A POSSIBILIDADE DE SUBCONTRATAÇÃO PARCIAL OU INTEGRAL PARA FINS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE ESCOLAR

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25/05/2020 às 11:24
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A abordagem vertida no presente trabalho possui o escopo de explorar a possibilidade de subcontratação parcial ou integral da prestação de serviços para fins de transporte escolar, com ênfase no entendimento jurisprudencial e na sistematização normativa.

Resumo: A abordagem vertida no presente trabalho possui o escopo de explorar a possibilidade de subcontratação parcial ou integral da prestação de serviços para fins de transporte escolar. Com efeito, considerando os fatores e circunstâncias práticas relacionadas a essa espécie de contratação, notadamente nos rincões do Brasil, busca-se traçar reflexão e a realização de uma análise sistemática da Carta Magna, em cotejo com os mais comezinhos princípios do Direito Administrativo, em especial dos princípios licitatórios, e com as alterações legislativas promovidas pela Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, que incluiu, no Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.

 

1. INTRODUÇÃO

 

Hodiernamente, nos mais distintos rincões do Brasil, as realizações de licitações e contratações para fins de prestação de serviços no transporte escolar são sintomaticamente problemáticas, exsurgindo-se como um dos principais pontos de gargalos no âmbito das Administrações Públicas Municipais.

Tal problemática é constante e ganha contornos peculiares diante da atuação incisiva – embora muitas vezes desconexa da sistemática adotada pela Lei nº 13.655/18 e desalinhada da jurisprudência do Tribunal de Contas da União e da doutrina especializada – do Ministério Público, mormente no que tange à possibilidade ou não de subcontratação parcial ou integral do objeto a ser contratado, bem como da necessidade de tal hipótese encontrar-se inserta no instrumento convocatório.

Nesse sentido, mister se faz trazer à baila uma reflexão mais acurada sobre essas questões jurídicas, a fim de sistematizar esta espécie de prestação de serviços, de modo a evitar violações ao princípio da continuidade dos serviços públicos e, em última análise, prejuízos ao interesse público.

Dessa forma, o presente trabalho abordará a quaestio iuris concernente a possibilidade de subcontratação total ou parcial em contratações para fins de prestação de serviços de transporte escolar, notadamente nos mais longínquos rincões do Brasil, sendo o estudo realizado a partir das normas de regência, da sistemática normativa introduzida pela Lei nº 13.655/18, da doutrina especializa, bem como da jurisprudência dos mais diversos Tribunais Pátrios, seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial.

 

2. DA SISTEMATIZAÇÃO DO PROCESSO LICITATÓRIO E DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

 

Como é sabido e ressabido, a realização de um processo licitatório para contratações no âmbito da Administração Pública, para além de figurar como regra, é uma determinação da Lex Fundamentalis[1].

Nesta linha de intelecção, muito mais que imposição de um dever para a Administração Pública Direta e Indireta – incluindo, por óbvio, os Poderes Judiciário e Legislativo no exercício de suas atípicas funções administrativa –, a necessidade de realização de um processo de licitação corresponde uma garantia fundamental dos pretensos licitantes, os quais possuem segurança e confiança no procedimento que deve assegurar a igualdade de condições, e, de outro lado, um direito de todo cidadão, consubstanciado na ciência de que a Administração adotará o critério mais vantajoso para pactuação da contratação.

Nesse mesmo sentido, lecionando acerca do procedimento licitatório e as peculiaridades impostas pelo regime jurídico de direito público, o professor Celso Antônio Bandeira de Mello apresenta a distinção entre o regime jurídico privado, o qual é regido pela autonomia privada, afirmando que:

“Ao contrário dos particulares, que dispõem de ampla liberdade quando pretendem adquirir, alienar, locar bens, contratar a execução de obras e serviços, o Poder Público, para fazê-lo, necessita adotar um procedimento preliminar rigorosamente determinado e preestabelecido na conformidade d lei. Tal procedimento denomina-se licitação.” [2]

 

Com efeito, diante da mencionada lição, afigura-se possível vislumbrar que, diferentemente do que ocorre na seara privada, no âmbito público as contratações dependem, via de regra, da realização de licitação, que trata-se de um processo ou procedimento administrativo vinculado, através do qual a Administração Pública ou quem lhe faça às vezes seleciona a melhor proposta entre as ofertadas pelos interessados, no escopo de alcançar dois fins, consubstanciados na celebração de contrato e na obtenção do melhor trabalho técnico, artístico ou científico[3].

Nas palavras do festejado administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, a licitação pode ser conceituada da seguinte maneira:

“[...] é o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras e serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos.”

 

De outro lado, a doutrina especializada considera que, ordinariamente, as relações contratuais no âmbito da Administração Pública possuem natureza intuitu personae, ou seja, os negócios jurídicos são realizados, via de regra, com aquele licitante que logra êxito no processo licitatório[4].

Neste sentido, o professor José dos Santos Carvalho Filho afirma que tais relações contratuais possuem com uma de suas características a:

 “[...] confiança recíproca (intuitu personae), porque o contratado é, em tese, o que melhor comprovou condições de contratar com a Administração, fato que, inclusive, levou o legislador a só admitir a subcontratação de obra, serviço ou fornecimento até o limite consentido, em cada caso, pela Administração, isso sem prejuízo de sua responsabilidade legal e contratual (art. 72 do Estatuto).”[5]

 

Entretanto, como bem enfatiza o mencionado administrativista, a regra da contratação lastreada na confiança recíproca comporta exceções. Em outras palavras, na linha trilhada pelo professor José dos Santos Carvalho Filho, a natureza personalíssima dos pactos administrativos pode ser afastada acaso seja mais vantajoso para Administração Pública, e, noutro giro, por óbvio, contenha previsão no instrumento convocatório do qual decorreu a contratação.

