Análise crítica dos efeitos da pandemia do COVID-19 nas relações de emprego.

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Estudo crítico sobre as medidas, adotadas para o enfrentamento da Pandemia, que afetam o contrato de trabalho e outras consequências.

Análise crítica dos efeitos da pandemia do COVID-19 nas relações de emprego.

A escalada do coronavírus precipitou e agravou uma crise mundial, que era inevitável como extensão da crise de 2007/2008, diante da omissão dos governos, que permitiram a continuidade do sistema que o produziu, deixando de corrigir os absurdos cometidos pelos insaciável por acumulação de riqueza, que levaram à crise financeira, demonstrando a fragilidade das políticas neoliberais[1].

Embora não seja ainda possível dimensionar o impacto da crise antecipada, há a certeza da retração da economia e do mercado de trabalho, embora, paradoxalmente, o trabalho tenha sido elevado a um “status” de centralidade (não há existência social sem trabalho)[2], com possibilidade de extinção de milhões de empregos, além de aumento da situação de subemprego, de emprego precário, com perda de renda dos trabalhadores, segundo afirmação da OIT (Organização Internacional do Trabalho), criando nova modalidade de pessoa em situação de vulnerabilidade.

No Brasil não será diferente, provocando consequências no mercado de trabalho, já assimétrico e desestruturado pela Reforma Trabalhista.

Uma das medidas governamentais para fazer frente a crise econômica que se avizinha, foi a decretação do “estado de calamidade pública nacional”, reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, situação de exceção prevista no art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal[3].

Na contramão de outras economias (mesmo governos conservadores têm adotado medidas que asseguram a saúde e a vida do trabalhador e, no mesmo sentido, a economia e a vida das empresas, com medidas eficazes e que vão demandar a transformação do importante papel do Estado), promoveu, também, uma maxi flexibilização dos direitos trabalhistas, via Medida Provisória, regulando questões sobre saúde, higiene e Direito do Trabalho, como foi o caso da MP 927 de 22/03/2020 e da MP 936 de 01/04/2020[4]. Importante esclarecer que o STF[5] já rejeitou pedido liminar de inconstitucionalidade de tais medidas ao argumento[6] de que a emergência da situação e da finalidade da norma (preservação do emprego e da renda em estado de calamidade pública) justificaria a medida, não se podendo cogitar, segundo o relator, de imprevidência do empregador, frisando a necessidade de reconhecer que as medidas de isolamento social repercutem na situação econômica e financeira das empresas. A decisão ainda será apreciada pelo pleno.

Não houve previsão de qualquer garantia de preferência para recontratação dos dispensados, abrindo brecha para a dispensa em massa mascarada de emergência econômica.

Não obstante, muito se tem dito e escrito sobre tal legislação e de seus efeitos bem como outras consequências da Pandemia sobre o contrato, a insegurança jurídica que surgirá e os problemas que deverão ser enfrentados pela Justiça do Trabalho.

Entretanto é importante ressaltar que as medidas governamentais que promoveram uma excessiva flexibilização dos direitos trabalhistas, já abalados com a Reforma Trabalhista[7], apesar de emergenciais, parecem ser fontes de novos problemas do que de soluções.

Na verdade, falando genericamente das Medidas Provisórias 927 e 936, estas abriram um precedente perigoso ao concederem superpoderes ao empregador (superdimensionamento do jus variandi)[8], aumentando o nível de subordinação jurídica do empregado, generalizando o benefício indistintamente para as empresas, sem considerar a situação econômica ou exigir expressamente a demonstração da situação de dificuldade financeira[9], como faz o §2º do art. 501 da CLT e nem exame da postura do histórico patronal[10] com relação ao recolhimento de tributos ou de contribuições sociais ou do cumprimento de direitos trabalhistas dos últimos exercícios - não obrigando-as, de forma expressa, a uma contrapartida efetiva - omitindo-se quanto exigência de que, as empresas que queiram se utilizar das regras das MPs 927 e 936, promovam e comprovem a real redução do pró-labore e da distribuição de lucros, em simetria ao sacrifício que será exigido do trabalhador, tal como é previsto na lei 4.923/65, desconsiderando também os incentivos fiscais que já foram concedidos a diversos setores produtivos.

