INTRODUÇÃO
Após a aprovação do Governo de coalisão pelo Parlamento israelense, o Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu reforçou a ideia de anexação de territórios pertencentes a Cisjordânia. Dessa forma, o Primeiro-Ministro deseja levar a soberania de Israel aos assentamentos judaicos no Vale do Jordão, que são defendidos por Netanyahu como os lugares onde a nação israelense se levantou. Após isso, a Palestina repudiou de maneira veemente a esse movimento, pedindo que penalidades internacionais sejam impostas a Israel e isso reforça a ideia de que um possível temor possa ocorrer na faixa de gaza, região conhecida por intensos conflitos históricos.
Cabe destacar que, Israel é uma das nações que fazem parte da Organização das Nações Unidas, instituição constituída através da Carta das Nações Unidas, que busca estabelecer a estabilidade internacional através de diversos mecanismos. Por essa razão, a ONU trata da organização e do princípio da não intervenção, princípio este que garante a paz em diversos Estados-partes, por defender a soberania do território, garantindo assim, o equilíbrio das Relações Internacionais. Ocorre que, o Estado de Israel, ao invadir territórios pertencentes a outro Estado, poderá estar violando a Carta das Nações Unidas, e de modo consequente, está sujeito a sanção da Organização das Nações Unidas.
1 – Da Organização das Nações Unidas
Depois da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional observou que era necessária a criação de uma instituição internacional que preservasse a estabilidade da paz no mundo. Então, em 26 de junho de 1945, na cidade de São Francisco, foi assinada a Carta das Nações Unidas, mas apenas em 24 de outubro de 1945 que as nações se constituíram, quando a referida Carta entrou em vigor internacional. De modo inicial, a carta foi firmada por 51 países e com o tempo mais estados aderiram.
1.1-Dos objetivos
Os objetivos da organização são indicados no artigo 1° da Carta, dessa forma, conforme a análise do doutrinador Valério de Oliveira Mazzuoli, as finalidades se perfazem em:
“a) preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade; b) reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, da dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas; c) estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos; d) promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla; e) praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum; f) empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos; g) manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim, tomar coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz; h) desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direito e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal; i) conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e j) ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns. “ [1]
Logo, para a materialização desses propósitos, os Estados-Partes devem proceder de acordo com os seguintes princípios: igualdade soberana de todos os membros; boa-fé no cumprimento das obrigações; solução pacífica das controvérsias; abstenção do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado; não intervenção em assuntos essencialmente internos dos Estados.
1.2-Dos membros
A Organização das Nações Unidas é composta por dois tipos de membros, os originários e os admitidos (ou eleitos) [2], conforme o segundo capítulo da Carta das Nações Unidas, entre os artigos 3° e 6°:
“Artigo 3
Os membros originais das Nações Unidas serão os Estados que, tendo participado da Conferência das Nações Unidas sobre a Organização Internacional, realizada em São Francisco, ou, tendo assinado previamente a Declaração das Nações Unidas, de 1 de janeiro de 1942, assinarem a presente Carta, e a ratificarem, de acordo com o artigo 110.
Artigo 4
1. A admissão como membro das Nações Unidas fica aberta a todos os Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações contidas na presente Carta e que, a juízo da Organização, estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações.
2. A admissão de qualquer desses Estados como membros das Nações Unidas será efetuada por decisão da Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança.
Artigo 5
O membro das Nações Unidas, contra o qual for levada a efeito ação preventiva ou coercitiva por parte do Conselho de Segurança, poderá ser suspenso do exercício dos direitos e privilégios de membro pela Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. O exercício desses direitos e privilégios poderá ser restabelecido pelo Conselho de Segurança.
Artigo 6
O membro das Nações Unidas que houver violado persistentemente os Princípios contidos na presente Carta, poderá ser expulso da Organização pela Assembleia Geral mediante recomendação do Conselho de Segurança. “ [3]
A ONU iniciou com 51 membros e em 2011 já faziam parte da organização 193 países. A admissão dos integrantes se faz perante a Assembleia-Geral, perante recomendação do Conselho de Segurança. Assim, a ONU prevê a suspensão e expulsão de um membro em seus artigos 5 e 6. A suspensão ocorre se levado a efeito ação preventiva ou coercitiva por parte do conselho de segurança, a expulsão acontece diante da violação dos princípios contidos na Carta.