Justamente sobre essa hipótese que o presente trabalho se debruçará, abordando questões e posicionamentos da doutrina especializada, bem como da jurisprudência dos mais diversos Tribunais Pátrios, seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial.

                                              

2. DAS HIPÓTESES NORMATIVAS DA SUBCONTRATAÇÃO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

Como visto adrede, em nosso Estado Democrático de Direito, estatuído pela Carta Magna de 1988, a realização do processo licitatório para fins de contratação é a regra. Depreende-se da sistemática prescrita na Lei Maior que tal processo se realiza para assegurar a igualdade de condições entre os interessados e preservar a confiabilidade do cidadão no que tange à vantajosidade das contratações no âmbito da Administração Pública.

Como uma das características que podem ser atribuídas a estas contratações, para os estreitos fins do presente trabalho, abordou-se de maneira sintética a natureza intuitu personae, decorrente das condições pessoais do contratado devidamente apuradas em processo licitatório.

Nesse sentido, o art. 78, inciso VI, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 – cognominada Lei Geral das Licitações e Contratos – dispõe o seguinte:

“Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:

VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;”

 

Da leitura do texto normativo, depreende-se que a natureza contratual personalíssima recai sobre o pacto firmado no caso de silêncio do instrumento convocatório (carta ou edital) ou do contrato, de modo que, pela leitura do dispositivo a contrario sensu, o contratado pode realizar subcontratação quando autorizado. Esse, aliás, é o comando inserto no art. 72 da Lei nº 8.666/93:

“Art. 72. O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração.”

 

Debruçando-se sobre a questão, a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro comenta os mencionados dispositivos ao advogar a natureza intuitu personae dos contratos, ao passo em que reconhece a possibilidade de subcontratação, total ou parcial, do objeto licitado no âmbito da Administração Pública.

“Todos os contratos para os quais a lei exige licitação são firmados intuitu personae, ou seja, em razão de condições pessoais do contratado, apuradas no procedimento da licitação. Não é por outra razão que a Lei nº 8.666/93, no artigo 78, VI, veda a subcontratação, total ou parcial, do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial; essas medidas somente são possíveis se expressamente previstas no edital da licitação e no contrato. Além disso, é vedada a fusão, cisão ou incorporação que afetem a boa execução do contrato. Note-se que o artigo 72 permite a subcontratação parcial nos limites admitidos pela Administração; tem-se que conjugar essa norma com a do artigo 78, VI, para entender-se que a medida só é possível se admitida no edital e no contrato.”[6]

 

Para além de defender a possibilidade de subcontratação estabelecida no instrumento convocatório ou no contrato, com lastro na interpretação sistemática dos arts. 72 e 78, inciso VI, da Lei nº 8.666/93, a mencionada doutrinadora sustenta que eventual subcontratação desprovida de autorização constitui “motivo para rescisão unilateral do contrato (art. 78, VI), sujeitando, ainda, o contratado, às sanções administrativas previstas no artigo 87 e às consequências assinaladas no artigo 80[7].

Vale dizer, de acordo com a doutrina especializada, a subcontratação fora das hipóteses estabelecidas nos susomencionados dispositivos pode dar ensejo à rescisão unilateral do contrato pela Administração, a qual deve ser motivada e precedida de ampla defesa[8]-[9].

Mesmo sendo despiciendo, mostra-se relevante destacar que a possibilidade de subcontratação do objeto do contrato, total ou parcial, quando ancorada em previsão editalícia ou contratual, não pode ensejar qualquer encargo para a Administração Pública.

É dizer, a existência de cláusula normativa possibilitando a subcontratação total ou parcial não possui o condão de elevar o valor da contratação, ou seja, o montante utilizado como parâmetro na licitação ou o melhor preço apresentado pelo licitante vencedor do certame. Em outras palavras, todo o ônus da eventual subcontratação deve recair sobre aquele que é contratado pela Administração Pública, inclusive as reponsabilidades decorrentes da plena e efetiva execução do contrato.

Registre-se, ademais, que a “subcontratação é admitida dentro de certos limites e condições, devendo o subcontratado cumprir as exigências de qualificação técnica impostas quando da contratação primitiva[10].

Destarte, diante de todo o contexto normativo e doutrinário ora apresentado, nota-se, de modo geral, que se afigura plenamente possível a subcontratação no âmbito da Administração Pública, bastando apenas e tão somente que haja previsão normativa no seio do instrumento convocatório ou no bojo do próprio contrato.  

Por óbvio, até mesmo em razão da isonomia e em virtude da inexistência de qualquer peculiaridade, tal lógica jurídica se aplica nas contratações para prestação de serviços de transporte escolar, evidenciando, dessarte, a possibilidade de subcontratação do objeto a ser contratado.

 

3. DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA SUBCONTRATAÇÃO PARCIAL OU INTEGRAL PARA FINS DE TRANSPORTE ESCOLAR

 

Consoante abordado alhures, do ponto de vista normativo, os arts. 72 e 78, inciso VI, da Lei Geral das Licitações e Contratos estabelece a forma como deve ser procedida a subcontratação no âmbito da Administração Pública. Significa dizer que, para além de qualquer dúvida, o sistema jurídico brasileiro permite a subcontratação do objeto licitado, desde que sejam atendidos pressupostos e requisitos estabelecidos pela lei e pelo direito[11].

Explorou-se adrede, de outro lado, os ensinamentos da melhor doutrina administrativista, a qual analisa os susomencionados dispositivos de forma sistemática, de modo a seguir a tendência que trilhar o caminho no sentido da necessidade de cláusula normativa no instrumento convocatório ou no contrato, a permitir a realização da subcontratação.

