Teoria da rotulação: o aumento da criminalidade e a não ressocialização dos apenados à luz da teoria do labelling approach

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Segundo a teoria do labelling approach, há um sistema repressor que, ao mesmo tempo em que pune aqueles que cometeram delitos, também os rotula, ao passo que nada faz em relação a outros que, muitas vezes, cometem crimes muito mais graves.

Resumo: O presente estudo objetiva erigir, a partir de uma problematização em torno do crescimento assustador da criminalidade no Brasil, uma perspectiva à luz da teoria do labelling approach no que toca às causas desse aumento na prática de crimes, bem como revelar as dificuldades enfrentadas por aqueles que são alcançados pelo “etiquetamento”, pois, enquanto estes sofrem uma rotulação por parte do sistema e da própria sociedade, por outro lado, muitos outros cometem crimes com efeitos muito maiores, mas nada sofrem nem são atingidos por quaisquer “rótulos”. Por conseguinte, as consequências dessa “rotulação” na recuperação dos “apenados rotulados” é que, inevitavelmente, voltarão a cometer crimes, uma vez que, desde o primeiro delito praticado por eles, o rótulo de criminoso já fora associado a cada um deles. É nesse passo que o presente trabalho caminha, vale dizer, na busca da realidade sobre o sistema punitivo brasileiro; se de fato existe, ou não, um sistema repressor que, ao mesmo tempo em que pune aqueles que cometeram delitos, também os rotula, ao passo que nada faz em relação a outros que, muitas vezes, cometem crimes muito mais graves; ou se as próprias normas incriminadoras já nascem eivadas da discriminação gerada pela rotulação. Assim, o presente artigo usa do método revisão bibliográfica integrativa, para trazer à baila as reflexões e conclusões já disponíveis no acervo científico nacional acerca do presente tema, com vistas a fornecer material de qualidade, imparcial e fundamentado no tocante à rotulação supostamente existente na criação das normas penais brasileiras, bem como na aplicação destas pelos agentes públicos de controle e na reação da sociedade em relação ao delinquente. Destarte, a relevância do tema em questão é imensurável, porquanto busca saber o porquê de alguns delinquentes serem rotulados como criminosos e outros, não, gerando um direito penal seletivo e discriminador. Por fim, mas não menos importante, a ausência do Estado na ressocialização do apenado, à luz da teoria do labelling approach, também é causa tanto do aumento da criminalidade como da reincidência na prática de crimes e, deste modo, o Estado estaria criando as leis para ele mesmo não cumpri-las.

Palavras-chave: : Teoria da Rotulação. Ressocialização do apenado. Labelling Approach.


INTRODUÇÃO

A teoria do Labelling Approach, também chamada de “teoria da rotulação”, está intimamente ligada ao direito penal, uma vez que, com o crescimento exponencial da criminalidade, surge a necessidade de se repensar sobre os meios adotados quando da elaboração das leis penais, quer dizer, no momento em que são eleitas certas condutas como sendo contrárias à paz social. Nesse sentido, não obstante a lei penal seja dirigida a todos aqueles que se desviam da conduta social exigida, fato é que somente alguns são alcançados pela lei repressora, o que configura, para a teoria em estudo, uma rotulação em face de alguns indivíduos.

Nessa linha de raciocínio, faz-se indispensável uma maior atenção do Poder Público, da comunidade jurídica e da sociedade como um todo, seja em relação à identificação de meios eficazes no combate ao crime, seja no desenvolvimento de ideias que possam nortear políticas públicas direcionadas à ressocialização dos apenados e à aplicabilidade dos requisitos impostos pela lei aos sistemas prisionais, para que haja o devido suprimento das necessidades diárias dos agentes de segurança e dos próprios condenados, bem assim repelir qualquer tipo de rotulagem, tanto no momento da elaboração dos tipos penais como na execução da pena, assim como no retorno do apenado ao convívio social.