2-Da Partilha da Palestina e da criação de Israel
No ano de criação das Nações Unidas, a Palestina era administrada pelo Reino Unido, sob mandato recebido em 1922 pela Liga das Nações. Após o termino do mandado britânico na Palestina, foi proposta uma partilha do território, pois o mundo pós segunda guerra enxergava que deveria existir alguma reparação ao povo judeu após o holocausto. Surge então Resolução 181 da Assembleia Geral da ONU, onde foi realizada a partilha da Palestina, que resultou na criação do Estado de Israel. Desse modo, em 11 de maio de 1949, Israel foi configurado como 59° Estado-Parte da Organização das Nações Unidas.
2.1-Dos conflitos ocorridos
Cabe destacar que, a região da Palestina sempre foi motivo de guerras religiosas pela reinvindicação de territórios. Após a partilha da palestina, iniciou-se o conflito árabe-israelense, em razão de países árabes não aceitarem o ocorrido. Durante a guerra, Israel ocupou a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, bem como a Península do Sinai e as Colinas de Golã [4]. Ao menos 500 mil palestinos foram deslocados de suas casas; cerca de metade deles pela segunda vez desde 1948.
Por esse motivo, o Conselho de Segurança da ONU criou a resolução 242 em 1967, que pedia a retirada das Forças Armadas de Israel dos territórios ocupados no recente conflito e o término de todas as invasões e respeito pelo reconhecimento da soberania, da integridade territorial e da independência política de todos os Estados na região e seus direitos de viver em paz com segurança e fronteiras reconhecidas. Porém, diversos governos israelenses estabeleceram assentamentos no Território Ocupado da Palestina, onde milhares de colonos israelenses vivem em cerca de 150 assentamentos na Cisjordânia.
3- Da Convenção IV de Genebra
As Convenções de Genebra e seus protocolos adicionais são tratados internacionais onde contêm normas que impedem atitudes bárbaras em guerra [5]. A Convenção protege pessoas que não participam do combate e os que os militares e participantes da guerra que estão feridos. A Convenção de IV de Genebra outorga a proteção de civis, inclusive em território ocupado, como é visível, no em seu artigo 49:
“Artigo 49.º
As transferências forçadas, em massa ou individuais, bem como as deportações de pessoas protegidas do território ocupado para o da Potência ocupante ou para o de qualquer outro país, ocupado ou não, são proibidas, qualquer que seja o motivo.
Contudo, a Potência ocupante poderá proceder à evacuação total ou parcial de uma dada região ocupada, se a segurança da população ou imperiosas razões militares o exigirem. As evacuações não poderão abranger a deslocação de pessoas protegidas para fora dos limites do território ocupado, a não ser em caso de impossibilidade material. A população assim evacuada será reconduzida aos seus lares logo que as hostilidades tenham terminado neste sector.
A Potência ocupante, ao realizar estas transferências ou evacuações, deverá providenciar, em toda a medida do possível, para que as pessoas protegidas sejam recebidas em instalações apropriadas, para que as deslocações sejam efetuadas em condições satisfatórias de higiene, sanidade, segurança e alimentação e para que os membros de uma mesma família não sejam separados uns dos outros.
A Potência protetora será informada das transferências e evacuações logo que elas se efetuem.
A Potência ocupante não poderá reter as pessoas protegidas numa região particularmente exposta aos perigos da guerra, a não ser que a segurança da população ou imperiosas razões militares o exijam.
A Potência ocupante não poderá proceder à deportação ou à transferência de uma parte da sua própria população civil para o território por ela ocupado. “ [6]
No último parágrafo do artigo, a Convenção trata da transferência de sua população para territórios ocupados, com o claro intuito de evitar possíveis anexações de territórios soberanos, mesmo em tempos de guerra.
4-Dos assentamentos ilegais
A Organização das Nações Unidas divulgou em fevereiro de 2020, uma lista de 112 empresas ligadas a assentamentos na Cisjordânia, que são considerados ilegais pelo Direito Internacional [7]. Entre os nomes na lista estão empresas como Airbnb, Alstom, Booking.com e Motorola Solutions. O relatório foi criado em razão a uma resolução de 2016 do Conselho de Direitos Humanos da ONU, solicitando um banco de dados de todas as empresas envolvidas em atividades específicas relacionadas aos assentamentos israelenses nos territórios palestinos ocupados. A diplomacia da Palestina afirmou que a lista é uma vitória para o Direito Internacional e para os Palestinos.
