SUMÁRIO
Introdução; 1. Breve histórico: da justiça do trabalho e dissídios trabalhistas à negociação coletiva; 1.1. A problemática da negociação coletiva; 2. O direito coletivo do trabalho e a formação dos dissídios coletivos; 2.1. As classificações de dissídios coletivos; 3. Emenda 45 e a reforma trabalhista; 4. Considerações finais; Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O processo do trabalho, a saber, classifica os litígios de natureza trabalhista em dissídios individuais e dissídios coletivos.
Nessa vertente, temos que os dissídios coletivos possuem uma característica própria de relação jurídica litigiosa coletiva, onde se busca a tutela de toda uma categoria ou entidade de classe representativa, ou seja, de direitos comuns a todos os representados.
A competência para conciliar e julgar dissídios coletivos do trabalho é de exclusividade dos tribunais trabalhistas - TRT e TST -, considerando critérios territoriais e funcionais da Lei 7.701/88 e para fixação da competência.
A legitimidade para propositura da ação, no que tange a temática das ações coletivas, é uma matéria que pode se submeter a várias disciplinas jurídicas próprias, a depender das peculiaridades de cada uma das garantias e regimes processuais que regem a lide.
Nesse sentido, temos que os Sindicatos são os legitimados para o ajuizamento de dissídio coletivos, sejam eles de natureza jurídica, econômica, ou de greve.
Pela Emenda Constitucional n. 45, passou o §3º do art. 114[1] a autorizar o ajuizamento de dissídio coletivo em caso de greve pelo Ministério Público do Trabalho, criando uma área de convergência da legitimidade sindical e do parquet para propositura demandas coletivas - à luz da Lei Complementar nº 75/93, art. 83, III, o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade de ajuizar ação civil pública em prol dos interesses coletivos quando se tratar de direitos sociais constitucionalmente garantidos. De igual modo, percebe-se que o §2[2] do mesmo artigo 114 não faz referência direta ao Sindicato ao tratar do ajuizamento de dissídio econômico.
Desse modo, esse artigo se presta a uma análise de mudanças promovidas pela Emenda 45 e pela Reforma Trabalhista de 2017, buscando entender se teria havido algum esvaziamento das possibilidades de propositura de demandas coletivas pelos Sindicatos, e como essas alterações influenciam o direito coletivo dos trabalhadores e negociação de acordos e convenções coletivas.
- BREVE HISTÓRICO: DA JUSTIÇA DO TRABALHO E DISSÍDIOS TRABALHISTAS À NEGOCIAÇÃO COLETIVA
J.J Canotilho escreve que “o homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida[3]” , para tanto, este precisa ter suas expectativas ligadas a efeitos jurídicos estáveis, calculáveis e previstas no próprio ordenamento jurídico de forma a garantir proteção ao indivíduo.
Cada um dos momentos históricos apresenta uma realidade sociopolítica correspondente, com seu próprio sistema de direitos e princípios. O Estado Liberal se estabeleceu durante os séculos XVIII e XIX, em um contexto de potencialização dos princípios burgueses de liberdade, fraternidade e igualdade evocados na Revolução Francesa (1789), e se estabilizou como uma estrutura de “controle do poder pelo poder” (divisão tripartite de poderes e sistema de freios e contrapesos[4]), ampla defesa de direitos individuais - limitadores da ação estatal -, economia livre, e ancorada em princípios igualitários.
O Estado Social supera o Estado Liberal em decorrência dos aspectos de do excessivo formalismo que impede que as demandas sociais sejam atendidas, causando um rompimento com o modelo. Apesar de o Estado ter promovido os indivíduos à categoria de cidadão, detentor de direitos, e igual perante a lei, isso não foi suficiente para alcançar a igualdade na lei.
Essa nova configuração estatal é consequência também de um período de descompromisso social, marcado pela Revolução Industrial, Revolução Russa (1917), além da Primeira Grande Guerra (1914-1918), promulgação de Consituições sociais como a Constituição de Weimar, e advento de regimes nazi-fascistas e comunistas. Torna-se, então, necessário oportunizar a igualdade além do aspecto formal.
Era necessária uma atuação mais ativa do Estado, que pudesse suprir as carências da população e reivindacações de direitos sociais - saúde, trabalho e direito de greve, educação e lazer, direito ao voto, etc. Assim, o Estado Social de configura como “paternalista”, em relação ao seu papel organizador de políticas de proteção jurídica.
E é nesse momento que estão compreendidos os chamados “direitos de segunda geração”, que compreende também a ideia de direitos sociais e coletivos (somando-se aos direitos individuais, de primeira geração).
O Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho tiveram diferentes momentos de surgimento e desenvolvimento em cada país. Inicialmente, as primeiras leis que regulamentaram direitos e jornadas trabalhistas tinham como objetivo coibir as práticas abusivas contra a classe trabalhadora, principalmente contra a exploração do trabalho infantil e das mulheres, considerando os períodos históricos de guerras que fez com que crescesse exponencialmente o número de crianças e mulheres nas indústrias.
A Constituição do México, em 1917 foi a primeira Constituição a disciplinar o Direito do Trabalho, instituindo igualdade salarial para homens e mulheres, salário-mínimo, repouso semanal, jornadas diárias de 8h, proteção à maternidade, proteção contra acidentes de trabalho, direitos de sindicalização e greve, entre outras importantes conquistas. (art. 123). Foi seguida em 1919 pela chamada base das democracias sociais, a Constituição de Weimar, da Alemanha.
Em 1927, a Carta del Lavoro, na Itália, com seu lema de “tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”, teve forte influência no Brasil, principalmente em relação às concepções do corporativismo, com seu postulados de busca pela superação da luta de classes em favor da colaboração entre a força de trabalho e o capital[5], e pela promoção da participação política dos cidadãos por meio de suas associações profissionais.
