A ilegalidade da Súmula 51 do TJ/SC

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30/04/2020 às 21:43
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CONCLUSÃO

As singularidades de cenários financeiros verificáveis em casos concretos levaram os operadores do direito à sofisticação do benefício da gratuidade de justiça. Se, por um lado, não incumbe ao Estado arcar com a integralidade de despesas processuais relativas a jurisdicionado parcialmente hipossuficiente, decerto não se pode negar assistência estatal, em grau adequado, ao litigante não inserto em um ultrapassado critério de miserabilidade.

Nesse contexto, em aprimoramento à interpretação conferida pela jurisprudência e doutrina ao art. 13. da Lei nº 1.060/50, os §§5º e 6º do art. 98, associados aos deveres de fundamentação das decisões (art. 11) e de zelo pela igualdade de tratamento processual (art. 139, §1º), demandam do magistrado um exercício individualizado de alocação das despesas processuais, adequando-a às especificidades do caso concreto (capacidade da parte versus despesas a serem custeadas).

Assim, a tríade de instrumentos gradativos confere à gratuidade de justiça atributos de delimitação (concessão seletiva) e fracionamento (isenção percentual ou parcelada), superando uma ultrapassada – e inadequada – concepção unitária da gratuidade de justiça, segundo a qual a concessão do benefício era balizada por um modelo binário de concessão ou rejeição integrais.

Em reducionismo destoante ao aprimoramento legislativo da matéria, a Súmula nº 51 do TJ/SC, publicada já sob a vigência do CPC, propaga uma retrógrada concepção unitária do benefício, alicerçando-se no demonstrado equívoco em pressupor que o mero recolhimento do preparo anularia o interesse recursal da parte em ver-se albergada das despesas processuais supervenientes.

Para além da inadequação de tal salto conclusivo, demonstrou-se igualmente a insubsistência dos fundamentos jurídicos de preclusão lógica e renúncia tácita que amparam o Enunciado, cuja conclusão quanto à ilegalidade é, ainda, realçada pelo cerceamento da garantia legal (art. 7º e art. 139, §1º) e constitucional (art. 5º, LXXIV, da CF) de acesso à justiça em igualdade de condições.

Constituída orientação jurisprudencial dotada de força vinculante (art. 927, V), proliferaram-se decisões (Tabela 3) no âmbito do TJ/SC que, de forma irrefletida, sequer verificam as condições financeiras relatadas e comprovadas pelas partes, não conhecendo do pedido recursal à gratuidade tão logo verificado o recolhimento do preparo.

A ilegalidade do Enunciado, e do consequente modus operandi instaurado na Corte catarinense após sua publicação, impõe o pronto cancelamento da Súmula nº 51 do TJ/SC pelo respectivo Órgão Especial, sem prejuízo da possibilidade de os Juízos a ele submetidos, sejam órgãos singulares, sejam colegiados, escusarem-se a aplicar o Enunciado em razão da negativa à legislação processual vigente.

Pontua-se, por fim, que embora o Enunciado da Súmula nº 51 do TJ/SC tenha sido eleito para realçar a ilícita concepção prática acerca do benefício, o tema adquire relevo no debate jurídico nacional ao se constatar que o referido entendimento, conquanto superado no âmbito legal, encontra robusto amparo na jurisprudência dos demais Tribunais pátrios. Faz-se necessário, portanto, que a tríade de instrumentos gradativos consagrada pelos §§ 5º e 6º do art. 98. seja prontamente absorvida pelos operadores do direito, causídicos e magistrados, sob risco de soterramento das inovações legislativas – benéficas tanto às partes quanto ao Estado – pela replicação de um defasado entendimento jurisprudencial.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS

Tabela 2 – fundamentos jurídicos dos julgados predecessores da Súmula nº 51 do TJ/SC

Argumentação

Número dos processos

Ato incompatível

0300410-10.2017.8.24.0013;

0045358-90.2011.8.24.0023;

0009158-42.2013.8.24.0079;

0002289-75.2011.8.24.0033;

4016805-06.2018.8.24.0900;

0013093-44.2011.8.24.0020;

0308342-68.2016.8.24.0018;

0303428-58.2017.8.24.0039;

0005494-81.2008.8.24.0045;

0017085-33.2013.8.24.0023/50000;

0000716-73.2013.8.24.0019;

0300996-60.2016.8.24.0020;

4006117-66.2018.8.24.0000;

