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Notas introdutórias à Corte Interamericana dos Direitos do Homem

04/04/2006 às 00:00
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Usando da faculdade esculpida no art. 58 da Convenção Americana dos Direitos do Homem, que lhe permite reunir em território de qualquer um dos Estados Membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), uma vez recebida a aquiescência do anfitrião, a Corte Interamericana dos Direitos do Homem instalar-se-á em Brasília (DF), dentro em breve, para o julgamento de cinco causas, que envolvem queixas contra Estados Sul-americanos.

Aproveitando a oportunidade da visita, que se revela desde logo ímpar para conhecer o ofício de ilustre visitante, as linhas que se seguem dedicam-se ao estudo introdutório desse tribunal e apontam os primeiros passos à compreensão do sistema internacional que vela pelo respeito aos Direitos do Homem.

Como registrado no Preâmbulo à Convenção Americana dos Direitos do Homem - também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, face sua conclusão nesta capital em 1969 - os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ele ser nacional de um determinado Estado, mas, sim, por sua condição de pessoa humana. Como a dignidade do homem merece tutela que transcende as fronteiras que o cercam, os Estados assumem reciprocamente o desafio de proteger um standard mínimo e indelével de direitos próprios ao ser humano dentro do sistema de controle coletivo e subsidiário.

A garantia coletiva e a subsidiariedade são as duas principais características de toda sindicância internacional na salvaguarda aos direitos do homem. A par desses atributos, não se pode perder de vista a finalidade da jurisdição especializada. O homem é o fim do convênio internacional com estes predicativos e a atividade judicial em foco busca, se confirmada a violação aos direitos essenciais, reparar a lesão sofrida, seja através da restituição à situação anteriormente vigente, seja por meio de justa indenização compensatória, na impossibilidade de resgatar o estado pretérito indene.

Pela primeira característica, se a violação aos direitos do homem sensibiliza toda a comunidade internacional, o regime que prima pela higidez do sistema é mantido através da fiscalização mútua entre os Estados. Cada um deles pode mobilizar, face a outro, queixa perante o tribunal internacional, quando o reclamado está a corromper as prerrogativas e garantias com as quais se comprometera no plano internacional a resguardar.

No caso do sistema interamericano, a legitimidade para provocar a jurisdição da Corte Interamericana está reservada aos Estados Partes da Convenção e à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, consoante o art. 61 do Pacto de São José da Costa Rica. A presença desta última instituição não quebra a índole coletiva do controle, senão a confirma, pois a Comissão se insere na estrutura orgânica da Organização dos Estados Americanos, como prescreve o art. 53 da Carta da OEA, e, por conseguinte, sua atuação é creditada pelo grupo de Estados que formam a organização política regional.

Não se deve iludir e pensar que esta característica justifica o impedimento do acesso direto do indivíduo à Corte Interamericana. A falta da legitimidade do homem é tributada à concepção clássica - gradualmente vencida na seara dos Direitos do Homem - de que as relações do Direito Internacional se desenvolvem exclusivamente entre Estados Soberanos. O indivíduo é a verdadeira parte no processo perante o tribunal, ainda que lhe seja cerceada a postulação direta e se encontre dependente do patrocínio oblíquo pela Comissão. Hoje, ultrapassada a inauguração do litígio, ele participa ativamente da condução do feito e de sua dilação probatória, mediante a conquista do locus standi in judicio, a partir da entrada em vigor do novo Regulamento da Corte em Junho de 2001.

Afaste-se também, desde logo, a idéia de que a futura outorga do acesso do indivíduo à Corte prejudica o caráter coletivo do controle. Este atributo repousa menos na legitimação para provocar a jurisdição internacional do que no compromisso recíproco e conjunto que consubstancia a adesão voluntária do Estado à Convenção Americana dos Direitos do Homem. Por este ato o integrante da comunidade internacional regionalizada afiança perante seus pares que haverá de respeitar os direitos essenciais do homem sob sua jurisdição nacional.

Cumpre lembrar, por pertinente, o teor do art. 62 da Convenção Americana dos Direitos do Homem. Para postular e ser demandado perante a Corte Interamericana, o Estado precisa não só ratificar a Convenção - o que confirma a submissão ao império de suas prescrições normativas - como reconhecer a jurisdição obrigatória da Corte. Essas medidas prestam reverência à soberania do Estado Parte que voluntariamente decide aderir a controle coletivo desse naipe.

