Os crimes contra a administração pública na pandemia do coronavírus

Leia nesta página:

O aumento nos esquemas de corrupção ocorridos na pandemia do coronavírus estão sendo refletidos no meio Legislativo, onde Senadores propõem o aumento da pena para crimes contra a administração pública durante esse período.

INTRODUÇÃO

Diante da facilidade nos processos de licitação ocasionados pela pandemia do coronavírus, diversos esquemas de corrupção foram deflagrados e com isso é necessária a criação de normas para coibir fraudes e contratos públicos. Dessa maneira, a máquina estatal que já se encontra desgastada pela falta de circulação de riquezas diante do fechamento do comércio, é prejudicada mais ainda quando se trata de procedimentos fraudulentos criados por parcerias ilícitas entre empresários e pessoas que exercem função pública. Por consequência, as punições para os crimes cometidos contra a administração pública devem ser aumentadas nesse período, pelo motivo dos crimes serem responsáveis de maneira indireta pela morte de milhares de pessoas que estão à mercê dos serviços de saúde.

Em razão da necessidade de norma punitiva para de maneira eventual prevenir os crimes contra a administração pública, está sendo proposta por Senadores determinados Projetos de Lei que visam aumentar a pena do crime de peculato e o tornar qualificado, além de tornar hediondo os crimes praticados contra a administração pública nesse período. Na mesma toada, existe outra proposta que é relacionada a Lei de Licitações, que obriga o contratado a reparar ou substituir o produto ou serviço prestado em caso de vício, defeito ou incorreção resultante da execução mal feita ou dos materiais empregados. Assim sendo, é necessária a exposição dos crimes de corrupção ocorridos na pandemia para a análise dos referidos projetos de lei.

 

I – Os esquemas de corrupção ocorridos na atual pandemia

Diversas fraudes em licitações foram descobertas pela Polícia Federal em todo o Brasil [1]. No Amapá ocorreram irregularidades em um contrato sem licitação de uma empresa que realiza ações de limpeza e desinfecção no combate ao Covid-19. No Distrito Federal, foram encontradas irregularidades no valor da obra do hospital de campanha do estádio Mané Garrincha. No Rio de Janeiro, a Polícia Federal prendeu o Ex-Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Paulo Mello e o empresário Mário Peixoto, onde segundo o MPF foram dadas coberturas em Miami ao Ex-Deputado. Em Santa Catarina a Polícia Civil do Estado apurou fraude na compra de respiradores da China, que teve o valor de trinta e três milhões de reais. Portanto, é observado um aumento nos casos de corrupção durante a pandemia, o que poderia custar a vida de milhares de pessoas e um grande prejuízo aos cofres públicos.

 

II – A compra de respiradores com defeito no Pará

A Polícia Federal está investigando a compra de 152 respiradores e 1.580 bombas de infusão compradas da China no valor de R$ 50,4 milhões [2]. Os equipamentos deveriam ser instalados nos hospitais, porém, um defeito técnico impediu o uso dos respiradores. A compra foi feita sem licitação e há suspeita de superfaturamento, pois, cada respirador custou R$ 126 mil, se for feita uma comparação aos Estados de Minas Gerais e a prefeitura do Rio de Janeiro, onde os valores foram, respectivamente, R$ 58 mil e R$ 48 mil, resta claro o superfaturamento na compra dos aparelhos.

 

III – Projetos de Lei para coibir os crimes contra a administração pública

 

PL n° 2.739/2020

O Projeto de Lei 2.739/2020 [3], criado pelo Senador Plínio Valério, eleva a pena de um a dois terços do tipo penal de peculato, se os recursos desviados forem destinados à saúde. Plínio destaca a importância de proteger recursos da área da saúde seja durante ou depois da pandemia, assim, o Projeto de Lei visa reprimir de forma mais severa o crime de peculato de recursos públicos destinados à saúde. O Senador opinou em sua conta no Twitter "Aproveitar-se da desgraça para desviar dinheiro para mim pode ser considerado crime hediondo. Como não temos pena de morte no Brasil, apresentei um projeto para elevar a pena para crime de peculato quando se trata de dinheiro para a saúde. Tem que punir exemplarmente". O crime de peculato ocorre quando o funcionário público se apropria de bens públicos ou particulares que tem posse, em razão do cargo. Também há peculato quando o servidor os desvia em proveito próprio ou alheio.

 

PL n° 2708/2020 e PL n° 2.594/2020

A Senadora Rose de Freitas criou o Projeto de Lei n° 2708/2020 [4], que modifica o Código Penal para criar a figura do peculato qualificado, quando a conduta incidir sobre dinheiro, valor ou bem destinado ao combate a pandemias e epidemias. A pena sugerida no referido PL é severa, reclusão de 12 a 30 anos e multa, equivalente à da pena de homicídio qualificado. No Projeto de Lei a Senadora citou as conjunturas da pandemia, “Nessas circunstâncias, a apropriação, a subtração ou o desvio de recursos públicos destinados ao enfrentamento da pandemia mostra-se de elevadíssima repugnância e reprovação social, atingindo medida de desvalor maior até mesmo do que os crimes dolosos contra a vida. Com efeito, a subtrações desses recursos implicará, invariavelmente, em mortes em larga escala. ”.

