O "hate speech" e a liberdade de expressão

08/05/2020 às 16:59
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O discurso de ódio tornou-se tema de debates, devido ao cenário político-social atual. Tal discurso pode assumir diversas formas, porém no geral, é uma ideologia que não aceita as diferenças, e com isso pratica o preconceito e pode incitar violência.

RESUMO O discurso de ódio tornou-se tema de debates, devido ao cenário político-social atual. Tal discurso pode assumir diversas formas, porém no geral, é uma ideologia que não aceita as diferenças, e com isso pratica o preconceito e pode incitar violência. Ele não pode ser confundido com o insulto individual, pois é direcionado a determinado grupo ou classe social. Alguns autores defendem que o discurso de ódio está amparado na liberdade de expressão, garantida no artigo 5°, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. Porém há aqueles que discordam, alegando que a intolerância fere outros direitos fundamentais, tais como a dignidade da pessoa humana. O hate speech que é o discurso de ódio traduzido para o inglês, é motivo de muitos debates filosóficos e jurídicos, pois uma corrente é favor da total liberdade de expressão, e outra corrente pensa que o hate speech não pode ser protegido pelo direito fundamental, pois contrapõe a outro. O principal argumento da corrente contra a total liberdade de expressão é a de que não devemos ser tolerantes com os intolerantes, pois os malefícios advindos da influência para a violência contam mais do que o princípio da liberdade de expressão, pois fere a dignidade de outras pessoas. Palavras-chave: hate speech, tolerância, discurso de ódio, dignidade da pessoa humana. SUMÁRIO INTRODUÇÃO CAPITULO I – CONCEITOS 1.1. Conceito do Hate Speech e características 1.2. Conceito da Liberdade de Expressão e características CAPITULO II – CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIAL E HISTÓRICA 2.1. História dos Direitos Fundamentais 2.2. Evolução histórico-social da Liberdade de Expressão 2.2.1. História da Liberdade de Expressão no Brasil 2.3. História do Hate Speech (Discurso do ódio) 2.4. A influência do discurso e poder de persuasão 2.5. Exemplos históricos fáticos CAPITULO III – PRINCÍPIO FUNDAMENTAL LIBERDADE DE EXPRESSÃO E SUAS LIMITAÇÕES 3.1. Princípios Constitucionais em conflito 3.1.1. Conflito entre a Liberdade de Expressão e a Dignidade da Pessoa Humana 3.2. Limitações da Liberdade de Expressão CAPITULO IV – JURISPRUDÊNCIAS E DOUTRINAS EM DIVERGÊNCIA 4.1. Vertente positiva da total Liberdade de Expressão 4.2. Vertente negativa da total Liberdade de Expressão CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS APÊNDICE70 FICHA DE ACOMPANHAMENTO DO TCC 2 ANEXOS INTRODUÇÃO Atualmente, devido a globalização, e modernização dos meios de comunicação, a troca e manifestação de ideias, especialmente no espaço virtual, onde se percebe grande parte dos discursos do ódio, tornou-se comum. A liberdade de expressão é um dos direitos mais importantes dos cidadãos. É um direito fundamental inerente ao ser humano e é através dele que se possibilita a participação do indivíduo na vida em sociedade e nas decisões do Estado, ou seja, ele é essencial para autodeterminação do indivíduo. Forma juntamente com outros princípios, tais como a dignidade da pessoa humana e a igualdade, um dos pilares da democracia. Por isso, eventuais restrições a esse direito não são vistas com bons olhos e, em muitas vezes, são consideradas inconstitucionais No entanto, das várias facetas que a liberdade de expressão assume, emergem inúmeros atos de comunicação que, por vezes, inferiorizam uma pessoa com base em suas características (sexo, etnia, orientação sexual, por exemplo), o que caracteriza o discurso do ódio. O hate speech, tem sido tema de acalorados debates constitucionais na doutrina mundial, principalmente nos Estados Unidos. Ele suscita o conflito entre direitos fundamentais que estão constituídos na própria estrutura das sociedades contemporâneas. Trata-se, em simples definição, de um discurso que tenha por pura e exclusiva função discriminar determinados grupos sociais. O objetivo do trabalho consiste na exposição de fatos que estão sendo considerados como discurso de ódio, para que seja demonstrado que é necessária uma análise de cada caso concreto, para definir se foi praticado o “hate speech”, Com essa finalidade, a presente monografia iniciará conceituando o hate speech, com o objetivo de explicar sobre o termo hate speech, a origem, e a definição minuciosa do discurso de ódio. O segundo capítulo seguirá abordando um breve contexto histórico dos direitos fundamentais e da liberdade de expressão, para compreensão do conflito. No Brasil a discussão tem ganhado mais amplitude, devido a acontecimentos que serão explanados no segundo capítulo, junto com o contexto histórico. No terceiro capítulo são abordados os limites da liberdade de expressão e os conflitos de normas. A monografia é encerrada no quarto capítulo com as doutrinas divergentes sobre o tema, trazendo os pontos de vista de cada doutrinador sobre o tema, e fazendo comparações, bem como será citada a jurisprudência brasileira a cerca do hate speech. CAPÍTULO I – CONCEITOS 1.1. Conceito do Hate Speech e características O hate speech, se trata se uma apologia abstrata ao sentimento de ódio e rejeição nas pessoas, representando repúdio e discriminação a grupos com determinadas características, ou ideologias contrárias as do agressor, como por exemplo, os homossexuais, os judeus, os negros, os islâmicos, as mulheres, dentre outros grupos. Para Winfried Brugger, o discurso do ódio refere-se a: “(…) palavras que tendam a insultar, intimidar ou assediar pessoas em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião, ou que têm a capacidade de instigar a violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas.” No mesmo sentido, discorre Samanta Ribeiro Meyer-Pflug: Ele [o discurso do ódio] consiste na manifestação de ideias que incitam a discriminação racial, social ou religiosa em relação a determinados grupos, na maioria das vezes, as minorias. Tal discurso pode desqualificar esse grupo como detentor de direitos. [...] Pode ser considerado como apologia abstrata ao ódio, pois representa o desprezo e a discriminação a determinados grupos de pessoas que possuem certas características, crenças, qualidades ou estão na mesma condição social, econômica, como, por exemplo, os ciganos, nordestinos, negros, judeus, árabes, islâmicos, homossexuais, mulheres, entre outros. O discurso do ódio se caracteriza pela expressão do pensamento de maneira depreciativa voltada a um determinado grupo da sociedade, com o intuito de insultar, desqualificar, menosprezar e humilhar o grupo como um todo e os indivíduos a ele pertencentes. Muitas vezes, o hate speech está travestido de liberdade de expressão, de liberdade religiosa. O critério que deve ser utilizado para diferenciar o discurso de ódio, da liberdade de expressão, é que o discurso de ódio é aquele que de fato incita a violência, a discriminação, coloca que aquele grupo social merece menos respeito, menos direitos que outros grupos. Muitas vezes, as pessoas falam coisas discriminatórias, preconceituosas, sob o manto da liberdade de expressão e da liberdade religiosa. Verifica-se, que o discurso de ódio não é voltado para um indivíduo específico, não se trata de um insulto baseado nas características de um indivíduo, mas sim um determinado grupo que é discriminado. Ou seja, o indivíduo não é alvo em razão de aspectos pessoais e particulares, mas sim por pertencer a um determinado grupo, vez que o grupo é que é o foco do discurso. O discurso do ódio pode ocorrer devido a atos que incitem o preconceito, a discriminação ou o racismo, sendo necessária a análise de cada um destes conceitos. Preconceito é o