A seu turno, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), debruçando-se sobre essa quaestio iuris, passou a perfilhar entendimento no sentido de que a existência de cláusula normativa estabelecendo a possibilidade de subcontratação pode ser mitigada, bastando, nesta hipótese, que não haja vedação expressa no seio do instrumento convocatório ou no contrato.

Nesse sentido, após voto condutor do eminente Ministro Marcos Bemquerer Costa, Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Auditor Federal de Controle Externo do TCU durante muitos anos, dentre outras qualificações, entendeu-se possível a subcontratação parcial mesmo desprovida de expressa autorização do instrumento convocatório ou do contrato administrativo.

REPRESENTAÇÃO. RECURSOS DO FUNDEF. TRANSPORTE ESCOLAR. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA QUE NÃO ERA DO RAMO COMPATÍVEL COM O OBJETO LICITADO. SUBCONTRATAÇÃO DOS SERVIÇOS ADJUDICADOS. REALIZAÇÃO DE LICITAÇÃO SEM ORÇAMENTO BÁSICO. PAGAMENTO ANTECIPADO. CONTRATAÇÃO DIRETA DE LOCAÇÃO DE VEÍCULOS. NÃO ATENDIMENTO A DILIGÊNCIA DO TRIBUNAL. PROCEDÊNCIA PARCIAL. ACOLHIMENTO DE PARTE DAS RAZÕES DE JUSTIFICATIVA. MULTA. COMUNICAÇÃO.

A subcontratação parcial de serviços contratados não necessita ter expressa previsão no edital ou no contrato, bastando apenas que não haja expressa vedação nesses instrumentos, entendimento que se deriva do art. 72 da Lei 8.666/1993 e do fato de que, na maioria dos casos, a possibilidade de subcontratação deve atender a uma conveniência da administração.

(TCU, Acórdão nº 2198/2015, Relator Ministro Marcos Bemquerer, Data da Sessão: 02/09/2015).

 

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), por sua vez, vai além de admitir a subcontratação parcial quando não exista a expressa previsão no edital ou no contrato, permitindo a subcontratação de forma ampla, desde que ancorada nos princípios da boa-fé, da economicidade e da eficiência, bem como não acarrete qualquer prejuízo para a administração ou para o interesse público.

Nesse sentido, interessante precedente, proferido no seio de uma Apelação em Ação Popular, que possuía como objeto uma licitação para execução de obras, explicita bem a possibilidade de subcontratação quando tal procedimento se faz mais vantajoso para a Administração Pública, em termos de eficiência, economicidade, celeridade, dentre outros fatores.

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. LICITAÇÃO PARA EXECUÇÃO DAS OBRAS E SERVIÇOS DE AMPLIAÇÃO, REFORMA E MODERNIZAÇÃO DO AEROPORTO INTERNACIONAL DE BRASÍLIA. POSSIBILIDADE DE EMPREITADA INTEGRAL. ESFERA DE DISCRICIONARIEDADE DO PODER PÚBLICO. CONFORMIDADE AOS PRINCÍPIOS DA ECONOMICIDADE E EFICIÊNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE ATO LESIVO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO OU À MORALIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. LEGALIDADE NA SUBCONTRATAÇÃO DE EMPRESAS POR PARTE DA VENCEDORA DO CERTAME. NÃO CONHECIMENTO DA APELAÇÃO DO AUTOR E DO RECURSO ADESIVO. NÃO PROVIMENTO DAS APELAÇÕES DAS RÉS E DA REMESSA OFICIAL.

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I - A ação popular é o remédio constitucional colocado à disposição de qualquer cidadão para anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, conforme disposto no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal. II - As obras, os serviços e os equipamentos necessários à ampliação e à modernização de um aeroporto possuem grande vulto e um grau de complexidade ímpar. Restou provado nos autos que o SITIA - Sistema Integrado de Tratamento de Informações Aeroportuárias, a par das reformas nas instalações, constitui-se num dos principais aspectos da modernização levada a efeito no Aeroporto Internacional de Brasília.

III - A legislação pátria reconhece e estimula a figura da empreitada integral, vista pela doutrina como uma subespécie da empreitada global. "O que a peculiariza é a abrangência da prestação imposta ao contratado, que tem o dever de executar e entregar um 'empreendimento' em sua integralidade, pronto, acabado e em condições de funcionamento." (Marçal Justen Filho, in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 8ª edição, Editora Dialética, São Paulo, 2001, pg. 105).

IV - Devidamente justificada, a opção pela inclusão do SITIA no regime de empreitada integral encontra-se dentro da esfera de discricionariedade do Poder Público, cabendo ao Judiciário tão-somente averiguar a conformidade da escolha do Administrador com os princípios da legalidade e da moralidade administrativa.

V - Tendo em vista a conformidade aos princípios da economicidade e eficiência que devem nortear os atos da Administração Pública (Lei 8.666/93, art. 3º, caput e CF, art. 37, caput), não se vislumbra ilegalidade ou violação à moralidade administrativa na decisão da INFRAERO de incluir o SITIA na descrição de obras e serviços da Concorrência Pública nº 001/DADL/SBBR/89.

VI - Não se logrou comprovar a existência de ato lesivo ao patrimônio público ou à moralidade administrativa decorrente de vícios na licitação, nem demonstrar que o procedimento adotado tenha acarretado prejuízos ou mesmo que eventual fracionamento do objeto da licitação teria sido mais vantajoso para os cofres públicos, seja em termos de economia, eficiência ou celeridade. Além disso, "A decisão da INFRAERO de licitar as obras como um todo está coerente com a jurisprudência do Tribunal e com o disposto no § 1º do art. 23 da Lei 8.666/93, por estar técnica e economicamente justificada."(TCU, TC-020.010/2003-9, Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues).

