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O valor jurídico da cultura e identidade da etnia Lomué de Nauela

15/05/2020 às 15:21

Resumo:


  • Os ritos de iniciação feminino são práticas culturais presentes em Moçambique, sendo parte das normas e valores das sociedades matrilineares, como a etnia lomué de Nauela.

  • A Constituição da República de Moçambique evoluiu ao longo dos anos, passando a reconhecer e valorizar as tradições socioculturais do país, incluindo os ritos de iniciação feminino, como forma de afirmar a identidade moçambicana.

  • Estudos buscam analisar os aspectos positivos e negativos dos ritos de iniciação feminino, visando contribuir para a melhoria dessas práticas e sua adequação às leis vigentes, sem perder de vista a diversidade cultural e identitária das sociedades envolvidas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A mutilação dos órgãos genitais femininos praticados pelas sociedades patrilineares de algumas regiões de África se enquadra dentro dos seus parâmetros morais.

Questão problema

Moçambique é um país com uma diversidade cultural, sendo que as práticas culturais variam de acordo com o grupo étnico linguístico de cada região/ comunidade linguística. As normas e valores característicos da cada um desses grupo são regidas pelas sociedades através das suas estruturas tradicionais constituídas e aceites nessas sociedades e que orientam a sua convivência social. Contrariamente, a primeira Constituição da República Popular de Moçambique 1975 (CPRM), excluiu os elementos culturais da nação moçambicana, visto que o artigo 4º preconizava a eliminação das estruturas tradicionais e da mentalidade que lhes era subjacente o que fez com que durante a vigência desta Constituição as normas e valores das sociedades moçambicanas diversificadas em suas etnias, tribos e regiões ficasse diluída. Uma dessas normas e valores diluídos por força do articulado constitucional foram os ritos de iniciação feminino que faz parte das normas e valores do grupo étnico linguístico lomué1 de Nauela, pertencente as sociedades matrilineares. Embora formalmente proibidas, este grupo linguístico considerando as práticas benéficas e legítimas para a sua convivência Sá, continuou a praticar de forma tímida e escondida, não sendo por isso obrigatório e abrangente durante a vigência da primeira Constituição, o que muitos daquela sociedade interpretam ter sido um contributo negativo para a construção da ética e moral social e que trouxe como consequência comportamentos desviantes de alguns dos integrantes não sô daquela sociedade mas também de outras, afetadas em suas práticas costumeiras.

A alínea g do artigo 6º da Constituição da República de Moçambique (CRM)de 1990 veio alterar o preceituado no artigo 4º da Constituição da República Popular de 1975, ao preconizar a afirmação da personalidade moçambicana, das suas tradições e demais valores socioculturais. Isto foi reforçado ainda, 14 anos mais tarde na alínea h do artigo 11º e o artigo 118º da Constituição da República de 2004 revista em 2018, que preconizam respetivamente: a afirmação da identidade moçambicana, das suas tradições, demais valores socioculturais e o reconhecimento e valorização da autoridade tradicional, reativando de forma legal as diferentes manifestações culturais das sociedades moçambicanas incluindo da etnia linguística lomué de Nauela, que inclui os ritos de iniciação feminino, embora de forma geral a Constituição não representa a vontade do povo moçambicano (individual ou coletivamente) ou seja, não reflete os elementos fundamentais da nação moçambicana na sua diversidade cultural.

Os ritos de iniciação visam preparar as adolescentes, para enfrentar as diferentes atividades do lar, como futuras esposas, mães, e produtoras dos bens materiais em beneficio da sua família, ou seja, à vida adulta e inserção integral nas atividades da comunidade. Esta preparação, no entanto, não leva em consideração a idade, mas sim ao inicio da menstruação, que acontece frequentemente entre os 11 a 15 anos de idade. A menina iniciada nestas idades é para aquelas sociedades considerada adulta e madura para enfrentar a vida de um lar, que inclui todo trabalho doméstico. Isto em nossa análise entra em contradição com a lei constitucional e as normas ordinárias vigentes em Moçambique que consideram a maioridade a partir dos 18 anos de idade. Este estudo tem como tarefa principal analisar os aspectos positivos e negativos dos ritos de iniciação feminino, por forma a contribuir na melhoria da sua prática, sem entrar em contradição com a legislação em vigor.

