A Revolta da Vacina do Século XXI

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É imprescindível a análise sobre as manifestações de grupos de Direita objetivando o fim da quarentena a contraposição histórica desse fato e como isso pode influenciar de forma negativa na proteção da saúde do povo brasileiro.

INTRODUÇÃO

Conforme é observado todos os dias nos noticiários, ocorre hoje em todo o mundo uma epidemia ocasionada pelo novo coronavírus. Dados mostram a morte de milhões de pessoas em uma escala global e a de milhares de brasileiros. Em razão disso, alguns Governos municipais e estaduais estão adotando o método de contenção do vírus realizado por boa parte dos países, o isolamento social, que defende a separação dos indivíduos do convívio social, parando assim a proliferação do vírus.

Porém, mesmo após comprovação de que o método mais eficaz para a luta contra o Covid-19 seja o isolamento social, ocorrem diversas manifestações em sentido contrário, pedindo o fim do decreto que proíbe a aglomeração e a circulação de pessoas sem nenhum motivo plausível e o retorno das atividades comerciais. Dessa maneira, os manifestantes protestam contra o fim da medida com a explicação que se a restrição continuar, a economia se despedaçar e a pobreza e o desemprego podem aumentar. Todavia, de certa forma, é perceptível que a economia vai ser prejudicada de uma forma, ou de outra, porém, com o distanciamento, vidas poderão ser salvas e de maneira posterior, a economia pode ser recuperada.

O momento atravessado pelo Brasil reflete um problema social enfrentado não só nos dias de hoje, mas também no passado histórico do país. A Revolta da Vacina, ocorrida no ano de 1904, na cidade do Rio de Janeiro, iniciou-se após a tentativa de vacinação em massa da população, por parte do Governo da época, que era liderado pelo Prefeito Pereira Passos e pelo Secretário de Saúde, Oswaldo Cruz. A campanha de vacinação ocorreu devido à crise sanitária que acometia a cidade em razão do surto de varíola e outras doenças. Sendo assim, diversos motins foram iniciados e o ocorreram diversas críticas ao Governo por tentar lidar com a crise na saúde, o que culminou em diversas prisões, exílios e isso tornou a campanha de vacinação um fracasso.

É visível a semelhança entre o momento vivido no passado e as atuais manifestações pedindo o fim do isolamento social, que, assim como a vacina, é utilizado para preservar as vidas das pessoas que inclusive estão realizando o protesto. Dessa forma, os Governadores e os Prefeitos, que agem com a intenção de diminuir o impacto do coronavírus, sofrem diversos tipos de críticas, da mesma forma que o médico e Secretario de Saúde da época da Revolta da Vacina, Oswaldo Cruz e o Prefeito Pereira Passos, receberam em suas épocas. Assim sendo, as manifestações são de maneira total contraditórias e suicidas, onde pessoas lutam pelo direito de serem atingidas pelo novo vírus.

I – Revolta da Vacina

No ano de 1904 [1], devido ao enorme acúmulo de lixo e a infestação de ratos, uma grave crise sanitária ocorria na capital do Brasil, que na época era a cidade do Rio de Janeiro. Devido ao grande aumento populacional da cidade, ocorrido de maneira principal em razão das fortes ondas de imigrantes europeus que necessitavam de habitações, foram criados diversos cortiços, onde famílias inteiras viviam em um pequeno espaço, o que favorecia ainda mais para a disseminação de doenças.

Em razão disso, o Presidente Rodrigues Alves realizou uma série de obras de saneamento básico que incluiu a reestruturação do porto da cidade e após a indicação do engenheiro Pereira Passos para a prefeitura, as obras de saneamento básico se iniciaram de forma rápida. Através da Lei de Dezembro de 1902, o Prefeito não estava sujeito a embargos legais, sendo assim, suas obras poderiam ocorrer estar sujeitas a decisões judiciárias ou federais. Dessa forma, além das obras, diversas medidas que visavam restringir a forma de trabalho e lazer, foram adotadas com a intenção de parar as doenças que acometiam o Rio de Janeiro.