Não obstante, o bom senso e a lógica fazem presumir que tais exigências estejam implícitas, inclusive para não se desvirtuar o instituto.

Entre tantos equívocos cometidos, as MPs 927 e 936 também fragilizaram as negociações coletivas, praticamente ignorando a representação sindical profissional, já pulverizada pelos desmembramentos e enfraquecida pelas disputas internas, quase que dizimada pela Reforma Trabalhista (que desestruturou o Direito do Trabalho), reduzindo ainda mais seu poder de reação e de mobilização, indispensáveis em tempos de prevalência do negociado sobre o legislado.[11]

É importante ressaltar que a negociação coletiva, que se insere entre os direitos e princípios fundamentais no trabalho[12], deveria ter sido privilegiada por se constituir num instrumento eficaz de busca de melhores soluções para enfrentamento da crise[13], até porque, em alguns casos, os acordos coletivos e as convenções coletivas de trabalho podem se sobrepor a lei (art. 611-A e art. 611-B, CLT) e o sindicato, legítimo porta-voz, constitucionalmente autorizado, da categoria perante o Poder Judiciário ou qualquer outra esfera, tem mais liberdade de atuação para redução e alteração de outras condições de trabalho, nos termos do art. 7º, inciso XXVI e art. 8º, inciso III e VI da CF.

Questões mais relevantes da Medida Provisória 927/20.

A MP 927/20 criou medidas temporárias (espera-se) de exceção, dando amplos poderes ao empregador, sob o pretexto (condição “sine qua non”) de preservação do emprego, da renda e de enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública, cujas regras prevalecerão enquanto perdurar a pandemia do Corovid-19, considerada motivo de força maior (§ único do art. 1º da MP e art. 501 da CLT - desde que afete substancialmente a atividade). Relevante esclarecer que, na forma do art. 502, o efeito de tal reconhecimento, em tese, permitiria ao empregador o direito de reduzir a indenização do trabalhador dispensado.

Os destinatários são os trabalhadores urbanos, rurais, domésticos, terceirizado, temporários, aprendizes, estagiários (parcialmente) e servidores celetistas. O único excluído é o avulso ao qual se aplica a MP 945/20.

A MP unificou em 48 horas o prazo para comunicação das alterações unilaterais ou das propostas para acordo individual pelo empregador ao empregado.

As principais medidas de impacto na vida do trabalhador adotadas pela MP 927[15] são:

A- Fixação de permissão aparentemente ampla no art. 2º da MP 927 de que, durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador possam celebrar acordos individuais escritos (formalidade essencial para a validade do ato)[16], a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição Federal, lembrando que muitos direitos dos trabalhadores não estão previstos na Carta Magna e, teoricamente, poderiam ser negociados individualmente, tais como percentual do adicional noturno, intervalos intra e interjornada, cartão de ponto etc. Entretanto, essa aparência de amplitude é falsa diante do que dispõe o art. 3º da MP que, numa interpretação sistemática e não extensiva da norma de exceção, parametriza e delimita o alcance do art. 2º;

B- A possibilidade de imposição unilateral (jus variandi) pelo empregador, mediante mera comunicação por qualquer meio escrito ou eletrônico (e-mail, whatsApp etc.), de migração do trabalho presencial para a modalidade de Trabalho a distância ou Teletrabalho (prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador com utilização de tecnologias de informação e da comunicação que não se confunde com trabalho externo), previsto no art. 75-A e seguintes da CLT (o § 2º do art. 75-C prevê o inverso), podendo fixar, até 30 dias, em contrato, a responsabilidade pelos custos da alteração (art. 4º e 5º MP 927/20). Se o empregado não tiver os meios telemáticos e isso não for providenciado pelo empregador, será considerado que o trabalhador estará à disposição durante o período em que permanecer aguardando o aparelhamento patronal;

C- Permite-se que o empregador antecipe férias individuais cujo período aquisitivo não se completou ou não tenha se iniciado até o final do estado de calamidade pública, sem ultrapassar este limite (art. 6º a 10 da MP), utilizando, por analogia, a regra do art. 140 da CLT, não podendo o período de gozo ser inferior a cinco dias corridos, não havendo previsão quanto ao número de vezes, podendo se utilizar o critério da CLT de 3 parcelas (art. 134, § 1º da CLT).