Convêm destacar que a influência do modelo italiano vai além: apesar de o Estado promover a tutela do proletariado com uma vasta legislação de cunho quase paternalista, a forte influência diretiva do Estado[6] restou prejudicado o desenvolvimento dos Sindicatos, que não tinham completa autonomia e liberdade de organização.
No Brasil, apesar de prevista desde as Constituições de 1934[7] e de 1937[8], apenas com o advento da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em 1943, a Justiça do Trabalho realmente começou a se estruturar. E somente em 1946[9] a Constituição Federal a reconheceria como integrante do Poder Judiciário.
O Direito do Trabalho nasce com a sociedade industrial e o trabalho assalariado, mas seu histórico começa a ser construído já desde a abolição da escravatura, no final do século XIX, com suas consequências.
A Revolução Industrial no século XVIII trouxe transformações no cenário político, econômicas e sociais. A mão-de-obra serviu cedeu espaço para ao trabalho assalariado. O progresso do capitalismo e o avanço das relações comerciais e da indústria transformaram a dinâmica das relações trabalhistas pela constituição de classes, desenvolvimento dos meios de produção de bens e serviços e pela exploração e acumulação de recursos naturais, e principalmente, humanos. A força de trabalho sagrou-se como moeda de troca. O trabalhador fornece a mão-de-obra, e em contraprestação, deve receber remuneração proporcional e condições mínimas de trabalho, respeitada sua integridade física e moral.
O Estado Neoliberal se fortalece e se consolida como interventor da ordem socioeconômica, estabelecendo limites à liberdade de contratual das partes sobre as relações de trabalho. Os trabalhadores passam a reivindicar condições mais dignas de trabalho, remuneração justa, proteção contra os riscos sociais, contra a exploração do trabalho infantil e das mulheres, fim das jornadas abusivas, entre outros.
Assim surge o sindicalismo, pela associação de trabalhadores que passaram a representar a coletividade na luta por modificações que atendessem aos ideais de justiça social, coibindo os abusos praticados e preservando a dignidade do trabalhador.
Na atualidade, devemos interpretar as relações de trabalho - independentemente de se tratar de trabalhador autônomo, subordinado, terceirizado, prestador de serviços, ou até mesmo trabalho informal - da maneira mais benéfica ao trabalhador, sempre vinculado aos direitos humanos[10], e aos princípios gerais do direito do trabalho. Nesse aspecto o direito do trabalho de diferencia do direito civil, por exemplo, ao buscar favorecer a parte mais vulnerável e hipossuficiente, até que se encontrem em paridade de armas. Os direitos fundamentais no direito contemporâneo promovem uma nova leitura das normas substantivas e procedimentais adaptadas às novas realidades das organizações e elementos sociais.
Pela autonomia coletiva, permite-se que os sindicatos representativos dos trabalhadores e patronais, por meio de negociações coletivas, discutam seus interesses e estabeleçam normas e condições de trabalho que se apliquem à coletividade de seus respectivos grupos de representação.
Nesse sentido, cabe esclarecer que, a negociação coletiva pode ocorrer em diferentes níveis de abrangência e vinculação.
Quando a negociação se dá a nível da categoria profissional ou econômica de dois sindicatos, ou seja, quando a negociação ocorre entre as entidades sindicais patronais e o respectivo sindicato representativo dos trabalhadores, pautado em reivindicações de assembleia das categorias.
Já o Acordo Coletivo trata de negociação de direitos e deveres das relações de trabalho entre os empregados de uma empresa, originados de negociação entre uma empresa determinada e o sindicato da categoria que representa os funcionários da empresa.
- A PROBLEMÁTICA DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA
Os Acordos e Convenções coletivas são regulamentados pelo artigo 611 e seguintes da CLT. A Reforma Trabalhista incluiu o art. 611-A[11] que dispõe sobre as hipóteses em que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei. O artigo e 611-B[12]., por outro lado, trata de quais direitos não podem de forma nenhuma serem suprimidos ou reduzidos por acordo ou convenção Os Acordos e Convenções coletivas devem ainda respeitar o limite do prazo de vigência de dois anos[13], período após o qual deverá ser feita nova negociação, se houver interesse das partes na manutenção do compromisso firmado. É facultado ao empregador firmar com cada empregado os chamados Contratos Individuais de Trabalho. Entretanto, havendo conflito, deverá sempre prevalecer a norma mais favorável ao trabalhador.
A negociação coletiva tem como base a formação consensual de normas e condições de trabalho, às quais um grupo de empregadores e empregados deverão se submeter. “Resolver os litígios antecipadamente, através de procedimentos consensuais de resolução de litígios, poupa tempo e dinheiro em comparação com a espera de uma decisão judicial[14]”.
Mais do que isso, a negociação coletiva supre as insuficiências do contrato individual de trabalho, que genérico, é incapaz de abarcar todas as situações e demandas que podem surgir da relação de trabalho ou cenário econômico e social.
As convenções e acordos coletivos de trabalho oriundos de negociações efetivas e positivas são instrumentos coletivos que revelam capacidade de entendimento entre “patrões” e “empregados”, capazes de vencer as dificuldades causadas pelas crises.
As negociações coletivas trabalhistas ganham notoriedade como mecanismo de solução de conflitos entre as partes ao confirmar a autonomia da vontade das partes, além de possibilitar que os direitos e vantagens estabelecidos por esses instrumentos sejam cumpridos de forma espontânea pelo empregador.
A tentativa de conciliação e negociação coletiva inclusive é tida como requisito necessário para a instauração do dissídio, previsto inclusive no Regimento Interno do próprio TST[15].