VII - Dentro do conceito de empreitada integral e presente a constante fiscalização por parte da Administração não há ilegalidades no procedimento, que não só é autorizado por lei como também é recomendável em licitações do gênero, pois nos dias atuais, o nível de sofisticação e especialização da economia mundial (e globalizada) faz com que praticamente nenhuma empresa domine um processo produtivo integralmente. Assim, em obras vultosas, faz-se necessária a conjugação do trabalho de diversas empresas, dentro de suas áreas de especialidades, para a consecução dos objetivos da Administração.

VIII - A subcontratação de empresas por parte da vencedora do certame não se afigura ilegal, porque prevista e autorizada no edital e na legislação atinente à espécie (Lei nº 8.666/93, art. 72).

IX - Não caracterizada a alegada litigância de má-fé, correta a sentença ao isentar o autor de custas judiciais e do ônus da sucumbência, nos termos do art. 5º, inciso LXXIII da Constituição Federal.

X - Apelação do autor e recurso adesivo não conhecidos.

XI - Apelações das rés e remessa oficial improvidas.A Turma , por unanimidade, não conheceu da apelação do autor e do recurso adesivo e negou provimento às apelações das rés e à remessa oficial.

(AC 0022565-17.2005.4.01.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, TRF1 - QUINTA TURMA, DJ DATA:16/02/2006 PAGINA:101).

 

Conforme se nota, a doutrina e a jurisprudência do TRF1 lastreiam seus entendimentos pelas próprias normas insculpidas na Lei nº 8.666/93[12], que autorizam a subcontratação total ou parcial do objeto a ser contratado.

Importante consignar que, ao que parece, essa linha de intelecção é a que melhor se coaduna com o raciocínio lógico-jurídico e com a boa-fé contratual. Isso porque, ao se permitir a subcontratação integral, notadamente em casos de locações, não se impõe ao licitante, desprovido da certeza de que logrará êxito no certame, que adquira previamente todos os equipamentos e materiais necessários à execução do objeto contratual.

Lado outro, importante ponderar, em casos de subcontratações não se pode isentar o licitante originalmente contratado de suas responsabilidades contratuais e legais. É dizer, a responsabilidade em casos tais é da contratada que logrou vencer o certame.

Nesse sentido, faz-se necessário diferenciar os institutos jurídicos advindos da Teoria Geral dos Contratos e das Obrigações que se relacionam com os Contratos Administrativos, a fim de que não se incorra no equívoco interpretativo que caminha no sentido de que há eventual vedação da subcontratação total do objeto do certame em razão da impossibilidade da ocorrência do chamamento ao processo. Com efeito, em paradigmático precedente, o TRF1, de há muito, assentou o seguinte:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONVÊNIO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. CHAMAMENTO AO PROCESSO DE DUAS EMPRESAS QUE SUPOSTAMENTE TERIAM SE SUB-ROGADO NA EXECUÇÃO DA OBRA. IMPOSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 77 DO CPC. AGRAVO IMPROVIDO.

I - Prevalece na jurisprudência nacional a diretriz no sentido de que a ação civil pública, pelas suas próprias características, não admite o chamamento ao processo, como também nela não tem cabimento a denunciação à lide. II - A sub-rogação não se confunde com a subcontratação. Nesta, a contratada continua a responder, sozinha, pelo avençado com a Administração, transferindo para o terceiro apenas a execução total ou parcial do objeto do contrato, sem que com isso a empresa subcontratada crie vínculo jurídico com o Poder Público (licitante).

III - Na hipótese vertente, a documentação carreada aos autos não comprova sequer qualquer nexo causal existente entre o Convênio n. 873/99 e os Contratos firmados pela Ré-agravante e as empresas que se pretende chamar ao processo. Inocorrência, pois, de qualquer das hipóteses previstas no art. 77 da Lei Adjetiva Civil. III - Agravo improvido.

(AG 0057416-14.2007.4.01.0000, JUIZ FEDERAL REYNALDO SOARES DA FONSECA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 07/11/2008 PAG 63).

 

Em emblemático precedente, o Tribunal de Contas da União, esclarece com ainda maior acuidade a mencionada linha de intelecção, apontando, outrossim, que não se pode isentar a contratada pela Administração de suas responsabilidades contratuais e legais:

[...] 6. A propósito, o foco da questão está na diferenciação que deve ser dada aos institutos da subcontratação e da sub-rogação. A principal característica que diferencia os dois institutos é o fato de que na subcontratação a contratada continua a responder, sozinha, pelo avençado com a administração, transferindo para o terceiro apenas a execução do objeto do contrato, sem que com isso a empresa crie vínculo jurídico com o licitante, enquanto que na sub-rogação, cessão ou transferência, o terceiro assume da contratada todos os direitos e deveres consignados no termo contratual original.

7. Nesse sentido, Antonio Roque Citadini, (in Comentários à Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Publicas. 2ª Ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1997, fl. 394), ao definir o instituto da subcontratação, assim leciona:

"Quando ocorrer subcontratação, previamente autorizada pela Administração no edital e contrato, não ficará o contratado dispensado de suas responsabilidades contratuais e de cumprir fielmente as obrigações que assumiu perante o Poder Público. A subcontratação, conquanto seja em parte criticada pela doutrina, apresenta em algumas situações, especialmente em contratações complexas, vantagens tanto para a Administração como para o contratado. A subcontratação poderá ser admitida pelo Poder Público, mas com muito rigor quanto aos limites, sob pena de tornar-se uma porta aberta para a fraude licitatória. É, portanto, legalmente do contratado e não do subcontratado toda a responsabilidade perante a Administração Pública".