O aviso da concessão das férias deixa de exigir a antecedência de 30 dias (art. 135 da CLT) e passa a ser de 48 horas, indicando o período de gozo e fazendo referência a qual período aquisitivo se refere, com o pagamento do valor principal podendo ser feito até o quinto dia útil do mês subsequente e não nas 48h que antecede o início do gozo, como prevê o art. 145 da CLT, postergando-se o pagamento do acréscimo acessório de 1/3 até o dia do pagamento da primeira parcela do 13º salário (30/11). O abono pecuniário ou venda de 10 dias de férias (art. 143 da CLT), que é um direito do empregado em situação normal, depende da concordância do empregador no período de calamidade.

É importante ressaltar que o art. 133, inciso III da CLT estabelece perda do direito ao gozo de férias do empregado que deixar de trabalhar, durante o período aquisitivo e com percepção de salários, por mais de 30 dias (a partir de 31 dias) em virtude de paralisação total ou parcial dos serviços da empresa, medida que poderia ser melhor aproveitada para a situação atual.

Há a previsão de preferência para concessão de férias para os trabalhadores que estejam no grupo de risco;

D- Foram suavizadas, ainda, as regras para a concessão de férias coletivas do art. 130 e seguintes da CLT (art. 11 e 12 da MP). Não há limite máximo de períodos anuais, desde que sejam no ano de 2020 (art. 140 da CLT) e nem limite mínimo de dias corridos, como exige o art. 139, § 1º da CLT (10 dias), bastando a comunicação aos trabalhadores com 48h de antecedência, sem necessidade de informar a autoridade administrativa e o sindicato de empregados durante o período de exceção (art. 139, § 2º e § 3º);

E- Antecipação de feriados civis futuros Municipais, Estaduais e Federais, que coincidam com dia útil (art 13 da MP), durante o período da pandemia (até 31/12/2020), a critério exclusivo do empregador (jus variandi) e até mesmo os religiosos, mas estes mediante acordo individual escrito, comunicando a proposta ao trabalhador com antecedência de 48h, indicando quais feriados estão sendo antecipados;

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F– Aproveitamento do Banco de Horas já existente (art. 59 da CLT e art 14 da MP) ou constituição emergencial por acordo coletivo ou individual, desde que este seja expresso e observe a formalidade essencial de ser escrito (não se aconselha e-mail ou WhatsApp), podendo resultar em saldo negativo para o empregado, compensados com trabalho futuro nos próximos 18 meses, a contar do encerramento do estado de calamidade, podendo o empregador exigir até 2h extras por dia (jornada máxima de 10h) e 44h semanais, para compensar o tempo de paralisação, nos termos do art. 59 da CLT, a critério do empregador (art. 14 da MP), exceto a situação dos enfermeiros (S. 444 do TST) que, na situação de emergência, podem trabalhar 24h consecutivas mediante escala (art. 26 da MP).

Se houver saldo negativo para os trabalhadores que não puder ser compensado nos 18 meses, as horas de crédito do empregador se perdem em favor do empregado, sem possibilidade de desconto salarial, exceto se houver acordo coletivo prevendo essa possibilidade.

A compensação em jornada de 12x36 se mostra inviável, já que a jornada de 12h já é excepcional ultrapassando o limite das 10h. A solução seria, talvez, alterar a jornada para 10h e 44h semanais, com trabalho todos os dias, sem o intervalo de 36h entre duas jornadas.

É importante ressaltar que o banco de horas costuma aumentar o número de acidentes;

G- O diferimento do recolhimento do FGTS referente aos meses de março a maio (art. 19 a 25), que podem ser suspensos por até três meses, devendo ser feito posteriormente, em até seis parcelas, a partir de julho, sem juros e correção, desde que informado o fato até junho (condição essencial), sob pena de incidência das multas e demais cominações.

Se o empregado for dispensado, os depósitos deverão ser feitos de imediato.