resultado de um conjunto de fatores em decorrência da má instrução cultural, social e educacional de um determinado indivíduo. Pode se originar pelo medo ou desconfiança do que é diferente ou desconhecido ou, ainda, pela ignorância, falta de informação ou educação. Assim sendo, preconceito é uma opinião equivocada, considerada como verdadeira por determinadas pessoas. Discriminação é a idealização de um grupo ao se achar superior a outro. Geralmente, os membros de um grupo que possua determinado estereótipo é que possuem esta atitude. Esse é um comportamento com aspecto negativo, pois seus atos têm o objetivo de exclusão de outros indivíduos que não possuem as mesmas características em relação a toda a sociedade. Já o racismo é uma valorização que ocorre devido às diferenças existentes entre os homens, com o objetivo de um grupo se sobrepor a outro, humilhando e dominando-o com o fim de obter privilégios e exploração econômica, como ocorreu, por exemplo, durante a política imperialista do século XX, com a escravidão dos negros. Percebe-se que apesar da possibilidade da conceituação do discurso de ódio, é extremamente complexo trazermos esse conceito para a realidade e aplicá-lo aos casos concretos, ele se mostra bastante vago, sendo difícil identificar com clareza quando um discurso pode ser considerado hate speech ou liberdade de expressão. Portanto, o hate speech compõe-se de dois elementos básicos: discriminação e externalidade, sendo um conjunto de manifestações de ideias capazes de suscitar atos de violência, ódio e/ou discriminação racial, social ou religiosa. 1.2. Conceito da Liberdade de Expressão e características A liberdade de expressão, é um direito fundamental de complexa conceituação, pois tal direito engloba tanto a exteriorização do pensamento, ideias, convicções como também as sensações e os sentimentos. Desta maneira dificultando consenso acerca do conceito da liberdade de expressão. O fato de poder manifestar nossas ideias e opiniões em um contexto de liberdade é conhecido como liberdade de expressão. Por meio dela é que se torna possível externar as mais diferentes e inusitadas opiniões de forma aberta, o que viabiliza a construção de uma sociedade plural, livre e com grande diversidade de ideias, pensamentos e opiniões políticas. A liberdade de expressão com base em sua importância não pode ser dissociada dos demais direitos fundamentais, em especial dos direitos sociais, pois estes dão amparo fático ao direito fundamental da liberdade de expressão e asseguram sua efetividade. Encontra--se prevista no art. 5º inciso IX da Carta Magna Brasileira, expressando-se pelos seguintes termos: “[...] é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Portanto, mesmo sendo um direito fundamental, a liberdade de expressão não se caracteriza como absoluto uma vez que, em algumas situações ela concorrerá ou estará em colisão com outros direitos fundamentais, o que deverá ser dirimido mediante um juízo de ponderação, a ser realizado no caso concreto, ou seja, o seu exercício não pode ferir ou desrespeitar os direitos das outras pessoas e nem ser utilizado para efetuar atividades ilícitas ou criminosas. CAPÍTULO II – CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIAL E HISTÓRICA 2.1. História dos Direitos Fundamentais Antes de entrar a fundo na história da liberdade de expressão, é necessário explanar sobre o que são os direitos fundamentais, com um breve histórico sobre o seu surgimento, evolução e adaptação aos dias atuais. Os direitos fundamentais são direitos inerentes ao ser humano, de modo que independente de sexo, raça, cor, idade, o indivíduo os adquire automaticamente. Além disso, têm também o objetivo de garantir as condições mínimas de sobrevivência do ser humano. Tais direitos, surgiram ao longo da história humana, advindo de constantes lutas e revoluções históricas que garantiram que esses direitos fossem assegurados primordialmente como garantias mínimas para o ser humano. Portanto, os direitos fundamentais, incluindo a liberdade de expressão, são direitos que foram adquiridos ao longo da história, que evoluíram de acordo com as épocas e contextos sociais, ou seja, que foram construídos por meio de doutrinas e documentos. Neste mesmo sentido disserta Daniel Sarmento, (2004, p. 375): “Os direitos fundamentais, que constituem, ao lado da democracia, a espinha dorsal do constitucionalismo contemporâneo, não são entidades etéreas, metafísicas, que sobrepairam ao mundo real. Pelo contrário, são realidades históricas, que resultam de lutas e batalhas travadas no tempo, em prol da afirmação da dignidade humana.” Durante o século X a.C., na Antiguidade Clássica, o rei Davi, no antigo reino de Israel se intitulava como delegado de Deus, e teria a responsabilidade de aplicar as leis divinas. Ao contrário dos demais monarcas de sua época proclamava-se ora como o próprio deus, ora como um legislador que, de acordo com sua opinião, decidia o que é justo e o que é injusto . A Grécia antiga também colaborou para as mudanças relacionadas aos direitos humanos, sendo sua primeira manifestação o posicionamento do ser humano como centro do universo, deixando de lado a ideia da mitologia, até então dominante, colocando o indivíduo como centro da questão filosófica, gerando assim uma maior reflexão sobre a vida humana. Foi nesse período em que Aristóteles definiu o homem como um ser político, capaz de organizar, raciocinar, viver em sociedade e construir ideias. Essas definições foram descritas em sua obra “A Política”, que foi uma grande contribuição para a limitação do poder estatal e os primeiros indícios de democracia. Ainda na Grécia, surgiu a ideia de que o homem necessita de um direito natural, que seria uma superioridade da lei não escrita em relação à positivada. Essa distinção feita por Aristóteles tem como exemplo a peça Antígona onde se invoca leis imutáveis contra a lei particular que impedia o enterro do irmão da protagonista da peça. Na Roma Clássica, como disserta Miguel Reale, foi atribuído ao direito natural o princípio da natureza baseada na razão, com valores, até então, universais. Com o surgimento do Cristianismo, surgiu a ideia de igualdade de todos os seres, assim nasceram bases para os direitos humanos, limitando o poder político. Após a queda do Império Romano, e passado o período da Antiguidade Clássica, vem a Idade Média e a descentralização política, e isso fez com que os direitos conquistados e positivados não fossem disponíveis uniformemente para todos, e sim atribuídos a pequenos grupos que estavam subordinados a esses poderes específicos. Dentre esses direitos conquistados e positivados encontra-se a Magna Carta, em 1215, outorgada por João sem Terra. Os barões obrigaram o rei a assinar o documento que estabelecia limites aos seus poderes, e mais tarde serviria como base para constituições. Tal documento garantiu vários direitos, como a liberdade eclesiástica, a liberdade de ir e vir, a não existência de impostos abusivos, o direito de herança, e a desvinculação da lei e da jurisdição da pessoa do monarca. Após a idade média houve uma mudança comportamental que ocorreu devido ao desenvolvimento do comércio, e criou uma nova classe, a burguesia, que não participava do sistema feudal. É nessa fase que a noção de Direitos Fundamentais se desvencilha dos dogmas religiosos e passa a ser considerada uma parte da própria natureza da condição humana, a sociedade torna-se voltada para a ciência e explicação de fatos através da razão. Assim, nesse mesmo sentido, surgiram as Revoluções Inglesa, Norte Americana e Francesa, que colaboraram para a evolução dos Direitos Fundamentais. A Revolução Francesa trouxe a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789. Ela foi conduzida pela burguesia e estabelecia a universalidade, de uma vez por todas, aos direitos