8. E mais, esta matéria foi objeto de profundo exame por esta Corte quando da Decisão nº 420/2002 - Plenário - TCU, em cujo relatório o eminente Relator, Ministro-Substituto Augusto Sherman Cavalcanti, analisa e traz à colação trechos do Representante do Ministério Público Junto ao TCU, exarados nos autos do TC 007.045/2001-2, sobre as diferenças entre os institutos mencionados, verbis:

"19. Quanto à sub-rogação, transcrevo, do parecer do douto Parquet que tomo emprestado do TC 007.045/2001-2, recentemente julgado, passagem que, por tratar da questão em tese, pode ser perfeitamente aplicada a estes autos”.

Analisando-se de uma forma ampla os institutos da subcontratação e da sub-rogação, no âmbito dos contratos administrativos, deve-se, antes de mais nada, esclarecer que o termo sub-rogação é termo emprestado do Código Civil (cf. artigos 985/990 [1916]) ao Direito Administrativo, em nenhum momento dele se utilizando a Lei nº 8.666/93 (Lei das Licitações).

Sendo assim, prestar-se-ia a definir genericamente situação contratual em que se verifique a substituição do objeto ou da pessoa do contrato, como no caso da cessão ou da transferência das obras, serviços e fornecimentos a outrem. Cumpre observar que a principal característica de uma sub-rogação diz respeito à completa eliminação das responsabilidades contratuais e legais do contratado perante à Administração Pública.

A maior importância do estudo ora procedido consiste portanto em identificar e avaliar os principais critérios subjacentes aos atos de transmissão de direitos, obrigações e responsabilidades da pessoa do contratado à pessoa do subcontratado, de forma a poder dizer da conformidade do caso concreto à legislação pertinente.

A nosso ver, a Lei nº 8.666/93, em seus artigos 72 e 78, inciso VI, ao prever a possibilidade de subcontratação, reflete, entre outras coisas, preocupação do legislador em garantir a viabilidade de execução do contrato administrativo mesmo ante a eventuais circunstâncias que impeçam o contratado de executar a totalidade de obra, serviço ou fornecimento.

É regra de exceção, visto que o interesse da Administração é pelo cumprimento do contrato na forma originalmente avençada. Não é útil à Administração promover licitações em quantidade que extrapole ou que fique aquém daquilo que julga ideal para manter assegurado o interesse público, mas, também, não lhe é proveitoso permitir que a ausência de licitação comprometa a igualdade entre os potenciais concorrentes, sob pena de prejuízo de seus próprios interesses. Em outras palavras, a faculdade conferida à Contratada pelo artigo 72 da Lei nº 8.666/93 para subcontratar parte do objeto evita que a Administração venha a ter de promover outras tantas licitações como forma de complementar a execução do contrato. Por outro lado, a faculdade ali conferida também não deve servir à burla dos princípios inerentes a qualquer processo licitatório. Por isso mesmo, o legislador condicionou a prática da subcontratação a três critérios básicos, de acordo com o que pode-se depreender da interpretação sistemática das normas contidas nos referidos artigos 72 e 78, inciso VI, daquela Lei, critérios esses admitidos pela maioria dos doutrinadores do Direito Administrativo.

Estabelecem aqueles artigos que:

'Art. 72. O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração.'

'Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:

(...) VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;'

De acordo com o que consta das citadas normas, nos é possível afirmar que qualquer forma (subcontratação, cessão, transferência, fusão, cisão, incorporação) pela qual se opte para transmitir direitos e obrigações a outrem:

1º) não pode isentar a contratada de suas responsabilidades contratuais e legais;

2º) somente pode-se lançar mão de tais mecanismos se previamente autorizados pela Administração, para o quantitativo e para as partes do objeto contratado que essa especifique; e

3º) a previsão da transmissão de direitos e obrigações, para que possa ser levada a efeito, precisa estar prevista tanto no edital quanto no contrato.

Cumpridas todas essas premissas, entenderíamos possível tal transmissão não fosse pelo fato de que o integral cumprimento de todas elas não permite o uso e a aplicação de outro instituto que não seja o da subcontratação.

Ocorre que todos os demais institutos ou sub-rogam, ou seja, substituem a figura da contratada, como no caso da cessão, da transferência e, de certa forma, da cisão (na cisão a pessoa jurídica resultante do ato resta descaracterizada ou extinta), ou, senão, dividem, se não na teoria, na prática, de forma solidária e indevida, a responsabilidade pelos atos ou omissões de terceiro que adentre relação contratual já estabelecida, como nos casos da fusão e da incorporação.'

(TCU, Processo nº 006.116/2003-8, Acórdão nº 2002/2005, Relator Ministro Augusto Nardes, Data da Sessão 23/11/2005).

 

Depreende-se do louvável precedente ora colacionado que a figura da subcontratação não se confunde com o instituto da sub-rogação, de modo a evidenciar que naquela não há a transferência dos direitos e deveres do contratado por meio de processo licitatório.

Por consequência lógica, afigura-se possível extrair do referido precedente que o Tribunal de Contas da União (TCU) possui entendimento de que as normas de regência autorizam a subcontratação total ou parcial, desde que tal procedimento seja mais vantajoso para a Administração Pública e a contratada não seja isentada de suas obrigações contratuais.

Tratando-se de prestação de serviços para fins de transporte escolar tal possibilidade ganha maior relevo, tendo em vista que, ordinariamente, notadamente nos mais longínquos rincões do Brasil, as licitantes vencedoras não possuem frota extensa de veículos para abarcar o numerário de automóveis que requisitam as mais variadas licitações.

