A retirada do pessoal diplomático da Venezuela

03/05/2020 às 08:06
Leia nesta página:

I – O FATO

O Ministério das Relações Exteriores mandou uma carta à embaixada da Venezuela em Brasília para lembrar os funcionários das representações diplomáticas venezuelanas de que eles foram expulsos do Brasil, e têm até o dia 2, sábado, para deixar o país.

A carta, à qual tive acesso, lista 32 diplomatas venezuelanos, pelos nomes e localizações deles, distribuídos entre a embaixada em Brasília e os consulados em Belém, Boa Vista, Manaus, Recife e São Paulo. Outros funcionários de representações venezuelanas no Brasil, não citados na carta, já foram embora. O comunicado é classificado como “urgentíssimo”.

II – A EXPULSÃO

A Lei de imigração garante que o estrangeiro não deve ser deportado ou repatriado se correr risco de morrer ou de sofrer ameaças à sua integridade pessoal ao retorna ao país de origem.

Tem-se a expulsão: 

EXPULSÃO (art. 54) consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante/visitante do território nacional, com impedimento de reingresso, na hipótese de condenação judicial transitada em julgado relativa à prática de: I – crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão; ou II – crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade.

Não se procederá à repatriação, à deportação ou à expulsão de nenhum indivíduo quando subsistirem razões para acreditar que a medida poderá colocar em risco a vida ou a integridade pessoal.

O artigo 50, em seus parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, institui prazo de 60 dias (renováveis por igual período) para a deportação, retirando da  PF o poder de deportação sumária. 

O artigo 51, caput e parágrafo 1º, abre espaço para a Defensoria Pública da União poder exercer a devida defesa do estrangeiro. 

A expulsão é medida repressiva por meio da qual um Estado retira de seu território o estrangeiro que, de alguma maneira, ofendeu e violou as regras de conduta ou as leis locais, praticando atos contrários a segurança e a tranquilidade do país. Fundamenta-se tal medida no interesse que se tem de preservar a segurança e a ordem pública e social do Estado expulsor, visando garantir a sua conservação. A medida é endereçada àqueles que, de qualquer forma, atentarem contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e ainda a economia popular.

A expulsão não é pena no sentido criminal. É medida político-administrativa sem intervenção, a priori, do Poder Judiciário no que tange ao mérito da decisão. Por ser uma medida administrativa discricionária pode ser objeto de impugnação se ela se der fora do limite dos motivos e objeto. Na medida em que arbitrário pode ser contestado em juízo.

O Brasil assim procede a ordem de expulsão se julgar conveniente e oportuno aos interesses nacionais tal decisão.

Não se descarta a possibilidade de habeas corpus para combater atos que violem os limites dos direitos humanos.

Expulso, o estrangeiro não poderá voltar ao solo brasileiro, por força do artigo 338 do Código Penal.

As missões diplomáticas destinam-se a assegurar a manutenção de boas relações entre o Brasil e os Estados em que se acham sediados, bem como a proteger os direitos e os interesses do Brasil e dos brasileiros, como se lê da Lei 3.917, de 14 de julho de 1961.

III – A MISSÃO DIPLOMÁTICA

A missão diplomática é integrada pelo Chefe da Missão (embaixador ou ministro), além de pessoal diplomático, administrativo e técnico e o pessoal de serviço.

Em 1961, foi assinada a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, que veio a codificar toa a matéria. A ênfase da Convenção é sobre a missão diplomática, relegando o chefe da missão a segundo plano.

Segundo a terminologia adotada a expressão agente diplomático abrange o chefe da missão ou um membro do pessoal diplomático da missão. No passado, sob o manto do Regulamento de Viena de 1815 tal expressão era reservada apenas ao chefe da missão.

Na escolha e nomeação dos agentes diplomáticos, cada Estado determina as qualidades e condições de idoneidade que devem possuir os seus agentes no exterior, bem como o modo de sua designação. É certo que, em muitos países, o pessoal diplomático constitui um corpo de funcionários de carreira.

