A direta e imediata aplicação da Emenda Constitucional 103/2019 e suas consequências aos municípios.

Direito Administrativo. Direito Constitucional. Direito Previdenciário. Emenda Constitucional Nº 103/2019.

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O presente artigo visa analisar a direta e imediata aplicação da Emenda Constitucional 103/2019¹ e suas consequências aos municípios que tenham Instituto Próprio de Previdência Social.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar a direta e imediata aplicação da Emenda Constitucional 103/2019¹ e suas consequências aos municípios que tenham Instituto Próprio de Previdência Social.

A Emenda Constitucional 103/2019 considerada a norma constitucional da Nova Previdência brasileira, traz diversas implicações reflexa para os municípios que tem entidade que cuida do Regime Próprio de Previdência Social.

Entre estas implicações, objeto do presente, trataremos apenas de algumas relacionadas aos benefícios que outrora previdenciários passaram a serem benefícios estatutários.

A Emenda Constitucional nº 103/2019, no seu § 2º do art. 9º determina que o rol de benefícios dos regimes próprios de previdência social ficam limitados às aposentadorias e à pensão por morte.

Então, deste modo, ficam excluídos os benefícios de salário maternidade, salário família, auxílio-reclusão e afastamento por incapacidade temporária para o trabalho (auxílio doença), que passaram a serem custeados pelos Entes contratantes.

Considerando que a Emenda Constitucional não trouxe um período de transição, causando incerteza e insegurança jurídica aos gestores e laboradores da seara pública.

2. DA APLICABILIDADE DIRETA E IMEDIATA DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103/2019, PARA OS MUNICÍPIOS.

Emenda Constitucional entrar em vigor na data de sua publicação, já que é norma constitucional, não se sujeitando à vacatio legis de 45 dias prevista na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei nº 4.657/1942), art. 1º², porém, reservada a possibilidade de se estipular diferentemente, conforme a Lei Complementar nº 95/1998, art. 8º³.

Observa-se que a Emenda Constitucional nº 103/2019 foi promulgada em 12 de novembro de 2019 e publicada no Diário Oficial da União em 13 de novembro de 2019, data esta que entrou em vigor.

A referida Emenda estabelecem regras que são aplicáveis direta e imediatamente a todos os entes da Federação, outras aplicáveis somente à União e alguns dispositivos específicos para os Estados, Distrito Federal e os Municípios. Vejamos, in verbis

Art. 36. Esta Emenda Constitucional entra em vigor:

I - no primeiro dia do quarto mês subsequente ao da data de publicação desta Emenda Constitucional, quanto ao disposto nos arts. 1128 e 32;

II - para os regimes próprios de previdência social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quanto à alteração promovida pelo art. 1º desta Emenda Constitucional no art. 149 da Constituição Federal e às revogações previstas na alínea "a" do inciso I e nos incisos III e IV do art. 35, na data de publicação de lei de iniciativa privativa do respectivo Poder Executivo que as referende integralmente;

III - nos demais casos, na data de sua publicação.

Parágrafo único. A lei de que trata o inciso II do caput não produzirá efeitos anteriores à data de sua publicação.

Pela leitura do disposto no art. 36 da Emenda Constitucional nº 103, o Constituinte derivado estabeleceu três etapas para entrada em vigência da referida Emenda, primeira, o dia 01 de março de 2020, quanto ao disposto nos arts. 11, 28 e 32. Segundo, na data de publicação de lei de iniciativa privado do respectivo Poder Executivo que as referentes integralmente, para as alterações promovida pelo art. 1º da EC 103 no art. 149 da Constituição Federal e às revogações previstas na alínea “a” do inciso I, III e IV do art. 35, sendo que a referida lei não poderá retroagir. E, terceiro, na data de sua publicação, ou seja, 13.11.2019, para os demais casos/dispositivos.

Assim, podendo entende que a Reforma Previdência segundo a clássica lição de José Afonso da Silva tem: (a) normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata; (b) normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata; e (c) normas de eficácia limitada, não autoaplicável, e dependente de complementação legislativa (aplicabilidade diferida).

Assim, em regra, todos os dispositivos da reforma não expressamente ressalvados pelo art. 36 da EC nº 103, de 12.11.2019, vigoram desde a data de sua publicação, nos termos de seu inciso III, para o Município.

Porém, para determinados preceitos da reforma, nominados adiante, a cláusula de vigência constante do inciso II do art. 36 da EC nº 103, de 2019, estabelece um período de vacância, em que o início da produção de efeitos jurídicos dar-se-á somente com a publicação de lei do ente federativo (no caso Município) que promova o seu referendo integral.