O prazo prescricional para postular as parcelas do FGTS ficará suspenso por 120 dias (art. 23);

H- Houve flexibilização da fiscalização e das normas administrativas de segurança e medicina do trabalho (art. 15 a 17), com suspensão dos treinamentos por 90 dias (pode haver treinamento à distância) e, por 60 dias, dos exames médicos admissionais e periódicos, exceto os demissionais, o que é um risco para o próprio empregador. Importante ressaltar que não se autorizou o descumprimento das normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho pelo empregador, que são de ordem pública, como, em complementação, destacou o art. 16 e 17 da MP 936/20, uma vez que os limites de tolerância já são frágeis e é nos exames periódicos que se encontram as melhores probabilidades de se detectar uma eventual hipersensibilidade a doença;

I- Em relação às CIPAs[17], os mandatos podem ser prorrogados e as eleições suspensas até o fim da pandemia (art. 17). Nesse caso, quem já é cipeiro mantém sua garantia de emprego até um ano após o final do seu mandato (art. 10, inciso I, alínea “a” da ADCT, art. 165 da CLT e S. 339 do TST), assim como os trabalhadores que se inscreveram para concorrerem à eleição suspensa, pelo menos até a data da realização do escrutínio;

J- O STF suspendeu a eficácia do art. 29 da MP 927, quanto aos casos de contaminação pelo coronavírus (Covid-19) não serem considerados (doenças) ocupacionais.

Mesmo que os sintomas do coronavírus não se entrelacem, necessariamente, com as condições efetivas do meio ambiente do trabalho, podendo seu contágio ocorrer em qualquer local, além da previsão do art. 20, § 1º da Lei 8213/91, que não considera doença ocupacional ocorrida em período de endemia, será considerado acidente se ficar demonstrado que o trabalhador contraiu o vírus por causa do trabalho ou se a atividade for de risco, caso em que se presume o nexo de causalidade, como no caso dos profissionais da saúde, embora, aparentemente, a exigência de trabalho que demande contato com pessoas, em meio à pandemia, torne estas respectivas atividades de risco, sendo da empresa o dever constitucional quanto à observância das normas de medicina e segurança do trabalho, de proteção do meio ambiente laboral, tendo o trabalhador o direito a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, inciso XXII da CF);

K- A medida de suspensão de 4 meses do contrato de trabalho sem salário e sem benefícios, embora cancelada, produziu efeito por 24h e algumas empresas chegaram a adotá-la, cabendo ao Judiciário a análise da constitucionalidade da medida no caso concreto e a solução das controvérsias decorrentes;

L- Os acordos e as convenções coletivos vencidos ou que vencerem no prazo de até cento e oitenta dias, dentro do período da pandemia, contados da data de entrada em vigor da Medida Provisória, poderão ser prorrogados pelo prazo de até noventa dias, após o termo final do prazo de vigência, a critério exclusivo do empregador que poder impor sua vontade unilateral até mesmo contra o sindicato profissional, (art. 30 da MP 927/20)

Pontos relevantes da Medida Provisória 936/20.

A MP 936 publicada em 01/04/2020 é complementar à MP 927 e não se aplica aos contratos de aprendizagem e de jornada parcial, estabelecendo medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda para empresas privadas[18], até a cessação do estado de calamidade pública.

Esta MP até tentou corrigir as omissões de sua antecessora, mas persistiu na lógica perversa de solucionar os problemas econômicos por meio da imposição de sacrifícios, como redução de renda e precarização das condições de trabalho (art. 3 da MP), apenas em desfavor dos trabalhadores e das trabalhadoras.

