Cobrança de Tributos e Sanções Políticas

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19/05/2020 às 21:28
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O trabalho trata da obrigação tributária até a sua constituição, seguindo para as sanções aplicadas nas hipóteses de descumprimento de obrigações tributárias e analisa as sanções políticas e suas novas modalidades.

1.Introdução

O presente trabalho trata sobre cobrança tributária e sanções políticas e tem a finalidade de analisar as questões pertinentes na relação do sujeito passivo com o sujeito ativo no que concerne à seara tributária. Dá-se a esse vínculo a denominação técnica de relação jurídico tributária.

Especificamente no que tange às sanções, elas existem em razão de uma finalidade coercitiva, qual seja, o Estado pretende ver o destinatário da norma agir de determinada maneira ou que ele se abstenha de agir de certa forma.

Contudo, às vezes, a medida sancionatória desvirtua-se e acaba por ferir direitos e garantias constitucionalmente assegurados.


2.Relação Jurídico-Tributária

A relação jurídico-tributária é a denominação dada à relação jurídica do Estado (enquanto credor do tributo) com o contribuinte (enquanto devedor do tributo). Essa relação existe desde antes mesmo da exigência do próprio tributo e se prolonga quando da sua exigência até a sua extinção.

Nas palavras de Eduardo Jardim (JARDIM, 2013, p. 253) “(...) o tributo traduz objeto da obrigação tributária e a vida do tributo ou da obrigação abriga fases que precedem a sua existência até sua desparição(...)”.

A relação jurídico-tributária, em seu desdobramento inicial, mostra-se presente no plano da subsunção tributária, no qual uma hipótese, legalmente prevista (hipótese de incidência), irá se encaixar em um fato, concretamente realizado no mundo real (fato gerador). Isso porque, igualmente às demais regras do sistema jurídico, no direito tributário, há idêntica configuração da forma “se A é, então B dever ser” (SCHOUERI, 2018). Tal fórmula é necessária, pois os fatos sociais, por si só, não são capazes de produzir efeitos jurídicos.

Nesse sentido, é certo afirmar que se faz necessária para a existência da obrigação principal o mero cometimento de ato praticado no mundo concreto para que esteja caracterizada a ocorrência o fato gerador.

Segundo o artigo 114 do Código Tributário Nacional, o "fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência" (BRASIL, 1966).

Uma vez ocorrido o fato gerador, tem-se a subsunção do fato à norma, ou seja, o fato realizado no mundo fenomênico está previsto conforme disposição no mundo hipotético das normas. Sendo assim, a obrigação tributária é constituída pelo fato gerador.

Em outras palavras, é “a partir da eclosão da relação jurídico-tributária, que resulta da incidência da norma tributária impositiva sobre o fato gerador, tem-se por existentes o débito e o crédito fiscal” (SCAPIN e MEDEIROS, 2018, p. 459).

Denomina-se, portanto, obrigação tributária, por força de imputação normativa, o vínculo criado entre os sujeitos de direito quando da incidência da norma, segundo Paulo de Barros Carvalho. Nas suas lições:

“Como decorrência do acontecimento do evento previsto hipoteticamente na norma tributária, instala-se o fato, constituído pela linguagem competente, irradiando-se o efeito jurídico próprio, qual seja, o liame abstrato, mediante o qual uma pessoa, na qualidade de sujeito ativo, ficará investida do direito subjetivo de exigir de outra, chamada de sujeito passivo, o cumprimento de determinada prestação pecuniária. Empregando a terminologia do Código Tributário Nacional, diríamos que ocorreu o ‘fato gerador’ (em concreto), surgindo daí a obrigação tributária: é a fenomenologia da chamada ‘incidência dos tributos”. (CARVALHO, 2017)

Dessa forma, o objeto da obrigação tributária é a prestação que recai sobre o sujeito passivo, particular, da obrigação tributária após o surgimento dela pelo fato gerador. Essa prestação é prevista em lei e pode consistir em uma obrigação que consiste em dar dinheiro ao Estado ou ainda cumprir determinado comando que serve para auxiliar na arrecadação e fiscalização tributária, nesse último caso, denomina-se obrigação acessória. A natureza da obrigação, portanto, será definida pelo tipo de prestação que é imposta ao sujeito passivo.

Para Luciano Amaro,

“O objeto da obrigação tributária pode ser: dar uma soma pecuniária ao sujeito ativo, fazer algo (por exemplo, emitir nota fiscal, apresentar declaração de rendimentos) ou não fazer algo (por exemplo, não embaraçar a fiscalização). É pelo objeto que a obrigação revela sua natureza tributária”. (AMARO, 2014, p. 271)

Tal prestação terá cunho pecuniário (obrigação de dar) ou cunho não pecuniário (obrigação de fazer ou não fazer). A primeira reflete um dever patrimonial, ao passo que a outra traduz-se em dever instrumental do contribuinte. Aqui, não custa reforçar, tem-se a diferenciação de obrigação principal e obrigação acessória, respectivamente.

Trata-se, portanto, de duas espécies de obrigação tributária que possuem finalidades diversas. Enquanto uma pretende arrecadar valores para os cofres públicos, a outra pretende servir-se de instrumento para as atividades de fiscalização e arrecadação. A previsão dessas espécies, encontra-se no Código Tributário Nacional, o art. 113:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. (BRASIL, 1966)

Como se depreende do dispositivo acima, o §1º do art. 113, do Código Tributário Nacional, expressa o comando da norma tributária que, em outras palavras, significa “entregar dinheiro ao Estado”. De modo que a obrigação principal significa levar dinheiro aos cofres públicos, seja por meio de tributos seja por meio de penalidade pecuniária, na forma de sanção hipótese de descumprimento do comando normativo.