Sobre a conciliação e a indisponibilidade dos direitos trabalhistas na Itália:
Il legislatore ha infatti immaginato che sa più probabile una soluzione conciliativa della causa in presenza delle parti personalmente comparse, e dopo che l'interrogatorio libero ha consentito di chiarire le rispettive posizioni. (...) nel processo del lavoro il tentativo di concicliazone non è condizionato ala natura dela causa né al fato che essa verta su diritti disponibili dalle parti. Al contrario, il legislatore há ritenuto che la presenza del giuduce sia sufficiente presidio per i diritti dele parti, e del lavoratore in particolare, ache quando si tratti di diritti configuratti come relativamente o assolutamente indisponibili.[16]
Ainda sob esse aspecto, a negociação coletiva se apresenta como uma técnica com duas funções principais: função normativa e função compositiva. Além disso temos ainda a função social, de garantia de participação; função política, pela formação de diálogo entre classes e grupos sociais opostos; e até mesmo uma função econômica, uma vez que é possível que as partes acordem para fins de distribuição, fazendo reivindicações salariais ou de melhoria de condições, ou recomposição, fazendo concessões, principalmente considerando o cenário de crise econômica enfrentado por muitas empresas.
Apesar de ser um meio de instrumento normativo negociado, baseado em autocomposição das partes, os Acordos e Convenções nem sempre são tão democráticos ou benéficos quanto fazem parecer a princípio[17].
É inconteste a situação de hipossuficiência do empregado perante seu empregador para negociar sobre condições de trabalho, em razão, principalmente, da subordinação, elemento caracterizador do vínculo empregatício, que estabelece uma relação de dependência de ordem hierárquica, econômica, técnica e jurídica entre as partes. “A subordinação, sendo uma situação objetiva na qual alguém se põe à disposição de outrem para cumprir ordens e trabalhar sob o seu poder de direção, retira a possibilidade de nivelamento para discussão livre de interesses em desfavor do subordinado, que é o trabalhador.[18]”
Tradicionalmente, há o entendimento de que aos direitos trabalhistas aplica-se o princípio da irrenunciabilidade, uma que possuem uma natureza de preservação da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, Constituição Federal de 1988). Em razão dessa “irrenunciabilidade”, as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação[19] das partes interessadas desde que não contrarie as disposições de proteção ao trabalho, as convenções e os acordos coletivos que lhes sejam aplicáveis e as decisões das autoridades competentes.[20]
Assim, a regra geral é de que o empregado não pode abrir mão ou transacionar acerca de seus direitos trabalhistas, seja de forma expressa ou tácita, seja antes da admissão, durante ou após o término do contrato. Nesse sentido são os Enunciados 01 e 02 da 2º Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, respectivamente:
ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA
Ementa: I - Negociação coletiva. limites. adequação setorial negociada. as regras autônomas coletivas podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo trabalhista, desde que implementem padrão setorial de direitos superior ao padrão geral heterônomo, ou quando transacionam setorialmente parcelas e direitos trabalhistas de indisponibilidade apenas relativa, respeitadas as normas de indisponibilidade absoluta. II – A "adequação setorial negociada" não autoriza a supressão ou redução de direitos "tout court", cabendo às partes, nos termos do artigo 611-a da clt, com a redação dada pela lei 13.467/2017, justificar a excepcionalidade da adequação e sua transitoriedade, bem como definir as contrapartidas, com razoabilidade e de boa-fé, sendo inconstitucional o disposto no parágrafo 2º do art. 611-a da clt.
NEGOCIADO SOBRE LEGISLADO: LIMITES
Ementa: Nos termos do art. 5º, § 2º, da constituição federal, as convenções e acordos coletivos de trabalho não podem suprimir ou reduzir direitos, quando se sobrepuserem ou conflitarem com as convenções internacionais do trabalho e outras normas de hierarquia constitucional ou supralegal relativas à proteção da dignidade humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
- O DIREITO COLETIVO DO TRABALHO E A FORMAÇÃO DOS DISSÍDIOS COLETIVOS
A Justiça do Trabalho foi concebida como a instância para solução dos conflitos oriundos das relações trabalhistas entre empregados e empregadores. Todos os processos se desenvolvem a partir de algum tipo de conflito.
Outra palavra usada é controvérsia. Segundo a teoria, surge uma controvérsia quando alguém pretende a tutela do seu interesse, relativa à prestação do trabalho ou seu regulamento, em contraste com interesses de outrem e quando este se opõe mediante a lesão de um interesse ou mediante a contestação da pretensão, mas é possível dizer que o conflito trabalhista é toda oposição ocasional de interesses, pretensões ou atitudes entre um ou vários empresários, de uma parte, e um ou mais trabalhadores a seu serviço, por outro lado, sempre que se origine do trabalho e uma parte pretenda a solução coativa sobre outra[21].
Tais conflitos podem se apresentar tanto na forma de Dissídios Individuais, se envolvem apenas um ou alguns empregados e uma empresa específica; quanto podem envolver toda uma categoria profissional, de empregados ou empregadores, instaurando assim um Dissídio Coletivo.
O que diferencia um dissídio individual de um dissídio coletivo não é necessariamente o número de litigantes que compõem o conflito - mesmo que hajam dezenas e centenas de indivíduos em litisconsórcio, ainda assim a ação pode tratar de interesses individuais.
Nas ações individuais plúrimas, o que está em análise são interesses, já materializados pelo ordenamento, concretos, individualizados. Nesse caso, a Sentença atinge tão somente aquele grupo determinado de indivíduos.
