A interceptação telemática e infiltração policial virtual como meio eficaz no combate e prevenção ao crime

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28/05/2020 às 15:46
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7. INTELIGÊNCIA POLICIAL

Pois bem, falamos aqui de um tema bastante importante que é a punição pós-crime e da investigação criminal. Porém, no Brasil adota-se sempre a postura da repressão tardia, quando o crime já aconteceu, e talvez por este motivo o PCC – Primeiro Comando da Capital e o CV – Comando Vermelho tornaram-se as maiores facções criminosas do mundo em termos de logística e membros adeptos.

A parte preventiva dos crimes em geral não deixou de ser citada na Constituição Federal, conforme demonstra em seu art. 144:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I -Polícia Federal;

II -Polícia Rodoviária Federal;

III - Polícia Ferroviária Federal;

IV -Polícias Civis;

V -Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.

§ 1º A Polícia Federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I - Apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - Prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - Exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV - Exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil (BRASIL, 1988).

O policiamento ostensivo está descrito como forma de prevenção. Neste contexto, não deixou de entrar na prevenção a abordagem policial descrito no art. 244 CPP:

Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar (BRASIL, 1941).

Porém, apresar de todas as formas de prevenção adotados pelo Estado, o mundo globalizado com advento das redes sociais e do avanço dos aplicativos de conversas instantânea com o WhatsApp, as formas de prevenção convencionais passaram ser apenas uma modalidade de prevenção. A fase do planejamento de crime ou de manifestações sociais que afetam a segurança pública geralmente inicia-se em redes sociais. A maioria dos crimes contra a vida e contra o patrimônio se dá de forma planejada, onde o indivíduo se articula com demais para fortalecer seu grupo e dar as ordens de execução do crime, sem que qualquer investigação seja executada sobre o indivíduo principalmente pelas garantias constitucionais. Por exemplo, quando algum agente de segurança pública começa a atuar de forma incisiva no combate ao crime, logo ele torna-se um potencial alvo para ser morto, ou alvo de ameaças veladas a sua família, fazendo com que o agente fique ilhado no combate ao crime e enfraqueça o seu modo atuante. Nesta fase é que entra a atuação da inteligência de segurança pública na prevenção dos delitos.

Por outro lado, como no caso de manifestações sociais que afetam diretamente a segurança pública, entra a atuação da inteligência na seara do assessoramento do tomador de decisão.

É possível afirmar que na sociedade da informação até mesmo o Estado pode estar em perigo na medida em que não são observadas práticas racionais de processamento dos conhecimentos oriundos do mundo criminoso. Para o professor Robinson Fernandes, a Atividade de Inteligência Policial é:

Conjunto de medidas e ações adotadas objetivando adquirir e armazenar informações de interesse da Segurança Pública, da investigação policial, almejando medidas persecutórias na constituição de provas ou mesmo na prevenção, a fim de se entender um contexto e panorama criminoso, os fatos praticados pelos delinquentes, a identificação destes e o respectivo histórico, para reprimir ou antever, assessorando, a tomada de decisões, resguardando e salvaguardando todas as informações e entendimentos oriundos destas, assim como a própria instituição, de investidas adversas (FERNANDES, 2007, p. 6).

O Professor Maurício Correali contextualiza que atividade de inteligência policial se diferencia da investigação criminal quanto aos seus objetivos. Isto quer dizer que a atividade de inteligência policial é uma ferramenta de que dispõe a autoridade policial que é esteio para suas pesquisas sobre os recônditos do mundo criminal que se lhe apresenta. Correali afirma que a investigação, neste caso, tem caráter finalístico. Assim sendo, é escopo da investigação criminal “recolher todos os elementos e evidências ensejadores da responsabilização penal do autor dos fatos” (CORREALI, 2007, p. 16).

A atividade de inteligência policial tem uma raiz proativa, agindo antes das infrações penais atuando de forma eficaz na prevenção. A investigação é essencialmente reativa. pois, atua após a ocorrência do crime ou da contravenção penal.

A investigação criminal produz provas buscando a condenação do criminoso. É legítima na medida em que fá-lo respeitando o limite intransponível dos direitos e garantias individuais (PEREIRA, 2010, 12).

A inteligência coleta informações para assessoramento em futuras operações ou para prevenir que um crime venha a ocorrer.

A coleta de informações pode complementar uma investigação já iniciada ou até mesmo ser o ponto de partida.