O nascimento da obrigação pecuniária principal tem como pressuposto a ocorrência de um fato previamente definido em lei, intitulado no Código Tributário Nacional, art. 114, de fato gerador. Vejamos o dispositivo:

Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. (BRASIL, 1966)

No tocante à obrigação tributária acessória, também chamada de deveres instrumentais, tem-se que ela é decorrente da legislação tributária e, no interesse da arrecadação ou fiscalização de tributos, tem como objeto prestações de fazer ou de não fazer.

Cabe destacar que, quando se menciona legislação tributária, está se referindo a todas espécies normativas consignada no art. 96, do Código Tributário Nacional, quais sejam, as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.

Em consonância com esse dispositivo, na intenção de legitimar a inovação na ordem jurídica por meio de tais diplomas normativos, temos o art. 115, do Código Tributário Nacional, que afasta a necessidade de lei, strictu sensu.

Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal. (BRASIL, 1966)

Embora haja a obrigação tributária, para que ela possa ser exigida é necessário o lançamento que é o ato administrativo vinculado que transforma a obrigação tributária em crédito tributário, trazendo para a relação jurídico-tributária a noção de exigibilidade do valor devido.

Via de regra, é o ato do lançamento que confere exigibilidade ao crédito tributário, permitindo à autoridade fiscal impor a respectiva cobrança ao contribuinte (sujeito passivo da relação), o que propicia o adjetivo de exequibilidade à obrigação, em momento futuro, quando da inscrição do débito em dívida ativa, fato que ensejará a certidão de dívida ativa, título extrajudicial que sustenta a execução fiscal.

Sendo assim, enquanto o fato gerador tem natureza jurídica de ato constitutivo (constitui da obrigação tributária), o lançamento tem natureza jurídica mista, pois trata-se de ato que constitui o crédito tributário e declara a obrigação tributária que existia.

Tem-se com o lançamento, o revestimento da obrigação tributária em crédito tributário, pois passa a ter exigibilidade. Dessa forma, como já mencionado, o lançamento, cuja natureza jurídica é mista, declara a existência da obrigação tributária decorrente da relação jurídica entre os sujeitos e, portanto, constitui o crédito tributário decorrente da obrigação, dotando-o de exigibilidade.


3.Sanção Tributária – Natureza jurídica da penalidade tributária

3.1 Conceito

É possível utilizar-se da sanção com dois sentidos: premiação ou penalidade. Naquele, em sentido positivo do instituto sancionatório, quando é correlacionada à ideia de prêmio pelo cumprimento de uma conduta. Neste, em sentido negativo, traz a ideia de consequência de cunho gravosa ou de punição a alguém que agiu em determinada circunstância.

Contudo, a sanção sempre está ligada à finalidade específica do legislador de determinar a conduta do agente da forma por ele desejada, que dizer, incentivar uma conduta ou desestimular. Nesse sentido são as lições de Hugo de Brito Machado:

A sanção assemelha-se ao prêmio quanto à finalidade. Uma e outro têm a finalidade de estimular a conduta desejável. A sanção, pelo desestímulo da conduta indesejável, violadora da norma jurídica. O prêmio, pelo estímulo direto a uma conduta desejável. [...] A sanção, porém, não se confunde com o prêmio precisamente porque tem o ilícito como elemento essencial na hipótese de incidência da norma que a institui. (MACHADO, 2014, p. 161)

Será adotado o significado de consequência determinada em lei para quem contrariar seus preceitos, aquela prevista pelo ordenamento a um sujeito em razão de um comportamento contrário a lei. Dessa maneira, pressupõe-se uma circunstância prevista em lei para que seja aplicada, devendo o legislador determinar as condutas que são consideradas desejáveis ou indesejáveis impondo assim uma consequência.

Portanto, a sanção é uma consequência jurídica, é uma reação da ordem jurídica por cometer um ato ilícito e deve sempre estar presente na hipótese de incidência da norma jurídica que a institui. Normalmente, as normas jurídicas que disciplinam um comportamento social preveem uma hipótese, uma consequência e uma sanção. (FILHO, 2017)

As sanções tributárias, portanto, são instrumentos dos quais o legislador se faz valer para atingir uma finalidade almejada pelo ordenamento jurídico. Elas objetivam, em regra, prevenir a consumação de um dano ao erário e desempenham tal tarefa mediante técnicas que intimidam.

Contudo, a peculiar estrutura do sistema sancionatório tributário permite uma outra função, qual seja, a de garantir aos cofres públicos uma arrecadação superior ao valor do montante do tributo devido. Isso porque, no fim, o Estado acaba arrecadando valores superiores àqueles que seriam devidos em decorrência da realização da hipótese de incidência tributária.

Nesse raciocínio, uma sanção pode ser catalogada por diferentes sistemas de referência sob perspectivas teóricas diversas. No entanto, continuará a ser uma sanção.

Quanto à sua finalidade, pode-se diferenciá-las entre as que possuem cunho reparatório, as que possuem cunho de natureza executiva e as de índole punitivas.

As primeiras, em razão do não cumprimento do comando da norma, procuram ressarcir ou reparar o prejuízo gerado. Bernardo Ribeiro de Moraes (MORAES, 1995) afirma que esse tipo de sanção não tem natureza de penalidade, não tem a função de punir o infrator, seria um ônus de natureza civil de cunho reparatório- compensatório do dano que causou.