Manteve, também, a linha de aumentar o poder dos empregadores, não só autorizando o “acordo” individual, como também  punindo e desestimulando a negociação coletiva para o trabalhador[19], reduzindo o valor do benefício para as situações de suspensão e redução da jornada fixadas por acordo ou convenção coletiva de trabalho (art. 11 da MP). Promoveu uma total inversão de valores, segundo a qual, o acordo individual poderia estipular redução de salário e suspensão de contratos, dentro de padrões preestabelecidos, enquanto a negociação coletiva seria o instrumento para reduzir ainda mais esses direitos e não para garanti-los e efetivá-los, sem preservar o valor integral do salário recebido pelo(a) trabalhador, ou seja, o(a) trabalhador(a), sofrerá uma redução de 20% em sua renda, enquanto o empregador terá um auxílio de 100% do custo do trabalho. Estimula a precarização das condições  de  trabalho[20] daqueles que atuam em atividades essenciais, com a liberação da prática de horas extras e autorizando a redução da jornada com diminuição dos salários (art. 13 da MP), quando o correto seria a minimização dos riscos dessas pessoas por meio da redução da jornada sem diminuição do salário e o incentivo à contratação de mais profissionais.

O texto da MP 936/20 traz as seguintes disposições:

A- Redução proporcional do salário e da jornada por até 90 dias (art. 7), preservando o valor do salário-hora e os outros benefícios eventualmente concedidos (vale-alimentação, auxílios etc.), a partir de 25%, 50% e 70%, percentuais exclusivos e fixos, com o governo bancando o pagamento de parte do salário remanescente ao trabalhador, por intermédio do “benefício emergencial de manutenção de emprego e da renda”, tendo como parâmetro os valores do seguro-desemprego[21]. A formalidade essencial é o encaminhamento da proposta ao trabalhador com antecedência de 48h e mera comunicação ao sindicato profissional em até 10 dias após a celebração do acordo individual (art. 11, §4º da MP).

Trata-se de situação similar à redução de salário para professores conforme prevista na OJ 244 SDI-1 do TST.

As reduções do salário e da jornada para percentuais diferentes do mínimo (25%) e do máximo (70%) não seriam permitidas por acordo individual, apenas por negociação coletiva, sendo que, neste caso, haverá uma redução (30%, 50% e 75% respectivamente) no valor da prestação do “benefício emergencial de manutenção de emprego e da renda” (art. 11, § 2º da MP), desestimulando e até forçando o trabalhador a firmar acordo individual.

O art. 12 e respectivo parágrafo único da MP estabelece que tais alterações de redução de jornada e de salário serão implementadas por meio de acordo individual ou de negociação coletiva para os empregados com salário igual ou inferior a três salários-mínimos bem como para os portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Para os que recebem mais de 3 salários-mínimos e menos que o dobro do limite dos Benefícios da Previdência, a alteração exige, necessariamente, a negociação coletiva.

Fica o empregador obrigado pelo pagamento dos salários enquanto não notificar o órgão público para o repasse aos trabalhadores.

O empregado poderá cumular os benefícios de acordo com o número de empregos (§ 3º do art. 6º da MP), o que vai gerar contradições, pois, se, por exemplo, um empregado tem dois empregos de R$ 5.000,00 e outro tem um emprego de R$ 10.000,00, este receberia só um benefício limitado a R$ 1.800,00 e aquele receberia o dobro.

O trabalhador ocupante de cargo de confiança, excluído do controle de jornada (art. 62 da CLT), não faz jus ao Benefício Emergencial (art. 6º, § 2º, inciso I da MP) e, dessa forma, ficaria discriminado nessa situação. A solução seria um acordo para que esse trabalhador reduzisse sua produtividade[22].

Se o trabalhador estiver numa condição em que não faça jus ao benefício emergencial (aposentado ou quem recebeu recentemente o seguro-desemprego), não pode ser colocado em redução de jornada e de salário, exceto por negociação coletiva (utilização, por analogia, do art. 479 da CLT e os princípios gerais do direito, equidade e costumes) - portaria SEPRT 10486/20;

B- Permite-se a suspensão (imprópria) do contrato por até 60 dias (art. 8), ou seja, sem trabalho, sem salário e até mesmo sem recolhimento previdenciário pelo empregador, facultando-se ao empregado, se puder, esse recolhimento, na condição de contribuinte facultativo, com a manutenção de algumas obrigações entre os contratantes, já que o empregado não pode revelar segredos da empresa, tem o dever de voltar no caso de o empregador convocá-lo, não pode trabalhar na empresa concorrente, pode sofrer justa causa etc. O empregador é obrigado a manter algumas vantagens incondicionadas, que não dependem de uma atividade do empregado, tais como cesta básica, por exemplo.