Isso porque a teoria do labelling approach busca explicar certos fatores inerentes à seleção das condutas consideradas típicas e, principalmente, o porquê de alguns delinquentes serem rotulados como criminosos e outros, não, dando azo a um direito penal seletivo e discriminador.

Não menos importante, torna-se forçoso instituir políticas de enfrentamento às condutas de rotulação, pois se o Estado tem o Poder-Dever de punir, que o faça bem feito, porquanto não se pode conceber um sistema repressor de apenas alguns criminosos em detrimento de outros. Ora, se não há equidade no tratamento dos indivíduos em geral, tampouco haverá em relação aos apenados, o que, para além de outras consequências, influirá diretamente na vida profissional dos advogados criminalistas, dificultando o exercício de uma profissão essencial ao perfeito funcionamento da justiça.

Assim, restam algumas dúvidas no que tange à eficácia do sistema penal brasileiro: o Direito Penal pune a todos que cometem crimes? As condutas tidas como desviantes também alcançam os mais favorecidos economicamente? A sociedade contribui para a ressocialização daqueles que já cumpriram suas penas? – são perguntas indispensáveis à identificação da (in)eficácia na aplicabilidade leis penais.

Portanto, necessário tecermos algumas considerações acerca das condutas consideradas desviantes, notadamente no que se refere ao alcance das normas penais quando de sua aplicação e a influência da sociedade e do Estado na formação e continuidade do instinto criminoso no indivíduo, sempre à luz da teoria do labelling approach. Segundo a teoria em comento, muitas são as dificuldades enfrentadas por aqueles que são alcançados pelo etiquetamento, já que, enquanto que estes sofrem uma rotulação por parte do sistema e da própria sociedade, outros cometem crimes com efeitos muito maiores, mas não sofrem as consequências legais dos seus atos, tampouco são atingidos por algum rótulo.

Avançando, as consequências dessa rotulação na recuperação dos apenados rotulados é que, inevitavelmente, voltarão a cometer novos crimes, uma vez que, desde o primeiro delito praticado por eles, o rótulo de criminoso já fora associado a cada um deles (estigmatização). Nesse sentido, indispensável buscar-se a realidade sobre o sistema punitivo brasileiro: se de fato existe, ou não, um sistema repressor que, ao mesmo tempo em que pune um indivíduo que cometeu algum delito, também o rotula, ao passo que nada faz em relação a outros que cometem crimes muito mais graves. Nessa perspectiva, observa-se que as próprias normas incriminadoras já nascem eivadas da discriminação suscitada pela rotulação.

Não menos importante, a ausência do Estado na ressocialização do apenado, à luz da teoria do labelling approach, também é causa tanto do aumento da criminalidade como da reincidência na prática de crimes e, deste modo, o Estado estaria criando as leis para ele mesmo descumpri-las.


2. SURGIMENTO DA TEORIA DO LABELLING APPROACH

Também chamada de teoria da rotulação, teoria do etiquetamento ou teoria da reação social, a teoria do Labelling Approach nasceu na década de sessenta, nos Estados Unidos, tendo como principais expoentes Howard Becker e Erving Goffman, idealizada pelos integrantes da Nova Escola de Chicago.

Consoante as lições de SHECAIRA (2004, p. 371-374), “A Teoria do Labelling Approach surge após a 2.ª Guerra Mundial, os Estados Unidos são catapultados à condição de grande potência mundial, estando em pleno desenvolvimento o Estado do Bem-Estar Social, o que acaba por mascarar as fissuras internas vividas na sociedade americana. A década de 60 é marcada no plano externo pela divisão mundial entre blocos: capitalista versus socialista, delimitando o cenário da chamada Guerra Fria. Já no plano interno, os norte-americanos se deparam com a luta das minorias negras por igualdade, a luta pelo fim da discriminação sexual, o engajamento dos movimentos estudantis na reivindicação pelos direitos civis”.

