Em meio à pandemia ocasionada por força do vírus COVID-19, diversos negócios jurídicos tem sido celebrados em nossa sociedade, em especial aqueles que visam trazer maior liquidez entre os respectivos pactuantes.
Muito se tem discutido nesses dias de pandemia, sobre a necessidade de revisão de contratos, concessão de descontos e parcelamentos de débitos, com vista à flexibilizar as condições de adimplemento de obrigações pelas pessoas físicas e jurídicas.
Todavia, tem se verificado também no mercado aqueles que mesmo sem a necessidade de revisarem seus contratos, por não estarem sendo tão afetados assim por esta crise ecônomica, tentam melhorar seus respectivos fluxos de caixa, aproveitando-se desta oportunidade generalizada de revisão de negócios.
Nesta esteira, seguem aqueles que tentam se aproveitar do momento para enriquecer, através de negócios jurídicos extremamente desproprorcionais, à custa da necessidade e do sofrimento de outras pessoas.
Para este casos, o Legislador institui a figura da lesão, como se verifica na literalidade do artigo 157 do Código Civil de 2002:
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
Assim, nos termos da legislação civil, a ocorrência deste fenômeno se opera essencialmente sobre a desproporcionalidade das obrigações a que se submentem às partes envolvidas no negócio jurídico.
Isto se faz muito pertinente nestes momentos de crise, já que visando a resolução de problemas emergenciais, e aqui verificando-se a expressão destacada no texto legal de "preemente necessidade", é natural que as pessoas realizem este tipo de transação, notoriamente desproporcional.
Em tempo, vale ressaltar que é admitida a anulação do negócios jurídicos por ocorrência da lesão, no prazo de 4 (quatro) anos, contados da prática do ato, nos moldes do artigo 171, inciso II, do Código Civil de 2002:
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
(...)
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores
Neste sentido, segue a doutrina doutrina do Ilustrme Mestre Humberto Theodoro Júnior[1]:
“A lesão implica usura real, que se refere a qualquer prática não equitativa que transforma o contrato bilateral em fonte de prejuízos exagerados por uma das partes e de lucros injustificáveis para a outra (...), onde o normal seria um razoável equilíbrio entre as prestações e contraprestações”.
No entendimento de Sílvio de Salvo Venosa[2], o requisito objetivo da lesão:
“configura-se pelo lucro exagerado das prestações que fornece um dos contratantes”, enquanto o requisito subjetivo “consiste no que a doutrina chama de dolo de aproveitamento e afigura-se (...) na circunstância de uma das partes aproveitar-se da outra pela inexperiência, leviandade ou estado de premente necessidade”.
Para Maria Helena Diniz[3], a lesão se conceitua da seguinte forma:
“é um vício de consentimento decorrente do abuso praticado em situação de desigualdade de um dos contratantes, por estar sob preemente necessidade, ou por inexperiência, visando a protegê-lo, ante o prejuízo sofrido na conclusão do contrato, devido à desproporção existente entre as prestações das duas partes, dispensando-se a verificação do dolo, ou má-fé, da parte que se aproveitou.”
Isto posto, é necessário que se tenha em mente este instituto jurídico, a fim de resgaurdar os interesses dos indivíduos, frente àqueles que tentam se aproveitar e capitalizar neste momento de crise, sobre a preemente necessidade do outro.
Em um cenário jurídico onde se privilegia cada vez mais a boa-fé das pessoas seja na prática de atos, realização de negócios ou participação processual, verifica-se que se utilizar deste momento de crise para auferir lucros desproporcionais, mais do que anulável, é uma conduta reprovável e desumana.
1. Comentários ao Novo Código Civil. Vol. III, Tomo I, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 221.
2. Código Civil Interpretado, Sílvio de Salvo Venosa, 2ª edição, p. 170.
3. Código Civil Comentado / coordenadora Regina Beatriz Tavares da Silva - 7ª ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2010, p. 136.