O empregado terá direito de receber um “Benefício Emergencial de Manutenção de Emprego e da Renda” (art. 9 a 16), tendo como parâmetro o valor do seguro-desemprego, dependendo do faturamento da empresa no ano de 2019. Assim, o empregado de empresas com faturamento inferior a R$ 4,8 milhões em 2019, recebe 100% do valor do Benefício Emergencial, não fazendo jus a qualquer complemento por parte do empregador. Mas se, ao contrário, a empresas teve faturamento acima de R$ 4,8 milhões em 2019, o empregado vai receber o “Benefício Emergencial”, com abatimento de 30%, mas a empresa ficará obrigada ao pagamento de 30% do valor do salário do trabalhador, a título de ajuda compensatória mensal de natureza indenizatória (art. 8º, § 5º da MP).

Da mesma forma que nos casos de redução de jornada e de salário, a suspensão ocorrerá por acordo individual escrito para os trabalhadores que ganham até 3 salários-mínimos ou acima do dobro do teto da Previdência com diploma de nível superior e necessariamente por acordo ou convenção coletiva no caso intermediário (art. 12 e respectivo parágrafo único da MP), com observância das mesmas formalidades essenciais, ficando o empregador obrigado ao pagamento dos salários enquanto não notificar o órgão público para o repasse aos trabalhadores.

Adotando-se uma visão sistemática, pela leitura que se faz do inciso I do § 2º do art. 6º da MP a conclusão é a de que o trabalhador ocupante de cargo de confiança - excluído de recebimento do Benefício Emergencial - só pode ser o da iniciativa privada[23] e, assim sendo, torna incompatível a hipótese de suspensão do contrato para essa modalidade de trabalhador.

Se o empregador exigir teletrabalho ficará descaracterizada a suspensão, que será declarada nula[24] (art. 9º da CLT), obrigando-se o empregador ao pagamento imediato da remuneração e dos encargos sociais referentes a todo o período de afastamento sem salário, sem prejuízo de outras penalidades e de eventuais sanções previstas em convenção ou em acordo coletivo (§ 4º do art. 8º da MP).

Existe também a possibilidade de suspensão do contrato para curso de qualificação, nos termos do art. 476-A da CLT, que exige convenção ou acordo coletivo, além de outros requisitos para sua validade;

C- Confere-se ao empregado com contrato de trabalho intermitente o direito a um único benefício emergencial mensal no valor de R$ 600,00, pelo período de três meses, mesmo que tenha outros vínculos empregatícios (art. 18 da MP);

D- A MP possibilita a renegociação dos atuais acordos e convenções coletivas em até dez dias corridos após a publicação da MP, não havendo conflito com o art. 30 da MP 927/20, pois os acordos e as convenções coletivas vencidas ou vincendas no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor da Medida Provisória, poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de noventa dias, após o termo final deste prazo, pode haver a renegociação com os sindicatos, que têm a possibilidade de realizar assembleias por intermédio de meios eletrônicos (para evitar aglomerações), com redução pela metade dos prazos tradicionais de convocações, editais etc;

E- Adotando qualquer medida prevista na MP 936/20, obriga-se o empregador, em contrapartida, a:

a) a manter os outros benefícios pagos aos empregados (vale-alimentação, auxílios etc.);

b) a conceder garantia de emprego ao trabalhador durante o tempo da suspensão e após o restabelecimento do contrato, pelo mesmo prazo da suspensão (art. 2º, § 4º, III da MP 944/20), sob pena de, dispensando o empregado, obriga-se ao pagamento, além das parcelas rescisórias, de indenização que varia entre 50% e 100% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego (art. 10, § 1º da MP) não se aplicando a interpretação, por analogia, a regra prevista no art. 479 da CLT, ou seja,  metade da multa do período que sobejar da estabilidade.

Outros pontos relevantes que tangenciam a discussão das MPs e da pandemia.