Quando falamos em dissídio coletivo, o que é submetido para análise pelo Tribunal são interesses abstratos de uma categoria ou grupo, a fim de que sejam fixadas normas, ou interpretadas a aplicação daquelas já existentes. Aqui a eficácia da Sentença é extensível a todos os membros da categoria, independentemente do fato de serem ou não filiados ao sindicato litigante, principalmente em razão de sua finalidade de disciplinar eventos futuros. Nesse caso, estão sendo postulados interesses abstratos de um grupo social ou categoria, com o objetivo, em regra, de serem criadas novas condições de trabalho pelo Tribunal, que serão aplicadas a pessoas indeterminadas que pertençam ou venham a pertencer às categorias envolvidas.
A primeira conquista em prol dos direitos coletivos na legislação brasileira ocorreu através do artigo 72, §8º da Constituição de 1891[22], ao garantir a liberdade de associação, de forma bastante genérica.
Com o advento da 1ª Guerra Mundial e o fluxo de imigrantes europeus em direção ao Brasil, provenientes de países em que já vigorava uma legislação muito mais desenvolvida em relação aos direitos trabalhistas, criou um ambiente propício ao desenvolvimento das lutas trabalhistas e movimentos sindicais com base nos ideais revolucionários europeus.
A tradição autoritária da história brasileira ao longo do século XX comprometeu, significativamente, o florescimento e maturação do Direito Coletivo no país. De fato, o modelo justrabalhista estruturado nas décadas de 1930 e 40 (e que permaneceu quase intocado nas fases históricas seguintes) não comportava a consagração de princípios essenciais à própria existência desse segmento jurídico.
As noções jurídicas de liberdade de associação e sindical e de autonomia dos sindicatos obreiros foram cotidianamente constrangidas pela lei e pelas práticas jurídicas do Brasil durante quase todo esse extenso período histórico. Nesse quadro de eclipsamento de algumas das liberdades públicas mais essenciais falar-se em real Direito Coletivo do Trabalho era, efetivamente, quase um contrassenso[23].
O Direito Coletivo do Trabalho ainda se rege por princípios específicos além daqueles gerais do Direito do Trabalho, que se aplicam indistintamente tanto aos contratos individuais de trabalho, quanto às relações coletivas de trabalho.
Entre esses estão[24]: os princípios da liberdade associativa e sindical e da autonomia sindical, como princípios assecuratórios das condições de emergência e afirmação da figura do ser coletivo obreiro. Se incluem na tipologia dos princípios que tratam das relações entre os seres coletivos obreiros e empresariais os princípios da interveniência sindical na normatização coletiva, o da equivalência dos contratantes coletivos e o da lealdade e transparência nas negociações coletivas.
Por fim, temos os princípios da criatividade jurídica da negociação coletiva e o princípio da adequação setorial negociada, que se incluem no segmento de princípios que tratam das relações e efeitos das normas produzidas pelos contratantes coletivos.
Sobre a direito do trabalho no Brasil, em pleno século XXI, uma interessante observação cabe ser colacionada, se mostrando mais atual do que nunca:
O direito do trabalho é uma obra inacabada. Sua finalidade básica, como desde o seu início, é a proteção jurídica do trabalhador e a tentativa da diminuição das desigualdades sociais. Porém, está enfrentando novos dilemas e não são apenas esses os seus fins, são também outros. O direito do trabalho deveria denominar-se direito das condições de trabalho, conceito mais amplo, atende a perspectiva da bilateralidade do contrato de trabalho e explica melhor a sua função objetivadora de normas que se inserem no ordenamento jurídico e o afasta da subjetividade de um direito de classe que não se compatibiliza com o que na realidade ele é.[25]
Os sindicatos possuem papel essencial na defesa dos direitos coletivos[26]. São os Sindicatos que têm a legitimidade para manifestar qual seja a vontade da classe que representa, atribuindo força para que as partes possam negociar em igualdade. Têm-se então a materialização de uma convenção coletiva como resultado de uma negociação coletiva bem-sucedida entre o sindicato patronal e o sindicato profissional, e o acordo coletivo de trabalho como resultado do acerto entre o sindicato profissional e uma empresa ou grupo de empresas específicas.
A associação de liberdade de associação ou associação pode ser entendida a partir aspectos: individuais ou coletivos. No campo individual, se refere à faculdade de cada indivíduo detêm de intervir na esfera laboral como empregadores ou trabalhadores, aderindo ou abstendo-se de pertencer à uma associação. Consiste na liberdade dos trabalhadores, empregadores e organizações sindicais para estabelecer as organizações que eles consideram conveniente, possuindo o direito de fundar e aderir à uma organização sindical, bem como de desenvolver atividades sindicais como parte da liberdade sindical positiva individual[27].
A realização de negociações coletiva é ponto de grande relevância para o Direito do Trabalho, pois, é a partir dela, que se busca a pacificação de litígios entre as partes, sem haja a necessidade de intervenção judicial. É a forma que tenta demonstrar aos pactuantes o quanto é importante o diálogo, além de traduzir a real capacidade de abrir-se mão de determinadas exigências em prol de um benefício maior - a própria tutela dos direitos coletivos.
- AS CLASSIFICAÇÕES DE DISSÍDIOS COLETIVOS
O dissídio coletivo pode ser caracterizado como um “processo coletivo ajuizado no Poder Judiciário Trabalhista que tem por objeto interesses gerais e abstratos das categorias profissionais e econômicas envolvidas.[28]” Dissídio coletivo nada mais é do que um processo coletivo[29]. Doutrinariamente, classificam-se os dissídios coletivos como de natureza econômica, jurídica, e de greve.
Os dissídios de natureza econômica têm como objetivo a regulamentação de condições de trabalho. Estabelecem-se normas novas para regulamentação dos contratos de trabalho, através de sentença normativa constitutiva, criando, extinguindo ou modificando normas.
Os dissídios coletivos não visam reparar lesão a um direito subjetivo preexistente, mas sim inaugurar um direito novo, estabelecendo novas condições de trabalho - pro futuro[30]. São exemplos as cláusulas que concedem reajuste salarial e a que garante estabilidade provisória ao aposentando, criando, respectivamente.