A teor do aludido inciso II do art. 36 da EC nº 103, de 2019, a alteração de redação dada pela reforma ao art. 149 da Constituição Federal e a cláusula de revogação contida na alínea a do inciso I e nos incisos III e IV do art. 35 daquela Emenda não têm aplicabilidade constitucional para o Município enquanto estiverem em período de vacância, já que dependem de referendo para o início de sua vigência, mediante a publicação de lei de iniciativa privativa do respectivo Poder Executivo do ente da Federação, nestes termos:

EC nº 103, de 2019

Art. 35. Ficam revogados:

I - os seguintes dispositivos da Constituição Federal:

a) o § 21 do art. 40;

b) o § 13 do art. 195;

II - os arts. 9°, 13 e 15 da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998;

III - os arts. 2°, 6º e 6º-A da Emenda Constitucional nº 41, de 2003;

IV - o art. 3º da Emenda Constitucional nº 47, de 2005.

Deste modo, enquanto não houver o referendo integral dos mencionados dispositivos da reforma, por meio de lei municipal, continua a valer o parágrafo 21 do art. 40 da Constituição, bem como valem os arts. 2°, 6º e 6º-A da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, e o art. 3º da Emenda Constitucional nº 47, de 2005, sendo aplicável, quanto ao art. 149 da Constituição, a redação anterior à data de entrada em vigor da EC nº 103, de 2019.

Significando dizer que, sem o referendo mediante lei do ente federativo, de que trata o inciso II do art. 36 da EC nº 103, de 2019, o Município não podem instituir alíquotas de contribuição para o custeio do RPPS de forma progressiva, nem fazer incidir a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas sobre o valor dos proventos e pensões que superem o salário mínimo, se houver déficit atuarial, pois, em todo o caso, deverá incidir sobre proventos e pensões que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS, ou que superem o dobro desse limite quando o beneficiário for acometido de doença incapacitante.

Outrossim, consideram-se ainda vigentes para o ente municipal as regras de transição dos arts. 2°, 6º e 6º-A da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, e do art. 3º da Emenda Constitucional nº 47, de 2005, nessa hipótese de ausência de lei que referende integralmente a alteração do art. 149 da Constituição Federal e a cláusula de revogação da alínea a do inciso I e dos incisos III e IV do art. 35 da EC nº 103, de 2019.

Ainda, a lei municipal, quando se referir ao referendo de que trata o inciso II do art. 36 da EC nº 103, de 2019, terá efeitos prospectivos, a partir de sua publicação, por força do que dispõe o parágrafo único desse mesmo artigo, o qual veda a produção de efeitos retroativos.

Observe-se que nos parece válido o referendo da lei municipal incidir apenas sobre a alteração promovida pelo art. 1º da EC nº 103, de 2019, no art. 149 da Constituição Federal, desde que integral, mesmo que o inciso II do art. 36 da EC nº 103, de 2019, também aborde o referendo para as revogações previstas na alínea “a” do inciso I e nos incisos III e IV do art. 35 dessa Emenda. Isto porque a aplicação do novo teor do art. 149 da Constituição é relativamente independente da aplicação da imunidade de parcela dos proventos de aposentadoria e de pensão em caso de doença incapacitante e das regras de transição das reformas constitucionais anteriores das Emendas Constitucionais nº 41, de 2003, e 47, de 2005, de que tratam as aludidas revogações.

Na hipótese a que se refere o inciso III do art. 36 por exclusão (isto é, “nos demais casos”), a reforma decorrente da EC nº 103, de 2019, entra em vigor na data de sua publicação para todos os regimes próprios de previdência social, sendo relevante discernir quais os dispositivos da reforma se aplicam imediatamente ao Município com eficácia plena dos que se aplicam com eficácia limitada ou contida.

A controvérsia foi gerada pela emissão da Portaria nº 1.3484, de 03.12.2019 da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, que estabelecia que os Municípios terão o prazo até 31.07.2020 para adoção das seguintes medidas, em cumprimento das normas constantes da Lei 9.717/98 e da EC nº 103/2019: I - comprovação à Secretaria Especial de Previdência e Trabalho: a) da vigência de lei que evidencie a adequação das alíquotas de contribuição ordinária devida ao RPPS, para atendimento ao disposto no § 4º do art. 9º da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, aos arts. 2º e 3º da Lei nº 9.717, de 1998, e ao inciso XIV do art. 5º da Portaria MPS nº 204, de 2008; b) da vigência de norma dispondo sobre a transferência do RPPS para o ente federativo da responsabilidade pelo pagamento dos benefícios de incapacidade temporária para o trabalho, salário-maternidade, salário-família e auxílio-reclusão, para atendimento ao disposto no § 3º do art. 9º da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, no inciso III do art. 1º da Lei nº 9.717, de 1998, e no inciso VI do art. 5º da Portaria MPS nº 204, de 2008. II - encaminhamento dos documentos de que trata o art. 68 da Portaria MF nº 464, de 19 de novembro de 2018, relativos ao exercício de 2020, para atendimento ao disposto no § 1º do art. 9º da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, ao inciso I do art. 1º e ao parágrafo único do art. 9º da Lei nº 9.717, de 1998, e ao inciso II e a alínea "b" do inciso XVI do art. 5º da Portaria MPS nº 204, de 2008.

