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MP 915/2019 e um alerta à corrupção

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A MP 915/2019 merece nosso olhar atento: ao facilitar o processo de compras de imóveis da União, pode dar início a mais um esquema de corrupção na história política do Brasil.

INTRODUÇÃO

Com a tentativa de desinchar a máquina estatal, facilitando o processo de venda de imóveis da União, foi aprovada, na Câmara dos Deputados, a Medida Provisória 915/2019, aguardando ainda a votação do Senado. Desta forma, de maneira resumida, a MP permite ao Governo facilitar o processo de licitação e conceder desconto maior sobre o valor inicial do imóvel na segunda tentativa de leilão, já que na legislação anterior o desconto era menor e isso demonstrava, de maneira clara, a tentativa de facilitar o processo de venda. Agora, será possível a definição de um limite de valor para que determinados imóveis sejam vendidos de maneira direta aos foreiros.

Porém, não é preciso ir longe para observar o lado ruim de uma MP que é vista com bons olhos. Desse modo, deve-se ater para os possíveis esquemas de corrupção que podem ser gerados pelas concessões realizadas na Medida Provisória 915/2019, que, diante de tanta facilidade para a compra de imóveis e das possíveis avaliações que podem ser realizadas por empresas privadas, podem ocasionar mais um escândalo na história política do Brasil. Há assim, a necessidade de uma avaliação maior, diante do grau de complexidade da situação vivenciada.


1 – MP 915/2019

A Medida Provisória 915/2019 [1], editada pelo Presidente Jair Bolsonaro, altera a antiga Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, que regulamentava a venda de imóveis da União. A edição da MP é justificada pela intenção de facilitar a venda de imóveis os quais já não são utilizados pela União, além de muita das vezes se encontrarem em situação de abandono. Por essa razão, o procedimento licitatório e os descontos são conferidos aos compradores com a intenção de facilitar a venda. Assim, em seu artigo 24, a MP trata sobre a possibilidade de conceder descontos.

O Governo poderá conceder desconto de até 25% sobre o valor inicial do imóvel, o que, de acordo com a legislação anterior, só era possível até 10%, para imóveis avaliados em até R$ 5 milhões, e após a terceira tentativa. A avaliação dos imóveis poderá ser feita por empresas privadas contratadas por licitação e não exige licitação para órgãos da administração pública. A Câmara aprovou ementa que proíbe a negociação com empresas que os seus sócios sejam parentes de terceiro grau de servidores públicos de secretarias envolvidas no processo de licitação, para impedir a prática do nepotismo.

O método de avaliação do imóvel deve seguir levantamento de mercado, não podendo seguir o valor venal fornecido por municípios para imóveis urbanos. Em terrenos com a área urbana com até 250 metros quadrados e em áreas rurais com até um módulo fiscal, a venda poderá somente ser realizada pelo valor da planta. A Medida Provisória prevê, também, o uso do fundo imobiliário de administração de imóveis da União para a regularização fundiária, fundo que foi criado em 2015 para gerenciar os recursos de venda da União.

A contratação do BNDES para Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, sem a necessidade de licitação, é autorizada pela MP, por meio da qual o banco poderá receber até 3% da receita obtida com a venda, em remuneração fixa ou variável, podendo o Banco Nacional do Desenvolvimento Social atuar em todos os níveis, desde o início do contrato, inclusive na negociação dos imóveis.

Além disso, será permitido ao governo contratar empresa para gerir a ocupação de imóveis da União, no sentido de que, se o contrato for de obras e serviços de bens, poderá ser de até vinte anos. A Medida Provisória também reformula as regras de gerenciamento de imóveis do Fundo do Regime Geral de Previdência Social, pertencidos ao INSS. As regras serão modificadas para que nem todos os imóveis sejam geridos pela Secretaria do Patrimônio, restringindo a gestão dessa, apenas a imóveis considerados não operacionais.


2 -  Fraudes em licitações

Diante das crises políticas enfrentadas ao longo de toda história do Brasil, é possível observar que mesmo com inúmeras legislações tentando coibir crimes contra o patrimônio público, muitos ainda ocorrem. Portanto, é necessário dar como exemplo o cenário atual e os crimes fraudulentos ocorridos diante da crise do coronavírus, pois, desde fevereiro, a legislação brasileira passou a permitir que gestores públicos não necessitem de licitação para a compra de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da pandemia de coronavírus.

2.1 - Amapá

No Estado do Amapá [2], a Operação Expurgo, realizada pela Polícia Federal, investigou irregularidades na aplicação indevida de quase dois milhões de reais na contratação sem licitação de uma empresa que realiza ações de limpeza e desinfecção no combate ao Covid-19. Foi apurado que empresários foram induzidos a praticar atos ilícitos no esquema de fraude da licitação, apresentando propostas acima do valor de mercado. Nas buscas foram apreendidos mais de dez mil reais em dinheiro.