Nessa época, surge um dos mais icônicos personagens na luta em favor da ciência brasileira, Oswaldo Cruz, que era Secretário de Saúde e ficou encarregado do saneamento da cidade. O Secretário agiu em diversas medidas para mudar a situação sanitária, dentre elas o isolamento de pacientes doentes em hospitais, divisão da cidade em distritos sanitários e a criação de brigadas de prevenção que era acompanhada por soldados da polícia. Apesar de estar a todo custo lutando contra a febre amarela e de todas as medidas surtirem afeito, ainda existia outra doença que se espalhava de forma grave e incomodava Oswaldo Cruz, a varíola.

Diante da necessidade de contenção da proliferação da varíola, foi apresentado um projeto de lei que tornava a vacina obrigatória, pois era a única forma de conter o avanço da doença. O projeto foi aprovado e de maneira rápida, a aplicação se iniciou no Rio de Janeiro, em contrapartida foi fundada a Liga Contra a Vacinação Obrigatória, pois havia grande irritação popular em razão da obrigação. Desse modo, oposicionistas se aproveitaram da situação para em um tom moralista atribuir a ideia de vacinação obrigatória a invasão ao lar e ofensa ao chefe da família.

Em consequência disso, iniciaram-se diversas manifestações por parte da população, que reagiu de maneira violenta as imposições do Governo, que foram apelidadas de a “Revolta da Vacina”. Diversas acumulações ocorreram em praça pública, além de destruições a patrimônios públicos e em resposta a isso, o Governo decretou Estado de Sítio e a vacinação obrigatória foi suspensa. Em decorrência disso, centenas de pessoas foram exiladas e a campanha não pode ser concluída.

I – Manifestações contra o isolamento social

Perante a pandemia ocasionada pelo Covid-19, o isolamento social se tornou a única alternativa para parar a propagação do vírus de acordo com a OMS [2] e de maneira consequente, diminuir o número de mortes. Entretanto, mesmo com a recomendação do isolamento pela Organização Mundial da Saúde, o Governo Federal não adotou nenhuma medida de apoio a essa restrição, apoiando o retorno das atividades comerciais e dizendo que a economia não pode parar em razão do vírus. Diante disso, os Estados e Municípios tiveram que assumir a responsabilidade para diminuir a propagação do Covid-19, realizando uma série de decretos que ordenavam o fechamento do comércio para evitar a aglomeração de pessoas.

Contudo, apesar das medidas adotadas pelos prefeitos e governadores terem a intenção de preservar vidas, por outro lado existe apoio em sentido contrário, pedindo o fim do isolamento social e o retorno das atividades comerciais [3]. As manifestações ocorridas em todo Brasil nos últimos dias apoiam a atuação do Governo Federal em não defender as medidas de isolamento decretadas pela OMS e manifestantes saem em defesa do atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, que diversas vezes tratou do assunto com desdenho, dizendo não passar de uma simples gripezinha ou resfriadinho.

É de maneira clara observada que os protestos ocorrem sem o uso de máscaras e com aglomeração de pessoas, sem falar ainda que muitos ocorrem na presença do Presidente, que além de apoiar o fim das medidas restritivas, não apresentou à justiça o exame comprovativo de não contaminação pelo coronavírus e cumprimenta manifestantes sem o menor cuidado. Enquanto o Executivo Federal está subestimando o Covid-19, prefeitos e governadores entendem que, um possível relaxamento no isolamento social pode levar ao aumento de caso e de maneira consequente, ao colapso do SUS. As aglomerações ocorridas por apoiadores do Presidente vão em total contradição com o defendido por países como China, que conseguiram de maneira considerável controlar a propagação do vírus se utilizando de um isolamento social rígido. Assim como, os brasileiros poderiam olhar para o exterior e observar o caso da Itália, que no início não apoiou o isolamento e de forma consequente, se tornaram o epicentro do vírus na Europa durante um bom tempo e só agora, estão voltando ás atividades comerciais aos poucos.

