Algumas leis penais, denominadas proibitivas, vedam determinados comportamentos. Quando um indivíduo pratica uma infração penal, consequentemente afronta o preceito proibitivo. A pretexto de exemplificação, no art. 121 do Código Penal (CP), o preceito proibitivo é “não matar”.
Está-se, aqui, fazendo referência a um crime comum – e o Presidente da República dispõe de prerrogativas e imunidades relativas ao processo que objetive sua incriminação pelo cometimento de delito comum.
A propósito, como decorrência do princípio republicano, a vigente Constituição brasileira contempla a possibilidade de responsabilização do Presidente da República, tanto por infrações penais comuns, quanto por infrações político-administrativas, as quais são regulamentadas em lei especial federal.
Advirta-se que as sanções decorrentes da prática de infrações político-administrativas (crime de responsabilidade) são extrapenais, ou seja, nada têm a ver, por exemplo, com detenção ou reclusão (penas privativas de liberdade). A perda do cargo e a inabilitação por oito anos, para o exercício de função pública, são reprimendas (extrapenais) previstas em sede constitucional (art. 52, parágrafo único), aplicadas, frise-se, em sentença formalizada por meio da expedição de uma resolução senatorial (art. 35 da Lei 1.079/1950).
Na hipótese do Presidente da República cometer atos que consubstanciam ilícitos penais, estes serão apurados pelos órgãos competentes do Poder Judiciário. Aliás, há diversas modalidades de infrações penais – e o Supremo Tribunal Federal tem competência para julgar, originariamente, todas elas (CF, art. 102, I, ‘b’), inclusive delitos eleitorais, crimes dolosos contra a vida e até mesmo contravenções penais (Recl 511/PB, rel. Min. Celso de Mello, 09.02.1995).
Não obstante, é preciso deixar claro o seguinte: a competência da Corte Suprema (STF), para julgamento do Presidente da República, no que toca aos ilícitos penais, somente alcança delitos comuns por ele praticados na vigência do mandato – e dês que sejam ilícitos relacionados com o exercício da função presidencial! Às condutas típicas exercidas durante o mandato, mas estranhas a este, aplica-se a imunidade processual (CF, art. 86, § 4º). Esta, da mesma forma, será aplicada às condutas típicas exercidas anteriormente à investidura no cargo de Presidente da República, obstando a responsabilização penal do chefe do Executivo federal, na vigência do mandato. Nessas situações, em que se impõe a referida imunidade processual constitucional (CF, art. 86, § 4º), só existirá persecução criminal empós a finalização do mandato presidencial, perante a Justiça Comum competente.
De registrar que findado o mandato, não haverá que se falar em prerrogativa de foro. Nesse caso, o eventual processo criminal, em trâmite no STF, será remetido à Justiça Comum competente, onde se dará normal prosseguimento.
Note-se que o art. 5º, XLVI, da CF/88, prescreve que a lei adotará, dentre outras, a pena de privação de liberdade. À vista disso, pergunto: No Brasil, é possível prender o Presidente da República? Ele é passível de pena privativa de liberdade?
Claro, sem dúvida alguma! Se condenado, sujeitar-se-á à prisão. Todavia, devido à imunidade processual, o Presidente da República não poderá ser preso enquanto não sobrevier sentença condenatória (CF, art. 83, § 3º).
Vejamos...
Medidas pré-processuais poderão ser tomadas. Em outros termos, um procedimento investigatório, pela Polícia Federal, sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, poderá ser adotado. Inclusive, recentemente, a pedido da Procuradoria-Geral da República, o Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, autorizou a instauração de inquérito (nº 4.831) para investigar Jair Bolsonaro (e Moro), levando-se em conta as declarações feitas pelo ex-ministro da Justiça (e ex-juiz federal) Sérgio Moro.
Não se pode ignorar, porém, que o Presidente da República só poderá ser processado e julgado, pelo STF, logicamente pelo cometimento de crime comum, após a autorização da Câmara dos Deputados, por maioria qualificada de dois terços dos votos (CF, art. 51, I). E isso nada tem a ver com as medidas pré-processuais engendradas pela polícia judiciária! Para tanto, não há necessidade da vênia da “Casa do Povo”.
Pois bem... Obtidas provas suficientes, de autoria e materialidade, pode ser oferecida denúncia-crime pelo Procurador-Geral da República, chefe do Ministério Público da União (MPU). Em se tratando de crime de ação penal privada, poderá, também, ser ofertada queixa-crime pelo próprio prejudicado.
Em seguimento, admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços dos 513 deputados federais, será ele submetido a julgamento perante o STF, nas infrações penais comuns (previstas no Código Penal ou em Legislação Penal Especial).
Tem-se, pois, que o recebimento da peça acusatória, pelo Supremo Tribunal Federal, está condicionado à autorização da Câmara dos Deputados (CF, art. 51, I, c/c art. 86). Nos termos do art. 217 do Regimento Interno da “Casa do Povo”, o pedido será efetuado pelo Presidente da Corte Suprema (STF) e endereçado ao Presidente da Câmara dos Deputados, que notificará o chefe do Executivo federal e despachará o expediente à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
A decisão tomada, pelo Legislativo, será comunicada ao STF dentro do prazo de duas sessões (Regimento Interno, art. 217, § 2º). Em havendo autorização da Câmara dos Deputados, o Presidente da República ficará suspenso de suas funções, caso o STF resolva receber a denúncia-crime ou queixa-crime. A suspensão durará até 180 dias, nos termos do art. 86, § 2º, da Constituição vigente.
Caso o Presidente da República seja condenado pelo Supremo Tribunal Federal, pela prática de delito comum (cometido na vigência do mandato e relacionado com o exercício deste), a decisão condenatória transitada em julgado propiciará a suspensão dos seus direitos políticos (CF, art. 15, III) e, conseguintemente, a cessação imediata de seu mandato.
Enfim, se condenado, submeter-se-á à prisão (CF, art. 86, § 3º)! Ou seja, em razão da imunidade, aprisionamento somente poderá ocorrer após sentença condenatória proferida pela Corte Suprema (STF). Há evidente impeditivo, portanto, quanto à prisão em flagrante, preventiva, temporária etc. – seja o delito afiançável ou inafiançável!
Em conclusão, é importante assentar que na hipótese de cometimento de crime comum estranho ao exercício das funções presidenciais, na vigência do mandato, o Presidente da República não responderá. Há, aqui, um óbice à persecução criminal durante o exercício da Presidência. Logicamente, sem pálio de dúvida, ocorrerá a suspensão do prazo prescricional, enquanto perdurar o mandato. No término deste, responderá o infrator perante a Justiça Comum.