0304777-67.2014.8.24.0018;

0002969-15.2010.8.24.0027;

0302961-45.2015.8.24.0073

Ato incompatível + renúncia tácita

0036260-36.2011.8.24.0038;

2013.062954-9;

0009949-78.2009.8.24.0005;

0003083-97.2013.8.24.0010;

0008073-45.2010.8.24.0008

Ato incompatível: preparo recolhido pelo advogado

0002613-48.1994.8.24.0005;

0002727-07.2010.8.24.0011/50000

Ato incompatível + análise das condições financeiras do recorrente

0000504-59.1997.8.24.0004

Tabela 3 – fundamentação complementar à aplicabilidade da Súmula nº 51 do TJ/SC

Argumentação

Número do Processo

Inexistente – apenas aplicabilidade da Súmula nº 51

AC 0301353-58.2016.8.24.0014;

AC 0301129-44.2014.8.24.0062;

AC 0005265-98.2012.8.24.0072;

AC 0035596-79.2013.8.24.0023

AC 0023752-40.2010.8.24.0023

AC 0301713-75.2017.8.24.0040

AC 0300304-52.2016.8.24.0023;

AC 0011318-86.2014.8.24.0020

AC 0301353-58.2016.8.24.0014;

AI 4028826-14.2018.8.24.0900

AC 0005265-98.2012.8.24.0072

AI 4011759-83.2019.8.24.0000

AC 0301713-75.2017.8.24.0040;

AC 0301245-08.2017.8.24.0139

AI 4013416-13.2018.8.24.0900

AC 0301845-60.2017.8.24.0064

ED 0000704-75.2013.8.24.0143/50000

ED 0000841-57.2013.8.24.0143/50000

AC 0000749-45.2014.8.24.0046

AI 4004397-35.2016.8.24.0000

Relato de condições financeiras seguido pela conclusão de inaplicabilidade do benefício

AI 4031251-61.2019.8.24.0000;

AI 4031251-61.2019.8.24.0000;

AI 4018629-47.2019.8.24.0000

AI 4018564-52.2019.8.24.0000

Relato de condições financeiras dissociado da fundamentação

AI 4012218-85.2019.8.24.0000;

AC 0000874-87.2013.8.24.0065;

AC 0023752-40.2010.8.24.0023

Preclusão temporal

AC 0037173-18.2011.8.24.0038

Insuficiência documental

AI 4013310-98.2019.8.24.0000

Revogação de ofício – juntada do preparo após deferimento integral do benefício

AC 0000162-44.1991.8.24.0041


Notas

1 “Em suma, erige-se no aparelho legal um modelo em que decisões precedentes são vinculantes, quer porque a lei assim optou (art. 927), quer pelo fato de que, se um julgador as ignora no caso concreto, sua decisão ofende um critério de racionalidade imposto pelo ordenamento (art. 489, §1º, VI), havendo previsão de recurso para que se restaure a estabilidade, a integridade e a coerência desde logo exigidas pelo art. 926.” (CUNHA, 2019, p.105).

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Enunciado 169 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Os órgãos do Poder Judiciário devem obrigatoriamente seguir os seus próprios precedentes, sem prejuízo do disposto nos § 9º do art. 1.037. e §4º do art. 927.”

2 Enunciado 170 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927. são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos.”

3 Em prol da fluidez da leitura deste trabalho, a menção a dispositivos do Código de Processo Civil far-se-á desacompanhada da expressão “do CPC”.

4 “Há, aí, a previsão de duas ordens de vinculação. Uma vinculação interna dos membros e órgãos fracionários de um tribunal aos precedentes oriundos do plenário ou órgão especial daquela mesma Corte. Uma vinculação externa dos demais órgão de instância inferior (juízos e tribunais) aos precedentes do plenário ou órgão especial do tribunal a que estiverem submetidos. (...) Diante disso, precedentes do: (...) d) plenário e órgão especial do TJ vinculam o próprio TJ, bem como juízes estaduais a ele vinculados.” (DIDIER; BRAGA; OLIVERA, 2016, pp. 479-480).

5 (DIDIER; OLIVEIRA, 2016, p. 27).

6 Salário mínimo vigente: R$ 998,00 (Decreto nº 9.661/2019). Custas fixas do Recurso Especial: R$ 186,10. Instrução Normativa STJ/GP N. 2. de 31 de Janeiro de 2019. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/dj/documento/?seq_documento=20704452&data_pesquisa=01/02/2019&seq_publicacao=15674&versao=impressao&nu_seguimento=00001¶metro=null. Acesso em: 2 set. 2019.