fundamentais já consagrados, especialmente em relação a não violação às liberdades individuais, o que fez com que essa ideologia se espalhasse para o restante do Ocidente. Nesse mesmo período, há a formação do Estado Liberal e a consagração dos direitos de primeira dimensão ou direitos da liberdade, que têm por titular o indivíduo. São direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. Os direitos de primeira dimensão foram inspirados nas doutrinas iluministas e jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII, que englobam os direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade formal, as liberdades de expressão coletiva, os direitos de participação política e, ainda, algumas garantias processuais. Esses direitos estão relacionados à questão do próprio indivíduo, o direito à vida e à liberdade, ou seja, direitos que limitam a ação do Estado, em consequência da ideologia antiabsolutista, e da classe burguesa, que visavam evitar a intervenção do Estado na liberdade individual. Durante a Revolução Gloriosa, na Inglaterra, foi imposta pelo parlamento inglês a Declaração de Direito como um Ato do Parlamento, atualmente conhecido como Bill of Rights, em 16 de dezembro de 1689, sendo considerada como a primeira Constituição propriamente dita, que previa direitos para todos os cidadãos, e não para apenas uma parte deles. Porém, a primeira Constituição escrita da humanidade, considerada um marco histórico na defesa de direitos básicos dos cidadãos, foi a americana, sendo um reflexo das lutas da Revolução Inglesa. No começo do século XX, surgiram outros diplomas, que foram marcados pelas preocupações sociais, a Constituição Mexicana de 1917, e a Constituição Alemã de 1919 que efetivamente concretizaram, ao lado das liberdades públicas, dispositivos expressos, impositivos de uma conduta ativa por parte do Estado para que este viabilize a plena fruição, por todos os cidadãos, dos direitos fundamentais de que são titulares. Mais tarde, tivemos um grande marco na história dos direitos fundamentais que foi com a Carta das Nações Unidas, de 1945, e sobretudo, a Declaração Universal requerida e aprovada em Paris no dia 10 de dezembro de 1948, que fixaram no âmbito internacional os direitos fundamentais, e não somente dentro de um estado ou país. Inclusive a liberdade de expressão é um dos direitos assegurados pela Declaração. Como podemos ver, os direitos fundamentais foram conquistados lentamente ao longo da história através de muita luta. 2.2. Evolução histórico-social da Liberdade de Expressão A liberdade de expressão pertence aos Direitos Fundamentais da 1ª geração, ou seja, das liberdades individuais, que está garantido desde a primeira Constituição, a dos Estados Unidos da América do Norte. Porém, desde antes do Constitucionalismo a liberdade de expressão e seus limites é um tema discutido. Na Grécia antiga, o homem já pretendia expressar-se sem sofrer restrições. Em Atenas, era reconhecido a todos os cidadãos o direito de se expressarem em assembleias públicas, todos podiam manifestar-se publicamente nas reuniões. Na Antiguidade não eram reconhecidas as liberdades individuais, os Estados interferiam nas decisões pessoais dos membros da coletividade, isso porque a transmissão de informação era lenta, e havia um índice elevado de analfabetismo, aumentando o domínio e a influência da igreja. Foi no século XVIII, que foi denominado como século das luzes por conta do movimento Iluminista, que iniciaram-se as lutas pela conquista do direito à liberdade de expressão e a livre manifestação do pensamento. Os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que foram disseminados pelo Iluminismo na França, difundiram-se por todos os continentes. O movimento iluminista objetivava substituir a visão teocêntrica da Europa que foi espalhada na idade média, por uma visão mais racional, combatendo assim o absolutismo, as ordens da igreja católica, os privilégios da nobreza e do clero, e o mercantilismo. A burguesia queria mais liberdade para ampliar seus negócios, e o iluminismo acabou trazendo um crescimento político-social a sociedade. A liberdade de expressão era uma das principais defesas dos iluministas, Voltaire foi um dos mais conhecidos pensadores do luminismo, ele defendeu a liberdade de expressão, sendo um defensor da igualdade jurídica ele criticava a intolerância, adaptava histórias de outras culturas para o público leitor da Europa. Para Voltaire a liberdade de expressão era algo inegociável. Ou seja, para ele não haveria a possibilidade de nenhuma negociação que tentasse limitar a liberdade de uma pessoa expressar publicamente os seus pensamentos. Nesse caso o indivíduo teria o direito de expressar todas as suas concepções políticas, sociais e culturais sem sofrer qualquer tipo de restrição ou punição. Voltaire combatia qualquer instituição que reprimisse a liberdade de expressão, motivo pelo qual foi obrigado a ir para o exílio na Inglaterra. Em sua defesa a liberdade de expressão ele diz “Desaprovo aquilo que diz, mas defenderei até a morte o teu direito de dizer”. Os reis absolutistas eram contra qualquer manifestação de pensamento contrária ao que era estabelecido por eles, punindo e eliminando quem contrariasse as normas. A igreja católica tinha o mesmo comportamento diante dos contrários aos dogmas religiosos, que segundo a igreja, eram absolutos e inquestionáveis, e deveriam ser seguidos, sem exceções. Aquele que questionasse um dogma religioso era acusado de heresia ou bruxaria, sendo posteriormente queimado em praça pública. Por todas essas razões Voltaire era um crítico radical do absolutismo, e da Igreja católica, defendendo o despotismo esclarecido, em que a ideia do Rei governar auxiliado por um filósofo. Porém, a primeira grande conquista do direito da liberdade de expressão consiste na Declaração de Independência dos Estados Unidos, e na Declaração Universal dos Direitos do Homens e do Cidadão de 1789. Assim sendo, ocorreu a aceitação dos Direitos Fundamentais clássicos pelos destinatários e detentores do poder. Ao derrubar a monarquia francesa, os revolucionários firmaram bases filosóficas e políticas para toda a humanidade. A conquista em nível mundial se deu com a Declaração Universal pelos Direitos Humanos pelas Nações Unidas, em 1948. Esta declaração teve por finalidade estabelecer a liberdade de pensar e expressar o pensamento. A partir de então, todos os países democráticos passaram a ter em suas Constituições o direito à liberdade de expressão e manifestação do pensamento entre os direitos e garantias fundamentais. 2.2.1 Liberdade de Expressão no Brasil. Desde a Constituição do Império havia a garantia da liberdade de expressão, que foi preservada até a Constituição de 1937, no período conhecido como Estado Novo, que foi o governo presidido por Getúlio Vargas. Nesse período, o direito à liberdade de expressão foi vetado, foi adotada a censura como meio de impedir a publicação ou a reprodução de determinadas manifestações de pensamento. Com a redemocratização, a Constituição de 1946 foi responsável por colocar e assegurar no novo ordenamento jurídico a livre manifestação do pensamento. O texto constitucional dispunha a livre manifestação do pensamento, sem dependências da censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um por abusos cometidos, conforme disposição legal. Getúlio Vargas ocupou o cargo de presidente novamente e editou uma lei (Lei 2083 de 1953) que regulamentava os crimes de imprensa, a qual limitava a liberdade de imprensa. Na Constituição Federal de 1967, a liberdade de expressão foi mantida, porém impôs-se um limite: sanções jurídicas para todo aquele que utilizasse do Direito para se opor ao governo. Após longo período de militarismo, a Constituição de 1988 marcou a volta da democracia no país, inovando com relação a liberdade de manifestação de pensamento, e ampliando o rol de garantias e direitos fundamentais. 