Desse modo, após o seu nascimento na criminologia, a teoria da rotulação passou por estágios que trouxeram uma nova forma de se estudar as causas da criminalidade.

2.1. Desenvolvimento de uma nova visão criminológica

Destarte, a criminologia iniciou uma nova abordagem, rompendo com o antigo paradigma etiológico, que analisava o criminoso segundo suas características individuais, anatômicas, a exemplo das teses sustentadas por Lombroso, que, após examinar o crânio de um suposto delinquente conhecido, em sua obra “O homem delinquente”, traçou a fisionomia daqueles que para ele possuíam as características físicas de um delinquente:

“A fisionomia dos famosos delinquentes reproduziria quase todos os caracteres do homem criminoso: mandíbulas volumosas, assimetria facial, orelhas desiguais, falta de barba nos homens, fisionomia viril nas mulheres, ângulo facial baixo. Em nossas tabelas fotolitográficas do álbum germânico observa-se-á que 4 entre 6 dos dementes morais tem verdadeiro tipo criminal. Menores são talvez as anomalias no crânio e na fisionomia dos idiotas, em confronto com os criminosos, o que se explicaria pelo maior número de dementes morais, ao menos no manicômio, surgido na idade tardia, motivada por tifo, etc. para estes, a fisionomia não teve tempo para tomar feição sinistramente, como nos réus natos. Eles frequentemente acompanham essas deformidades que são próprias nas paradas de desenvolvimento, ou da degeneração”.2

Para Lombroso, outro traço que serve para identificar facilmente um delinquente é a presença de tatuagens no corpo, pois após realizar comparações de certos tipos de criminosos com os desenhos contidos no seu corpo, aduz que “o estudo minucioso dos vários desenhos adotados pelos delinquentes demonstra como algumas vezes assumem não só especial frequência, mas um cunho todo particular, criminal” (2010, p. 33).

Tais pensamentos, no meado do século XX, sofreram uma série de críticas, sendo apresentados diversos pontos onde as suas teses não se encontravam, ficando, em verdade, nítida a sua proteção às classes dominantes, já que estas dificilmente tinham seus representantes encaixados no perfil de criminoso ou eram incursos em tipos penais (PEREIRA, 2018).

Desse modo, na metade do século XX surgem novos paradigmas de estudo decorrentes das mudanças sociocriminais sofridas pelo Direito Penal, tendo como objeto de estudo o próprio sistema penal e o fenômeno de controle.

Por conseguinte, em meados da década de 50 do século passado, nos Estados Unidos e na Europa, nasce a teoria do conflito, em posição antagônica às teorias anteriores.


3. A AUSÊNCIA DO ESTADO: A CRIAÇÃO DO DELINQUENTE

É nesse tempo que surge a teoria do Labelling Approach, que, entre outras coisas, atribui à intervenção do aparelho estatal repressivo o desenvolvimento do instinto criminoso no indivíduo, o qual, após sofrer a estigmatização por parte da repressão institucionalizada, inicia uma carreira criminosa.

Sendo assim, para a teoria em estudo, a interferência do Estado é apta a intensificar a criminalidade, e não a contê-la, uma vez que estigmatiza o indivíduo.

Ademais, não se deve olvidar da influência de determinadas classes dominantes na escolha das condutas consideradas desviantes, bem como na elaboração das leis penais e na sua aplicação.

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Para Molina e Gomes (2002, p. 575), em relação ao novo paradigma da reação social em detrimento do outro parâmetro até então estudado na história criminológica:

“As teorias do etiquetamento ou reação social (labeling approuch) tem refutado, antes de tudo, a vigência do princípio da “igualdade”, ao pôr de manifesto que a desviação e a criminalidade não são entidades antológicas pré-constituídas – qualidades negativas da ação criminal em si, inerentes à mesma ,senão etiquetas que determinados processos de definição e seleção, altamente discriminatório, por certo, colocam em certos sujeitos, de forma muito desigual e por meio de complexos mecanismos de interação, que seguem os mesmos critérios de distribuição dos restantes bens sociais positivos: o “papel”, o “status”; e sem que o concreto comportamento do estigmatizado explique o desencadeamento daqueles processos, nem mereça a etiqueta recebida”.