1- Falta no emprego para o cumprimento do distanciamento social e da quarentena:

Nos termos da lei 13.979/20[25] (art. 3º § 3º) o afastamento com o intuito de observar o período de quarentena ou isolamento determinado pelas autoridades será considerada ausência justificada, não sendo motivo para dispensa por abandono e não devendo ser computado para subtração ou perda de férias (art. 131 da CLT), exceto se esse período for abonado (art. 133, II da CLT).

2- Exercício de greve individual:

Mesmo nos setores essenciais, quando não houver fornecimento adequado de EPIs, o trabalhador pode se recusar a prestar serviços, com base no art. 13 da Convenção 155 (direito supralegal de resistência do trabalhador), porque se trata de um direito humano, sendo que a greve ambiental pode ser exercida individualmente (art. 129 da Constituição do Estado de São Paulo).

3- Empregado contaminado com a doença:

Se o afastamento ocorrer em decorrência de o empregado contrair o Coronavírus, tal fato não trará prejuízo em seu salário, ficando os primeiros 15 dias de afastamento a cargo do empregador e, a partir do 16º dia, o pagamento fica a cargo do Instituto Nacional do Seguridade Social - INSS (art. 60, Lei 8.213/91).

4- Risco da atividade econômica, força maior e teoria da imprevisão[26]:

Em princípio, o risco da atividade econômica é do próprio empregador (risco pelos custos e resultados do trabalho), conforme previsão legal no art. 2º, §2º da CLT e no art. 170, III da CF, não podendo repassá-la a terceiro, exceto em raríssimas situações como a força maior ou caso fortuito e o factum principis (arts. 486 e 501 da CLT).

A pandemia é um fato, independentemente de ser previsível ou não, inevitável, encaixando-se no conceito de força maior para dispensa do empregado, se dela resultar a extinção da empresa ou do estabelecimento, o que justificaria a redução pela metade da indenização de 40% do FGTS, da indenização de quem é estável e for dispensado em razão da pandemia e da indenização por rescisão antecipada do contrato a prazo determinado (Art. 502 da CLT).

5- Factum principis e medidas governamentais:

Não há que se falar, nesse momento, em razão da Pandemia, em aplicação do Fato do Príncipe ou “Factum principis”, prevista no art. 486 da CLT, que é uma excludente de responsabilidade patronal, eis que este depende de uma medida discricionária da Administração Pública, que não é o caso, já que as providências tomadas pelos governos foram amplamente recomendadas por órgãos nacionais e internacionais de saúde (Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde), com base em princípios científicos e vinculada aos dispositivos legais que decretaram a calamidade no País.

O “Factum principis” é situação excepcional, pela qual a empresa poderia dispensar seus trabalhadores por ter sido submetida a um prejuízo financeiro desproporcional, decorrente do acatamento de medidas discricionárias, comprovadamente exageradas ou injustificáveis, determinadas pelas autoridades governamentais (excluída situação causada pela imprevidência, imprudência ou malícia do empresário), ficando a cargo dessa autoridade, que deve ser chamada como terceiro interessado no processo eventualmente ajuizado pelo trabalhador (chamamento à autoria – art. 486, § 1º CLT), responsabilizando-se pelo pagamento da indenização de 40% sobre o FGTS.

6- O afastamento de empregado doente:

Por orientação médica, o empregador pode ser obrigado a afastar o empregado doente. É uma situação de isolamento - quarentena (Decreto 10.212/2020 e Lei 13.979/2019).

Não é recomendável o empregador divulgar o nome dos empregados acometidos pelo coronavírus ou qualquer outra enfermidade. Essa atitude poderia submeter o trabalhador ao risco de sofrer alguma forma de discriminação, preconceito ou  estigma, implicando violação à sua dignidade, às suas liberdades fundamentais (art. 3º, § 2º, III, Lei 13.979/2020) e a outros direitos da personalidade, que pode ser evitada.

7- Dever do empregador zelar pela segurança do trabalho:

Ante a inteligência do art. 3º, III, Lei 13.979, bem como em razão do dever de o empregador zelar pela medicina e segurança do trabalho junto ao seu meio ambiente laboral, é razoável que o empregador possa exigir, justificadamente, que o empregado faça o exame para fins de detecção do vírus ou que informe se estiver contaminado sem caracterizar ofensa à dignidade do trabalhador, desde que não haja divulgação de eventual resultado positivo.