2.4. Contexto Histórico do Discurso de ódio Como já foi exposto no capítulo anterior, o discurso de ódio é caracterizado pelo discurso que incita a violência física, psíquica, moral, a segregação e a discriminação contra uma pessoa ou grupo em virtude de raça, religião, nacionalidade, orientação sexual, gênero, condição física ou outra característica. O discurso do ódio é utilizado para insultar, perseguir e justificar a privação dos direitos humanos e, em casos extremos, para dar razão a homicídios, e genocídios. Após a Segunda Guerra Mundial, com o fim da Alemanha Nazista, e seu projeto de dominação baseado no extermínio de grupos indesejáveis, teve-se uma maior compreensão sobre o poder do discurso de ódio, gerando assim uma preocupação em conter esse tipo de discurso. Em virtude disso, vários países criaram legislações que impedem a disseminação do discurso de ódio. 2.5. A influência do discurso e poder de persuasão O discurso do ódio, utiliza-se de um poder de persuasão, que precisa estar revestido de um raciocínio argumentativo que contribua para a defesa de um ponto de vista, buscando convencer o receptor desse discurso, a capacidade de influir e de modificar o ponto de vista do interlocutor depende da ordem, clareza e força da argumentação. Um dos personagens históricos que mais se utilizou da persuasão, para praticar o discurso do ódio foi Hitler, que afirmou: "Eu não sou senão o tambor de reunir". Vários lideres na história, incluindo religiosos, utilizavam o discurso persuasivo para aglutinar pessoas, fazendo com que aquilo que pregavam se tornasse uma verdade absoluta na vida daqueles que os seguiam. Para isso, estavam munidos de uma ideologia, termo criado pelo filósofo e político francês Destutt de Tracy , que a designava como uma "ciência de ideias". Esse conceito foi mudando, até atingir Karl Marx e Friedrich Engels. Para Marx a ideologia serve como instrumento de dominação de uma classe sobre a outra, impedindo assim a tomada de consciência da alienação, garantindo a coesão social e a aceitação sem críticas, além de camuflar a diferença de classes e os conflitos sociais. O discurso na visão de Foucault não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar. Ele vê ainda a educação como forma de abrir ou delimitar o discurso, entendendo-o como uma maneira dos sistemas políticos modificarem ou não o conteúdo dessas manifestações do pensamento juntamente com os saberes e poderes que advêm desse direito de livre expressão. O poder de persuasão se baseia na repetição de determinado assunto, mesmo que o assunto abordado não seja verdade. No entanto, há de se ressaltar que nem sempre o poder de convencimento contido num discurso está embasado em algo que aparentemente cause alienação ou subordinação sem análise, é o que se pode identificar nos discursos contra ideológicos, como o caso de Nelson Mandela no Apartheid. Tanto Mandela, quanto outros utilizaram do poder de seu discurso para despertar as pessoas que viviam num estado de aceitação exacerbado, que prejudicava suas vidas e o desenvolvimento real da sociedade como "corpo social" e mudaram assim, a realidade das pessoas, trazendo dignidade e liberdade, que não é o caso do hate speech praticado por Hitler. 2.6. Exemplos históricos fáticos Um primeiro grande exemplo histórico, no Brasil, foi o caso Ellwangler. Ellwangler foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul pelo crime de racismo na edição e publicação de livros considerados anti-semitas, pois negavam o holocausto, e faziam apologia a discriminação e preconceito a comunidade judaica. A Suprema Corte brasileira decidiu pela condenação do autor no STF, 2013. HC82424, levando em consideração princípio da dignidade humana. Todavia, alguns ministros utilizaram a liberdade de expressão como argumento para absolver o escritor, o que demonstra a complexidade do tema e a divisão de opiniões que o mesmo provoca. Outro caso que teve grande repercussão foi o da estudante de Direito Mayara Petruso, ocorrido em uma rede social. Após a vitória da presidente Dilma Roussef sobre José Serra, ela publicou em sua conta no Twitter, uma mensagem com o seguinte conteúdo: “Nordestino não é gente. Faça um favor a São Paulo: mate um nordestino afogado!”. Tal mensagem que foi publicada no dia 31 de outubro de 2010 e foi considerada, segundo a sentença condenatória proferida pela juíza da 9ª Vara Federal Criminal em São Paulo, “de incitação à discriminação ou ao preconceito de procedência nacional”, o que se configura no tipo penal descrito no artigo 20, parágrafo 2º, da Lei 7.716/89. Neste caso da estudante, podemos notar como a internet serve como disseminador de discursos de ódio, incentivando e influenciando a prática da violência contra o alvo do discurso. Outro grande fenômeno que vem ganhando diversos seguidores, com as suas declarações polêmicas é o deputado federal Jair Bolsonaro, que tem sido uma das principais vozes do conservadorismo no Brasil. Seus argumentos são, em geral, simplistas, o que o leva a se envolver em frequentes processos judiciais, movidos por organizações de defesa dos direitos humanos. Algumas polêmicas nas quais o deputado está envolvido, podem ser facilmente identificadas como discurso de ódio. Dentre elas, em uma entrevista à revista Veja (dezembro/1998), o parlamentar afirmou que a ditadura de Pinochet no Chile “devia ter matado mais gente”. Em outra entrevista, dessa vez à revista IstoÉ (abril/2011), Bolsonaro defendeu a tortura, justificando que ela tem “o objetivo de fazer o cara ser arrebentado até abrir a boca”. Já em entrevista à revista Época (julho/2011), o deputado admitiu “Sou preconceituoso com muito orgulho”. Mas a declaração que gerou mais repercussão foi a resposta à Maria do Rosário Nunes, Deputada Federal, durante uma discussão sobre o estupro, Bolsonaro disse: “Não lhe estupraria porque a senhora não merece”, tal declaração acarretou a condenação do deputado federal por danos morais contra a deputada, por unanimidade, pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Nos Estados Unidos temos um exemplo que influenciou milhares de americanos, com seus capuzes brancos, cruzes em chamas. Trata-se de organização que profere um repulsivo discurso de ódio contra negros, judeus, gays e imigrantes, a Ku Klux Klan . Ela é uma das mais antigas organizações racistas do mundo. O movimento nasceu no sul dos Estados Unidos e foi formada por ex-confederados, em um momento posterior a guerra civil americana, em que os estados sulistas escravocratas perderam para o norte abolicionista. Recentemente, Charlottesville, uma cidade no sul dos Estados Unidos, mais precisamente no Estado da Virgínia, foi palco de uma série de confrontos entre grupos neonazistas e grupos anti-fascistas. A pequena cidade que nas últimas eleições presidenciais votou em peso na candidata democrata Hilary Clinton foi palco de um confronto em que era possível ver saudações nazistas e frases racistas. A Ku Klux Klan parecia estar adormecida, afinal o movimento com o passar dos anos perdeu adeptos. O grupo conhecido pelo linchamento de negros e por difundir o ódio a outras minorias étnicas como os judeus, renasce em um momento de imensa propaganda nacionalista. A vitória de um candidato presidenciável que trabalhava com um discurso tão agressivo quanto o de Trump dá maior voz a esse tipo de pensamento. CAPÍTULO III – PRINCÍPIO FUNDAMENTAL LIBERDADE DE EXPRESSÃO E SUAS LIMITAÇÕES 3.1. Princípios Constitucionais em conflito Os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos hierárquico, temporal e especialização não são aptos, como regra, para a solução de colisões entre normas constitucionais, especialmente as que veiculam direitos fundamentais. Tais conflitos, todavia, surgem inexoravelmente