Nessa linha, podemos concluir que o indivíduo é considerado criminoso não pelo ato que cometeu, mas, isto sim, pela intolerância do grupo no qual está inserido, isto é, pelo “rótulo”, “etiqueta” ou “estigma”, podendo inclusive ser excluído da sociedade onde vive, e, além disso, após ser rotulado a ressocialização de tal indivíduo será quase impossível.

Desta feita, há uma espécie de identificação deste sujeito naquele meio em que se encontra inserido, mas que de alguma forma chama atenção por um suposto comportamento que aquele grupo social já taxou como desviante. Assim, o direito penal, em verdade, estaria preparado para operar em direção a estas pessoas, atribuindo-lhes “rótulos” eivados de estigmatização já solidificada na sociedade (PEREIRA, 2018).

Conforme já dito anteriormente, à luz da teoria do labeling approach o crime é definido não pela conduta do agente, mas sim pelo que as instâncias de controle consideram como tal.

Ou seja, não é a negatividade da conduta do agente que o classifica como criminoso, mas sim determinados procedimentos e mecanismos sociais de definição e seleção, visto que para a sociedade delinquente é aquele preenche certos requisitos preelaborados, e não aquele que tão somente infringe a lei. Os efeitos dessa estigmatização são constantes no sistema penal do Brasil, uma vez que nos presídios brasileiros a maioria da população carcerária é composta de pobres, negros, semi-anafalbetos ou completamente analfabetos.

Assim, o criminoso apenas se diferencia do homem comum em razão do estigma que sofre e do rótulo que recebe. Por isso, o tema central desse enfoque é o processo de interação em que o indivíduo é chamado de criminoso. A sociedade define o que entende por “conduta desviante”, isto é, todo comportamento considerado perigoso, constrangedor, impondo sanções àqueles que se comportarem dessa forma. Destarte, condutas desviantes são aquelas que as pessoas de uma sociedade rotulam às outras que as praticam (SAMPAIO, 2012, p. 93).

Nessa linha de raciocínio, para a teoria em estudo a materialização do rótulo dá-se por meio dos antecedentes criminais, folha corrida criminal, jornais sensacionalistas etc., o que vem a causar uma expectativa na sociedade de que a conduta antissocial será praticada pelo sujeito etiquetado, fato que eternizará o comportamento delinquente e aproximará os indivíduos rotulados uns dos outros. Destarte, a seletividade do Direito Penal seria inquestionável, ou seja, as instâncias de controle determinam quem e o que será, ou não, penalizado – favorecendo apenas uma parcela da sociedade.

Nessa dinâmica, a prática de um ato ilegal não é o bastante para que haja o processo de criminalização. Torna-se necessária uma reação social. Burlar as leis, por si só, não redunda na rotulação de uma pessoa como criminoso, sendo necessário que o agente desviante sofra atuação das instâncias oficiais e que seja selecionado a incorporar o grupo dos sujeitos tidos como criminosos dentro da sociedade (SILVA, K. Y. V., 2018).

Ademais,

“pesquisas empíricas têm colocado em relevo as diferenças de atitude emotiva e valorativa dos juízes, em face de indivíduos pertencentes a diversas classes sociais. Isto leva os juízes, inconscientemente, a tendências de juízos diversificados conforme a posição social dos acusados, e relacionados tanto à apreciação do elemento subjetivo do delito (dolo, culpa) quanto ao caráter sintomático do delito em face da personalidade (prognose sobre a conduta futura do acusado) e, pois, à individualização da pena destes pontos de vista. A distribuição das definições criminais se ressente, por isso, de modo particular, da diferenciação social. Em geral, pode-se afirmar que existe uma tendência por parte dos juízes de esperar um comportamento conforme a lei dos indivíduos pertencentes aos estratos médios e superiores; o inverso ocorre com os indivíduos provenientes dos estratos inferiores” (BARATTA, 2002, p. 177).