Em geral, os agentes diplomáticos são nacionais do país que os nomeia, mas nada impede que pertençam a outra nacionalidade. Entretanto, a prática internacional desaconselha a escolha de um nacional do Estado junto a cujo governo o nomeado deve servir. Isso porque haveria uma dificuldade de conciliar os deveres do agente em relação aos dois Estados(o que escolhe e aquele da qual é nacional e onde vai servir).

Recomenda a prática do Direito Internacional Público que antes de efetuada a nomeação, o governo que resolve acreditar um agente diplomático junto a outro governo deve solicitar deste a aceitação a esse outro governo, ou, antes, deve informar-se confidencialmente junto a esse outro governo, sobre se tal pessoa será bem recebida como representante diplomático. Assim é bom saber se a mesma será persona non grata. A essa consulta, designa-se o nome de pedido de agrément  ou de agréation.

Partido para o posto deverá o agente diplomático, além de outros documentos, um que o identifica e outro que o acredita. O primeiro é o passaporte diplomático e o segundo é a credencial.

O agente diplomático tem deveres que podem ser assim resumidos:  de representação, de observação e de proteção.

IV – A REAÇÃO DO GOVERNO VENEZUELANO  

Volto ao caso da expulsão de membros do corpo diplomático da Venezuela no Brasil.

Ocorre que, no presente momento, o mundo passa por uma pandemia, situação essa que há na Venezuela, que passa por graves momentos sanitários e sociais, devido as turbulências por que passa aquele país, diante de aguda crise política e social, em que o governo exerce atos ditatoriais para se manter no poder.

No caso em tela, segundo os chavistas, não houve negociações prévias entre Brasília e Caracas, uma afirmação que interlocutores no governo brasileiro negam com veemência.

"Como consequência, informa-se que o pessoal diplomático e consular da Venezuela no Brasil não abandonará suas funções sob subterfúgios alheios ao direito internacional, cujo único propósito é enganar a opinião pública brasileira, para dissimular sua aberta subordinação ao governo dos EUA, que hoje rege a outrora prestigiosa política exterior do Brasil", diz o comunicado do governo chavista.

Veja-se o problema causado.

V – OS FINS DA RECOMENDAÇÃO MINISTERIAL

Em correta manifestação, o procurador-geral da República recomendou, nos limites da Lei Complementar nº 75/93, o Ministério das Relações Exteriores solicitando que para que o órgão avalie a possibilidade de suspender a ordem de retirada do corpo diplomático da Venezuela no Brasil em função da pandemia de Covid-19 e da situação dos serviços de saúde do país vizinho.

A ordem do Itamaraty para que o corpo diplomático venezuelano deixasse o Brasil foi dada em março, e o prazo para que diplomatas, parentes e o serviço de apoio voltassem à Venezuela termina no dia 2 de maio do corrente ano.

No texto, o procurador-geral da República, Augusto Aras, recomenda que a ordem seja suspensa até que seja feita uma avaliação sobre os riscos que os expulsos correriam ao deixar o Brasil em meio à pandemia.

No documento, endereçado ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, Aras menciona que o Brasil é signatário de acordos internacionais e de convenções humanitárias e que a situação do sistema de saúde na Venezuela é considerado crítica.

O art. 27, parágrafo único, inc. IV, da Lei 8.625/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público), dentre outras disposições de igual teor, autoriza o Ministério Público, no campo da sua atuação institucional, a expedir recomendações aos órgãos públicos, aos concessionários e aos permissionários de serviço público, às entendidas que exerçam outra função delegada do Estado ou do Município.

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A recomendação constitui ato administrativo por meio da qual o Ministério Público insta o destinatário a tomar as providências para prevenir a repetição ou determinar a cessação de eventuais violações à ordem jurídica, “servindo como clara advertência que as medidas judiciais cabíveis poderão ser adotadas a persistir determinada conduta”.