Vale dizer, a possibilidade da subcontratação total ou parcial, invariavelmente, figura como um mecanismo administrativo para viabilizar a existência do processo licitatório e a efetivação da contratação, vez que, as pretensas licitantes existentes nos confins do Brasil, via de regra, não possuem frota de veículos para fazer frente à contratação. Trata-se de verdadeiro mecanismo antideserção, a fim de possibilitar a continuidade dos serviços públicos e a observância da regra da realização do processo licitatório para fins de contratação[13].

Portanto, diante de tudo quanto expendido, mormente no que tange à jurisprudência do Tribunal de Contas da União e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, conclui-se que, a despeito de merecer apreciação do caso concreto, de maneira apriorística e abstrata, permite-se a subcontratação total ou parcial do objeto a ser contratado, desde que não haja vedação no instrumento convocatório ou no contrato e, por outro lado, tal possibilidade não possa acarretar prejuízos à economicidade e à eficiência na prestação dos serviços.

 

4 - DAS VOZES DISSONANTES RELACIONADAS À SUBCONTRATAÇÃO PARCIAL OU INTEGRAL E DA NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DA RACIONALIDADE PRAGMÁTICA E DA LEI Nº 13.655/2018

 

Conforme superficialmente abordado adrede, nos mais distintos rincões do Brasil, as realizações de licitações e contratações para fins de prestação de serviços no transporte escolar são sintomaticamente problemáticas, exsurgindo-se como um dos principais pontos de gargalos no âmbito das Administrações Públicas Municipais.

No escopo de atuar para prevenir eventuais inadequações e irregularidades administrativas nas licitações e contratações relacionadas à prestação de serviços de transporte escolar, o Ministério Público Federal vem editando e publicizando as mais variadas recomendações.

A título exemplificativo, afigura-se possível destacar as 24 (vinte e quatro) Recomendações emanadas, em documento único, pelo Ministério Público Federal, Procuradoria da República em Bom Jesus da Lapa, Bahia.[14]

No bojo das mencionadas Recomendações, acerca da subcontratação, o Órgão Ministerial apresentou as seguintes argumentações e recomendações:

“CONSIDERANDO que todo contratado do poder público deve apresentar capacidade operacional para o desempenho da atividade (art. 30, II e § 1º, da Lei nº 8.666/1993), vedando-se a subcontratação integral do objeto (art. 72 e art. 78, II, da Lei nº 8.666/1993), sob pena de configuração de uma forma de superfaturamento, conforme entendimento do Tribunal de Contas da União e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região”.

[...]

RESOLVE RECOMENDAR ao(a) Senhor(a) Prefeito(a) do Município de (acima listados), nos termos do art. 6º, inciso XX, da Lei Complementar nº 75/93, que:

[...]

vi) promova o adequado planejamento das licitações de transporte escolar, com prévia e regular pesquisa de preços, ampla publicidade e utilização do critério de julgamento por item (rota), salvo se comprovada a economicidade de se fazer a licitação por lote ou preço global e, ainda, se se demonstrar que o contratado tenha capacidade operacional de cumprir adequadamente o contrato na sua totalidade, sem subcontratação ilícita; prazo para comprovar o cumprimento: 31.01.2019 ou quando da realização da próxima licitação para o transporte escolar;

[...]

ix) não admita a subcontratação total do serviço de transporte escolar; prazo para comprovar o cumprimento: 31.01.2019 ou quando da realização da próxima licitação para o transporte escolar;

 

Ao final, a despeito de se tratar de Recomendações, o Parquet “adverte que a presente recomendação dá ciência e constitui em mora o destinatário quanto às providências recomendadas. A omissão na adoção das medidas indicadas poderá ensejar o ajuizamento de ação civil pública ou ação de improbidade administrativa, sem prejuízo de outras medidas legais cabíveis”.

Como se nota, apesar de apontar que o ato constitui mera recomendação, o Órgão Ministerial consigna que a ausência da adoção das medidas, dentre as quais a não admissão de subcontratação total do serviço de transporte escolar, pode acarretar o ajuizamento de ação civil pública ou ação de improbidade administrativa.

Tais recomendações evidenciam o quão problemáticas são as contratações de interessados na prestação de serviços de transporte escolar nos rincões do Brasil. Aliás, conforme claramente se extrai, a Procuradoria da República em Bom Jesus da Lapa, Bahia, entende ser inviável a subcontratação integral do objeto.

Nessa mesma linha de intelecção, mostra-se relevante registrar que parcela da jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) caminha nesse mesmo sentido, consignando que a subcontratação total é vedada.

Ocorre que, ao que parece, as vozes dissonantes que apresentam tal entendimento analisam a possibilidade de subcontratação de maneira limitada, lastreando-se apenas e tão somente na norma estatuída no art. 72 da Lei Geral das Licitações. Entretanto, conforme expendido alhures, com esteio também na jurisprudência do TCU e de acordo com a melhor doutrina, o dispositivo estabelecido no referido art. 72 deve ser compatibilizado principalmente com a norma insculpida no art. 78 da Lei nº 8.666/93, que prescreve a possibilidade de rescisão contratual por subcontratação total ou parcial, apenas quando não prevista no edital – ou não vedada no instrumento convocatório ou no contrato.

Depreende-se da exegese sistemática dos susomencionados dispositivos - mesmo porque, não existem palavras inúteis na lei (verba cum effectu, sunt accipienda) - que, a contrario sensu, a subcontratação integral é permitida.

Ora, se é possível à rescisão contratual quando há subcontratação total do objeto em razão de vedação ou não previsão dessa possibilidade no edital, por razões ululantes, deve ser permitida a subcontratação integral quando não há óbice ou previsão editalícia ou contratual.

Todavia, repise-se, a linha argumentativa de parcela da jurisprudência das supracitadas Cortes de Contas ampara-se tão somente na interpretação literal do art. 72 da Lei Geral das Licitações, contrariando o a exegese sistemática das normas de regência e da peculiar inteligência doutrinária.

