AGRESSÃO A PROFISSIONAIS DA SAÚDE

08/05/2020 às 09:00
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE OS CRIMES QUE TERIAM SIDO COMETIDOS EM RECENTE FATO CONCRETO.

AGRESSÃO A PROFISSIONAIS DA SAÚDE

Rogério Tadeu Romano

I – O FATO

Observo do que foi publicado no site do COFEN:

 

“ Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) apresentou hoje (5/5) representação no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e comunicação criminal na 5ª Delegacia de Polícia de Brasília sobre o ataque a profissionais de Enfermagem ocorridas na Praça dos Três Poderes, durante ato pacífico e silencioso de protesto realizado no 1º de Maio. Os agressores foram identificados pelo Cofen, em documentação encaminhada às autoridades. O caso já está sendo acompanhado pelo Ministério Público Federal.

Com máscaras cirúrgicas e jalecos, mantendo distância entre si, as profissionais de Enfermagem carregavam cruzes em memória dos colegas que morreram combatendo a pandemia de COVID-19, quando foram abordadas por um pequeno grupo que iniciou as agressões verbais e intimidação física. Organizado pelo Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal, o ato defendia o isolamento social, preconizado pelo Organização Mundial de Saúde (OMS) e entidades científicas de todo o mundo.

Agressores identificados – Um homem vestido de verde e amarelo, identificado como o R.S.S, começou a filmar as profissionais e a gritar tentando impedir o ato. Na imagens, ele insulta uma enfermeira e chega a tentar segura-la, sendo impedido por terceiros. Continua a gritar, de forma intimidadora, diversos impropérios, que podem ser ouvidos na gravação, como “Vocês não vão destruir a nação”; “analfabetos funcionais”; esquerdopatas”; “nós vamos varrer os comunistas desta Nação”. Ele foi identificado pela imprensa como funcionário terceirizado do Ministério de Direitos Humanos.

Uma senhora, identificada como a empresária M.C.O, xinga e diminui as profissionais, chegando a proferir, em tom visivelmente exaltado, frases como: “Quando a gente sente o cheiro de quem não passou perfume a gente entende o tipo de pessoa que você é”.

Um terceiro senhor, identificado como o empresário G.G.M.A, gravou um vídeo com uma suposta moradora de rua, dizendo que ela teria recebido um jaleco para participar da manifestação se passando por médica, tudo isso com o intuito de diminuir a manifestação das enfermeiras. A gravação falsa chegou a ser divulgada em redes sociais.

Ataque a toda Enfermagem – “Estes senhores ridicularizaram, diminuíram, agrediram profissionais que em todos os países do mundo são aplaudidos como heróis, causando uma indignação à nível nacional, conforme documentos anexos, devendo os denunciados responderem por crime de injúria, conforme previsão no artigo 140, do Código Penal, sendo que em face do Senhor Renan da silva Sena, o crime foi de injúria real”, afirma a Procuradoria do Cofen, que anexou vídeos e documentos comprobatórios. “Não se trata de ofensas dirigidas a um grupo ou mesmo a um profissional específico, mas, muito mais, trata-se de ofensas dirigidas a toda uma classe, com o dolo [intenção] específico de desqualificar”.

“Não permitiremos que o ódio irracional e a violência gratuita intimidem aqueles que, enfrentando seus próprios receios, se colocam na linha de frente do enfrentamento à pandemia de COVID-19. Não há espaço, na Democracia, para este tipo de ataque. A ciência e o espírito de solidariedade social prevalecerão”, afirma o presidente Manoel Neri.”

II – A INJÚRIA

Conhecida é a lição de Antolisei, citada por Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, parte especial, 7º edição, pág. 179), de que “a manifestação ofensiva tem um significado que, embora relacionado com as palavras pronunciadas ou escritas, ou com os gestos realizados, nem sempre é idêntico para todas as pessoas. O que decide é o significado objetivo, ou seja, o sentido que a expressão tem no ambiente em que o fato se desenvolve, segundo a opinião da generalidade das pessoas. Como bem esclarece o antigo professor da Universidade de Turim, o mesmo critério deve ser seguido, em relação ao valor ofensivo da palavra ou do ato, não se considerando a especial suscetibilidade da pessoa atingida. Isto, porém, não significa que não seja muitas vezes relativo o valor ofensivo de uma expressão, dependendo das circunstâncias, do tempo e do lugar, bem como do estado e da posição social da pessoa visada, e, sobretudo, da direção da vontade(animus injuriandi).”

A injúria refere-se à dignidade e ao decoro, que a doutrina interpreta no sentido de honra subjetiva.

As injúrias podem ser praticadas pelas mais variadas formas, por gestos, palavras, símbolos, atitudes, figuras etc, consumando-se desde que chegue a conhecimento do ofendido ou de qualquer outra pessoa.