Os dissídios de natureza jurídica, também conhecidos como dissídios coletivos de direito, visam a interpretação de uma norma legal controvertida, preexistente, oriunda de prática comum do setor (costume) ou proveniente de acordo, convenção ou dissídio coletivo.
Dessa forma, o dissídio de natureza jurídica se apresenta de forma completamente diferente dos dissídios econômicos por não ser expressão do poder normativo da Justiça do Trabalho, mas sim atividade jurisdicional típica: interpretar norma e decidir sobre sua aplicabilidade ao caso concreto[31].
Em relação à ambos os dissídios de natureza econômica e jurídica, convêm destacar que as duas categorias se submetem à julgamentos que consubstanciados pelas sentenças normativas[32], de eficácia ultra partes, ou seja, produzindo efeitos jurídicos em todos os contratos individuais de trabalho dos trabalhadores da categoria profissional envolvida. Em se tratando de dissidio de natureza econômica terá natureza constitutiva (constitui novas condições de trabalho). No que tange o dissidio coletivo de natureza jurídica a sentença normativa terá natureza declaratória, uma vez que tem por finalidade apenas interpretar a norma já existente.
Em relação à EC 45, parte da doutrina apresentou entendimento de que, uma vez que o texto constitucional não mencionou os dissídios coletivos de natureza jurídica, mas apenas os dissídios coletivos de natureza econômica, essa categoria teria sido extinta - no entanto, não se deve olvidar que as Constituições anteriores também não trataram do dissídio coletivo de natureza jurídica. Por essa razão, a interpretação mais adequada é de que essa modalidade de dissídio coletivo permanece intocável pelas alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45.
Há, por fim, os dissídios coletivos de greve, que possuem natureza mista, já que a sentença normativa pode tanto declarar a abusividade ou legalidade do movimento grevista, e ainda julgar os pedidos constantes da pauta de reinvindicações.
Greve é a paralisação das atividades para pressionar o empregador a conceder melhoria de condições de trabalho. Os trabalhadores recusam-se a prestar sua colaboração ao patrão, como forma de imposição para levá-lo a aceitar as reivindicações. O empregado, para evitar as consequências prejudiciais de ordem econômica, cede diante dos trabalhadores (...)[33].
A greve surge como uma técnica autodefensiva trabalhista, vista pelos trabalhadores como principal meio de pressionar o empregador a acolher as reivindicações feitas, ou exigir o cumprimento de obrigações já assumidas pelo empregador. Tolerada por alguns, proibida por outros, as greves afetam a normalidade das atividades sociais cotidianas em diferentes escalas.
Havendo paralisação, e instaurado o dissídio, caberá ao Tribunal declarar se a paralisação é legal ou abusiva. Sendo abusiva, o empregador tem o direito de dispensar o grevista por justa causa. Por essa razão, tanto o sindicato patronal como o sindicato dos empregados devem ser partes legitimas para sua instauração. Em razão do interesse coletivo social, atribuiu-se também a legitimidade ao Ministério Público do Trabalho caso de greve em atividades essenciais[34].
- EMENDA 45 E A REFORMA TRABALHISTA
A chamada Reforma do Poder Judiciário, carreada pela Emenda Constitucional nº45, acabou promovendo o crescimento da Justiça do Trabalho a partir da ampliação do rol de suas competências ao asseverar na redação do artigo 114 que à Justiça do Trabalho “compete processar e julgar as ações oriundas das relações de trabalho”, classificação mais abrangente. Além disso, os termos "conciliar e julgar" foram substituídos pelos termos "processar e julgar".
Aqui, importante diferenciar emprego e trabalho. A relação de trabalho é gênero do qual a relação de emprego é espécie – ou seja, a relação de emprego sempre é relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho é relação de emprego.
Isso significa que o conceito de trabalho é mais amplo e abrangente, de caráter genérico, referindo-se a todas as relações jurídicas de obrigação de fazer consubstanciadas em trabalho humano, abrangendo a relação de emprego, trabalho autônomo, trabalho eventual, trabalho avulso e trabalho temporário.
O conceito de relação de emprego está definido pelo art. 3º da CLT[35]. Assim, estamos diante de relação de emprego quando há a prestação de serviços em caráter intuitu personae ( o que quer dizer que apenas aquela pessoa pode fazer, sendo a mesma insubstituível para aquela tarefa deteminada), de natureza não eventual, a um empregador, sob a dependência e mediante salário. O termo empregado, nesse sentido, abrange somente os trabalhadores regidos pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho, ou seja, os "celetistas".
Desse modo, estando presentes todos os requisitos previstos no referido artigo, haverá uma relação de emprego. Apesar de mais amplo, o conceito de trabalho, nesse sentido, será residual – caso não preenchido algum dos requisitos do art. 3º da CLT, estaremos diante de uma relação de trabalho.
A competência da Justiça do Trabalho abrange, a partir de então, todas as causas cujas matérias envolvam trabalhadores sem vínculo empregatício[36], representação sindical[37], processos relacionados às penalidades administrativas impostas aos empregadores por fiscais do trabalho, indenização por dano moral e patrimonial decorrentes da relação de trabalho, atos decorrentes de greve, habeas corpus, habeas data e mandado de segurança e os litígios que tenham origem nos próprios atos ou sentenças da Justiça do Trabalho.
Até então, essa justiça especializada se ocupava apenas de dissídios a esfera processual laboral ocupava-se tão somente dos conflitos coletivos, e conflitos individuais que envolviam trabalhadores e empregadores, incluindo os trabalhadores avulsos, pequenos empreiteiros, operários ou artífices. A partir da alteração do dispositivo Constitucional, passou a ser função da justiça laboral pacificar os conflitos decorrentes de todo e qualquer trabalho humano – o que já deveria ser seu papel há muito tempo, como defensora dos direitos fundamentais do trabalho e e da justiça social.