Para além disso, nessas espécies de contratação, devem ser considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, especialmente o fato de que o fornecimento do serviço público de transporte escolar constitui um dever constitucional do Estado, estatuído no art. 208 da Carta Magna e estabelecidos pela Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes Básicas da Educação).[15]-[16]

Aliás, a tal dever precisa ser acrescido o fato de que alguns entes federativos possuem uma extensão territorial rural imensa, bem como a precariedade de interessados para prestação dos serviços de transporte escolar em vias rurais, o que acaba por dificultar a continuidade dos serviços públicos dessa natureza.

Nesse sentido, a propósito, a partir da publicação da Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, que incluiu no Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público, as referidas circunstâncias devem necessariamente ser apreciadas pelo gestor e pelos órgãos de controle que se debruçam sobre a decisão da gestão administrativa. Dessa forma, dispõe o art. 22, §1º da LINDB, com redação inserida pela Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018:

Art. 22.  Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 1º  Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.

 

Nessa mesma linha de intelecção, o Decreto nº 9.830, de 10 de junho de 2019, que regulamentou a 13.655/18, preconiza que:

Art. 8º Na interpretação de normas sobre gestão pública, será considerados os obstáculos, as dificuldades reais do agente público e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 1º Na decisão sobre a regularidade de conduta ou a validade de atos, contratos, ajustes, processos ou normas administrativos, serão consideradas as circunstâncias práticas que impuseram, limitaram ou condicionaram a ação do agente público.

§ 2º  A decisão a que se refere o § 1º observará o disposto nos art. 2º, art. 3º ou art. 4º.[17]

 

Com efeito, as mencionadas normas jurídicas acabam por incorporar o pragmatismo no âmbito do direito público brasileiro, em especial no campo do Direito Administrativo Sancionador. Acerca da positivação pragmatismo em nosso sistema jurídico para fins de propiciar segurança jurídica nas relações no âmbito do direito público, em didático artigo publicado no CONJUR, os professores Floriano de Azevedo Marques Neto e Rafael Véras de Freitas consignam que:

“Nesse cenário é que vem o artigo 22 da Lei 13.655/2018, da denominada Lei da Segurança para a Inovação Pública. Dispõe o texto normativo que, “na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados”. Cuida-se de prescrição que incorpora o pragmatismo ao âmbito do Direito Administrativo sancionador.

Como bem diagnosticado por Rafael Carvalho Rezende de Oliveira[1], o pragmatismo jurídico, nada obstante suas variações, apresenta, ao menos, três características básicas: (i) o antifundacionalismo, de acordo com o qual se rejeita a existência de entidades metafísicas ou conceitos abstratos, estáticos e definitivos no direito, imunes às transformações sociais; (ii) o contextualismo, conceito que orienta a interpretação jurídica por questões práticas; e (iii) o consequencialismo, característica de acordo com a qual as decisões devem ser tomadas a partir de suas consequências práticas (olhar para o futuro, e não para o passado).

Assim é que, com base nessas perspectivas, o exercício do controle deve ser orientado por soluções pragmáticas, predicadoras da avaliação no contexto no qual a conduta examinada foi praticada — o que impõe a interpretação conjunta do dispositivo comentado com o artigo 22 da própria Lei 13.655/2018. Afinal, se, no Direito, vigora, com predominante aceitação, o brocardo tempus regit actum, no que respeita a vigência da lei no tempo, outro não pode ser o viés interpretativo que deve nortear aqueles que aplicam a norma ao apreciarem os atos dos agentes públicos.

Especificando esse racional, o dispositivo que ora se comenta, em seu parágrafo 1º, prescreve que, “em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente”. Temos que tal parágrafo sofistica a teoria das nulidades dos atos administrativos, especificamente no que respeita a responsabilização dos agentes públicos envolvidos. Explicamos. É que, se, de um lado, o ordenamento jurídico já evoluiu, no que toca à teoria da nulidade dos atos administrativos, para proteger o particular de boa-fé que se relaciona com a administração pública, pautado na confiança legítima (viés subjetivo da segurança jurídica), positivada, por exemplo, nos artigos 54[2] da Lei 9.784/1999 e 59, parágrafo único, da Lei 8.666/1993[3] — já contando, inclusive, com o beneplácito doutrinário[4] e do STF[5] —, de outro, ainda existia uma lacuna a propósito da responsabilização do agente público que participou no ato nulo. É, pois, nesse quadrante, que deve ser interpretado o referido parágrafo. Deve-se evitar que o agente público, que exerce regularmente o seu mister, seja sancionado pura e simplesmente por ter participado de um ato que vier ser declarado nulo. Daí a razão pela qual tal previsão deve ser interpretada em conjunto com o disposto no artigo 28 da própria Lei 13.655/2018, de acordo com o qual “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”. É dizer: o agente público só será responsabilizado na hipótese de ter colaborado, com dolo ou erro grosseiro, para decretação da nulidade, considerando-se as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado sua atuação.”[18]

 

Nessa toada, a racionalidade pragmática também deve nortear a decisão do gestor no tocante à possibilidade de subcontratação total do objeto a ser contratado, bem como do órgão decisor quando da oportunidade de se debruçar sobre as questões.

Para fins específicos de prestação de serviços para fins de transporte escolar, inúmeros fatores e circunstâncias devem ser ponderados, tais como a extensão territorial, com ênfase na área rural; o tempo em que será realizado o processo licitatório e consequente contratação, vez que eventuais inícios de gestões tais contratações podem se tornar mais complexas; ausência de interessados capazes prestar os serviços com frota própria; necessidade de observância do princípio da continuidade dos serviços públicos;  dentre outros.