no direito constitucional contemporâneo, por inúmeras razões. Duas delas são: a complexidade e o pluralismo das sociedades modernas levam ao abrigo da Constituição valores e interesses diversos, que eventualmente entram em choque, e sendo os direitos fundamentais expressos, frequentemente, sob a forma de princípios, sujeitam-se, como já exposto, à concorrência com outros princípios e à aplicabilidade no limite do possível, à vista de circunstâncias fáticas e jurídicas. Como não existe uma hierarquia predefinida de direitos fundamentais, nenhum deles é absoluto e todos convivem em concordância prática, ou seja, nas situações de tensão e conflito concreto, os direitos fundamentais em jogo devem ser manejados com o melhor rendimento em relação ao menor sacrifício possível, numa lógica de proporcionalidade. Há que ressalvar que os direitos individuais dos cidadãos foram um importante meio de democratização dos Estados. Por isso, em conflitos envolvendo a liberdade de expressão e outros direitos primava-se, preferencialmente, por aquela. Porém, há a sensação que o sistema atual de liberdade de expressão apresenta problemas. Levando-se em consideração que sua proteção, assim como todos os outros direitos fundamentais, não pode ser, de forma alguma, absoluta e ilimitada, restrições a esse direito estão ficando cada vez mais evidentes na medida em que tem sido comum polêmicas relacionadas ao hate speech. Isso ocorre porque os contra valores que fundamentam tais questões têm incomum e imperativa qualidade. Através da contribuição dos pós positivistas Ronald Dworkin e Robert Alexy, motivou-se a reaproximação da ética com o Direito. Ultrapassando as doutrinas positivistas, tais doutrinadores defenderam a inclusão de um novo tipo de norma no ordenamento jurídico, as chamadas normas princípio, que juntamente com as normas regras regulariam as condutas. Os direitos fundamentais seguem o mesmo regime hermenêutico dos princípios. As normas princípio gozam de um regime hermenêutico diferenciado, uma vez que veiculam mandados de otimização que devem ser realizados na maior medida possível de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas existentes no caso concreto. Independente da solução a ser adotada nesses conflitos sempre existirá a limitação, por vezes total, de um ou dois valores. Posto que, todas as circunstancias envolvendo colisão de direitos fundamentais são de complexa solução, dependendo para se determinar o rumo a ser seguido das informações do caso concreto e dos argumentos fornecidos pelas partes envolvidas. Dessa forma, evidencia-se a necessidade de se ponderar para se chegar a solução do conflito, somente será legítima a restrição ao direito se for atendido o princípio da proporcionalidade, pois a ponderação entre princípios se operacionaliza através desse princípio. Sendo assim, conclui-se que os direitos fundamentais não são absolutos e, como consequência, seu exercício está sujeito a limites, e, por serem geralmente estruturados como princípios, os direitos fundamentais, em inúmeras situações, são aplicados mediante ponderação. 3.1.1. Conflito entre a Liberdade de Expressão e a Dignidade da Pessoa Humana Considera-se que a dignidade da pessoa humana atua não só como limite para a ação do Estado, mas também como fonte de deveres positivos, compelindo-o a agir para promover e proteger a dignidade dos indivíduos em face das ameaças que a espreitam de todos os lados. Ademais, o princípio também se projeta no domínio das relações privadas, fundamentando obrigações negativas e positivas para os indivíduos em face dos seus pares. No caso de colisões de direitos fundamentais a dignidade da pessoa humana deve operar como um norte substantivo para a atuação do intérprete, balizando e condicionando as ponderações de interesse empregadas para o seu equacionamento. O que deve ficar claro é que o discurso de ódio se configura como tal por ultrapassar o limite do direito à liberdade de expressão, incitando a violência, desqualificando a pessoa que não detém as mesmas características ou que não tenha o mesmo estilo de vida e ideologias, e ao eleger o destinatário como “inimigo comum” incita a violência e seu extermínio, o que fere diretamente o valor que serve de sustentáculo para o Estado democrático de direito, qual seja, a dignidade da pessoa humana. A importância do princípio da dignidade da pessoa humana é enfatizada por Ingo Wolfang Sarlet: [...] sem que se reconheçam á pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade, o que nos remete á controvérsia em torno da afirmação de que ter dignidade equivale apenas a ter direitos(e/ou ser sujeito de direitos), pois mesmo em se admitindo que onde houver direitos fundamentais há dignidade, a relação primária entre dignidade e direitos, pelo menos de acordo com o que sustenta parte da doutrina, consiste no fato de que as pessoas são titulares de direitos humanos em função de sua inerente dignidade. A dignidade é um conjunto de direitos existenciais compartilhados por todos os homens, em igual proporção. A partir dessa proposição, contesta-se aqui toda e qualquer ideia de que a dignidade humana encontre seu fundamento na autonomia da vontade. A titularidade dos direitos existenciais, porque decorre da própria condição humana, independe até da capacidade da pessoa de se relacionar, expressar, comunicar, criar, sentir. Dentro desse contexto, não é possível falar em maior ou menor dignidade, pelo menos no sentido aqui atribuído à expressão, de conjunto aberto de direitos existenciais. O homem apenas por sê-lo, não perde a sua dignidade, por mais indigna ou infame que seja a sua conduta. Quando se afirma que alguém não tem ou perdeu a dignidade a expressão está a ser utilizada com sentido diverso, para fazer referência ao conceito desfrutado por alguém no meio social, à sua respeitabilidade, e para praticar o discurso de ódio. A qualificação de indigno não pode, portanto, ser tomada como referente a alguém privado de direitos existenciais, mas a alguém merecedor de censura, castigo, violência ou pena, em razão de algum comportamento contrário às regras de decoro, moral ou direito. Portanto, dignidade pressupõe a igualdade entre os seres humanos. Este é um de seus pilares. É da ética que se extrai o princípio de que os homens devem ter os seus interesses igualmente considerados, independentemente de raça, gênero, capacidade ou outras características individuais, e que devem ser respeitados. Sendo assim, discurso do ódio se caracteriza pelo fato de estar voltado a ferir diretamente a dignidade de um grupo de indivíduos que compartilham semelhanças, estimulando ações discriminatórias e ofendendo-os. Como exemplos cita-se os discursos nazistas, racistas, xenofóbicos, homofóbicos e intolerantes. 