As de natureza executivas pretendem o cumprimento da prestação, elas procuram afastar os efeitos do ato ilícito por meios que permitam, o máximo possível, alcançar o resultado que seria esperado quando da observância espontânea da norma primária.

Por fim, as de natureza punitiva impõem uma efetiva penalidade ao infrator, para que ele não volte a praticar o ato proibido em lei, e reforçar a ideia de que, ainda que descumprida, a norma possui vigor.

3.2.Espécies de Sanções Tributárias

As espécies de sanção podem ser dividas de diversas maneiras. Mesmo sendo justificada por perspectivas teórica diversas, seu conceito intrínseco, que a embasa, não se deforma.

Dentro da classificação de Paulo de Barros Carvalho:

I– Sanções pecuniárias, se o objeto consistir em um dar (pagamento em dinheiro), são elas: penalidades pecuniárias; multas de mora; juros de mora

II– Sanções restritivas de direito ou de atividades, se o objeto consistir em um fazer ou não fazer, são elas: apreensão de mercadorias, documentos ou respectivos veículos que os transportem; perda de mercadorias; sujeição a regime especial de controle e cassação de regimes especiais deferidos a contribuintes. (CARVALHO, 2009)

Quanto às sanções pecuniárias, podem ser divididas em sanções tributárias pecuniárias consistentes, por exemplo, em multa de ofício, em multas de mora em multa isolada e juros de mora.

Já as não-pecuniárias consistentes, por exemplo, em apreensão de mercadorias, inscrição em cadastro de devedores (CADIN), perda de mercadorias e regime de fiscalização diferenciado.

As não-pecuniárias, com previsão na legislação tributária, têm sua constitucionalidade discutida por atentar com direitos e garantias individuais do contribuinte assegurados pela Constituição Federal.

Sacha Calmon Navarro Coelho possui opinião contrária aos excessos do poder sancionador do Estado e admite somente as sanções pecuniárias, porque “aos povos civilizados repugna possa o Estado cassar direito (capitis deminutio), confiscar bens ou afetar a liberdade do contribuinte ou do responsável, pelo só fato destes terem descumprido deveres fiscais”. (COÊLHO, 2001)

Dessa forma, temos a expressão sanções políticas, que é outra terminologia utilizada para denominar as sanções tributárias não-pecuniárias.

3.3.Sanções Pecuniárias

A sanção de cunho pecuniário é a forma clássica de manifestação do poder punitivo do Estado. Portanto, é válido comentar os seus tipos e estabelecer uma classificação.

Analisando a classificação de Paulo de Barros Carvalho com aspectos relacionados à finalidade pretendida, podemos diferenciar as sanções tributárias pecuniárias em:

a) Sanção de caráter indenizatório: Juros de Mora, têm o objetivo de ressarcir aquele que foi privado do seu capital.

b) Sanção de caráter punitivo, por não recolhimento do tributo (descumprimento da obrigação principal): Multa de Mora, Multa de ofício e Multa Agravada e Qualificada.

c) Sanção de caráter punitivo, por descumprimento da obrigação acessória: Multa Isolada. (CARVALHO, 2009):

As multas poderão ser catalogadas dessa maneira, independente da variação na denominação que receberem. Elas possuirão essa natureza ainda que adotem outra roupagem.

3.3.1.Juros de Mora

Nos termos da redação do artigo 161 do Código Tributário Nacional, são devidos o acréscimo de juros de mora aos créditos que não foram integralmente pagos na data do vencimento, sem prejuízo das demais penalidades cabíveis. A literalidade desse artigo conduz ao entendimento de que os juros de mora não se constituem em penalidade, pois o código é enfático ao destacar que haverá aplicação de penalidades, ainda que haja a cobrança dos juros de mora.

Eles têm a finalidade de remunerar o capital que está em posse terceiros. Entretanto, é preciso consignar que se originam a partir de um ilícito e, portanto, podem ser tidos como sanção, pela utilização de um capital indevidamente detido em mãos de terceiros, alguém que foi privado de forma indevida do seu capital. Assim, caberá àquele que manteve o capital, indenizar o credor que ficou privado do seu capital.

Edmar Oliveira Andrade Filho (FILHO, 2003, p. 136) reconhece a natureza de penalidade dos juros de mora. Portanto, sob o ângulo estrutural e teleológico, os juros de mora seriam penalidades pelo retardamento do cumprimento da obrigação ou pela utilização indevida do capital alheio.

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Nesse sentido, reitera esse entendimento Eduardo Jardim (JARDIM, 2013, p. 308), para quem “juros revestem natureza sancionatória, confirmando, assim, a advertência de Alfredo Augusto Becker (2007), na qual qualifica esses desconcertos com a incisiva expressão ‘manicômio tributário’”.

3.3.2.Multa de Mora

No que se refere à multa de mora, ela possui cunho punitivo e deverá ser cobrada quando ainda não ocorreu o lançamento de ofício do tributo não pago no seu vencimento. Quer dizer, quando se tratar de tributo declarado e não pago ou, ainda, quando a fiscalização já tiver iniciado os trabalhos fiscalizatórios e ainda não houver o pagamento.

O Supremo Tribunal Federal compartilha desse entendimento e, nesse sentido, editou a Súmula nº 565: A multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo no crédito habilitado em falência.