A técnica da infiltração necessita de um meio para torná-la realidade. Terá de ser uma pessoa física que irá penetrar de forma camuflada nas estruturas sociais, não necessariamente delitivas, para cumular quaisquer tipos de dados relevantes e referentes a fatos de caráter reservado. Para tanto, o simples estabelecimento de suportes técnicos, como meio de arrecadar informações, não é, no sentido puro da palavra, uma infiltração virtual.

As informações postadas no Facebook ou em qualquer outra rede social são muito importantes no processo de assessoramento e investigação. O compartilhamento de fotos, acontecimentos, locais e textos é uma forma de ter propriedade de informações e comportamentos sobre os suspeitos de algum crime em investigação.

As informações que uma pessoa posta publicamente são monitoradas e analisadas para servir como registros e consequentemente provas. O Facebook é rico de informações.

A linha do tempo fornece um histórico da vida de uma pessoa, fotos, localização, postagens e até mesmo as curtidas e comentários podem contribuir com as evidências para prevenir ou desvendar em crime.

Ao final de um trabalho de inteligência tem-se uma teia detalhada de dados e uma engenharia social bem aprofundada. Essas análises são integradas aos sistemas e ferramentas já utilizadas pela polícia.

7.1 “Infiltração social” na inteligência no assessoramento de dados.

A rede social possui uma imensidade de informações que podem contribuir com a investigação policial de um suspeito ou vítima relacionados a um crime para encontrar evidências e gerar provas.

E isso não se limita a crimes cibernéticos. Abuso sexual, pedofilia, roubo, sequestro, homicídio, estelionato e diversos outros tipos de crimes podem deixar rastros nas redes sociais. O criminoso pode utilizar a rede social como meio ou apoio para executar o ato ilícito, onde o assessoramento de inteligência é fundamental.

Sendo assim, a Inteligência de Segurança Pública pode-se incluir uma análise em redes sociais para o encontro de vestígios e até mesmo a “infiltração social” de agentes de inteligência para monitorar ações de organização criminosa e ajudar a atuação da investigação para desvendar crimes, ainda mais nesse cenário em que as pessoas estão cada vez mais conectadas.

Como exemplo, em fontes abertas, a atuação é livre e pode ser aplicada a qualquer infração penal, inclusive independentemente de ordem judicial. A lição de Henrique Hoffmann Monteiro de Castro afirma o seguinte:

A inovação principal da infiltração policial eletrônica não está na ocultação da identidade do policial nas redes sociais, porquanto já podia ser feita licitamente para investigar. A criação de perfil falso de usuário (fake) continua sendo admitida sem autorização judicial para coleta de dados em fontes abertas. Isso porque, para interagir na internet, o usuário aceita renunciar a grande parte de sua privacidade. Logo, nada impede que o policial crie usuário falso para colher informações públicas, pois estas são disponibilizadas voluntariamente como fotos, mensagens, endereço, nomes de amigos, apelidos e familiares. Quanto a questão de falsa identidade, fica evidente a inexistência de crime pois o tipo penal demanda finalidade de obtenção de vantagem ou causar dano. Já quanto aos dados alocados na internet de forma restrita, em que o usuário só aceita renunciar a sua intimidade em razão da confiança depositada no interlocutor, a invasão ou obtenção furtiva das informações pelo órgão investigativo só pode ser feita mediante autorização judicial que permita a infiltração policial virtual. Outrossim, a utilidade maior da infiltração policial cibernética reside no uso de identidade fictícia para coletar informações sigilosas (privadas, em relação às quais há expectativa de privacidade) e na penetração em dispositivo informático do criminoso a fim de angariar provas (CASTRO, 2017, p. 53 ).

Já em 1907 o Ministro da Justiça francês assim se exprimia em um relatório ao Presidente da República:

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Nenhum progresso tem sido realizado pela justiça nos meios de chegar à descoberta da verdade, quando os criminosos utilizam todos os recursos que lhes dá a rapidez das comunicações para se afastarem do teatro do seu crime ou criarem um álibi. Os seus procedimentos delituosos modificam-se com o progresso da ciência, ao passo que os processos da instrução criminal permanecem estacionários (CRUET, 2008, p. 159).

Sendo a assertiva acima verdadeira nos alvores do século XX, torna-se absolutamente evidente e notória neste século XXI, marcado pela globalização das comunicações e pelo uso da informática e telemática como meios preferenciais de comunicação para o bem e para o mal.