7 Disponível em: https://busca.tjsc.jus.br/dje-consulta/rest/diario/caderno?edicao=3010&cdCaderno=1. Acesso em: 30 out. 2019.

8 (TJ-SC - AR: 40122416520188240000 Capital 4012241-65.2018.8.24.0000, Relator: João Batista Góes Ulysséa, Data de Julgamento: 22/02/2019, Segunda Câmara de Direito Civil).

9 “A jurisprudência defensiva consiste na prática do não conhecimento de recursos em razão de apego formal e rigidez excessiva em relação aos pressupostos de admissibilidade recursal, impondo a supervalorização dos requisitos formais para admissão dos recursos, a partir de uma ótica meramente utilitarista.” (VAUGHN, 2016, p. 326).

10 (CNJ, 2019, p. 95).

11 (CNJ, 2019, p. 182).

12 Especificamente no que tange à taxa de congestionamento líquida, única espécie em que não lidera os índices da referida taxa, o TJ/SC figura na 3ª colocação entre os TJs.

13 A incorporação de construções jurisprudenciais defensivas em precedentes vinculantes não é, em si, um fenômeno a ser repudiado pela prática forense. O que não se pode admitir é que os entendimentos cristalizados pelos Tribunais se alheiem ao próprio sistema legal que lhes confere validade. Tal alheamento é aperfeiçoado tanto no reducionismo de regramentos previstos em lei, como retratado na Súmula 51 do TJ/SC, quanto na ampliação de prerrogativas desprovida de amparo legal, tal qual a controversa Súmula 568 do STJ, na qual se amplia o rol taxativo de hipóteses (art. 932, IV) em que incumbe ao relator, monocraticamente, negar provimento ao recurso: “Súmula 568 - O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.”

14 Igualmente no sentido da preclusão lógica, confira-se:

(TJ-RS - AGV: 70080814668 RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Data de Julgamento: 23/05/2019, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/05/2019);

(TJ-SP 10038316120168260266 SP 1003831-61.2016.8.26.0266, Relator: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 05/09/2017, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/09/2017);

(TJ-GO - AI: 00704872020198090000, Relator: SEBASTIÃO LUIZ FLEURY, Data de Julgamento: 28/08/2019, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 28/08/2019);

(TJ-RR - EDecAC: 08003321020158230060 0800332-10.2015.8.23.0060, Relator: Des. , Data de Publicação: DJe 21/05/2019, p.);

(TJ-BA - AGV: 0004039172010805015050000, Relator: Marcia Borges Faria, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: 19/07/2018);

(TRF-4 - AC: 50057269020164047102 RS 5005726-90.2016.4.04.7102, Relator: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 16/01/2019, QUARTA TURMA).

15 Igualmente nesse sentido, confira-se:

(STJ - AREsp: 1164394 PE 2017/0220728-8, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Publicação: DJ 30/10/2017);

(STJ - REsp: 1695663 RJ 2017/0162043-8, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Publicação: DJ 27/11/2017);

(STJ - AREsp: 1311509 DF 2018/0146595-7, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 04/09/2018).

16 Didier, Braga e Oliveira (2016) advertem quanto à não participação das partes no processo de formulação da súmula, circunstância que torna o instituto particularmente suscetível à desvirtuação pelo arbítrio do Tribunal. Nesse sentido, Ives Gandra protesta contra a abrangente reforma de Enunciados subitamente empreendida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) nos anos de 2011 e 2012: “Tal ativismo judicial e voluntarismo jurídico atingiram seu ápice nas denominadas “Semanas do TST”, de 2011 e 2012, quando o Tribunal Superior do Trabalho se fechou para rever sua jurisprudência e, como fruto dessa reflexão interna, sem que houvesse processos sendo julgados para se estabelecer nova jurisprudência, mudou-se a sinalização de mais de 50 súmulas e orientações jurisprudenciais, para se reconhecer novos direitos aos trabalhadores, onde antes a jurisprudência pacificada dizia que, de acordo com a lei, tais pretensões não poderiam ser acolhidas pelo Judiciário. Com isso se criavam, da noite para o dia, passivos trabalhistas enormes para as empresas.” (MARTINS FILHO, 2019, p. 94).