O estudo pretende também relacionar os ritos de iniciação feminino das sociedades matrilineares onde faz parte a etnia lomué de Nauela e aquelas praticadas pelas sociedades patrilineares de algumas das regiões de África e com isto perceber os elementos espirituais defendidos por cada uma das sociedades sob ponto de vista de valores: jurídico, ético, politico e social; de costume, mito e técnica. Espera-se que os resultados deste estudo possam trazer elementos novos que possam servir para definir mecanismos que orientem para a incorporação dessas práticas nas normas atuais vigentes e que possam acomodar de forma segura as necessidades dessas sociedades em suas práticas costumeiras


1. Fundamentação Teórica

Segundo Rodrigues (2017) a cultura tem como uma das principais funções facilitar a interação e comunicação de pessoas ou grupos que vivem dentro da mesma sociedade.

Ciscato (1999) define a cultura como o conjunto de modelos de comportamento adotado pelo homem numa determinada sociedade e num determinado momento. Símbolos, imagens, arte, técnica, ideias, crenças, normas, e os valores, são considerados aspectos que fazem parte da cultura.

Para Amado (sd) os valores são princípios filosóficos que envolvem o senso comum da pessoa e variam de acordo com os hábitos e costumes de cada sociedade. Estas variações associam-se principalmente a tabus sendo que, o que para uns é normal para outros não o é.

Na filosofia a cultura é definida como conjunto de manifestações humanas que contrastam com a natureza ou comportamento natural.

Conforme a Antropologia Cultural (2010), as manifestações culturais abrangem toda forma de expressão humana que pode ser através de aspectos intangíveis (ideias, comportamentos, hábitos e costumes, mitos), e tangíveis (arte, técnica, etc.).

Para o presente trabalho, por manifestação cultural pretende-se dizer aquilo que queremos descrever, pertencente a cultura local da etnia lomué da região planáltica de Nauela e de sociedades patrilineares de algumas regiões de África: os ritos de iniciação feminino. O marketing cultural entendido como um fenómeno de comunicação que quando é aplicada com seriedade e responsabilidade traz muitas vantagens para os seus fazedores, podendo ser indivíduos, instituições, comunidade, sociedade ou nação, faz parte das manifestações culturais de cada sociedade. No caso concreto da etnia Lomué de Nauela, a implantação da Missão e do Seminário pelos Dehonianos, contribuiu para o seu desenvolvimento cultural, pela absorção de novos aprendizados tanto cristãos como educacionais, sendo até hoje considerado por alguns analistas, como o grupo étnico mais pacífico, solidário, ético e civilizado, da província da Zambézia e da região do Norte de Moçambique. Os valores éticos como caridade, solidariedade, honestidade, fidelidade, empatia, transmitidos através da fé cristã, misturados com a cultura local, fazem parte da identidade daquele grupo étnico.


2. Metodologia

Para a determinação do valor jurídico das práticas culturais da etnia lomué de Nauela, foi consultada a Constituição da República de Moçambique, nas suas três versões; foi também consultada alguma bibliografia para ajudar a perceber a relação entre estes ritos de inciação feminino praticadas pelas sociedades matrilineares onde faz parte a etnia lomué de Nauela e aqueles praticados pelas sociedades patrilineares de algumas regiões de África. Serão feitas mais pesquisas junto as instituições que lidam com a matéria, em particular o Ministério da Justiça, da Educação, da Acção Social, Gênero e Criança, Saúde, Cultura; as autoridades tradicionais dessas sociedades, as matronas, as famílias e adolescentes abrangidas por esses ritos, através de, ferramentas de recolha de dados da pesquisa.


3. Cultura e Identidade da Etnia Lomué de Nauela

3.1. Caraterização

A língua Lomué também conhecida como o macua ocidental é considerada como a quarta maior língua de Moçambique. Juntamente com o macua faz parte das línguas bantu da parte norte de Moçambique. É falada em 10 distritos da província da Zambézia (Mocuba, Molumbo, Namarroi, Ile, Mulevala, Gilé, Gurué, Alto-Molocué, Pebane, Maganja da Costa) 03 distritos da província de Nampula (Murrupula, Malema e Ribaué) e 02 da província de Niassa (Cuamba, Mecanhelas) e uma parte considerável do território Malawiano. A Etnia Lomué de Nauela fica situada na região planáltica de Nauela. Este é um Posto Administrativo do Distrito de Alto-Molocué, localizado na província da Zambézia, cuja capital é Quelimane, a quarta cidade capital mais desenvolvida de Moçambique e também considerada o “pequeno Brasil,” por possuir características similares nas suas manifestações culturais, em particular o carnaval. Nauela é limitado a norte pelo distrito de Malema e Ribaué, na província de Nampula, a Oeste com o distrito de Gurué, a Sul com a localidade de Ecole e Nimala, e Sudeste com localidade de Nivava, ambos do Posto administrativo Sede da Vila de Alto-Molocué. Em termos de produção agrícola o planalto de Nauela é considerado um dos celeiros da província da Zambézia. dada as condições geográficas que permitem a produção de todo tipo de culturas, com maior destaque para leguminosas, hortícolas e fruteiras.