3.2. Limitações da Liberdade de Expressão Como já vimos anteriormente, não existe uma hierarquia predefinida de direitos fundamentais, nenhum deles é absoluto e todos convivem em concordância prática, ou seja, nas situações de tensão e conflito concreto, os direitos fundamentais em jogo devem ser manejados com o melhor rendimento em relação ao menor sacrifício possível, numa lógica de proporcionalidade. Assim sendo, como os direitos fundamentais são relativos, já que podem entrar em conflito uns com os outros, impondo-se, assim, limitações recíprocas. A liberdade de expressão, como qualquer outro direito fundamental, não é absoluta e possui limites, vez que nenhum direito fundamental pode ser usado como escudo para a prática de atos ilícitos, estando seu titular protegido apenas quando este se move na seara dos atos lícitos, pois seria uma contradição em termos definir uma mesma conduta como um direito e um ilícito. A Suprema Corte Brasileira já se pronunciou sobre os limites que a liberdade de expressão deve ter, no “Caso Ellwangler”. Em seus livros era incitada a aversão e desqualificação do povo judeu, assim como se pregava sua segregação. Desta forma, foi posto o conflito entre a garantia constitucional da liberdade de expressão, demonstrada pela manifestação de um pensamento, ainda que discriminatório, e os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade racial, apresentado pelo direito fundamental dos judeus, sejam estes componentes de uma raça ou uma religião, de terem uma existência digna e não serem inferiorizados por suas características definidoras. Diante deste conflito, ministros do STF utilizaram os princípios da proporcionalidade e ponderação de interesses para solução do conflito entre direitos. O resultado desta ponderação foi a conclusão de que “a liberdade de expressão não pode servir de respaldo para manifestações preconceituosas, nem incitar a violência e intolerância contra grupos humanos”. Nada no sistema constitucional brasileiro autoriza a conclusão de que a liberdade de expressão deva sempre prevalecer nestes conflitos É entendimento dominante, não apenas no Brasil, mas também no Direito Comparado, que a liberdade de expressão encontra limites na dignidade da pessoa humana de todos os indivíduos integrantes do grupo afetado por manifestações de teor discriminatório. Logo, as liberdades públicas não são incondicionais, razão pela qual devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal, que garantem a prevalência dos direitos humanos. O discurso do ódio é uma forma de limitação à liberdade de expressão, visto que esta não possui caráter absoluto. Relevante salientar que o estabelecimento de parâmetros para que haja restrições deve estar muito bem justificado, devido a uma evidência histórica: as limitações à liberdade de expressão revelam-se muito mais prejudiciais para a humanidade do que aptas à criação de uma sociedade mais justa e solidária. Há a ideia de que os discursos de ódio e o desprezo tendem a diminuir a autoestima das pessoas, o que as impossibilita de participar da sociedade de forma democrática, fazendo com que elas não utilizem sua liberdade de expressão com medo das repressões dos autores do discursos de ódio. Além de incitar o ódio, e a violência a determinados grupos, o hate speech pode causar danos individuais aos alvos dos discursos, como aponta Daniel Sarmento que deve-se considerar “o grau de dor psíquica, angústia, medo ou vergonha que as manifestações de ódio, intolerância e desprezo motivadas por preconceito possam provocar nos seus alvos”. É certo que a liberdade de expressão está sujeita a limites, a grande questão é saber até onde é possível estabelecer-lhe limites. É razoável, por exemplo, impedir a veiculação de filmes pornôs na rede aberta ao meio-dia, pois a crianças assistindo esse horário. Do mesmo modo, aceita-se sem maiores questionamentos a limitação da propaganda do cigarro, com controles estritos de horários de veiculação e a obrigação de exposição dos malefícios causados por ele. Ocorre que, mesmo que já tenham alguns parâmetros gerais de limitação em relação à liberdade de expressão, a Constituição e a legislação infraconstitucional brasileira não tratam especificamente sobre o discurso do ódio. Contudo, a Constituição Federal de 1988 garante a igualdade dos indivíduos perante a lei e a proteção legal contra a discriminação. Em seu Art. 3º está descrito como um dos /objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nos países da União Europeia, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, observa-se preocupação clara com a regulação da Liberdade de Expressão e a repercussão do discurso do ódio. Tanto que há o consenso internacional que estipula que o discurso do ódio deve ser especificado por lei, pois garante que não fere o princípio de liberdade de expressão. Um dos poucos países que não considera esse gesto como proibição são os Estados Unidos. Nos Estados Unidos, o direito a liberdade de expressão é tido com um direito fundamental preferencial, se sobrepondo, quase sempre a todas as situações, aos demais direitos fundamentais, posto que o direito a honra é um limite interno a liberdade de expressão, ou seja, decorre de sua própria natureza como direito fundamental. Já no Canadá é crime advogar genocídio e incitar ódio contra qualquer grupo identificável. Em países da Europa como na Alemanha é considerado crime “incitar ódio contra segmentos da população”. Também é proibido negar o holocausto e glorificar o regime nazista. A Croácia proíbe e pune quem “baseando-se em diferenças de raça, religião, crença política ou de outra natureza, riqueza, nascimento, educação, status social ou outras propriedades, gênero, cor de pele, nacionalidade ou etnia viola direitos humanos básicos e liberdades reconhecidas pela comunidade internacional, o país também pune a homofobia. Devido a pressão da União Europeia, a Lituânia adotou a proibição do discurso do ódio. O Ato Gayssot disponibilizou na legislação francesa que qualquer comunicação pública ou privada de caráter difamatório, ofensivo ou que insulte, incite discriminação, ódio, violência contra uma pessoa ou grupo de pessoas por causa de sua origem, nacionalidade, raça, religião específica, sexo ou orientação sexual. Também dispõe a punição para declarações que negam o holocausto. O Código Penal israelense também normatizou a proibição do hate speech, dispõe: “se uma pessoa comete crime por razões racistas (...) ou contra grupo em razão de sua religião, ordem religiosa, inclinação sexual ou porque são trabalhadores estrangeiros, então ela deve ter sua pena dobrada ou ampliada para pelo menos dez anos de prisão”. O nosso país colonizador dispõe em seu artigo 13 da Constituição Portuguesa que: “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções politicas ou ideológicas, instrução, situação econômica, condição social ou orientação sexual”. Portugal pertence ao grupo dos poucos países que falam de forma explícita em discriminação por orientação sexual. A maioria dos países adotam a analogia ou ainda não adotaram nenhuma atitude sobre isso. Portanto, os excessos que na maioria das vezes são encontrados tanto nos discursos políticos, racistas ou xenofóbicos, ou ainda qualquer outro tipo que ultrapasse a barreira da liberdade moral e da ética, acabam por pecar pela vontade exacerbada de dizer aquilo que se pensa, causando sérios danos aquelas a que o discurso é empregado, e devido ao conflito de normas, é necessário uma análise minuciosa sobre o caso concreto para se definir se houve a prática do discurso do ódio. CAPITULO IV – JURISPRUDÊNCIAS E DOUTRINAS EM DIVERGÊNCIA 4.1. Vertente positiva da total Liberdade de Expressão O principal argumento a favor da total liberdade de expressão se embasa na premissa de que, tanto as boas ideias quanto as desprezíveis, devem ser veiculadas em favor da promoção de debates, inclusive para fortalecer e sofisticar as boas ideias. A corrente que defende a liberdade de expressão mesmo sendo agressiva, prega que as diferenças precisam ser expostas, as opiniões divergentes necessitam ser discutidas para que cada um, quando tiver acesso a elas, possa por si só formar sua opinião. Para que tudo isso funcione, é necessário tolerar a intolerância. A respeito do assunto, comenta Norberto Bobbio: (...) É melhor uma liberdade sempre em perigo, mas expansiva, do que uma liberdade protegida, mas incapaz de se desenvolver. Somente uma liberdade em perigo é capaz de se renovar. Uma liberdade incapaz de se renovar transforma-se mais cedo ou mais tarde, numa nova escravidão. Tal corrente afirma que a liberdade de expressão está conectada à tolerância pela pluralidade social e pelo direito de cada um expressar-se livremente, expondo o que pensa. Esse caráter livre da manifestação do pensamento será exercido em sua plenitude, desde que haja tolerância da parte que está recebendo o discurso, já que, essa