17 Enunciado 166 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A aplicação dos enunciados das súmulas deve ser realizada a partir dos precedentes que os formaram e dos que os aplicaram posteriormente.”

18 Disponível em: https://tjsc.jus.br/documents/557855/3390160/Súmula+51/1b2c003e-3963-81a0-4334-93e1c1034f05. Acesso em: 15 out. 2019.

19 Embora o recolhimento efetuado pelo advogado não consista, propriamente, um grupo argumentativo particular, o destaque dessa estrutura faz-se necessário para posterior análise de que, mesmo quando demonstrado o recolhimento do preparo por terceiros, o entendimento propagado pelo TJ/SC impõe o não conhecimento do pedido à gratuidade formulado pela parte recorrente.

20 Art. 19, caput, do CPC/73. Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença.;

Art. 687, § 1º, do CPC/73. A publicação do edital [da alienação em hasta pública] será feita no órgão oficial, quando o credor for beneficiário da justiça gratuita.

21 Ainda nesse sentido: "Já defendíamos essa possibilidade [modulação do benefício da justiça gratuita] desde a primeira edição deste livro, publicada em 2004. Independentemente de haver texto expresso de lei, o magistrado está autorizado - sempre esteve - a agir dessa forma, afinal de contas se ele pode dispensar integralmente o adiantamento das despesas, e pode fazê-lo quanta a todos os atos do processo, motivo não há para que não se admita a modulação do benefício: quem pode mais pode menos.” (DIDIER; OLIVERA, 2016, p. 53).

22 (STJ - REsp: 790807 MG 2005/0176360-4, Relator: Ministra DENISE ARRUDA, Data de Julgamento: 09/10/2007, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 05/11/2007 p. 225).

23 As despesas atípicas são aquelas que, embora não previstas expressamente nos incisos do art. 98, §1º, estão igualmente abrangidas pelo benefício por força da cláusula geral inserta ao fim do inciso VIII: “os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório”. A título de exemplo, defende-se o direito do beneficiário da gratuidade de justiça integral em ver-se isento das custas de digitalização dos autos físicos, por vezes requisitada pelos Tribunais como condição ao processamento do cumprimento de sentença via sistema eletrônico (TJDFT: Portaria Conjunta nº 85 de 29.09.2016; e TRF – 3ª Região: Resolução PRES nº 142, de 20.07.2017).

24 Deveras, a primeira menção do ordenamento jurídico pátrio à concessão percentual do benefício, guardadas as devidas adequações cronológicas, aparenta remontar ao art. 99. da Lei nº 261/1.841: “Sendo o réu tão pobre que não possa pagar as custas, perceberá o Escrivão a metade dellas do cofre da Camara Municipal da cabeça do Termo, guardado o seu direito contra o réo quanto á outra metade.” (ALVES; VIEIRA, 2005, p. 276).

25 A concessão parcial é, assim, gênero composto pelas modalidades seletiva, percentual ou parcelada de aplicação do benefício.

26 Importante consignar que a estabilização e o decréscimo do número de processos verificados, respectivamente, em 2017 e 2018, devem-se primordialmente à vigência da Reforma Trabalhista, não se constatado, por ora, indícios de desobstrução do aparato jurisdicional na área cível. “O ano de 2017 foi marcado pelo primeiro ano da série histórica em que se constatou freio no acervo, que vinha crescendo desde 2009 e manteve-se relativamente constante em 2017. Em 2018, pela primeira vez na última década, houve de fato redução no volume de casos pendentes, com queda de quase um milhão de processos judiciais. (...) O resultado decorre, em especial, do desempenho da Justiça do Trabalho, que praticamente manteve a produtividade do ano anterior apesar da redução de 861 mil novos processos. (...) Com relação às justiças Estadual e Federal, o estoque permaneceu quase constante nos últimos 2 anos.” (CNJ, 2019, p. 79).

27 Dados relativos ao ensino disponíveis em: https://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/617267/CesefEducacao9jul18/4af4a6db-8ec6-4cb5-8401-7c6f0abf6340;

Saúde: https://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/318974/AspectosFiscaisSa%C3%BAde[201]8/a7203af9-2830-4ecb-bbb9-4b04c45287b4;

Investimentos Públicos:

https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/posts/investimentos-publicos-1947-2018;

Saneamento básico:

https://abconsindcon.com.br/wp-content/uploads/2019/04/PANORAMA2019low.pdf.