Segundo Dehonianos (2012) os Padres Dehonianos ocupam a província da Zambézia, desde 1947, por ordem da Santa Sé, e tiveram um papel fundamental na aculturação do povo de Nauela, pois para além da sua missão de evangelizar que iniciou em 1947 com a fundação da primeira Missão, denominada Missão de Nauela, em 1960 abriu o seminário de Milevane, que preparava os jovens autóctones provenientes de toda província e não só, para a educação religiosa e instrução académica. Os ritos de iniciação feminino foram de alguma forma influenciados por estes novos saberes culturais, transmitidos através da fé cristã, implantada naquela região.

3.2. Ritos de iniciação feminino

Pinto (2017) explica que nas sociedades africanas, através dos ritos de iniciação “as jovens aprendem o seu papel reprodutivo no casamento, os deveres domésticos e agrícolas e o respeito pelos mais velhos e pela família do futuro marido. e os tabus associados a sexualidade e certos alimentos”.

No contexto deste trabalho os ritos de iniciação referem-se as cerimónias tradicionais que visam preparar as adolescentes, para enfrentar as diferentes actividades do lar, como futuras esposas, mães, e produtoras dos bens materiais em beneficio da sua família ou seja à vida adulta e inserção integral nas actividades da comunidade.

Bagnoli & Marianool (2009) sustentam que a mulher nas sociedades matrilineares de Moçambique, na sua composição fisiológica, os órgãos genitais femininos são vistos numa conceção mais ampla, sendo as matronas (conselheiras) as responsáveis pela educação cívica e moral das jovens e mulheres, para garantir equilíbrio e a harmonia naquelas sociedades. No caso concreto das raparigas da etnia Lomué de Nauela, que também faz parte das sociedades matrilineares existem dois tipos de ritos: os de pré-adolescência e de adolescência.

3.2.1. Ritos de iniciação de pré-adolescência

Estes ritos acontecem antes da menstruação e visam preparar a pré-adolescente a saber ser e estar na sociedade, assim como a adquirir as faculdades femininas de defesa e atração sexual. A partir dos 09 a 12 anos a menina é ensinada pelas irmãs, primas ou tias mais velhas a se comportar bem perante as pessoas, a respeitar os mais velhos e prestar serviços de caridade, em especial para idosos e deficientes, na comunidade. É também “obrigada” a puxar os pequenos lábios, vulgo “ithuna”, (na língua Lomué), para alonga-los, fazer tatuagens (em algumas famílias) nas coxas, a volta das nádegas, e do abdómem. Nosso entendimento é que os “ithuna” simbolizam o erotismo feminino criando assim tempo para a mulher se excitar e gozar do prazer sexual em pé de igualdade com o homem, servem de portas da vagina contra qualquer intrusão masculina e são consideras protectoras do corpo da mulher contra as forças malignas, em especial a “feitiçaria” que se acredita que usa os orifícios sensíveis do corpo para entrar; servem também para dar direcção à urina, nos casos em que a mulher faz necessidades menores de pé. Alguns autores, sustentam que apesar do alongamento dos pequenos lábios “ithuna” ser um incomodo para algumas mulheres (dificuldade de usar calcinhas, calções e calças apertadas) não existe problema nenhum de tê-los grandes, porém merecem cuidados extra de higiene, para evitar aparecimento de doenças como a candidíase, devido a humidade na região. Nós concordamos com a análise destes autores, tendo em consideração que as meninas adolescentes, durante o processo de ritos de iniciação, são ensinadas não só a alongar os “ithuna” mas também os respectivos cuidados de saúde para manter a vagina saudável e atraente para o seu parceiro sexual (marido).