Essa mudança gerou um questionamento sobre a competência atual da Justiça do Trabalho para apreciação de relações de trabalho estatutárias, inclusive nos casos de greve. São duas correntes: os que defendem a competência da Justiça do Trabalho, e os que entendem que no vínculo estatutário não existe a figura do empregador nem do empregado, mas relação entre servidor público e Administração Pública, ou seja, relação jurídica de cunho institucional.
O artigo 114 dispõe que é competente a Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II - as ações que envolvam exercício do direito de greve
Vemos que o artigo trata de relações de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta. Em primeiro lugar, deve ficar claro que nas relações de trabalho o vínculo pode ser tanto de natureza pública como de natureza privada; nesse sentido o artigo é claro e explicito ao falar em " entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta".
Em segundo lugar, em se tratando de greve de servidor estatutário, o entendimento é de que o direito de greve, por ser um direito fundamental e social previsto no art. 9º da CF, é autoaplicável para o servidor público. O art. 114, II, da CF fixou de forma expressa e literal a competência da Justiça do Trabalho para as ações que envolvam o exercício do Direito de Greve, independentemente do regime jurídico que rege a relação de trabalho.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento da ADIN n.3.395, suspendeu qualquer interpretação dada ao inciso I do artigo 114 da Constituição Federal, que inclua na competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, esvaziando a competência da Justiça do Trabalho.
“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária.” (ADIN-MC 3.395/DF, STF, Rel. Min. Cezar Peluso, Plenário, DJ. 10/11/2006).
Vale ressaltar que, continua aplicável a súmula 97 do STJ, que estabelece que a competência quando à ações ajuizados em período anterior à instituição do regime jurídico único (Lei 8.112/90) é da Justiça do Trabalho.
SÚMULA 97/STJ - compete à justiça do trabalho processar e julgar reclamação de servidor público relativamente a vantagens trabalhistas anteriores à instituição do regime jurídico único.
Dentre outras mudança trazidas pela Emenda 45[38], o texto constitucional passou a exigir um pressuposto de procedibilidade do ajuizamento do dissídio coletivo que antes não existia. Dispõe o artigo 114, §2º, que o dissídio coletivo de natureza econômica só pode, em tese, ser exercitado se as partes envolvidas no conflito o ajuizarem de mútuo acordo:
Art. 114, CF: Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
Em um primeiro momento, a interpretação do texto leva ao entendimento de que, se desatendimento esse requisito, o dissídio coletivo de natureza econômica deve ser de pronto indeferido pelo Tribunal, restando o direito constitucional de ação condicionado ao exercício conjunto das partes, não mais se admitindo o ajuizamento unilateral do dissídio coletivo.
Por um lado a medida serve para fomentar a própria autocomposição, justamente por ser a forma ideal de solução do conflito coletivo de trabalho, por meio de negociação entre os próprios interessados, podendo-se utilizar, ainda, a mediação. É uma clara tentativa de forçar ao máximo o esgotamento de todas as vias de tratativas negociais entre as partes, e de diminuir o “poder normativo/legislativo” da Justiça do Trabalho, ao proferir Sentença em dissídio coletivo.
Por outro lado, porém, o referido requisito não deixa de ser uma restrição à possibilidade de ajuizamento do dissídio coletivo econômico. É uma afronta expressa ao princípio de acesso à justiça (cláusula pétrea) - o direito de ação da parte lesionada fica à mercê da anuência de um terceiro afrontando literalmente o princípio do acesso à justiça; não se pode exigir de ninguém uma petição conjunta, o que acarretaria em submissão das partes litigantes à uma barreira violadora do princípio constitucional.
A jurisprudência, em contrapartida, tem entendido que a exigência de comum acordo para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica não significa a exclusão de sua apreciação pelo Poder Judiciário, mas mera condição específica da ação.
RECURSO ORDINÁRIO. DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÓMICA. AJUIZAMENTO. COMUM ACORDO. NOVA REDAÇÃO DO § 2• DO ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO ATUAL APÓS A PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.45/2004. A Seção Especializada em Dissídios Coletivos deste Tribunal Superior do Trabalho firmou jurisprudência no sentido de que a nova redação do § 2º-do artigo 114 da Carta Política do País estabeleceu o pressuposto processual intransponível do mútuo consenso dos interessados para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. A EC n. 45/2004, incorporando críticas a esse processo especial coletivo, por traduzir excessiva intervenção estatal em matéria própria à criação de normas, o que seria inadequado ao efetivo Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição (de modo a preservar com os sindicatos, pela via da negociação coletiva, a geração de novos institutos e regras trabalhistas, e não com o Judiciário), fixou o pressuposto processual restritivo do§ 22 do art. 114, em sua nova redação. Nesse novo quadro jurídico, apenas havendo "mútuo acordo" ou em casos de greve, é que o dissídio de natureza econômica pode ser tramitado na Justiçado Trabalho. Recurso Ordinário desprovido(TST-R0863-44.2010.5.05.0000, j. 12-12-2011, Rei. Min. Mauricio Godinho Delgado, SDC, DEJT 3-2-2012).
O entendimento é de que a exigência de comum acordo para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica não significa a exclusão de sua apreciação pelo Poder Judiciário, mas certamente cria restrições à instauração do dissídio, o que pode seria uma clara e inadmissível violação ao acesso à justiça e ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, CF/88).