Importante destacar que se insere no campo da observância da racionalidade pragmática, a análise sobre a ausência de prejuízo ao erário, a qual se mostra imprescindível para fins de eventuais imposições de sanções.

É dizer, acaso considerada a linha jurisprudencial que caminha no sentido de que não há possibilidade de subcontratação total, mister se faz que seja apreciado se o processo licitatório se procedeu dentro da normalidade e, de outro lado, analisada a existência de prejuízos ao erário.

Nesse liame, mesmo não se debruçando tecnicamente sobre a racionalidade pragmática, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União vem entendendo que “A responsabilidade do gestor por ter autorizado a subcontratação total do objeto pode ser mitigada pelo fato de não haver relatos de prejuízos ao erário”.[19]

Portanto, depreende-se que mesmo em casos em que vozes dissonantes perfilham entendimento de que é vedada a subcontratação total do objeto, reconhece-se que deve ser apreciado o caso concreto, mitigando-se a responsabilização do agente público quando não demonstrada a existência de prejuízo ao erário.

Noutro giro, à luz das normas insertar na Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018 e no Decreto nº 9.830, de 10 de junho de 2019, imprescindível se faz que seja analisado o que determina a racionalidade pragmática na ocasião da apreciação do ato administrativo, notadamente quando tratar de área tão sensível ao interesse público, como a prestação de serviços para fins de transporte escolar.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Pelo exposto ao longo do presente trabalho, afigura-se possível concluir que a realização de processos licitatórios para fins de contratações relacionadas à prestação de serviços de transporte escolar é sintomaticamente problemática nos mais longínquos rincões do país. Isso porque, inúmeras peculiaridades circundam essa espécie de contratação, desde a dificuldade com as rotas, perpassando pela inexistência de interessados, até a necessidade de manutenção da continuidade do essencial serviço público de transporte escolar.

Nesse contexto, notadamente em razão de uma análise normativa sistemática e ancorada pelos mais comezinhos princípios licitatórios, vislumbra-se a possiblidade de subcontratação parcial ou integral da prestação de serviços para fins de transporte escolar.

Importante registrar que, diante da exegese sistemática dos arts. 72 e 78, inciso VI, da Lei nº 8.666/93, a doutrina especializada perfilha entendimento que ancora a possibilidade de subcontratação total ou parcial em casos desse jaez, desde que exista previsão editalícia ou contratual para tanto, bem como que tal providência não proporcione prejuízos à economicidade e à eficiência.

Aliás, considerando que o contratado originário não se afasta do vínculo com a Administração Pública, figurando como responsável pela plena execução do contrato, observa-se a possibilidade de contratação extremamente vantajosa.

De outro lado, debruçando-se sobre essa quaestio iuris, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e do Tribunal de Contas da União (TCU) não se afigura controvertida no que tange a possibilidade de subcontratação parcial. Inclusive, de maneira distinta da doutrina especializada, a jurisprudência autoriza a subcontratação quando não há vedação expressa no instrumento convocatório ou no contrato.

 Noutro giro, como visto alhures, parcela da jurisprudência do TRF1 e do TCU admite a efetivação de subcontratação total do objeto a ser contratado. Neste caso, inclusive, o Tribunal de Contas da União discorre que a responsabilidade do agente público por ter autorizado a subcontratação total do objeto pode ser mitigada pelo fato de não haver relatos de prejuízos ao erário.

Nessa linha de intelecção, ganha elevado relevo as normais insertas na Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018 e no Decreto nº 9.830, de 10 de junho de 2019, as quais instituíram disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.

Isso porque, as mencionadas normas jurídicas estabeleceram o dever de observância, por parte dos gestores e dos órgãos de controle, dos fatores e circunstâncias práticas relacionadas à contratação para fins de prestação de serviços de transporte escolar.

É dizer, em casos dessa natureza, impõe-se a análise sob o prisma da racionalidade pragmática, tais como a possibilidade de subcontratação total como um verdadeiro mecanismo antideserção, a fim de possibilitar a continuidade dos serviços públicos e a observância da regra da realização do processo licitatório, bem como extensão territorial rural dos mais longínquos rincões do país, dentre outros.

Destarte, à luz de todo o exposto, nota-se que se afigura plenamente viável e possivelmente mais vantajosa a subcontratação integral ou parcial, para fins que contratação de interessados na prestação de serviços de transporte escolar, quando realizada conforme os ditames constitucionais, respeitados os princípios que regem as licitações e a racionalidade pragmática.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.Acesso em: 24 maio 2020;

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm>.Acesso em: 24 maio 2020;

BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm>.Acesso em: 24 maio 2020;

BRASIL. Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Lei/L13655.htm>.Acesso em: 24 maio 2020;

BRASIL. Decreto nº 9.830, de 10 de junho de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D9830.htm>.Acesso em: 24 maio 2020;

CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 31ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2017;

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2014;

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 34ª. Ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2019;

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/ba/sala-de-imprensa/docs/rec-transporte-escolar-prm-bjl-18-09-2018.pdf> Acesso em 24 de maio 2020;

NETO. Floriano de Azevedo Marques; e FREITAS, Rafael Véras de. O artigo 22 da LINDB e os novos contornos do Direito Administrativo sancionador. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jul-25/opiniao-artigo-22-lindb-direito-administrativo-sancionador#author > Acesso em  24 de maio 2020;

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/jurisprudencia/inicio/> Acesso em 24 de maio 2020;

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Sobre o autor
Anderson Oliveira

Advogado. Assessor Parlamentar na Assembleia Legislativa da Bahia, Consultor Jurídico Legislativo da Associação dos Procuradores do Estado da Bahia (APEB). Pos-Graduado em Processo Civil. Aluno Especial na Disciplina Tutela Constitucional do Processo - UFBA. Palestrante. Autor de Artigos Jurídicos.

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