Pelo exposto, é de se depreender que a indenização do capital pelos juros de mora visa recompor um prejuízo causado ao patrimônio alheio por restrição ao seu capital. A punição pelo descumprimento das obrigações se dá pela multa, que tem como pressuposto a prática de um ilícito.

3.3.3.Multa de Ofício

No que tange à multa de ofício, essa possui também caráter punitivo e deve ser cobrada por meio de lançamento de ofício, uma vez que não houve o recolhimento espontâneo pelo sujeito passivo. É aplicada pela própria autoridade fiscal, quando for apurado tributo devido que não tenha sido declarado ou confessado.

Nessa hipótese, a infração vai além do mero atraso no recolhimento, configurando pelo ao menos omissão quanto a outros elementos necessários à verificação do fato gerador e, consequentemente, à apuração do débito.

3.3.4.Multa Agravada e Qualificada

Multas agravadas e qualificadas são também multas de ofício, contudo são aplicadas quando se verifica uma infração grave, com percentual que supera a multa de ofício.

No âmbito da Receita Federal do Brasil, as referidas multas têm previsão no art.44, § 1º e § 2º, da Lei 9.430/96, respectivamente:

§ 1º O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei no 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis. (Redação dada pela Lei nº 11.488, de 2007)

§ 2º Os percentuais de multa a que se referem o inciso I do caput e o § 1º deste artigo serão aumentados de metade, nos casos de não atendimento pelo sujeito passivo, no prazo marcado, de intimação para: (Redação dada pela Lei nº 11.488, de 2007) I - prestar esclarecimentos; (Renumerado da alínea "a", pela Lei nº 11.488, de 2007) II - apresentar os arquivos ou sistemas de que tratam os arts. 11 a 13 da Lei no 8.218, de 29 de agosto de 1991; (Renumerado da alínea "b", com nova redação pela Lei nº 11.488, de 2007) III - apresentar a documentação técnica de que trata o art. 38 desta Lei. (Renumerado da alínea "c", com nova redação pela Lei nº 11.488, de 2007) (BRASIL, 1966)

Leciona Paulo de Barros Carvalho, a respeito das multas qualificadas:

É a espécie de multa que tem por conteúdo a agravação da penalidade. É aplicada quando a Administração Pública demonstra, por elementos seguros de prova, no Auto de Infração, a existência da intenção do sujeito infrator de atuar com dolo, fraudar ou simular situação perante do Fisco. (CARVALHO, 2009, p. 581)

Para aplicação da multa qualificada, pressupõe-se a configuração, mediante elementos probatórios apurados quando do período de fiscalização, da ocorrência de conluio, sonegação ou fraude.

As multas agravadas, por sua vez, são devidas na hipótese em que se verifica a falta de colaboração do contribuinte quando devam ser esclarecidos ou apresentados documentos concernentes à possível irregularidade cometida e para os casos de reincidência em infrações.

No que toca a essas multas, é importante destacar que, em uma análise literal do dispositivo constitucional, a elas não se aplicaria o princípio do não-confisco. Contudo, as legislações infraconstitucionais, vinham aplicando sanções exorbitantes que chegavam a superar do imposto devido.

Dessa maneira, o Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar a respeito do assunto e restou assentado que as multas que extrapolam o equivalente a 100% do valor do tributo devido caracteriza meio de confisco e, sendo assim, na porcentagem excedente são inconstitucionais (STF, 2017)

3.3.5.Multa Isolada

A multa isolada é a penalidade devida quando se configura o simples descumprimento de um dever instrumental, pelo descumprimento de uma obrigação acessória.

A previsão de prestação da obrigação acessória, assim como a multa pelo seu descumprimento de pagamento de tributo, visa garantir, em última análise, o cumprimento da obrigação principal. Portanto, o descumprimento dessa obrigação acessória, não poderá gerar penas que superem o inadimplemento da obrigação principal devido à ausência de prejuízo direto ao erário.

Conforme destaca Hugo de Brito Machado:

Todavia, é importante insistir em que a obrigação tributária acessória não é apenas um dever que a Administração impõe ao sujeito passivo da obrigação tributária principal. É essencialmente um dever instrumental, que nenhuma finalidade pode ter, além daquela de viabilizar o controle do adimplemento da obrigação principal. Esse caráter de acessoriedade, nem sempre bem compreendido, é fundamental para a adequada compreensão dessa espécie de obrigação jurídica. Não se trata de acessoriedade no sentido de ligação a uma determinada obrigação outra, da qual dependa. Por isto mesmo a obrigação acessória subsiste ainda quando a obrigação principal à qual se liga ou parece ligar-se imediatamente, é inexistente em face de imunidade, não incidência ou isenção tributária. O caráter de acessoriedade há de ser entendido no sentido próprio que tem a obrigação no campo do Direito Tributário. Uma acessoriedade em relação à obrigação de pagar tributo vista globalmente. Não em relação à obrigação de pagar determinado tributo, exigível em razão de um determinado e específico fato tipo, que realiza um hipótese de incidência em determinada situação isolada. Acessoriedade no sentido de ser uma obrigação instrumento da outra, que só existe para instrumentalizar outra. Que não teria sentido de existir sem a outra. (MACHADO, 1998, p. 61)

Dessa forma, por se tratar de uma instrumentalidade que viabiliza a arrecadação e fiscalização da obrigação principal, não pode a multa isolada apresentar sanções exacerbadas, pois assim estaria, em termos de importância, se sobrepondo à obrigação de pagar, motivo pelo qual deve se imposta com modicidade.