Esses atos podem, portanto, levar ao colapso o Sistema Único de Saúde (SUS), pois é visível que países com uma ótima estrutura não conseguiram sustentar o avanço do vírus e observaram o colapso de seus sistemas de saúde. Portanto, o isolamento deixou de ser opção há tempos, conforme é nítido em cidades como o Maranhão e o Pará, que em algumas cidades decretaram o “lockdown” [4], expressão em inglês para definir o bloqueio total, uma forma de distanciamento rígido. Em razão disso, os atos proporcionados por apoiadores da extrema direita vão contra tudo que foi vivenciado por países com uma estrutura muito melhor que a do Brasil e mostra que é provável que aqui aconteça o pior.

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III – Conclusão

As manifestações em apoio ao Presidente da República são contraditórias e suicidas, pois as mesmas pessoas que estão protestando pelo fim do distanciamento, poderão ser contaminadas e de maneira consequente, contribuir para o colapso do sistema de saúde do Brasil. Noutro giro, Bolsonaro age com total despreparo ao tratar da pandemia como se fosse um simples resfriado, pois, é observado em todos os países do mundo que a o coronavírus é um risco e que em países como Itália e China, ocasionou milhares de mortes.

Dessa forma, ao criticar governadores e prefeitos, Bolsonaro joga o peso da responsabilidade do coronavírus apenas em cima dos Estados e Municípios, mas na verdade, todos os entes federativos deveriam estar agindo em conjunto para combater a pandemia. Não seria surpresa para ninguém que, o Presidente estivesse contaminado como Covid-19 pelo fato de a todo tempo esconder da população o exame comprovativo do vírus. Assim, o apoio de Bolsonaro ao fim do isolamento coloca a população em risco pois, as manifestações ocorrem sem nenhuma proteção, podendo haver uma propagação do coronavírus.

Cabe ressaltar as semelhanças do momento atual com a Revolta da Vacina, vivida há mais de cem anos, mas que apesar da diferença temporal, é assustador como a população brasileira ainda tem repulsa pela ciência e prefere acreditar em pessoas que não tem o conhecimento do assunto, que utilizam o vírus como forma de criar militantes políticos. Assim como hoje, na Revolta da Vacina pessoas se recusavam a aceitar uma regra imposta com o fim de evitar uma catástrofe na saúde pública, assim, é válida a comparação entre prefeitos e governadores que hoje, impõem o isolamento como forma de evitar a propagação do Covid-19, que comprova o dito por Georg Wilhelm Friedrich Hegel ao afirmar que “A história repete-se sempre, pelo menos duas vezes.”

Contudo, apesar das semelhanças, não temos o suporte integral por parte do Governo, visto que, o Presidente apoia as manifestações que pedem a reabertura do comércio e que poderiam aumentar o problema vivenciado pelo SUS. Desse modo, ocorre hoje uma negação à ciência, assim como ocorria em 1904, porém, é provável que, se Oswaldo Cruz observasse o cenário atual, choraria com a demissão de Mandetta.

REFERÊNCIAS

[1] FERNANDES, Cláudio. "Revolta da Vacina"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/revolta-vacina.htm. Acesso em 10 de maio de 2020.

[2]https://www.agazeta.com.br/brasil/ao-contrario-do-que-diz-blog-oms-recomenda-isolamento-como-medida-de-combate-a-covid-19-0520

[3]https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/18/carreatas-contra-isolamento-social-tem-criticas-a-maia-e-apoio-a-bolsonaro.htm

[4]https://noticias.uol.com.br/faq/lockdown-como-funciona-o-que-e-significado-e-regras-em-sp-e-mais-cidades.htm

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Sobre os autores
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Matheus Rodrigues dos Santos

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), pós-graduando em Direito Civil Constitucional (UERJ). contato:[email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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A pandemia ocasionada pelo coronavírus nos leva a reflexão da negação da ciência por uma boa parcela da população e do apoio do Presidente da República à essas atitudes.

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