O Brasil, em cumprimento à diretriz encartada no art. 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que o autoriza a propugnar pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos, ratificou a Convenção Americana dos Direitos do Homem em Setembro de 1992 e se submete por declaração formal à jurisdição obrigatória da Corte Interamericana dos Direitos do Homem desde Dezembro de 1998.

Ainda no âmbito do alcance e da força da instituição no continente, a mesma coesão observada na Corte Européia não se repete na Corte Interamericana. Enquanto na experiência européia todos os 46 Estados componentes do Conselho de Europa ratificaram a Convenção Européia e aceitam a jurisdição da Corte Especializada no Velho Continente, somente 24 dos 34 membros da OEA são partes da Convenção Americana e, nesse universo ainda por expandir, apenas 21 deles reconhecem a jurisdição do tribunal interamericano.

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Em sequência, o princípio da subsidiariedade, que ilustra o controle internacional dos direitos do homem, guarda em sua lógica igual deferência à soberania do Estado, porquanto não se pode substituir ao Poder do Estado em resolver seus conflitos internos. A jurisdição internacional só está licenciada a seu mister se a doméstica não se mostrar apta a solucionar a contento provável violação aos direitos essenciais do homem.

A subsidiariedade da jurisdição torna-se evidente na mais importante condição de admissibilidade da queixa individual perante a Comissão Interamericana. O indivíduo precisa esgotar todos os recursos disponíveis de sua jurisdição interna antes de socorrer ao intermédio da Comissão Interamericana, como dispõe o art. 46 do Pacto de São José da Costa Rica.

De se ponderar, no entanto, que se os recursos internos não existirem; se não forem disponibilizados à presumida vítima ou de outra forma lhe for impedido o acesso e, por fim, se houver demora injustificada no julgamento da causa, torna-se lícito o recurso direto à Comissão, diante da comprovada falta de idoneidade dos tribunais nacionais em conferir proteção esperada.

Por derradeiro, convém recordar que o sistema internacional ora em estudo é antropocêntrico. Sua legitimidade não tem arrimo no controle objetivo da conduta do Estado, como se pensava, face à inviabilidade do acesso direto pelo indivíduo. O art. 63.1 da Convenção Americana estabelece que a decisão da Corte deve assegurar o gozo do direito ou da liberdade violada, uma vez confirmado o descumprimento das obrigações convencionais pelo Estado. Diz ainda o comando que no mesmo julgamento serão determinados a reparação das consequências nocivas do ato violador e o pagamento da justa indenização.

A eloquência desse dispositivo tem conduzido a reformas estruturais no tribunal interamericano para que se alcance o acesso direto, sem intermediários, do indivíduo à jurisdição especializada, como acontece no Continente Europeu desde Novembro de 1998. Este acesso constitui o maior desafio a ser vencido pelo sistema interamericano de proteção. Há, contudo, outro com semelhante importância: tornar o arcabouço de tutela presente e conhecido pelos indivíduos americanos, alvo maior de todo o mecanismo de salvaguarda. A ilustre visita representa bons passos no cumprimento a esta meta.


Referências Bibliográficas

ALBANESE, Susana. Para una globalización de la eficácia de los derechos humanos: la etapa del mayor protagonismo de las personas en los sistemas de protección internacional de los derechos humanos. In Revista IIDH – Instituto Interamericano de Derechos Humanos – Nº 01 (Enero/Junio 1985) – San José, C.R.: El Instituto, 1985.

DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. v. 1, 12 ed. rev. e aum., Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. The Development of International Human Rights Law by the Operation and the Case-Law of the European and the Inter-American Courts of Human Rights. Human Rights Law Journal, v. 25, 2004.

VALLEJO, Manuel Diez de Velasco. Instituciones de Derecho Internacional Público. 12. ed. Madrid: Tecnos, 1999.

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Sobre o autor
Enéas Setúbal Andrade

advogado da União, mestrando em Ciências Jurídico-Internacionais pela Universidade de Lisboa (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Enéas Setúbal. Notas introdutórias à Corte Interamericana dos Direitos do Homem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1007, 4 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8203. Acesso em: 23 nov. 2024.

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