Por outro lado, não se deve fechar os olhos para o fato de que às organizações criminosas, por exemplo, não se pode usar como motivo determinante de seu surgimento a teoria do labelling approach. Ora, como atribuir à teoria da rotulação o nascimento de uma grande organização criminosa que mais se parece com uma empresa multinacional? Poder-se-ia dizer que tal organização criminosa seria fruto de uma rotulação? Estamos com Nestor Sampaio (2010, p. 94), quando diz:

“Existe uma tendência garantista, de não prisionização, de progressão dos regimes de pena, de abolitio criminis etc. O problema criminal brasileiro ultrapassa a ridícula dicotomia de esquerda ou direita na política penal. É uma falácia pensar na criminalidade atual como subproduto de uma rotulação policial ou judicial”.

Na visão do renomado autor, não há falar em rotulação policial ou judicial como o fator preponderante do aumento da criminalidade atual, ou seja, nem a própria teoria em estudo escapa às exceções.

3.1.O Estado como corresponsável pela formação do instinto criminoso

O Estado, por meio de sua função legislativa, cria tipos penais incriminadores, ou seja, seleciona determinadas condutas tidas como desviantes (em detrimento de outras), para depois criar e introduzir as novas normas penais no ordenamento jurídico (criminalização primária). Outrossim, o mesmo Estado que cria as normas penais também detém o poder de punir o autor do comportamento desviante, fazendo-o por meio dos seus agentes públicos de controle, a saber, a polícia, o Ministério Público, os juízes etc. (criminalização secundária).

Conforme ensina Alessando Baratta (2002),

“Esta direção de pesquisa parte da consideração de que não pode compreender a criminologia se não se estuda a ação do sistema penal, que a define e reage contra ela, começando pelas normas abstratas até a ação das instâncias oficiais (polícia, juízes, instituições penitenciárias que as aplicam), e que, por isso, o status social de delinquente pressupõe, necessariamente, o efeito da atividade das instâncias oficiais de controle social da delinquência, enquanto não adquire esse status aquele que, apesar de ter realizado o mesmo comportamento punível, não é alcançado, todavia, pela ação daquelas instâncias. Portanto, este não é considerado e tratado pela sociedade como ‘delinquente’”.

Se propondo a estudar o comportamento dito “desviante”, a teoria do labelling approach, assevera que o direito penal e a definição de criminoso e criminalidade é um “jogo” de cartas marcadas, voltado para determinados indivíduos que são “carimbados”, em que, pelo seu comportamento que vem a figurar como um desvio àquela estrutura social culmina em uma reação, de modo que tal atitude representaria uma oposição ao que se espera do comportamento “normal” daquele grupo, predeterminado por suas próprias estruturas e guiado por suas próprias convicções (PEREIRA, 2018).

Com efeito, a prisão daqueles que gozam de certo “status social de destaque”, torna-se algo quase impossível, uma vez que, geralmente, o que se vê é um verdadeiro “filme hollywoodiano”.

Exemplificando, cita-se o caso envovendo a prisão do ex-presidente Luíz Inácio Lula da Silva, visto que, caso não fosse um ex-presidente que estivesse escondido na sede de um Sindicato para não ser preso, sem dúvida alguma, a polícia teria invadido o lugar em muito pouco tempo, já que não seria alguém com condição privilegiada na sociedade.3

Nesse sentido, consoante o labelling approach as pessoas menos favorecidas estariam mais vulneráveis a suportar um etiquetamento por parte das instâncias de controle e da sociedade, bem como a sofrer os rigores do sistema penal e prisional brasileiro. Por conseguinte, o rótulo de criminoso já teria sido empregado.