exposição do pensar traz ideias que acabam por desagradar à maioria das pessoas. O filósofo norte-americano Ronald Dworkin defende a ideia que existem as liberdades positivas, e as liberdades negativas. As liberdades positivas se caracterizam por ser o poder do homem em participar das decisões públicas e controlá-las. Esta, de acordo com Dworkin, seria a democracia ideal, pois todos os cidadãos governariam a si mesmos. Já as liberdades negativas consistem no homem não ser impedido pelos outros do que deseja fazer como, por exemplo, a liberdade de falar sem censura. Dworkin corrobora e dissemina um dos ideais mais valorizados pelos Estados Unidos, a liberdade. Os Estados Unidos é um país extremamente liberalista, que inclusive defende a total liberdade de expressão. Os americanos pensam que se as expressões heroicas podem ser manifestadas livremente, deve-se dar o mesmo tratamento para as expressões odiosas também, afinal, de acordo com eles mesmos, vivem em uma democracia moderna que coexiste perfeitamente com a liberdade de expressão. Segundo Dworkin, a legitimidade democrática de uma decisão política fica comprometida quando os indivíduos ou grupos dissidentes são proibidos ou restringidos em seu direito de contribuir para a formação da opinião e da vontade coletiva manifestando suas convicções políticas ou morais, e até mesmos seus preconceitos. Nesse sentido, ao estabelecer restrições à liberdade de expressão, como vedações aos discursos de ódio, o Estado deixaria de respeitar o status de cada indivíduo como membro livre e igual da comunidade política. Esta posição de defesa quase incondicional do hate speech assumida no Direito norte americano que, como se verá em seguida, diverge substancialmente daquela prevalente em outras sociedades democráticas que também atribuem um papel essencial à liberdade de expressão, tem várias explicações. Pode-se apontar, por exemplo, para uma valorização maior da liberdade em relação à igualdade na tradição do constitucionalismo e da própria cultura norte-americana, que bem se expressa na fragilidade da rede de segurança social existente naquele país, quando confrontada com a sua incomparável pujança econômica, bem como na completa rejeição por lá da ideia de direitos sociais e econômicos. Dworkin pressupõe que os intolerantes são minoria em sociedades democráticas e, por essa razão, não seria justo que uma maioria pudesse impor a esta minoria leis contra discriminações sem que lhes fosse dada a oportunidade de expressar sua opinião, seja por meio de palavras, seja por meio de atitudes, contra tais leis antidiscriminação. Ou seja, a liberdade de expressar discursos de ódio é o preço que uma sociedade democrática deve pagar. Desse modo, a proteção a minorias que podem vir a ser discriminadas, deve ser realizada por meio de leis que as protejam de injustiças e de tratamento diferenciado no acesso ao emprego ou à educação, na busca por moradia ou em processos criminais, mas não devem ser promulgadas leis ou adotadas medidas contrárias aos discursos de ódio, haja vista que isso seria uma intervenção preventiva no processo por meio do qual a opinião pública é formada. A preocupação central do filósofo com restrições à liberdade de expressão nos casos de discursos de ódio é que tais restrições possam ser utilizadas por maiorias legislativas ou pelo próprio governo no intuito de calar vozes contrárias aos seus ideais ou interesses. Stuart Mill acreditava que proibir a divulgação de determinados pontos de vista porque eles hoje são considerados equivocados pelo governo ou mesmo pela maioria da população seria um grande erro, pois é possível que a ideia em questão esteja certa, ou que tenha pelo menos algum resquício de correção e, assim, a sua supressão privaria a sociedade do acesso a algo verdadeiro. Assim sendo, para o autor a liberdade de expressão é vital para a busca da verdade, e deve ser garantida mesmo para a difusão de pontos de vista que pareçam absolutamente errados ou até desprezíveis para a maioria das pessoas. Sendo assim, notamos que o argumento de quem é a favor da total liberdade de expressão, sem que o Estado regule o hate speech, é a de que conforme os discursos, sejam criados debates, para se buscar a verdade, ou seja, o ideal. Tal corrente acredita que todos estamos sujeitos a discriminações, e que o Estado não pode regular a liberdade de expressão, pois ela está conectada à tolerância pela pluralidade social e pelo direito de cada um expressar-se livremente, expondo o que pensa. Esse caráter livre da manifestação do pensamento será exercido em sua plenitude, desde que haja tolerância da parte que está recebendo o discurso, já que, essa exposição do pensar traz ideias que acabam por desagradar à maioria das pessoas. 4.2. Vertente negativa da total Liberdade de Expressão A corrente negativa a total liberdade de expressão, considera que as manifestações de desrespeito não podem ser reproduzidas livremente, em favor da convivência social, da igualdade, da dignidade humana e da preservação do respeito entre os indivíduos. Especialmente os pertencentes a grupos que já vêm sendo estigmatizados na sociedade, o que os deixa em posição de maior vulnerabilidade, portanto, de maior necessidade de proteção do Estado. Respeitadas as duas posições, a vertente negativa, e a positiva a total liberdade de expressão, o fato é que as consequências nocivas do discurso de ódio ficaram muito evidentes durante a Segunda Guerra Mundial, com o Holocausto na Alemanha Nazista, gerando uma preocupação com a necessidade de se criarem legislações que impedissem sua disseminação. O discurso do ódio tende a reduzir a participação das minorias no debate público. Ele compromete a credibilidade da opinião das vítimas e as faz sentir como se não tivessem com que contribuir à discussão pública . Dentro da ideia de que é dever do Estado a promoção de valores democráticos, incluindo-se o direito ao público de ouvir a todos que deveria, há uma interessante e ampla base para a intervenção estatal no debate. O problema da teoria de Dwokin é que este autor não leva em consideração as consequências que o discurso do ódio podem ter no mundo real, ou melhor, fora do plano ideológico. Ele ignora o fato de que expressões de ódio podem causa danos às suas vítimas. A questão mais delicada da tolerância é a dos seus limites. Até que ponto, por exemplo, deve-se tolerar o intolerante? Karl Popper chamou esta questão de “paradoxo da tolerância” . Para ele, não se deveria tolerar aquele que, se tivesse a chance, suprimiria a própria tolerância. Em nome da própria tolerância, o Estado deveria reter o poder de coibir e punir os intolerantes. John Rawls , por sua vez, defendeu que, numa sociedade justa, só é legítimo restringir a liberdade do intolerante quando ela chegue ao ponto de ameaçar a segurança das próprias instituições que mantém esta sociedade. Jeremy Waldron , diferentemente de Ronald Dworkin, considera que manifestações e expressões de intolerância, como os discursos de ódio, podem vir a minar aspectos essenciais de sociedades democráticas. Por essa razão, defende que restrições legais a esse tipo de manifestação podem fortalecer em vez de comprometer a democracia. Essa discussão é realizada em um texto de 2012, denominado “The harm in the hate speech” traduzido em português “O dano nos discursos de ódio”. Ao comentar sobre restrições legais aos discursos de ódio, Waldron tem em mente uma espécie de regulamentação proibidora de declarações públicas que possam causar perturbações à paz social ou insultar e atacar diretamente membros de minorias vulneráveis, as quais têm sido adotadas por diversos países, tais como Canadá, Dinamarca, Alemanha, Nova Zelândia e o Reino Unido. Há dois argumentos importantes na discussão levantada por Waldron a respeito dos discursos de ódio: primeiramente, ele