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3.2.2. Ritos de iniciação de adolescência

De acordo com o nosso conhecimento após o aparecimento da primeira menstruação a adolescente é mantida em casa ou quarto exclusivo por sete a oito. Este isolamento simbólico é feito para pessoas e também para algumas substâncias como água e objectos, como roupa. Durante este período de “reclusão” só recebe visitas de jovens iniciadas e senhoras conselheiras, chamadas “anamulaki”, ou “matronas”, assim como de irmãs, primas, sobrinhas, tias e amigas mais velhas, já iniciadas. Estas têm a tarefa de lhe ensinar tudo sobre a vida, em particular: a convivência social com as pessoas no geral, com a sua família, a do seu futuro marido e a sua relação conjugal com este e a cuidar dos filhos e do próprio lar. Em relação ao futuro marido, ensina-se em especial a ser submisso à ele (fazer danças e brincadeiras eróticas na cama e a segurar o pênis e limpar com as mãos, o chamado “ekoroma”, na língua local de iniciação, que para este efeito é feito de madeira; ensina-se também a agradecer com um gesto erótico sempre que o marido oferecer um objecto material-vestuário, etc.; estar sempre disponível para ele, mesmo nos casos em que não tem desejo sexual; avisar quando estiver de período, colocando um trapo vermelho na cama). A menina “Muali” ou “donzela” ensina-se também a colocar missangas coloridas à volta da cintura assim como é apresentada certas ervas medicinais, para cuidar da saúde intima, em particular, para contrair a vagina e evitar que seja um “buraco” desagradável para o homem assim como, para evitar que os “ithuna” criem infeções na vagina.

A cerimónia dos ritos de iniciação “reclusão” que dura entre 7 a 10 dias, dependendo da flexibilidade da menina no aprendizado do “Ekoroma” termina com um banho da menina ao rio, onde durante o trajeto ela e as matronas ficam completamente nuas, (como forma de treina-la e encorajar a despir-se sem vergonha, diante do futuro marido) ao som de cânticos batuques e danças eróticas. Após o regresso do rio, ela, a mãe e o pai ou padrasto são cortados o cabelo, em separado, ela de um lado e o casal do outro. Durante o corte do cabelo do casal as cunhadas do pai da menina, portanto primas ou irmãs da mãe da menina, fazem “striptease”, completamente nuas, como sinal de fim de jejum do casal. O corte do cabelo simboliza o inicio de uma vida e etapa nova para a menina. Em nossa análise, muitos pais e /ou padrastos das meninas iniciantes, gostam de participar desta fase final, por causa do erotismo (striptease) das cunhadas, que normalmente tem sido em número de duas ou mais, vestidas de missangas coloridas, na cintura e com coxas e ancas bem tatuadas, a exibir sem receio as suas “ithuna” para ele e os demais participantes do corte do cabelo do casal. A jovem iniciada é desde então proibida de salgar as comidas, tapar a panelas contendo o caril, bater nas crianças, comer ovo, e miudezas (fígado, moela e tripas). Esta inibição termina logo que ela se casa (casamento segundo os costumes locais) e em nosso entendimento representa um controlo sobre a vida sexual da menina, tendo em consideração que logo após o casamento cessa.

3.2.3. Ritos de iniciação feminino nas sociedades patrilineares de África

As sociedades patrilineares de África, como é o caso da Somália, Guiné. Egipto, Sudão, Tanzânia, Mali, Eritreia, entre outros, segundo nosso entendimento praticam os ritos de iniciação feminino, com o intuito de inserir as meninas para a vida social das comunidades ou tribos. Um dos ritos mais conhecidos no mundo e praticado por essas sociedades é a mutilação genital feminina (MGF), da qual nós vamos nos concentrar neste estudo.

Segundo Costa (2016), a mutilaação genital femenina é uma tradição milenar que tem como origens a Grécia e se expandiu ao Egipto antigo, sendo já uma prática comum em diferentes países do mundo, onde a África é que lidera o maior número de países praticantes estimada em vinte e nove (29).

Se nas sociedades matrilineares da etnia Lomué de Nauela os ritos de iniciação feminino são um passaporte seguro para o casamento, para as sociedades patrilineares que praticam a mutilação genital feminina a remoção dos órgãos genitais é uma condição primordial também para o casamento sendo os argumentos tradicionais para a mutilação: “assegurar a castidade da mulher; assegurar a presunção da virgindade até ao casamento; por razões de higiene, estética ou de saúde; melhorar a fertilidade da mulher; assegurar o nascimento vital da criança.”, visto que para eles o contacto com o clitóris é fatal para os bebés (Dantas, et al.).

