Covid 19: Negócios jurídicos e o instituto da lesão

04/05/2020 às 13:10
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Em meio à pandemia provocada pelo COVID-19, muitos negócios jurídicos têm sido celebrados, em especial aqueles que trazem aos seus celebrantes liquidez imediata. Busca-se no texto abaixo avaliar a validade dos mesmos, à luz do instituto da Lesão.

Em meio à pandemia ocasionada por força do vírus COVID-19, diversos negócios jurídicos tem sido celebrados em nossa sociedade, em especial aqueles que visam trazer maior liquidez entre os respectivos pactuantes.

Muito se tem discutido nesses dias de pandemia, sobre a necessidade de revisão de contratos, concessão de descontos e parcelamentos de débitos, com vista à flexibilizar as condições de adimplemento de obrigações pelas pessoas físicas e jurídicas.

Todavia, tem se verificado também no mercado aqueles que mesmo sem a necessidade de revisarem seus contratos,  por não estarem sendo tão afetados assim por esta crise ecônomica, tentam melhorar seus respectivos fluxos de caixa, aproveitando-se desta oportunidade generalizada de revisão de negócios.

Nesta esteira, seguem aqueles que tentam se aproveitar do momento para enriquecer, através de negócios jurídicos extremamente desproprorcionais, à custa da necessidade e do sofrimento de outras pessoas.

Para este casos, o Legislador institui a figura da lesão,  como se verifica na literalidade do artigo 157 do Código Civil de 2002: 

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

Assim, nos termos da legislação civil, a ocorrência deste fenômeno se opera essencialmente sobre a desproporcionalidade das obrigações a que se submentem às partes envolvidas no negócio jurídico.

Isto se faz muito pertinente nestes momentos de crise, já que visando a resolução de problemas emergenciais, e aqui verificando-se a expressão destacada no texto legal de "preemente necessidade", é natural que as pessoas realizem este tipo de transação, notoriamente desproporcional.

Em tempo, vale ressaltar que  é admitida a anulação do negócios jurídicos por ocorrência da lesão, no prazo de 4 (quatro) anos, contados da prática do ato, nos moldes do artigo 171, inciso II, do Código Civil de 2002:

 

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

(...)

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores

Neste sentido, segue a doutrina doutrina do Ilustrme Mestre Humberto Theodoro Júnior[1]:

“A lesão implica usura real, que se refere a qualquer prática não equitativa que transforma o contrato bilateral em fonte de prejuízos exagerados por uma das partes e de lucros injustificáveis para a outra (...), onde o normal seria um razoável equilíbrio entre as prestações e contraprestações”.

No entendimento de Sílvio de Salvo Venosa[2], o requisito objetivo da lesão:

 “configura-se pelo lucro exagerado das prestações que fornece um dos contratantes”, enquanto o requisito subjetivo “consiste no que a doutrina chama de dolo de aproveitamento e afigura-se (...) na circunstância de uma das partes aproveitar-se da outra pela inexperiência, leviandade ou estado de premente necessidade”.

Para Maria Helena Diniz[3], a lesão se conceitua da seguinte forma:

“é um vício de consentimento decorrente do abuso praticado em situação de desigualdade de um dos contratantes, por estar sob preemente necessidade, ou por inexperiência, visando a protegê-lo, ante o prejuízo sofrido na conclusão do contrato, devido à desproporção existente entre as prestações das duas partes, dispensando-se a verificação do dolo, ou má-fé, da parte que se aproveitou.”

Isto posto, é necessário que se tenha em mente este instituto jurídico, a fim de resgaurdar os interesses dos indivíduos, frente àqueles que tentam se aproveitar e capitalizar neste momento de crise, sobre a preemente necessidade do outro.

Em um cenário jurídico onde se privilegia cada vez mais a boa-fé das pessoas seja na prática de atos, realização de negócios ou participação processual, verifica-se que se utilizar deste momento de crise para auferir lucros desproporcionais, mais do que anulável, é uma conduta reprovável e desumana.


1. Comentários ao Novo Código Civil. Vol. III, Tomo I, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 221.

2. Código Civil Interpretado, Sílvio de Salvo Venosa, 2ª edição, p. 170.

3. Código Civil Comentado / coordenadora Regina Beatriz Tavares da Silva - 7ª ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2010, p. 136.

Sobre o autor
Ary Alves Jr.

Advogado, graduado na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e mestre em Direito e Negócios internacionais pela Universidad Europea del Atlántico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A crise provocada pelo COVID-19 tem ocasionado a realização de diversos negócios jurídicos desproporcionais, que são passíveis de ser anulados à luz do instituto da lesão.

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