E, no parágrafo único do art. 1º da comentada Portaria, estabelece que o pagamento dos benefícios a que se refere a alínea "b" do inciso I do art. 1º, dentro do prazo de adequação estabelecido na legislação do ente, limitado ao prazo referido no caput, não será considerado para fins da verificação do atendimento ao inciso VI do art. 5º da Portaria MPS nº 204, de 2008.

Ademais, o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás emitiu a Orientação Técnica Conjunta nº 001/2019 – SCMG/SAP5, orientando aos jurisdicionados sobre a aplicação das disposições contidas no art. 9º da EC nº 103, de 12.11.2019 para fins de análise e julgamento das prestações de contas e dos demais processos de fiscalização.

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Orientações aos jurisdicionados sobre a aplicação das disposições contidas no art. 9º da EC nº 103 de 12 de novembro de 2019 (reforma da previdência) para fins de análise e julgamento das prestações de contas e dos demais processos de fiscalização.

Entendo que, serão consideradas as disposições da Portaria nº 1.348, de 03.12.2019, especificamente, o prazo concedido para a adequação às normas contidas na EC nº 103/2019. Justificando na necessidade de adequação no que tange à programação orçamentário-financeira, às medidas operacionais e às alterações na legislação municipal.

Concluindo que não haverá impacto nas ações de fiscalização realizadas pelo Tribunal, notadamente, nas prestações de contas dos gestores do RPPS e do Poder Executivo, se os pagamentos dos referidos benefícios continuarem sob a responsabilidade do RPPS municipal, até o prazo estabelecido (31 de julho de 2020).

Ademais, o Ementário para o ano de 2020, emitido pelo TCE/TO, classifica as despesas dos afastamentos temporários (auxílio-doença), salário-maternidade, salário família e auxílio-reclusão fora do orçamento do Regime Próprio de Previdência Social.

Deste modo, extraímos que, a Emenda Constitucional nº 103/2019, em regra, tem aplicação direta e imediata, excetuado os cargos do art. 36 da referida Emenda. E, que o art. 9º da EC 103/2019, também, tem aplicação direta e imediata. Porém, foram lavradas normas infralegais que terão prazo para adequação e delimitado a fiscalização do cumprimento da norma constitucional.

3. RESTITUIÇÃO AOS INSTITUTOS DE PREVIDÊNCIAS DOS VALORES PAGOS DESDE 13.11.2019

Como comentado, a aplicação é imediata, porém, com base na Portaria nº 1.348, de 03.12.2019, e, que pelo principio da razoabilidade e proporcionalidade e na necessidade de adequação da programação orçamentário-financeira, das medidas operacionais e das alterações na legislativa, deve ser adotar o entendimento do parágrafo único do art. 1º da referida Portaria, que “O pagamento dos benefícios a que se refere a alínea "b" do inciso I do art. 1º, dentro do prazo de adequação estabelecido na legislação do ente, limitado ao prazo referido no caput, não será considerado para fins da verificação do atendimento ao inciso VI do art. 5º da Portaria MPS nº 204, de 2008”.

Assim, sendo, aconselhado seria adotar o entendimento de que os valores pagos pelo Instituto até o prazo estabelecido na Portaria (31.06.2020) seja assumido pelo Instituto.

4. CONCLUSÃO

Pelo exposto, defendo, no presente artigo que a aplicação da EC 103/2019 seja direta e imediata aos municípios, no entanto que, que seja concedido o prazo da Portaria nº 1.348, de 03.12.2019 da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, para que os municípios adeque a recepção e pagamentos dos benefícios de afastamento por incapacidade temporária para o trabalho, salário – maternidade, auxílio – reclusão.

Ainda, que sejas necessário os municípios elaborarem Projetos de Leis para adequarem suas legislações estatutárias a nova regra Constitucional.

NOTAS

[1] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm, Acesso em 10 de maio de 2020

[2] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm Acesso em 10 de maio de 2020

[3] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp95.htm Acesso em 10 de maio de 2020

[4] Disponível em http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.348-de-3-de-dezembro-de-2019-231269862 Acesso em 10 de maio de 2020

[5] Disponível em https://www.tcm.go.gov.br/site/wp-content/uploads/2019/12/Orienta%C3%A7%C3%A3o-T%C3%A9cnica-n%C2%BA-02-19-EC-103-19-prazo-para-adequa%C3%A7%C3%A3o.pdf Acesso em 10 de maio de 2020

Sobre o autor
Diego Avelino Milhomens Nogueira

Procurador Municipal, Advogado, consultor e assessoria jurídica na seara administrativa, pós-graduado em Advocacia Pública Municipal, e, Licitações e Contratos Públicos Municipais, Vice-Presidente da Comissão de Valorização das Procuradorias Municipais da OAB/TO.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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