Segundo alguns autores existem três tipos de mutilação, sendo a mais radical a que consiste na remoção total do clitóris, dos pequenos e grandes lábios e posteriormente a junção dos dois lados da vulva sobre a vagina com agulha e linha, deixando apenas um pequeno orifício para urina e menstruação. Assim como acontece na etnia Lomué de Nauela, de fazer tatuagens a “sangue frio”, estes procedimentos são na sua maioria feitos com objectos cortantes não esterilizados e sem anestesia, nem analgésicos causando dor aguda nas mulheres, durante e depois do processo.

3.2.4. Aspectos positivos e negativos dos ritos de iniciação feminino

As sociedades ocidentais e de algumas regiões de Moçambique criticam a prática dos ritos de iniciação no geral. Nós somos favoráveis a manutenção dessas práticas, pois existe aspectos positivos nesses ensinamentos, que devem ser mantidos. Os aspectos negativos segundo a nossa análise devem ser melhorados tanto nas sociedades matrilineares da qual faz parte a etnia Lomué, como nas patrilineares de algumas regiões de África.

Tabela 01. Aspetos positivos e negativos dos ritos de iniciação feminina

Sociedades

Aspectos positivos

Negativos

Sugestões

Matrilineares da etnia Lomué de Nauela

Integração social e formação da personalidade da jovem; Educação cívica e moral (respeito aos mais velhos, ao marido, ao seu lar; a sociedade no geral)

Valorização da mulher, através da preparação sexual centrada na vagina “mathunas” que de entre outras coisas servem para entreter o homem dando assim tempo da mulher se excitar, e permitir oportunidades iguais de prazer sexual

Risco de contrair doenças, como anemia, vírus de hepatite B, HIV e SIDA, Tétano, no processo de tatuagens, devido ao uso compartilhado de objectos cortantes e não esterilizados e perda de sangue; Violação dos direitos da mulher e da criança pelos cortes a sangue frio, sem anestesia nem analgésicos de tatuagens; limitação da dieta alimentar;

Submissão da mulher ao homem; a limpeza do sémen com as mãos, pode contribuir para a infecção do HIV e SIDA;

O ensinamento prematuro do “ekoroma” é um dos incentivos de casamentos e gravidezes precoces e um retrocesso ao desenvolvimento cientifico e económico das mulheres

Sensibilizar e apoiar ás comunidades a melhorar prática de tatuagens, através de uso de objectos cortantes e medicamentos convencionais, para prevenir os riscos de saúde;

Incentivar as mulheres, também de outras etnias a prática de “mathunas” como símbolo de igualdade de género na cama

Sensibilizar as matronas a educar as jovens sob ponto de vista da sua emancipação e igualdade de direitos com o homem e de protecção durante as relações sexuais

Sensibilizar as comunidades para o alargamento do período dos ritos de incitação de adolescência, dos actuais 12 para os 17 anos de idade, para permitir a continuação das meninas na escola e decisões maduras em relação ao seu futuro

Integração social e formação da personalidade da menina; Educação cívica e moral (respeito aos mais velhos, ao marido, ao seu lar; a sociedade

Risco de contrair doenças, como anemia, vírus de hepatite B, HIV e SIDA no processo de remoção dos órgãos genitais, devido ao uso compartilhado de objectos cortantes e não esterilizados e perda de sangue;

Submissão da mulher ao homem; perda de sensibilidades sexuais da mulher pela remoção do clitóris desvalorização da mulher, através da preparação sexual centrada na vagina;

Melhorar a forma de transmissão dos valores sociais, centrados na MGF, pelo uso de serviços convencionais de saúde para prática de remoção de órgãos genitais;

Melhorar o foco dos ensinamentos, incentivando a mulher a emancipação e dialogo com o marido;

3.2.4. Os elementos espirituais

Nos ritos de iniciação feminino nas sociedades matrilineares ,o mito de não salgar a comida e tapar as panelas contendo caril, significando um controle sobre a sexualidade da menina; a crença das “ithuna” como “portas” protetoras do orifício vaginal contra as forças malignas a “feitiçaria”.

Nos ritos de iniciação feminino nas patrilineares, a crença de que o contacto do clitóris, com o bebé provoca a morte do mesmo.

3.2.4.1. Os valores nos ritos de iniciação femininos
  • Valor Jurídico: instituição de “ithuna” na mulher (sociedades matrilineares), para proteger a vagina e permitir oportunidades iguais de prazer sexual entre os dois parceiros (homem e mulher); eliminação do clitóris nas sociedades patrilineares para garantir os nados vivos;

  • Valor politico: submissão da mulher ao homem, nas duas sociedades (matrilinear e patrilinear)

  • Valor social: valorização da mulher perante a sociedade a que pertence (nas duas sociedades); proteção da castidade e garantia de fidelidade (nas sociedades patrilineares);

  • Valor ético: prestar ajuda, principalmente aos idosos (nas sociedades matrilineares);

  • Costume: cortar os órgãos genitais da mulher, aumentar a fertilidade da mulher (sociedades patrilineares);

  • Mito: não salgar o caril, não comer ovo, fígado, tripas (sociedades matrilineares).