3.4.Sanções Políticas

As sanções políticas são limitações aos direitos individuais impostas pelo Estado com o objetivo de forçar indiretamente o contribuinte a pagar o tributo, para que ele possa continuar suas atividades ou para que ele possa ter seu patrimônio reavido.

Nesse sentido, ensina Hugo de Brito Machado:

Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras. Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País. (...). São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros. Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, por que: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência do tributo é ou não legal. (MACHADO, 1998, p. 46-49)

Assim, as sanções políticas ferem frontalmente a aplicação de princípios protegidos constitucionalmente, como o contraditório, a ampla defesa, e o devido processo legal, além de transformar o poder coercitivo do Estado em poder de coação indireta, pois ao invadir de forma direta o patrimônio particular do indivíduo ou ao limitar o exercício de determinada atividade, terminam por ofender princípios constitucionais como o da livre iniciativa, consagrados no art. 5º, XIII e art. 170 da Constituição:

Art. 5º. [...].

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Art. 170. [...].

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (BRASIL, 1988)

Nas palavras do ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, é possível definir sanção política como: “[...] todas as restrições não- razoáveis ou desproporcionais ao exercício de atividade econômica ou profissional lícita, utilizadas como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos.” (STF, 2007)

A Corte Suprema decidiu repetidas vezes serem inválidas as sanções políticas. Analisando a jurisprudência emanada pela Corte elas podem assumir variados formatos. Destacamos algumas:

  1. Interdição de estabelecimento (RMS 9.698, RE 9.696, Súmula 70);

  2. Apreensão de mercadorias (RE 39.933);

  3. Recusa de emissão de Certidão Negativa de Débito- CND, mesmo quando não existe lançamento definitivo contra o contribuinte;

  4. Suspensão e/ou cancelamento da inscrição do contribuinte em cadastro;

  5. Exigência de garantia dos tributos em débito como condição para impressão de documentos fiscais (RE434.987);

  6. Criação de regime especial com condições de tributação mais gravosas ao contribuinte; (RE153.782, RE155.542, RE 76.455, RE 115.542);

  7. Criação de cadastro de inadimplentes com proibições diversas aos contribuintes impontuais (ADIN1155, ADIN1178);

  8. Criação de normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de débitos – proibição de transferência de domicílio para exterior, proibição de registro de contratos sociais, alterações contratuais, contratos e outros documentos em registros públicos e cartórios, obtenção de empréstimos e financiamentos (ADI 394);

  9. Obstacularização do recebimento de crédito tributário através de precatórios (ADI 3453);

Diante disso, as decisões do Supremo Tribunal Federal resultaram na edição de súmulas concernentes ao tema:

  1. Súmula 70: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

  2. Súmula 323: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

  3. Súmula 547: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilha, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

Analisando as súmulas e das decisões da Corte Suprema, fica clara a vedação de medidas que são tomadas e não não previstas no ordenamento pátrio, ou previstas mas inconstitucionais, tentando induzir o contribuinte à quitação do crédito tributário por medida indireta, afastando-se dos ditames e preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional.

As providências administrativas que são denominadas de sanção política implicam numa ação oblíqua para cobrança de débito. Para assegurar a garantia aos direitos do sujeito passivo e reforçar o ordenamento jurídico, o Supremo Tribunal Federal tem assegurado reiteradamente a proibição às sanções políticas, trazendo como fundamento o direito ao devido processo legal, ao acesso ao judiciário e ao livre exercício de atividades econômicas. Até porque a incidência destas sanções repele a discussão do débito em via processual.

Isso é assim porque o devedor que se sente ameaçado e prefere proceder a quitação do débito e prosseguir com suas atividades, do que ingressar no Poder Judiciário com uma ação para discutir a cobrança, sofrendo com a demora da máquina estatal e ter suas atividades prejudicadas.

Revelam-se essas medidas verdadeiros diplomas legais travestidos de mecanismos utilizados para exigir forçosamente a arrecadação tributária.

Conforme o entendimento de Rangel Perrucci Fiorin e Lilian Pires, “(...) constatamos a existência de mecanismos que forçam a arrecadação e a exação tributária, de modo a proporcionar maior eficiência e praticidade tributária, que sem sempre observam o que determina a Constituição Federal.” (FIORIN e PIRES, 2015)

Complementam, ainda, os autores que a relação estabelecida entre o Estado e o contribuinte não é mera relação de poder, mas relação jurídica, pautada em normas as quais também se submetem o Estado e seus agentes.

Ainda, importante observar que, na hipótese de se utilizar dessas sanções oblíquas e não das perpendiculares (devidamente legitimadas conforme o Estado de Direito), é possível haver responsabilidade civil, ensejado ação reparatória de danos em matéria tributária. Portanto, não se duvida que

(...) o Estado tem a necessidade de tributar para se manter e atender às necessidades coletivas, podendo preservar os interesses públicos e se enquadrar no contexto evolutivo mundial. Porém, a cobrança tributária realizada de forma oblíqua quando desprovida de lastro que se encaixe aos elementos da hipótese de incidência e as limitações do arquétipo constitucional foge do que se espera de uma Estado Democrático.” (FIORIN e PIRES, 2015)

Em outras palavras, as sanções oblíquas (ou políticas) são incompatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro. É necessário que, quando sejam instituídas, amoldem-se à previsão legal da sua incidência, bem como devem se ater aos ditames e moldes constitucionais, preservando os direito e garantias individuais, sob pena de violação à Constituição Federal.