Todos com data de acesso em: 30 out. 2019.

28 “O direito à assistência judiciária consiste no patrocínio da causa de forma gratuita por advogado público (por exemplo, Defensor Público) ou particular (por exemplo, núcleos de prática jurídica das faculdades de direito). Tem a ver, portanto, com a prestação de serviços em juízo. (...) O direito à gratuidade da justiça, ou justiça gratuita, por sua vez, é a dispensa do pagamento antecipado das despesas do processo e dos honorários advocatícios, que, contudo, podem vir a ser cobrados na hipótese de pagamento abarca também alguns atos extrajudiciais, indispensáveis à tutela jurisdicional efetiva.” (SILVA, 2015, pp. 300-301).

29 “Em ambas as figuras [gráficos comparativos dos percentuais de despesa com benefício de assistência judiciária gratuita frente à despesa total dos Tribunais], se verifica um excesso de valores próximos de zero, o que pode denotar alguma dificuldade dos tribunais na apuração da despesa com assistência judiciária gratuita ou pagamento dos custos por outros órgãos públicos, não necessariamente significando ausência de concessão.” (CNJ, 2019, p. 86).

30 Art. 2º, Parágrafo único, da Lei nº 1.060/50. Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Art. 4º, §1º, da Lei nº 1.060/50. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.

31 “É possível que ocorra a chamada procedência parcial: quando se pleiteia uma indenização "X" e o magistrado concede "X- V", p. ex.” (DIDIER; BRAGA; OLIVERA, 2016, p. 741).

32 Desconsidera-se, no ponto, a possibilidade de conversão em perdas e danos uma vez impossibilitada a concessão da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. (art. 499).

33 Trata-se de hipótese de formulação genérica do pedido à justiça gratuita. Nada obsta, todavia, que o próprio requerente, com fulcro nos §§5º e 6º do art. 98, apresente o pleito à concessão seletiva, percentual e/ou parcelada da gratuidade de justiça. Tal estratégia demonstra-se particularmente recomendável aos parcialmente hipossuficientes, os quais, ao restringirem o âmbito da isenção almejada, conferem maior precisão à análise (capacidade versus despesa) a ser realizada pelo magistrado e, por conseguinte, aumentam as chances de êxito à concessão parcial frente ao improvável deferimento integral do benefício.

34 Afinal, embora quem possa mais, possa menos, tem-se a impossibilidade de se afirmar, a priori, o contrário.

35 “Essa mesma idéia de utilidade da prestação jurisdicional [aplicável ao interesse de agir] verifica-se no interesse recursal, entendendo-se que somente será julgado em seu mérito o recurso que possa ser útil ao recorrente. Essa utilidade deve ser analisada sob a perspectiva prática, sendo imperioso se observar no caso concreto se o recurso reúne condições de gerar uma melhora na situação prática do recorrente. Quase todos os problemas referentes ao interesse recursal se resumem a esse aspecto, sendo certo que, não havendo qualquer possibilidade de obtenção de uma situação mais vantajosa sob o aspecto prático, não haverá interesse recursal.” (NEVES, 2010, pp. 3-4).

36 Art. 1.000. A parte que aceitar expressa ou tacitamente a decisão não poderá recorrer.

Parágrafo único. Considera-se aceitação tácita a prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer.

37AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO NA ORIGEM. POSTERIOR RECOLHIMENTO DAS CUSTAS INICIAIS NO PROCESSO PRINCIPAL. PRECLUSÃO RECONHECIDA. RECURSO NÃO CONHECIDO. A superveniência do pagamento das custas torna prejudicado o exame do recurso tendente à concessão da benesse, pela prática de ato incompatível com a vontade de recorrer (CPC, art. 1.000, parágrafo único).

(TJ-SC - AI: 40223374220188240000 Mafra 4022337-42.2018.8.24.0000, Relator: Paulo Ricardo Bruschi, Data de Julgamento: 13/12/2018, Quarta Câmara de Direito Público);

(TJ-SC - AI: 40303253320188240900 Balneário Camboriú 4030325-33.2018.8.24.0900, Relator: André Luiz Dacol, Data de Julgamento: 19/03/2019, Sexta Câmara de Direito Civil);

(TJ-SC - AI: 40130733520178240000 Itapema 4013073-35.2017.8.24.0000, Relator: André Luiz Dacol, Data de Julgamento: 05/06/2018, Sexta Câmara de Direito Civil).