  • Técnica: fazer tatuagens, usar ervas para contrair a vagina e prevenir doenças (sociedades matrilineares); cortar os órgãos genitais, costurar a pele restante da vulva, para manter a estética da vagina, a higiene.


Conclusão

A cultura como um conjunto de hábitos e costumes, crenças e mitos, símbolos, normas e valores, forma a nossa autoconsciência, permite que nos identifiquemos como pertença de uma determinada sociedade. por isso para nós não existe uma cultura melhor que outra. A cultura de uma sociedade não deve ser criticada por outras sociedades estranhas a ela, mas entendida e melhorada a sua prática e adequada nas leis vigentes para melhor harmonização. Conservar a cultura de uma sociedade é necessária, para manter as raízes locais e as identidades características de cada região. A identidade cultural envolve não só os que fazem, mas também os que apreciam, divulgam defendem e os que conhecem determinadas características dessa cultura. No caso concreto da cultura do grupo étnico lomué de Nauela, existem alguns símbolos culturais que na ótica da autora devem ser defendidos, mantidos, transmitidos de geração em geração e difundidos á outros grupos étnicos moçambicanos e de outras sociedades em geral. Um desses símbolos são os “ithuna”, que em termos jurídicos representam a igualdade de direitos entre o homem e a mulher na cama. no gozo do prazer sexual; servem para proteger a vagina de entradas malignas. A mutilação dos órgãos genitais femininos praticados pelas sociedades patrilineares de algumas regiões de África e do mundo em geral é necessário que seja entendida e incentivada a melhoria das suas práticas, pois para essas sociedades a prática do ritual, é um ato que se enquadra dentro dos seus parâmetros morais.


Bibliografia

  1. Amado, Silva Marisa da. A importância das normas e valores na vida das pessoas. Recuperado em: www.hospitalsapiranga.com.br.

  2. Bagnoli, Brigitte et al. (2009). Cuidados consigo mesma. Sociedade e erotismo na Província de Tete. Moçambique. Physis. Revista de Saúde Colectiva. V. 19, 2. Rio de janeiro. Disponível em: www.scielo.br.

  3. Ciscato, Elia (1999). Ao serviço deste homem. Apontamentos de Iniciação Cultural. África: Edições Paulinas.

  4. Costa, Rachel. Mutilação genital feminina não é tradição é violência. Disponível em: www.startrip.uol.com.br

  5. Dantas, Ana Paula Faria de. SILVA. Herbert Forquelo. Mutilação genital feminina, uma acto moral? Disponível em: www.jus.com.br

  6. Dehonianos, (2012). Presença Dehoniana em Moçambique. Recuperado em: www.dehonianos.org.

  7. Pagan, Manuela. Pequenos lábios muito grandes, problema para saúde? Disponível em: www.vix.com.br

  8. Pinto, Sara Maria Xavier (2017). Casamentos Prematuros no contexto dos ritos de iniciação feminino praticados pela etnia macua. Dissertação de Mestrado. Universidade Aberta. Disponível em: www.repositorioaberto.uab.pt.

  9. DE MOÇMBIQUE. Constituição da República Popular de Moçambique . 1975. Disponível em. www.portaldogoverno.gov.mz . Acesso em 24/11/2019.

  10. _______________________. Constituição da República de Moçambique . 1990. Maputo. Boletim da Republica. 1ª série. nº 44, de 02 de Novembro.

  11. _______________________. Constituição da República de Moçambique 2018. Editora Escolar. Maputo.

  12. Rodrigues, Oliveira de (2017). Cultura e Filosofia. Disponível em: www.mundoeducação.bol.uol.com.br

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Sobre a autora
Celestina Moniz

Jurista, Mestrada em Direito Juridico Politico; doutoranda em Direito Público .

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este artigo faz parte do trabalho apresentado como requisito para a avaliação no Módulo de Globalização, Filosofia e Cultura Moçambicana, ministrado pelo Prof. Doutor Pe Miguel António Moto, no Curso de Doutoramento em Direito, da Faculdade de Direito , da Universidade Católica de Moçambique.

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