4.Discussão sobre novas espécies de sanções políticas

4.1.Protesto da Certidão de Dívida Ativa

Com o advento da Lei nº 9.492/97 passou a ser possível o protesto de títulos e outros documentos de dívida, conceito no qual se encaixava a certidão de dívida ativa. Todavia, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça rechaçou essa possibilidade.

Por meio da Lei nº 12.767/12, previu-se expressamente o protesto de certidão de dívida ativa. Após a modificação normativa, o Superior Tribunal de Justiça, no recurso especial representativo de controvérsia nº 1.126.515/PR (STJ, 2013) referendou a inovação, reconhecendo da legalidade do protesto.

Nessa toada, é imperioso trazer o conceito de sanção política adotado pelo Supremo Tribunal Federal atualmente é o que consta do acórdão da ADI nº 173, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa (STF, 2009).

No acordão, restou assentado que para que sanção política se caracterize são necessárias três condições: (i) a inviabilidade da atividade econômica,

(ii) a afastabilidade de apreciação pelo Poder Judiciário e (iii) a desproporcionalidade na utilização do instrumento.

A declaração de constitucionalidade do protesto de certidão de dívida ativa (STF, 2016) se insere justamente no contexto de mais um instrumento apto a reforçar a importância da cobrança fiscal em sem sentido lato.

Do ponto de vista fazendário como credor, a pacificação do tema consolida um grande avanço, que permitirá um maior retorno financeiro com menos custos. Por outro lado, o maior retorno propiciado pelo protesto, além de incrementar a arrecadação, colaborará para que haja uma redução significativa de execuções fiscais, permitindo-se que os casos que demandem o ajuizamento de execuções fiscais sejam melhores trabalhados e tenham sua taxa de retorno aumentada.

Contudo, embora esse assunto tenda dado a esperança de assunto decidido, tem-se que a discussão voltou à tona.

Em 23/03/2018, foi publicado do Diário da Justiça Eletrônico, decisão do ministro Herman Benjamin (STJ, 2018) suspendendo os processos acerca do protesto de certidão de dívida ativa, sob o Tema nº 777, propondo a afetação dos Recursos Especiais nº 1.684.690/SP e nº 1.686.659/SP, selecionando-os como representativos de controvérsia, nos termos do § 5º do artigo 1.036 do Código de Processo Civil.

Portanto, esse assunto poderá ter um novo desfecho sobre a sua legalidade, com a possibilidade de entendimento favorável ao contribuinte.

4.2.Averbação Pré-Executória – Lei nº 13.606/2018

Com a entrada em vigor da Lei 13.606/2018 que introduziu o artigo 20- B na Lei 10.522/2002, passou a ser possível o bloqueio de bens pela União, sem a necessidade de prévia autorização judicial para tanto:

“Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados” (BRASIL, 2002)

Nesse sentido, a Portaria 33/2018 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que entrou em vigor em junho de 2018 dispõe o seguinte:

Art. 6º. Inscrito o débito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para:

I – em até 05 (cinco) dias:

a) efetuar o pagamento do valor do débito atualizado monetariamente, acrescido de juros, multas e demais encargos; ou

b) parcelar o valor integral do débito, nos termos da legislação em vigor.”

Art. 7º. Esgotado o prazo e não adotada nenhuma das providências descritas no art. 6º, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá:

I – encaminhar a Certidão de Dívida Ativa para protesto extrajudicial por falta de pagamento, nos termos do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997;

II – comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres, mediante convênio firmado com as respectivas entidades;

III – averbar, inclusive por meio eletrônico, a Certidão de Dívida Ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, para fins de averbação pré-executória;” (BRASIL, 2018)

Conforme o artigo 20-B da Lei 10.522/2002, após a inscrição em dívida ativa, o contribuinte será notificado para pagar o débito em cinco dias, sob pena de sofrer averbação da certidão de dívida ativa sobre os seus bens e direitos, os quais estarão sujeitos à indisponibilidade, ao arresto e à penhora.

Verifica-se, portanto, que se tratar de uma averbação cujo intuito não é a simples comunicação a terceiros acerca da existência da dívida para fins de efeitos erga omnes, mas de verdadeiro ato de constrição, denominado de averbação pré- executória pretensamente albergado pelo manto da lei, visando a indisponibilidade de bens do contribuinte, antes do ajuizamento da execução fiscal e sem autorização decisão judicial prévia.

Contudo, vê-se que a averbação pré-executória abrevia o procedimento de indisponibilidade de bens, por meio de um ato unilateral da autoridade fazendária no que toca ao bem que sofrerá a restrição, sem oportunizar previamente ao devedor indicar à penhora bens que lhe seriam menos onerosos ou contestar a dívida por valor indevido ou valor já quitado.

Por outro giro, verifica-se que o referido dispositivo não só afronta à Constituição Federal e seus princípios, como também à Lei de Execuções Fiscais, que garante ao executado várias formas de garantir a dívida.

Ressalte-se, ainda, que a averbação pré-executória vai de encontro, também, ao que prevê o artigo 185-A do Código Tributário Nacional, o qual prescreve sobre a indisponibilidade de bens do devedor fiscal, a qual será mediante a prolação de decisão judicial no curso de execução fiscal. Vejamos:

“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.” (BRASIL, 1966)

Como visto, o artigo 185-A do Código Tributário Nacional é norma objetiva e expressa, devendo ser interpretada restritivamente nos ditames tributários, exigindo para a constrição de bens do devedor a existência de uma execução fiscal prévia; a citação do para pagamento a dívida espontaneamente ou apresentar bens à penhora que a garantam e a prolação de decisão judicial prévia determinando a constrição de eventuais bens do devedor.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que é inconstitucional a adoção de medidas políticas que visem forçar o contribuinte ao pagamento do débito, como se pode verificar no artigo acima mencionado.