Para o Estado é bem mais fácil criar meios de punição do que formas de ressocialização do apenado ou até mesmo de prevenção de crimes. Nesse passo, percebe-se que os presídios brasileiros estão abarrotados de presos (na maioria, de pobres, pretos etc.) e o governo muitas vezes procura jogar a poeira para debaixo do tapete, tentando justificar o aumento da criminalidade pela ausência de novos presídios. O desvio primário é consequência de uma série de fatores sócioeconômico culturais e psicológicos, enquanto que os desvios subsequentes são resultados de um etiquetamento que é atribuído ao indivíduo pela sociedade e tem como finalidade a estigmatização, pois trata-se de um sistema desigual de atribuições de estereótipos.

Isso ocorre porque a intervenção do sistema penal, nas penas detentivas, ao invés de reeducar para o convívio na sociedade acaba por consolidar uma identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira carreira criminal (NOBREGA, 2009).

Não se pode olvidar que o encarceramento não serve só para punir os que praticam determinadas condutas, mas também, e, principalmente, para a ressocialização daqueles que desejam mudar de vida, afinal de contas, a pena tem a função de reprimir e prevenir a prática de crimes, o que não se atinge sem a ressocialização do apenado, tampouco com a rotulação em detrimento de alguns indivíduos escolhidos por um sistema penal seletivo e o preconceito em face do egresso.

Não se trata de construir novos estabelecimentos prisionais, porquanto o problema do aumento da criminalidade não repousa nisso, mas sim na ausência de um Estado que cumpra de forma efetiva com as garandias fundamentais inerentes a todos. É que, atualmente, o Poder estatal mostra-se paradoxalmente punitivista (para a maioria das pessoas) e garantista (em favor da elite), isto é, cria e insere no ordenamento jurídico leis penais rigorosas, mas que são, sem dúvida, seletivas quando da sua aplicação.

Com isso, tem-se um indivíduo que não é punido por suas ações, mas sim pelo que ele é taxado socialmente, ou melhor, com base em preconceitos existentes na sociedade em que está inserido. Isto ocorre principalmente porque o sistema penal e o arcabouço normativo é definido pela parcela da população que detém o poder e em prol dos interesses desse grupo (SANTOS et al).

Como já dito aqui, a pena possui duas funções precípuas, a saber, prevenir e retribuir o injusto praticado pelo delinquente, ou seja, busca-se com a sua imposição evitar que aquele que já praticou algum crime volte a delinquir, uma vez que, em tese, ele já estaria ressocializado, isto é, apto a retornar ao convívio social.

Nessa linha de raciocínio, tal ressocialização seria uma consequência natural do caráter retributivo da pena , o que, por conseguinte, redundaria no atingimento do outro objetivo da sanção criminal, vale dizer, a prevenção.

Nas palavras de Juarez Cirino dos Santos, “O discurso da prevenção especial como correção do criminoso pressupõe a capacidade da psicologia, da sociologia, da assistência social etc., de transformar a personalidade do preso mediante trabalhos técnico corretivos realizados no interior da prisão, segundo previsão legal: a pena deve ser aplicada conforme necessário e suficiente para prevenir o crime (CP, art.59) e deve ser executada para permitir harmônica integração social do condenado (LEP, art. 1º).

Destarte, o sistema penal não estaria capacitado a preventivamente corrigir o criminoso, uma vez que não há o cumprimento do estabelecido na própria Lei de Execuções Penais, a saber, que a pena seja aplicada com o acompanhamento de profissionais de outras áreas do saber, quais sejam, da psicologia, da sociologia, da assistência social etc.

Sobre os autores
Sandresson Menezes

Professor-Orientador. Esp. em Direito Penal. Docente Faculdade Maurício de Nassau

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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