Havendo ofensa a honra do funcionário público que diga respeito ao exercício das funções, artigo 145, parágrafo único, parte final, há uma ação penal pública condicionada à representação. O Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido de que a legitimidade, nessa hipótese, seria concorrente, cabendo ao funcionário público optar entre representar, estando-se na hipótese de ação penal pública condicionada, ou poderá contratar advogado para patrocínio de ação penal privada. É o que se lê da Súmula 714 do Supremo Tribunal Federal onde se diz que é concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada a representação do ofendido, nos crimes contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções. É o que se lê do julgamento do Supremo Tribunal Federal, no AgR Inq 726, de 8 de setembro de 1993, Pertence, RTJ 154/2: Lex STF 188/378. Vem um problema: o funcionário público representa e o órgão ministerial, ao invés de ofertar a denúncia, promove o arquivamento. É possível ao agente público contratar advogado para promoção de ação penal privada? Uma vez oferecida a representação, ocorre a preclusão da segunda via da persecutio criminis, de modo que não poderá mais o funcionário público oferecer a queixa-crime correspondente. Daí porque se fala em legitimação alternativa e não concorrente, que seria disjuntiva. A propósito, tem-se decisão do Supremo Tribunal Federal, no Inq. 1.939 – 9/BA, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 2 de abril de 2004. Assim se o ofendido opta pela representação, com o seu oferecimento se investe, em definitivo, o Ministério Público de legitimação para a causa, ficando preclusa a via da ação privada. Electa una via non datur regressus ad alteram.

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Caso o ofendido não seja um funcionário público, o caso envolve a queixa-crime, ação penal privada.

III – A INJÚRIA REAL

.Para o caso, entendo que poderá ser caso de investigar se houve crime de injúria real.

Ensinou Heleno Fragoso(Lições de direito penal, parte especial, artigos 121 a 212, pág. 193) que com evidente superioridade sobre o direito anterior, o Código atual classificou a injúria real entre os crimes contra a honra. Há a injúria real sempre que a ofensa à dignidade ou ao decoro se faz por vias de fato ou violência pessoal, desde que sejam aviltantes por sua própria natureza ou pelo meio empregado.

Vias de fato são a contravenção prevista no artigo 21, LCP e constituem a briga ou agressão à pessoa, praticada sem ofensas à integridade corporal.

Que são vias de fato?

São os atos agressivos de provocação praticados contra alguém. Servem como exemplos os atos de: empurrar, sacudir, rasgar ou arrancar roupas, puxar cabelo, dar socos ou pontapés, arremessar objetos, e demais atos que não cheguem a causar lesão corporal.  

Está previsto no artigo 21 da  lei de contravenções penais, DECRETO-LEI Nº 3.688.

Art. 21. Praticar vias de fato contra alguém:

        Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitui crime.

        Parágrafo único. Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.

Haverá a necessidade de condição de procedibilidade com a necessidade de representação do ofendido?

O posicionamento dos coordenadores de Juizados Especiais do Brasil, manifestado no XVIII Encontro Nacional realizado em Goiânia, entre 23 e 25 de novembro de 2005 e cristalizado no enunciado 76, do seguinte teor:

“A ação penal relativa à contravenção de vias de fato dependerá de representação. (Aprovado no XVII Encontro – Curitiba/PR)”.

No STF há  o entendimento no sentido da desnecessidade da representação.

Trata-se do HC nº 80617/MG – 1ª. Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 20.03.2001, DJ de 04.05.2001, p. 00005, do qual transcrevo sua ementa:

“Ação penal pública incondicionada: contravenção de vias de fato (LCP, art. 17). A regra do art. 17 LCP – segundo a qual a persecução das contravenções penais se faz mediante ação pública incondicionada – não foi alterada, sequer com relação à de vias de fato, pelo art. 88 L. 9.099/95, que condicionou à representação a ação penal por lesões corporais leves”.

É a contravenção penal prevista no Dec.-lei 3.688/1941, art. 21, consistente em praticar qualquer forma de violência física contra pessoa humana. Somente se pune com base nesta contravenção se o fato não constituir crime, geralmente, lesão corporal. A diferença básica entre vias de fato e lesões corporais é a ofensa à integridade física da vítima; havendo e devidamente atestada por laudo, configura-se o crime; do contrário, a simples contravenção. Exemplo de vias de fato: um tapa no rosto. Eleva-se a pena de um terço até metade se a vítima for maior de 60 anos.

Ainda ensinou Heleno Cláudio Fragoso que será sempre indispensável indagar sobre o aspecto subjetivo da conduta a fim de que se possa constatar a existência do crime contra a honra. É mister que a ação tenha sido praticada com o propósito de injuriar, pois caso contrário subsistirá a ofensa à integridade ou à incolumidade pessoal. Na injúria real é indiscutível a exigência do animus infamandi, que é o elemento subjetivo do tipo.

Como disse Magalhães Noronha(Direito Penal, volume II, 12ª edição, pág. 142) é mister que que a prática seja aviltante, em si mesma ou pelo meio usado, o que importa necessariamente tenha o agente a intenção de ultrajar.

Ocorre injúria real quando a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou meio empregado, sejam consideradas aviltantes.

A constatação de que as atitudes foram “aviltantes” pode decorrer da natureza (tapa no rosto) ou do meio empregado (arremesso de excrementos ou de projéteis). 

Na injúria real as vias de fato são sempre absorvidas. Havendo lesão corporal, as penas serão aplicadas em concurso formal.

A injúria é qualificada se consiste na referência a elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

Na injúria real as vias de fato são sempre absorvidas. Havendo lesão corporal, as penas serão aplicadas em concurso formal.

A injúria é qualificada se consiste na referência a elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

No caso de injúria real, será pública incondicionada se a lesão for grave ou gravíssima, e condicionada à representação, se leve.

Para o caso foi cumprida a exigência legal que determina o envio de representação para a tomada de providências no âmbito criminal, por se tratar de ação penal pública condicionada a representação.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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