Outra proposta da Senadora Rose Freitas, o PL n° 2.594/2020 [5], reforça o artigo 69 da Lei de Licitações que obriga, nos contratos com a administração pública, a substituição por parte do contratado pelos produtos ou serviços prestados, em caso de vício, defeito ou incorreção resultante da execução mal feita ou dos materiais empregados. Dessa maneira, é observada a intenção do legislador de tentar mudar o cenário atual, como ocorreu no Pará, onde diversos respiradores com defeito foram adquiridos, não podendo ser utilizados e prejudicando a população.

 

PL n° 1.797/2020 e PL 1.797/2020

O Senador Eduardo Girão propôs através do PL n° 1.797/2020 a inserção dos crimes cometidos contra a administração pública em tempos de calamidade no rol dos crimes hediondos. Na justificação do Projeto de Lei, o Senador “Por tais razões, entendemos ser inadmissível ou mesmo desumano, a prática de crimes contra o patrimônio da administração durante períodos de calamidade pública. Perpetrar atos de peculato, inserção de dados falsos em sistema de informações, concussão, excesso de exação qualificado e corrupção passiva ou ativa, durante o tempo que durar a calamidade pública, é demonstrar completa indiferença em relação à dor do próximo. É a cabal demonstração da inabilidade de um indivíduo viver em sociedade. É hediondo por si só. ”

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Por sua vez, o outro PL 1.797/2020 duplica a prática de crimes contra a administração pública quando praticados nessas ocasiões, dessa forma, o PL duplica as penas dos crimes como corrupção passiva e ativa, concussão, prevaricação, advocacia administrativa, tráfico de influência, descaminho, contrabando, entre outros previstos no Código Penal. Na justificação do referido Projeto de Lei, o Senador afirmou “O fato é que nesse período de convulsão social, tais consideráveis repasses de bilhões de reais podem se tornar alvo de agentes corruptos, os quais se aproveitando da urgência da situação, poderão atuar de forma fraudulenta causando enormes prejuízos financeiros para a Nação. ”

 

IV - Conclusão

O aumento dos crimes contra a administração pública na pandemia do coronavírus, ocasionaram uma reflexão dos legisladores em tentar prevenir esse tipo de delito. Dessa forma, a facilitação dos processos de licitação é necessária diante do cenário atual, da mesma forma que a fiscalização e os mecanismos preventivos e punitivos estatais devem se adaptar ao tempo. É imperioso destacar a atenção e zelo com dinheiro estatal por parte dos referidos Senadores, pois os referidos Projetos de Lei trazem para a administração pública uma maneira de precaver os cofres públicos de uma danificação, diante do cenário atual que já prejudica muito o Estado, pela não circulação de capital.

Por essa razão, é realizada uma observação maior por parte dos legisladores devido aos esquemas de corrupção deflagrados pela Polícia Civil e Federal e pelo Ministério Público Estadual e Federal em vários Estados. Cabe destacar que o legislador também se mostrou preocupado com o caso que ocorreu no Pará, onde foram comprados diversos respiradores superfaturados e que não funcionavam, desse modo, a criação de uma lei que complementa a legislação de licitação se torna necessária para a responsabilização do contratado pelo funcionamento dos produtos e pela realização dos serviços.

Diante dessa problemática, é visível que as medidas apresentadas pelo Poder Legislativo visam uma melhoria na proteção da sociedade e do Estado em face dos crimes contra a administração pública. No entanto, é importante ressaltar que o que impede e combate o crescimento dessas práticas delituosas é atuação forte e inteligente da polícia investigativa e do Ministério Público, e não a criação de novos tipos penais ou aumento de penas, pois bem como assevera Cesare Beccaria: “Um dos maiores travões aos delitos não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade [...] A certeza de um castigo, mesmo moderado, causará sempre impressão mais intensa que o temor de outro mais severo, aliado à esperança de impunidade.”

 

REFERÊNCIAS

[1] https://jus.com.br/artigos/82296/mp-915-2019-e-um-alerta-a-corrupcao

[2]https://epoca.globo.com/brasil/policia-federal-investiga-compra-de-respiradores-com-defeito-no-para-1-24419510

[3]https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/20/senadores-querem-aumentar-punicao-a-corrupcao-em-pandemias

[4]https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8111760&ts=1589908996851&disposition=inline

[5]https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8110305&ts=1589373348010&disposition=inline

Sobre os autores
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Matheus Rodrigues dos Santos

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), pós-graduando em Direito Civil Constitucional (UERJ). contato:[email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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