38 § 7º Requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento.

39 Ao se antecipar pela juntada do preparo, a parte previne a eventual abertura de prazo pelo relator (art. 99, §§2º e 7º), e, por conseguinte, a postergação da apreciação do recurso.

40 Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ Acesso em: 03 nov. 2019.

41 A opção pela plataforma privada deve-se ao fato de que o TJ/SC, em contraposição ao art. 926, §5º, ainda não disponibiliza amplo acesso aos respectivos julgados por meio da rede mundial de computadores.

42 Originariamente, foram encontrados 48 (quarenta e oito) resultados, dos quais foram decotados julgados repetidos e/ou impertinentes, tais quais os referentes à Súmula nº 51 do TST, ex: (TJ-SC - AC: 20120172638 SC 2012.017263-8 (Acórdão), Relator: Denise de Souza Luiz Francoski, Data de Julgamento: 05/08/2013, Primeira Câmara de Direito Civil Julgado).

43 Disponível em:

https://busca.tjsc.jus.br/buscatextual/integra.do?cdSistema=1&cdDocumento=173239&cdCategoria=1&q=&frase=&excluir=&qualquer=&prox1=&prox2=&proxc=. Acesso em: 01 set. 2019.

44 Disponível em: https://tjsc.jus.br/documents/557855/3390160/Súmula+51/1b2c003e-3963-81a0-4334-93e1c1034f05. Acesso em: 15 out. 2019.

45 AgInt no AI nº 0002727-07.2010.8.24.0011/50000.

46 “Isso [uma prestação jurisdicional mais efetiva e uma redução no tempo de tramitação dos processos] decorrerá, como visto, da racionalização do ônus argumentativo do juiz no momento do julgamento, com a transposição para o caso concreto da ratio decidendi contida no precedente. Com isso, economiza-se o tempo que o magistrado perderia enfrentando novamente toda a argumentação jurídica que já fora apreciada no momento de formação do precedente.” (KOEHLER, 2017, p. 368).

47 § 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.

48 Nesse sentido: “Fala-se em distinguishing (ou distinguish) quando houver distinção entre o caso concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente.” (DIDIER; BRAGA; OLIVEIRA, 2016, p. 504).

49 “A técnica do overruling é um instrumento que permite uma resposta judicial ao desgaste da dupla coerência do precedente. Essa dupla coerência consiste em: (i) congruência social e (ii) consistência sistêmica. Assim, quando o precedente carecer de dupla coerência, ele estará violando os princípios básicos que sustentam a regra do stare decisis - a segurança jurídica e a igualdade - deixando de autorizar a sua replicabilidade. Nesse cenário, o precedente deverá ser superado.” (MITIDIERO, 2015, p. 379);

“(...) overruling é a técnica através da qual um precedente perde a sua força vinculante e é substituído (overruled) por outro precedente. O próprio tribunal que firmou o precedente pode abandoná-lo em julgamento futuro, caracterizando o overruling. Assemelha-se à revogação de uma lei por outra.” (DIDIER; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 494).

50 Uma vez verificado que o entendimento incorporado por Súmula não mais prevalece, incumbe à Comissão Permanente de Jurisprudência propor ao Órgão Especial o cancelamento do Enunciado, conforme se extrai dos arts. 336. e 337, parágrafo único, do Regimento Interno do TJ/SC:

Art. 336. A edição, a revisão e o cancelamento de enunciados de súmula caberão ao Órgão Especial, à Seção Criminal, aos grupos de câmaras de direito civil, de direito comercial e de direito público, ou à Câmara de Recursos Delegados, conforme competências estabelecidas neste regimento.

Art. 337, Parágrafo único. A Comissão Permanente de Jurisprudência, por seu presidente e segundo o mesmo procedimento, poderá também propor a edição ou a revisão de enunciado de súmula quando verificar que os órgãos julgadores não divergem na interpretação do direito, ou seu cancelamento quando o entendimento não mais prevalecer.

Regimento disponível em: https://www.tjsc.jus.br/documents/10181/1068287/NOVO+Regimento+Interno+do+TJSC/6eca2286-50ff-427e-993f-0eadb7656f99. Acesso em: 15 out. 2019.

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Sobre o autor
Gabriel Rodrigues Soares

Advogado. Graduado pela Universidade de Brasília (UnB) Atuação: Direito do Consumidor; Cível; Trabalhista

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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