sustenta que os discursos de ódio afetam a dignidade dos indivíduos, em segundo lugar, afirma que tais discursos comprometem e corrompem o ambiente democrático das sociedades Waldron considera leis contra discursos de ódio um recurso do qual uma sociedade pode fazer uso para assegurar aos seus membros a dignidade e a igualdade de consideração e respeito. Ele entende que, mesmo aceitando-se o argumento de Dworkin segundo o qual leis contra discursos de ódio geram em alguma medida um deficit de legitimidade democrática para leis que proíbem discriminações, ainda há um ganho maior para a democracia, para seus valores e para suas práticas, ao se restringir a intolerância do que ao aceitá-la. Para o filósofo, o discurso de ódio não é apenas o que é falado, mas também tudo que é escrito e publicado e, ao contrário do que muitos pensam, a regulação de tal discurso não visa mudar o pensamento das pessoas, nem as suas atitudes, mas amenizar o dano levado aos indivíduos e aos grupos atingidos por pronunciamentos visíveis, públicos e semi permanentes Assim, considerando-se que a intolerância, no nível de discursos de ódio, rompe com esse suposto pacto social em torno do desacordo razoável, contaminando e comprometendo o ambiente democrático, a segurança e a dignidade de minorias vulneráveis, Waldron entende que há um ganho maior para a democracia, para seus valores e para suas práticas, ao se restringir a intolerância do que ao aceitá-la. No Brasil, o Tribunal Pleno do STF já teve a oportunidade de se pronunciar sobre os discursos de ódio no HC 82.424 “caso Ellwanger”, julgado em 17.9.2003, ocasião em que denegou ordem pleiteada por um escritor de livro com conteúdo racista e antissemita, por entender caracterizado o tipo do art. 20 da Lei 7.716/89. O autor do livro foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul pelo crime de racismo na edição e publicação de livros considerados como apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias contra a comunidade judaica. Através de recurso em Habeas Corpus o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, que em 2003 decidiu que a liberdade de expressão não protege manifestações de cunho anti semita. A posição do STF foi reverenciada de forma praticamente unânime, tanto na sociedade, quanto no âmbito acadêmico, o que aponta para um forte consenso contrário à proteção do discurso de ódio no tocante às questões raciais no ordenamento jurídico brasileiro. Na época, o autor alegou que apenas estava descrevendo e desvendando mentiras históricas que durante décadas haviam sido contadas, além de que os judeus não representavam realmente um grupo racial distinto, uma vez que não apresentavam um conjunto de características genéticas específicas, além de que estava simplesmente exercendo o direito constitucionalmente garantido da liberdade de manifestação do pensamento. Entretanto, um imenso número de judeus e outros grupos étnicos e raciais sentiram-se ofendidos com tais declarações e alegaram a apologia a ideais neonazistas e preconceitos raciais. O Ministro Celso de Melo, que votou contrariamente ao habeas corpus, afirmou: “Aquele que ofende a dignidade pessoal de qualquer ser humano, especialmente quando movido por razões de fundo racista, também atinge e atinge profundamente a dignidade de todos e de cada um de nós”. Quanto ao Ministro Gilmar Mendes, este discorreu sobre a colisão entre direitos fundamentais: de um lado, a liberdade de expressão e, de outro, a dignidade humana. Assim, utilizando o princípio da proporcionalidade, também votou pelo indeferimento do remédio constitucional. Nessa mesma linha, o Ministro Carlos Velloso entendeu que a liberdade de expressão em momento algum pode se sobrepor à dignidade da pessoa humana e denegou o habeas corpus. Ao final do julgamento, concluiu-se que a liberdade de expressão não pode servir de respaldo para manifestações preconceituosas, nem incitar a violência e a intolerância contra grupos humanos. O posicionamento do Supremo Tribunal Federal foi marcante para a jurisprudência brasileira eis que foi quando iniciou a delimitação referente ao tratamento empregado a esse tipo de matéria. Sendo assim, essa corrente olha com mais cuidado para a liberdade de expressão, tendo uma preocupação quanto ao exercício desse direito e o possível incentivo ao discurso do ódio, para eles tolerar o intolerante de maneira extrema pode provocar a violação ou ameaça aos direitos humanos e mais precisamente à dignidade da pessoa humana. A resposta correta do Estado não deverá ser a tolerância, e sim a prevenção contra avarias e eventual punição aos culpados, sem prejuízo de abrigo às vítimas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A liberdade de expressão está conectada à tolerância pela pluralidade social e pelo direito de cada um expor o que pensa. Esse caráter livre da manifestação do pensamento será exercido em sua plenitude, desde que haja tolerância da parte que está recebendo o discurso, já que, essa exposição do pensar traz ideias que acabam por desagradar à maioria das pessoas. A polêmica do presente trabalho, aparece quando há o conflito de doutrinas que debatem se é possível tolerar o intolerante sem ferir a dignidade de outrem. Podemos constatar que devido a globalização, as pessoas estão utilizando dos meios de comunicação, cada vez mais acessíveis para toda população mundial, para efetuar discursos odiosos, com o intuito de gerar violência contra o alvo do hate speech, causando assim diversos problemas as vítimas desses discursos, que podem até ter a sua liberdade de expressão limitada, pela opressão imposta pelos autores de tais discursos. Nesse contexto, a liberdade de expressão cumpre um papel central. Entretanto, muitas vezes, os usuários abusam desse direito e acabam ferindo direitos fundamentais de outrem, em especial à dignidade da pessoa humana, ao realizar um discurso que promove o ódio. A diferenciação entre o que é liberdade de entre o exercício regular de um direito fundamental e o momento em que esse direito se torna abusivo, é tênue. É preciso saber identificar quando um discurso proferido está maculando a dignidade de outrem. Assim, toda vez que as ideias e manifestações do pensamento são difundidas com o intuito deliberado de inferiorizar o outro, desqualificando suas características pessoais e negando sua humanidade, em afronta à dignidade humana, esse exercício é abusivo e não merece ser tutelado pelo Direito, vez que a conduta fere diretamente a dignidade humana, causando opressões, segregações, dificuldades de inserção do grupo discriminado em sociedade. Para visto que deve-se haver uma ponderação de interesses, sem que um princípio fundamental se sobreponha a outro. Sendo assim, como consequência da própria atualização do sistema jurídico, este conflito de normas precisa ser entendido de forma a buscar um equilíbrio para a intervenção Estatal. Esta busca perpassa pela aprendizagem, por parte dos seres humanos, de reconhecimento, tolerância e reciprocidade como forma de buscar uma pacífica convivência multicultural, para que o discurso do ódio não tenha forças. REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Nova Cultural, 2004. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 1 ed. 12. tir. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. BRUGGER, Wienfried. Proibição ou proteção do discurso do ódio? Algumas observações sobre o direito alemão e o americano. Revista de Direito Público 15/117-136. Trad. Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira. Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, ano 4, jan.-mar. 2007. COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003 DWORKIN, Ronald. Constitutionalism and Democracy. European Journal of Philosophy. 3:1, 1995, p. 2-11. ________. 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