2.2 – Distrito Federal

O Mistério Público do Distrito Federal e a Polícia Civil do Distrito Federal deflagraram, no dia 15 de maio do corrente ano, a Operação Gabarito, que investiga irregularidades na construção do hospital de campanha do estágio Mané Garrincha [3]. O valor do contrato da obra é de dezenove milhões de reais, sendo o processo feito sem o uso de licitação diante do período atual. Existe suspeita de que a empresa contratada tenha tirado vantagem da situação para, junto a servidores públicos, burlar normas legais para firmar contrato com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

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2.3 – Rio de Janeiro

A Operação Mercadores do Caos deflagrada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro [4], investiga fraude na compra de mil respiradores pelo Governo do Estado. No dia dia 13/05/2020, o proprietário da empresa Arc Fontoura foi preso. A empresa é suspeita de obter vantagem indevida em contrato de mais de cento e oitenta milhões de reais, realizado sem licitação. Anteriormente, o Secretário de Saúde do Governo Witzel já havia sido preso pela mesma operação, por fraude também em hospitais de campanha.

O MPF realizou interceptações telefônicas da Lava Jato, identificando que grupo criminoso que era investigado na Operação Favorito, que era investigada pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal [5], se aproveitou da crise ocasionada pelo Covid-19 para realizar fraudes em compras, já que não era necessário o uso de licitação. A PF prendeu o Ex-Deputado Paulo Mello e o empresário Mário Peixoto que, segundo o MPF, deu coberturas em Miami ao Ex-Deputado.

2.4 – Santa Catarina

A compra de duzentos respiradores artificiais que viriam da China causou a demissão de dois Secretários do Governo Estadual [6]. O Ministério Público de Santa Catarina e a Polícia Civil do Estado apuram fraude na compra que teve o valor de trinta e três milhões de reais. O processo de dispensa de licitação homologado pelo Secretário de Saúde de Santa Catarina foi utilizado para realizar um procedimento fraudulento com o superfaturamento dos produtos. O custo estimado de cada respirador foi de cento e sessenta e cinco mil reais, valor 65% mais caro que o normal.


3 – Conclusão

Muitos imóveis da União estão em situação precária ou ocupados e podem ser utilizados na geração de recursos para mantença da máquina estatal, necessitando de uma possível solução para esse problema. Assim, a facilidade no processo de licitação tem a intenção de facilitar a venda e de maneira consequente, a captação de recursos para a União. Além disso, a possibilidade de empresas privadas participarem na avaliação dos imóveis expande para o âmbito privado esse tipo de participação. De fato, a Medida Provisória tem ótimos aspectos para a venda de imóveis que, muitas das vezes não são utilizados pela União, além também da aprovação feita pela Câmara da medida contra uma possível ocasião de nepotismo.

Entretanto, conforme observado nos dias atuais, a pandemia do coronavírus possibilitou a facilidade no processo de licitação. Desse modo, a não realização da licitação ocasionou uma série de fraudes nas compras de produtos hospitalares, oportunidades em que, resta claro, funcionários públicos e empresas se aproveitaram dessa facilidade para superfaturar as compras. Por essa razão, a participação das empresas privadas no processo de avaliação conferida pela referida Medida Provisória pode trazer sérios prejuízos para a União, diante das possíveis fraudes. Dessa maneira, a não necessidade de licitação por parte de órgãos públicos também pode levar ao aumento da corrupção nos órgãos públicos, onde funcionários podem querer se beneficiar da facilidade.   

Assim sendo, é visível que a relação público-privada sempre tem interesses diferentes: o âmbito privado tem interesse na lucratividade e o âmbito público está pautado nos interesses da sociedade. Por isso, a Medida Provisória 915/2019, apesar de facilitar a venda de imóveis, pode também ser a razão de um novo esquema de corrupção, mais um na história do nosso País.


REFERÊNCIAS

[1] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/11/senado-analisa-medida-provisoria-que-facilita-venda-de-imoveis-da-uniao

[2] https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2020/05/11/pf-apura-fraude-em-contratacao-de-empresa-para-acoes-de-limpeza-e-combate-a-covid-19-no-ap.ghtml

[3] https://www.poder360.com.br/coronavirus/mp-e-policia-civil-do-df-apuram-fraude-de-r79-mi-em-hospitais-no-mane-garrincha/

[4] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/05/13/mp-e-policia-civil-do-rj-fazem-operacao-nesta-quarta-feira.ghtml

[5] https://oglobo.globo.com/rio/mpf-diz-que-suspeitos-de-fraudes-na-saude-deram-coberturas-para-paulo-melo-em-miami-24428782

[6] https://www.gazetadopovo.com.br/republica/santa-catarina-compra-respiradores-policia/

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Sobre os autores
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Matheus Rodrigues dos Santos

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), pós-graduando em Direito Civil Constitucional (UERJ). contato:[email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Pedro Vitor Serodio ; SANTOS, Matheus Rodrigues. MP 915/2019 e um alerta à corrupção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6166, 19 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82296. Acesso em: 28 mar. 2024.

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