Ainda, é forçoso lembrar que o Superior Tribunal de Justiça também já assentou o entendimento de que a indisponibilidade de bens do devedor é medida de caráter extremo. Dessa forma, está vinculada à comprovação de exaurimento dos meios de busca de bens penhoráveis por parte do credor, não podendo, portanto, deixar à margem as garantias da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal:

“Súmula 560 do STJ – A decretação da indisponibilidade de bens e direitos, na forma do art. 185-A do CTN, pressupõe o exaurimento das diligências na busca por bens penhoráveis, o qual fica caracterizado quando infrutíferos o pedido de constrição sobre ativos financeiros e a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado, ao Denatran ou Detran.”

No mais, nota-se que a referida norma ao menos prevê prazo para o levantamento da indisponibilidade dos bens constritos. Em outras palavras, estará o devedor não só sujeito à uma restrição unilateral de seus bens, como à mercê da distribuição de uma execução fiscal, pela autoridade fazendária, para só então ter a oportunidade de discutir a legalidade da dívida e buscar o desfazimento da penhora ou arresto.

Decerto, o que se verifica, por conseguinte, é que a referida norma concede à mesma autoridade responsável pela constituição do crédito tributário o poder de executá-lo, sem que haja a anuência, a autorização prévia e a fiscalização da correção da referida medida pelo poder judiciário. Tem-se verdadeira afronta ao devido processo legal e afronta aos direitos constitucionais.

4.3.Criminalização do não recolhimento do ICMS

Recentemente, o julgado da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (Habeas Corpus nº 399.199) consignou ser crime a conduta de não repasse do

Imposto sobre circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), em operações próprias, ainda que declaradas ao Fisco, quando o agente se apropria do valor cobrado referente ao tributo, ao invés de recolhê-lo ao Fisco, capitulado no artigo 2º, inciso II da Lei nº 8.137/90, que dispõe, entre outros, dos crimes contra à ordem tributária:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

(...)

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; (BRASIL, 1990)

No voto vencedor, o relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, assentou que em qualquer hipótese de não recolhimento, comprovado o dolo, ou seja, a intenção, configura-se o crime previsto no artigo 2º, II, da Lei 8.137/1990, que dispõe sobre crimes contra a ordem tributária.

No entendimento do ministro, “o fato de o agente registrar, apurar e declarar em guia própria ou em livros fiscais o imposto devido não tem o condão de elidir ou exercer nenhuma influência na prática do delito, visto que este não pressupõe a clandestinidade”.

Em outras palavras, realizadas todas as obrigações e procedimentos necessários e não recolher o tributo devido, estaria caracterizado o delito. Isso porque não é necessário para a configuração do crime que o inter criminis ocorra de maneira “clandestina” (escondida, oculta, com meio ardil). Não há tal previsão legislativa no núcleo o tipo.

Situação diversa é quando o agente sequer apura, contabiliza e registra o tributo devido, hipótese em que será inadimplemento fiscal.

O divisor de águas nessa celeuma delicada é a conduta do agente, que leva a construir o seu dolo de não repassar o dinheiro devido ao Fisco. Porque não é possível admitir que após a individualização do montante devido pelo agente, o seu não pagamento não configuraria hipótese de crime previsto na referida lei, sem que houvesse motivo justificável a elidir o elemento dolo no tipo, ou seja, não excludentes de ilicitude.

Na hipótese dos autos, não se discutiu concretamente se o contribuinte efetivamente agiu com dolo. Em razão da limitação de produção de provas pela via do Habeas Corpus.

Não se tem dúvidas de que, quando incumbido na obrigação de substituto tributário, o contribuinte nitidamente antecipa os tributos devidos futuramente pelos demais produtores da cadeia e os retêm na venda do produto, de modo que o valor retido por ele por meio da cobrança é de outrem e deve ser remetido ao Fisco.

Contudo, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que em casos de operação própria é possível também se caracterizar a cobrança e o seu não repasse. Isso, pois, o valor do ICMS – tributo que adota a modalidade de “cálculo por dentro – quando é vendido para o próximo produtor, o valor da sua cobrança, já está inserido no preço final. Em última análise, o comprador tem o valor do ICMS cobrado do vendedor, e uma vez não repassado esse valor, configurado está o crime, segundo a Corte Superior.

Tais valores, são necessários à manutenção da ordem social que, no Estado Social que vivemos, são destinados às finalidades sociais, como erradicação da pobreza e diminuição das desigualdades sociais, objetivos constitucionalmente previstos.

Não há, ainda, que se mencionar bis in idem. Trata-se o caso de bens jurídicos tutelados de natureza diversa. Quais sejam, a atitude de não recolher tributo ao Fisco, caracteriza infração administrativa, cujo bem lesionado é o próprio erário público.

No tocante à esfera criminal, o bem jurídico tutelado, em uma visão inicial e estrita é o próprio Estado, cujos interesses arrecadatórios são feridos. Porém, com base na ampliação da percepção do bem jurídico tutelado, é possível afirmar que o sujeito passivo é, na verdade, a coletividade difusa de cidadãos submetidos ao sistema tributário violado, que são de fato lesados pelo ilícito.

Portanto, embora sejam imputações com origem em comum, reverberam em searas distintas, com previsões específicas para tutela de bens jurídicos diferentes e essenciais que se relacionam no que tange à dependência de recursos financeiros para a concretização de valores sociais.