8- Afastamento em massa pela doença e a necessidade de continuidade das atividades:

Em caso de afastamento de diversos empregados por contraírem a Covid-19 (situação previsível, embora inevitável), o empregador poderá substituir a mão de obra, utilizando-se das regras previstas na Lei 6.019/74 - que regula o trabalho temporário - como mecanismo de fazer frente a necessidade de natureza intermitente, periódica ou sazonal de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complemento de serviços (art. 2º, § 2º da Lei 6.019/74).

Outra opção é a contratação de empregados via contrato por prazo determinado, na forma do art. 443, § 2º, “a”, CLT (o contrato por prazo determinado é válido em se tratando de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo), eis que, as atividades empresariais de caráter transitório dizem respeito à empresa e não ao empregado ou ao serviço.

9- A onerosidade excessiva em acordos judiciais:

Quanto à suspensão/sobrestamento ou revisão/renegociação ou extinção das obrigações de pagamento de acordos judiciais por onerosidade excessiva (Teoria da Imprevisão – arts. 317, 479, 480 do CC e 501 da CLT), é necessário cautela, pois a referida teoria, derivada da cláusula “rebus sic stantibus"[27] e se aplica a negócios jurídicos que ainda não tenham sido submetidos ao crivo do Judiciário, já que a homologação do acordo tem o efeito de equipará-lo a sentença transitada em julgado (art. 831 da CLT e S. 100 item V do TST), sendo possível apenas uma criação de nova obrigação no lugar da anterior, via novação (art. 360/367 CC), embora seja processualmente cabível a Ação Rescisória, que não tem a imprevisão como um base material justificável para dissolução da decisão  (art. 966 do CPC).

10- Recolhimento de preparo no Processo do Trabalho em tempos de pandemia:

Embora a dispensa do recolhimento do depósito recursal (garantia de efetividade da prestação jurisdicional) e das custas seja  assegurado apenas às entidades filantrópicas, à Massa Falida (S. 86 do TST) e aos beneficiários da Justiça Gratuita, o empregador que passa por dificuldades financeiras por conta da Pandemia do COVID-19, poderia, teoricamente, usufruir dessa vantagem, desde que comprove cabalmente (não há presunção legal de carência) a falta de recursos ou a insolvência, demonstrando que sua condição financeira não lhe permite arcar com as despesas decorrentes do processo sem prejuízo de seu funcionamento ou administração[28] não bastando ao empregador a mera declaração de pobreza (art. 790, § 4º c/c §10 do art. 899 da CLT e art. 99 do CPC).

11- O acúmulo de funções

O dever geral de colaboração é uma obrigação acessória por meio da qual as partes da relação de emprego se comprometem a envidar esforços no sentido da boa execução e continuidade do trabalho, com o empregado se obrigando a exercer, além das funções para as quais foi contratado, também, em situações de necessidades emergenciais que podem surgir durante o período da pandemia, outras tarefas compatíveis com sua área de atuação, atribuições ou serviço compatível com a sua condição pessoal (art. 456 da CLT), inseridas as designações eventuais para realização de serviços não específicos, por curto período de tempo, encontrando-se tal circunstância abrangida pelo “jus variandi” patronal, sem que se caracterize acúmulo de função.

Mas o bom senso e a razoabilidade devem prevalecer, pois não se trata de um consentimento genérico para utilização desmedida da mão de obra pelo empregador, não podendo ser interpretado de modo a legitimar o locupletamento ou a exploração aviltante do trabalhador, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa, dos valores sociais e da ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano (art. 1º, incisos III e IV e art. 170 da CF) e dos princípios da confiança negocial, da função social e da boa-fé objetiva, mas sim de um instrumento de preservação do negócio jurídico (princípio da continuidade da relação de emprego) e de proteção do trabalhador.

Sobre os autores
Carlos Alberto Frigieri

Juiz do Trabalho. Graduado pela Universidade de Araraquara (UNIARA).

Alexandre Henrique Frigieri

Advogado. Graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Pós-Graduando em Ética Empresarial pela FDRP-USP. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade IBEMEC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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