Ora, a recomendação não assume caráter impositivo. A sua força é, sobretudo, política, porque originada de Instituição que granjeou “respeito e tradição na defesa da comunidade”, e, ademais, ostenta poder de iniciativa em juízo. Nesse sentido, o Ministério Público exerce controle externo da Administração Pública, conforme notou Maria Sylvia Zanella di Pietro (Direito administrativo. 11.ª ed. São Paulo: Atlas, 1999)

“… não tem função sancionatória. Mas investiga, analisa, pesquisa, colhe elementos suficientes para que o Judiciário exerça a sua função judicante. Na realidade, o Ministério Público participa do controle da Administração Pública na medida em que provoca o controle jurisdicional”.

No tocante à obrigatoriedade, Gustavo MIlaré Almeida (Poderes investigatórios do Ministério Público nas ações coletivas. São Paulo: Atlas, 2010) assevera o seguinte:

Não obstante, impende ressaltar que as recomendações (assim como as audiências públicas) não são autoexecutórias ou coercitivas, não obrigando diretamente o destinatário ao cumprimento do seu conteúdo, mas tão somente a sua resposta, muito embora, como já mencionado, sirva de clara advertência sobre as consequências jurídicas que poderão advir do seu desatendimento”.

Assim o poder-dever de recomendar é inerente ao exercício das funções institucionais. Porém, o exercício da consultoria jurídica é grave infração funcional, sujeito às punições devidas.

VI – O DIREITO À SAÚDE

A Constituição de 1988 estabelece no artigo 196 que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

A Lei de imigração garante que o estrangeiro não deve ser deportado ou repatriado se correr risco de morrer ou de sofrer ameaças à sua integridade pessoal ao retorna ao país de origem.

A Organização Mundial de Saúde entende a saúde como um dos direitos fundamentais de todo ser humano. Em meio a conceitos éticos de equidade, solidariedade e justiça social, melhorias na saúde e no bem-estar de todos constitui o objetivo do desenvolvimento social e econômico.  

A saúde, além de um anseio comum a todos os povos, envolve necessidades essenciais para a realização de outros desejos ou metas. O acesso aos serviços de saúde é um dos direitos fundamentais de todo ser humano. Nenhuma distinção baseada na condição internacional do território de pertença de uma pessoa é aceita pela Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948.

Com a Conferência Internacional sobre Atenção Primária à Saúde (1978), 134 países e 67 organismos internacionais outorgaram reconhecimento mundial ao conceito de atenção primária à saúde (APS). Surge o lema “Saúde para todos”, adotado pela OPAS (Organização Pan-americana da Saúde), para o cumprimento de metas estabelecidas, envolvendo campanhas de informação pública, direcionadas a distintas comunidades (OPAS, 2004). A OMS (2006) entende a promoção da saúde como essência da atenção primária e uma função básica da saúde pública.

Relembro que A Lei de imigração garante que o estrangeiro não deve ser deportado ou repatriado se correr risco de morrer ou de sofrer ameaças à sua integridade pessoal ao retorna ao país de origem.

Tal é o caso reportado.

Por fim, anuncia-se que o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu no dia 2 de maio do corrente ano, um sábado, a ordem de expulsão dos diplomatas venezuelanos que estão no Brasil representando o regime do ditador Nicolás Maduro.

O ministro Barroso atendeu a pedido do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) e concedeu liminar suspendendo a ordem do governo por considerar que pode ter ocorrido violação a normas constitucionais brasileiras, a tratados internacionais de direitos humanos e às convenções de Viena sobre relações diplomáticas e consulares.

A suspensão determinada por ele tem prazo de dez dias. No período, segundo o ministro, o presidente Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, devem prestar informações sobre a expulsão.​

Em sua decisão, o ministro Barroso destaca ainda os "riscos de contágio em razão da epidemia da Covid-19, inerentes e ampliados por deslocamentos que impliquem permanência em locais fechados por longo período de tempo".

O ministro menciona também "o risco concreto que a imediata efetivação da medida de retirada compulsória pode acarretar à integridade física e psíquica dos pacientes".

"Considerando que a situação de saúde na Venezuela é objeto de debate na esfera internacional, com evidências de que se encontra em situação crítica", diz o ministro Barroso.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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