Uma boa evolução para as Agências de Inteligência foi a preservação da identidade do informante:

Art. 4º-B. O informante terá direito à preservação de sua identidade, a qual apenas será revelada em caso de relevante interesse público ou interesse concreto para a apuração dos fatos.

Parágrafo único. A revelação da identidade somente será efetivada mediante comunicação prévia ao informante e com sua concordância formal (BRASIL, 2019).

Desta forma, ações de inteligência podem ser iniciadas com a proteção vital e judicial dos informantes com objetivos técnicos de como uma organização criminosa dá seus primeiros passos, fazendo com que corte na raiz um dos maiores problemas criminológicos do país na atualidade.


CONCLUSÃO

Com a evolução da criminalidade, a velocidade da transmissão de dados via internet e a comunicações através de mensagens instantâneas, fez com que o poder legislativo e o mundo jurídico também se atualizassem buscando leis inovadoras para conter o avanço dos criminosos de modo eficiente sem ferir a Constituição Federal.

O mundo cibernético se transformou em terreno fértil para a proliferação e perpetuação de ações criminosas que promovem lucros altíssimos a poderosas organizações criminosas, tais como Primeiro Comando da Capital e Comando Vermelho.

Neste aspecto a interceptação telemática disposto na Lei 9.296/96 é um meio de combate muito eficaz. A cautela principal é para não invadir o direito à privacidade e intimidade dos usuários. Por isso essa medida é de caráter última ratio, cabível apenas nos casos em que não seja possível a obtenção de provas por outros meios, estabelecendo assim os limites de atuação dos agentes públicos, sendo considerada crime quando é feita sem autorização judicial.

A infiltração virtual policial tem tido sucesso nas investigações atinentes ao enfrentamento à criminalidade organizada também aos atos isolados de pedofilia. Essa ação tem sido primordial importância em razão da evolução assustadora das novas tecnologias.

O agente que se infiltra no contexto criminoso por meio virtual, mesmo que menores, não está isento de riscos. Por esse motivo, mas também pelas ponderações de princípios fundamentais, como o da intimidade, privacidade, sigilo das informações, entre outros, a infiltração policial assume também um caráter excepcional na atividade investigativa.

A descoberta das formas de evolução do crime contidos nos bastidores da rede tem se tornado uma aspiração por parte dos agentes inteligência incumbidos em promover a prevenção ao crime organizado, pedófilos e organizações criminosas. Assim, a justificação do uso de técnicas, como a dissimulação para se infiltrar no meio cibernético, consiste em questão de política de inteligência, tendo sempre em mente consequências advindas dessa violação de direitos e garantias individuais é fatídico uma ação penal contra o agente que o fez de forma irregular.

Cada vez mais a repressão estatal é insuficiente na desarticulação da atuação criminosa. Neste mister, a prevenção assume o papel importante nesse aspecto.

A ética e a moral são questionados, uma vez que mecanismos ardis são utilizados sob a justificativa de promover a segurança pública e assegurar a justiça.

Além disso, ilícitos como o de organização criminosa, tráfico de entorpecentes, terrorismo e pornografia infantil assumem uma grande periculosidade social. Por conta disso, importante é o uso de métodos suficientes o bastante na prevenção aos crimes mais complexos.

O dever do Poder Judiciário, de fato, é zelar pelo Estado Democrático de Direito e pelos princípios fundamentais que o regem, encontrando um ponto de congruência entre os referidos princípios e os interesses do Estado de manutenção da ordem pública e da integridade das pessoas e dos seus patrimônios.

Com o advento da Lei 13.964/19, teremos um engajamento maior no combate ao crime, sendo meta da Estado e da Justiça enfrentar essa forma grave de perpetração de delitos garantindo a paz e segurança de toda sociedade.

Sobre o autor
Thelson Takeshi Iseki Kumagai

Graduado em Matemática pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (2008) Graduado em Segurança Pública pela Universidade Estadual da Paraíba -Policia Militar da Paraíba (2011); Graduação em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul - São Paulo (2013); Major da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul; Pós-Graduado Latu Sensu em Ciências Jurídicas pela Universidade Cruzeiro do Sul - São Paulo (2013); Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Escola de Direito do Ministério Público (2019). Doutorando em Ciências Jurídicas - Universidad del Museo Social Argentino (UMSA) -Buenos Aires (2021)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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