO_DIREITO_PENAL_DO_INIMIGO.aspxAcesso em: 29/20/2020

[2]ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Enrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1997. p. 119-120. In: MUZZI, Veridiane Santos. Teorias Antigarantistas - Aspectos do Direito Penal do Autor e do Direito Penal do Inimigo. http://www.lex.com.br/doutrina_24043823_TEORIAS_ANTIGARANTISTAS__ASPECTOS_DO_DIREITO_PENAL_DO_AUTOR_E_DO_DIREITO_PENAL_DO_INIMIGO.aspxAcesso em: 29/20/2020

Sobre o autor
José Antônio Gomes Ignácio Júnior

Advogado; Professor de Direito (EDUVALE/Avaré); membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas da Faculdade Eduvale Avaré - Ethos Jus; Autor de vários livros e artigos jurídicos; Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa Luiz de Camões (Portugal); Mestre em Teoria do Direito e do Estado (UNIVEM); Pós-graduado (lato sensu) em Direito Tributário (UNIVEM) e Publico (IDP); Graduado em Direito (FKB) e Administração (FCCAA).

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