Por essa razão, é necessário fazer um leitura do dispositivo como uma faculdade e não uma imposição, sob o risco de se cair na falsa impressão de que, após a EC n. 45/2004, só seja possível o ajuizamento de “dissídio coletivo de comum acordo”, como alguns doutrinadores parecem afirmar, pois seria a única hipótese constitucionalmente prevista. Se seguirmos essa linha de raciocínio, não haveria sequer de se falar em dissídio coletivo de natureza jurídica, uma vez que não está referido no diploma legal, mas claramente está presente na prática sindical.
Vê-se, fácil, assim, que o ajuizamento de comum acordo é uma mera faculdade e apenas nas duas hipóteses referidas, ou seja, recusa à negociação coletiva ou à arbitragem. (...) O que está escrito, na mais real verdade, é que, recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é que será possível e viável o exercício da faculdade (não obrigação, não imposição) do comum acordo no ajuizamento. Mas em não sendo assim, quando as partes tentarem, por exemplo, entre si ou intermediadas pelo Ministério do Trabalho, a conciliação e não chegarem a bom termo, aí, nitidamente, não teremos hipótese de recusa à tentativa conciliatória, mas sim malogro da conciliação tentada, o que é diferente.
Logo, respeitosamente, quer nos parecer que nessa hipótese em que se busca a conciliação, mas não se a consegue, certificado isso, é possível o ajuizamento, sem o comum acordo, do dissídio coletivo de natureza econômica, pena, aliás, de se eliminar o direito constitucional de ação previsto, como norma pétrea, no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal.[39]
A natureza subjetiva do direito de ação baseia-se no fato do Estado, ao proibir a autossatisfação dos interesses individuais, dando caráter inequívoco direito subjetivo do indivíduo ao ato de provocação do exercício da função jurisdicional. Não obstante toda a crítica doutrinária, a matéria já foi decida pela Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho em julgamento como segue ementado:
DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO SINDICATO PROFISSIONAL. AUSÊNCIA DE COMUM ACORDO. JURISPRUDÊNCIA DO TST. EXTINÇÃO. O comum acordo, pressuposto específico para o ajuizamento do dissídio coletivo, exigência trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 ao art. 114, § 2º, da CF, embora idealmente devesse ser materializado sob a forma de petição conjunta da representação, é interpretado de maneira mais flexível por esta Justiça Trabalhista, no sentido de se admitir a concordância tácita na instauração da instância, desde que não haja a oposição expressa do suscitado, na contestação. In casu, verifica-se que a Fundação Educacional Dom André Arcoverde demonstrou de forma inequívoca a sua discordância com a instauração da instância do dissídio coletivo, não cabendo a esta Justiça Especializada o exercício espontâneo da jurisdição contra a vontade manifesta da parte, que tem o respaldo da Constituição Federal. Mantém-se, pois, a decisão regional que extinguiu o feito, sem resolução de mérito, e nega-se provimento ao recurso ordinário interposto pelo Sindicato dos Professores do Sul Fluminense. Recurso ordinário conhecido e não provido. (Recurso Ordinário n° TST-RO-5713-89.2009.5.01.0000. Ministra Relatora Dora Maria da Costa. Data de julgamento: 13 de dezembro de 2010.)
Parte da doutrina também defende que também é exigido o consenso entre as partes quando se tratar de ação coletiva de greve que, além da declaração da legalidade do movimento, também trate da análise parcela econômica reivindicada. Nesses casos, entende-se que, havendo pedido de julgamento da pauta de reivindicações grevistas, o dissídio coletivo de greve terá feição de dissídio coletivo econômico; uma vez que o legislador foi explícito na ao condicionar o ajuizamento dos dissídios coletivos econômicos ao mútuo consentimento.
Como forma de moderar a incidência da restrição ao direito de ação, a jurisprudência do TST[40] tem mitigado, em parte apenas, a aplicação do texto Constitucional ,através da denominada concordância tácita com o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, atentando para os momentos adequados de manifestação, ou seja, na falta ou ausência de oposição expressa do suscitado à instauração da instância no momento oportuno sendo eles, na conciliação, audiência de instrução e conciliação.
A Emenda 45, pela inclusão do §3º, atribuiu ao Ministério Público do Trabalho a legitimidade para ajuizar dissídio coletivo quando de se tratar de “greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público”. As atividades ou serviços considerados essenciais para o interesse público estão definidos pelo art.10[41] da lei 7783, se tratando, no entanto, de rol exemplificativo, de forma alguma pretendo se exaurir o rol de necessidades inadiáveis da sociedade.
No caso de ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho, tem-se que a pretensão em juízo é meramente declaratória, visando reconhecer a abusividade do movimento de greve. Pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, não pode ser afastada ainda a legitimidade do sindicato patronal para propositura de ação.
Na ação proposta pelo sindicato patronal é possível reunir a pretensão declaratória da abusividade da greve e outras reivindicações sindicais, como aplicação de multa pelo descumprimento da manutenção mínima da prestação de serviços, ou corte de ponto e desconto de salários, por exemplo.
Quando da alteração do dispositivo, inicialmente se questionou se haveria legitimidade sindical para instauração do dissídio quando não se tratar de atividade essencial. Isso por que o silêncio legislativo permitiu a interpretação de que apenas o Ministério Público do Trabalho seria parte legitima para instauração do dissídio quando se tratar de matéria grevista. Outro questionamento levantado foi se a EC nº45 teria restringido as hipóteses de ajuizamento do dissidio coletivo de greve como uma legitimidade exclusiva do parquet, excluindo a possibilidade de as partes envolvidas no conflito proporem tais ações.