4.4.Sonegação Fiscal e a Competência do CADE

A crise econômica e financeira atual do país é tema deveras sabido. Nessa circunstância, medidas adotadas pelas empresas no que tange aos assuntos tributários têm levantado algumas dúvidas sobre eventual prática de sonegação fiscal e questiona-se se tal prática tem potencial lesivo à concorrência. Ainda, debate-se se a sonegação fiscal, ou outras medidas como renúncia e incentivo fiscal, se compreende no campo de infração à ordem econômica de modo a atrair a competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

Se de um lado temos a defesa da concorrência partindo do pressuposto de que, se há poder econômico, seu exercício poderá ser realizado de modo abusivo contrário à lei, tem-se o fundamento da lei antitruste para sua repressão. Essa tarefa repressiva contra o exercício abusivo do poder econômico é também uma forma de garantir a isonomia entre os agentes econômicos, consequentemente, buscando-se manter um mercado concorrencialmente equilibrado, cuja competência recai para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. (VILANOVA e AMORIM, 2018)

De outro lado, teríamos a suposta prática de sonegação fiscal. Para tanto, a apuração e punição devida é essencial para coibir atos ilícitos, além de restabelecer o cenário de equilíbrio na isonomia entre os contribuintes.

Embora as duas atuações repressivas buscarem coibir distorções, uma no âmbito da concorrência outro no âmbito da arrecadação fiscal, elas diferenciam-se a partir dos respectivos objetivos constitucionalmente previstos.

Em outras palavras, o antitruste apresenta mecanismo próprio voltado à repressão de atos que levam, ainda que potencialmente, a distorções ao ambiente institucional competitivo no país, a atividade de combate à sonegação fiscal busca coibir práticas contrárias ao ordenamento fiscal do País – o que, em última análise, pode gerar o aumento da carga tributária aos contribuintes.

Dessa forma, percebe-se duas competências intrinsicamente distintas com objetos e marcos legais diferentes, mas que podem ser analisadas na medida dos pontos convergentes.

Tal questionamento, começou a ser debatido além das fronteiras brasileiras, como na Europa (EUROPEIA, 2017) (EUROPEIA, 2018) (EUROPEIA, 2016) e nos Estados Unidos da América (STEMPEL e DASTIN, 2017). Os casos estrangeiros que tiveram destaque discutiam a respeito da concessão de isenção a determinadas empresas em detrimento de demais concorrentes, o que acarretou, segundo os tribunais de cada localidade, uma distorção artificial sobre a estrutura dos mercados.

No Brasil, o suspense que está presente nas discussões acerca da matéria que circunda a prática de ilícitos cometidos quanto à sonegação fiscal e não quanto à política de isenções. O debate central não se encontra na liberdade empresarial, mas sim na isonomia concorrencial no mercado, vez que a auto- regulamentação do mercado não funciona se o Estado atua de maneira injustificadamente distorcida.

Em muitos casos, a norma concedente de benefício fiscal ou econômico é legal, mas gera, ou há potencial para gerar, distúrbios concorrenciais. (SCAFF, 2018)

Muito embora não seja competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica a análise de isenção tributária ou regularidade fiscal, é bem verdade que há repercussão sobre a existência de desequilíbrio concorrencial quando certos atos são praticados.

A Lei 12.529/2011, que dispões sobre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e sua atuação, em seu artigo 36 trata das infrações à ordem econômica:

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I- limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II- dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III - aumentar arbitrariamente os lucros; e

IV - exercer de forma abusiva posição dominante. (...) (BRASIL, 2011)

Nesse artigo, a sonegação fiscal, renúncia ou outro benefício fiscal concedido, a depender do caso concreto podem ser enquadrados em mais de uma infração, o que acabaria por atrair a competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

As multas previstas são elevadíssimas e podem acarretar grande prejuízo ao infrator. Dentre as previstas, podemos ressaltar a do artigo 37, inciso II, que pode chegar a R$2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), sem prejuízo da aplicação em dobro no caso de reincidência.

Art. 37. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:

II - no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais);

(...)

§ 1º Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro. (BRASIL, 2011)

Assim, uma vez configurada infração anti-concorrencial em virtude de sonegação fiscal, ou qualquer outro benefício fiscal, não há que se falar em bis in idem, pois os bens jurídicos tutelados são diversos e a própria lei do Conselho Administrativo de Defesa Econômica prevê a possibilidade de responsabilização solidário entre pessoa jurídica e seus dirigentes, tratamento diverso, a priori, do tratamento adotado em legislação tributária.

Nesse caso, com a atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, temos que o titular do bem jurídico tutelado é a coletividade, conforme artigo 1º da referida lei, vejamos:

Art. 1º Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

Parágrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei. (BRASIL, 2011)

Esse tema ainda está germinando no país, merece atenção para reflexões que visam amadurecer o debate. Assim, como muitas configurações de hipóteses no ordenamento jurídico, não basta o simples indício de materialidade do ocorrido. É necessário, no caso concreto, a efetiva demonstração probatória dos atos cometidos que geraram a efetiva distorção concorrencial.

Sobre o autor
Tiago da Silva Falcão

Pós graduando em Direito Tributário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2020). Pós graduando em Processo Civil pela Escola Paulista de Direito (2021). Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2018). Tem experiência na Advocacia Tributária, Constitucional, Civil e Processual Civil. Atualmente é servidor público do Ministério Público de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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