Essa matéria já foi decidida pelo TST[42], que declarou a legitimidade do empregador, individualmente, ou do sindicato representante da categoria econômica, para propositura do dissídio coletivo de greve em atividades não essenciais. Nas atividades essenciais, é concorrente a legitimidade do Ministério Público do Trabalho e do empregador para o ajuizamento de ação declaratória de abusividade de greve
Por outro lado, percebe-se que o MPT ficou vetado de ajuizar o Dissídio Coletivo de Greve na hipótese de a paralisação atingir atividade que não seja considerada essencial para a sociedade, não obstante as repercussões do movimento paredista. Esse aspecto reforça o entendimento de que, se a Constituição atribuiu ao Ministério Público a mera faculdade para o ajuizamento desses dissídios, certamente não é possível falar em impossibilidade de as partes a ajuizarem, sob o risco de esvaziar a legitimidade para propositura da ação.
Percebe-se então que,
os dissídios coletivos de greve, por sua natureza, já eram apreciados pela Justiça Laboral. Portanto, a finalidade da pesquisa era demonstrar o que pretendeu a Reforma do Poder Judiciário nesse contexto. Com base na doutrina e na jurisprudência examinadas, conclui-se que a Justiça do Trabalho adquiriu a atribuição de julgar outras ações que decorram desse exercício, tais como as ações possessórias.[43]
Tanto as ações coletivas como individuais que envolvem o exercício do direito de greve são da competência da Justiça do Trabalho, independentemente de as partes envolvidas no processo serem as diretamente envolvidas, que participam de fato da greve, ou apenas os indivíduos que sofrem com os efeitos do movimento grevista. Contudo, prevalece o entendimento, em razão da Decisão do STF no julgamento da ADI 3.395-6[44], de que a Justiça do Trabalho não possui competência material para processar e julgar as ações que envolvam greve de servidores públicos estatutários ou de caráter jurídico-administrativo, o que é visto por parte da doutrina como um esvaziamento da competência da Justiça do Trabalho[45].
A Reforma Trabalhista de 2017 também trouxe significativas mudanças no âmbito específico do direito coletivo do trabalho. O artigo 477-A[46], por exemplo, passou a equiparar a as demissões plúrimas e coletivas às dispensas individuais, dispensando a consulta prévia e interveniência do Sindicato para efetivação de tais modalidades de dispensa.
A criação de da comissão de representantes dos empregados, por exemplo, se apresenta como um aspecto positivo, mas não deixa claro se a comissão possui legitimidade para firmar Acordos Coletivos com o grupo representado, nem quais seriam os limites de atuação da comissão. Parte da doutrina e os sindicatos veem nas comissões de representante mais um instrumento para esvaziar o direito dos Sindicatos de representação dos trabalhadores.
Nesse sentido, cabe duas observações pertinentes: o § 1º do artigo 510-C impede a interferência da empresa e do sindicato no processo de escolha da comissão; o artigo 510-E[47], que expressamente dispunha sobre a não substituição dos sindicatos pelas comissões de representantes, que foi incluído pela Medida Provisória nº808, teve sua vigência encerrada, não havendo nenhum dispositivo que vede a atuação das comissões na defesa de direitos e interesses coletivos ou individuais, inclusive em questões judiciais ou administrativas.
Mas, com absoluta certeza, nenhuma mudança foi mais incisiva e impactante para a atividade Sindical do que a mudança acerca da contribuição sindical. A partir do texto do artigo 579, a contribuição sindical só poderá se deduzida caso haja autorização expressa - ressaltando que esse dispositivo é válido tanto para empregados como para empregadores[48].
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fugindo à crítica do paradigma paternalista, que estabelece o que é bom para os sujeitos, se desenha modelo político social neoliberal atual que se coadunacom uma postura valorizadora da autonomia da vontade e da liberdade individual, que propõe que o sujeito de direitos possa destinatário e coautor da norma individual.
A leitura desses dispositivos da Reforma de 2017, associada às mudanças trazidas pela Emenda 45, não deixa de provocar a sensação de que, aos poucos, buscam impor um controle estatal cada vez maior sobre a ação dos Sindicatos, retirando dessas associações a força de único veiculador das pretensões das classes representadas, atribuindo às próprias partes, a liberalidade para negociarem individualmente.
Como bem escreveu Mauricio Godinho:
(...) o desconhecimento sobre os princípios especiais do Direito Coletivo do Trabalho irá certamente comprometer o correto e democrático enfrentamento dos novos problemas propostos pela democratização do sistema trabalhista no Brasil. A não compreensão da essencialidade da noção de ser coletivo, da relevância de ser ele representativo e consistente para de fato assegurar condições de equivalência entre os sujeitos do ramo juscoletivo trabalhista, simplesmente dilapida toda a noção de Direito Coletivo do Trabalho e de agentes coletivos atuando em nome dos trabalhadores[49].
A força sindical é que possui, a princípio, força suficiente capaz de resolver as questões referentes a melhoria das condições de trabalho, e especialmente no que tange à questão salarial. Seria necessário então um fortalecimento das bases sindicais na busca pelo melhor interesse dos trabalhadores perante o Poder Judiciário, principalmente em relação aos dissídios coletivos. Mas o que se observa é uma tendência ao oposto.
Mas, se por um lado, há aspectos na lei de enfraquecimento dos Sindicatos, por outro, temos que há muitas mudanças principalmente no sentido de ressaltar a importância da negociação coletiva, permitindo a negociação e acordo acerca de fatores únicos para uma empresa, mas que não seja comum à toda categoria, por exemplo.
Ainda é cedo para dizer com absoluta certeza se essas mudanças vão acarretar em mais benefícios do que prejuízos para as partes - tanto empregado, quanto empregador. Quando se fala nos direitos e garantias dos trabalhadores, deve-se ter em mente que as condições devem apenas agregar àquilo que já foi conquistado, sejamos direitos garantidos na CLT ou nos acordos e convenções coletivas - o direito adquirido jamais deve ser reduzido ou abdicado, pois há razões históricas, sociais e ideológicas mais profundas por trás dessas conquistas, devendo-se sempre prezar pelo direito e o interesse de um grupo e não somente de um interesse individual.
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