O chanceler da Autoridade Nacional Palestina, Riyad al-Maliki, falou que “publicar essa lista de empresas e entidades que operam nas colônias é uma vitória para o direito internacional e para nossos esforços diplomáticos, a fim de secar os poços do sistema colonial encarnado pelos assentamentos ilegais nos territórios palestinos ocupados". O Governo israelense considerou o relatório uma rendição vergonhosa aos países hostis a Israel, "Esta é uma rendição vergonhosa à pressão de países e organizações que querem prejudicar Israel", declarou o Ministério das Relações Exteriores.
5- Da possível anexação da Cisjordânia
Em maio do corrente ano, o Parlamento israelense aprovou um governo de coalizão entre o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e Benny Gantz, encerrando a maior crise política da História moderna do País. Com o acordo realizado, Netanyahu que defende a anexação de territórios, poderá realizar sua vontade de incorporar os assentamentos judaicos e ao Vale do Jordão na Cisjordânia, território ocupado por Israel em 1967.
“Essas regiões são onde a nação judaica nasceu e se levantou. É hora de aplicar a lei israelense e escrever outro grande capítulo nos anais do sionismo “ — disse Netanyahu. [8]
Os Palestinos, que defendem a criação de um território independente na região da Cisjordânia, se opuseram veementemente ao ocorrido, pedindo sanções internacionais a Israel:
"Essas posições coloniais e expansionistas confirmam mais uma vez sua inimizade ideológica (de Netanyahu) em relação à paz", afirmou o Ministério das Relações Exteriores da Palestina em comunicado.
O Governo dos Estados Unidos se diz pronto para reconhecer as anexações. Todavia, ao contrário dos EUA, a comunidade internacional nega a legitimidade dos atos, alertando para o início de um possível confronto entre os países [9]. A União Europeia alertou que a nova proposta de Israel pode trazer consequências para as relações bilaterais. O representante da União Europeia para a Política Externa e Segurança Comum, Josep Borrell, assegurou que o plano do presidente dos EUA não se encaixa nos parâmetros aceitos internacionalmente para pôr fim ao conflito entre Israel e a Palestina.
Contudo, existe uma falta de consenso da União Europeia, pois países como a Hungria, Bulgária, Romênia e República Tcheca são aliados de Israel e apoiam o plano do País e tentam bloquear as medidas punitivas, enquanto outros Estados que questionam abertamente a ocupação, como França, Bélgica, Suécia e Irlanda.
6-Conclusão
Os conflitos entre árabes e israelenses, que pareciam estar próximos da estabilização, podem retornar. A razão da guerra entre a Palestina e Israel, durante muitos anos, foi a religião, porém, o que é observado hoje, é que um novo conflito pode ser iniciado pelo aparente descumprimento de normas de Direito Internacional por parte de Israel, que insiste na tentativa de incorporar territórios na Cisjordânia. A insatisfação dos palestinos é óbvia, diante da vontade israelense de imposição de sua soberania perante ao país árabe.
A Carta das Nações Unidas resta clara em relação aos seus princípios, que podem ser descumpridos por Israel, onde estabelece condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, além de praticar a tolerância e viver em paz, dentre outras normas. A Convenção IV de Genebra também é imperiosa no quesito guerra, onde trata do não estabelecimento de população civil da potência ocupante em território ocupado.
A pacificação das relações entre Palestina e Israel se torna ainda mais complicada com o apoio aos assentos israelenses, por parte dos Estados Unidos e pela falta de concordância entre os países pertencentes à União Europeia, onde alguns estados apoiam Israel e outros discordam. O perigo de um possível conflito que geraria risco a vidas humanas que vivem nessas regiões é grande e existe a necessidade de atuação de organismos internacionais, além do apoio a coibição de uma possível tentativa de ocupação por parte de Israel, que caso ocorresse, estaria violando as normas de Direito Internacional.
REFERÊNCIAS
[1] (Curso de Direito Internacional Público / Valerio de Oliveira Mazzuoli. – 12. ed. – Pág 930 - Rio de Janeiro: Forense, 2019).
[2] (Curso de Direito Internacional Público / Valerio de Oliveira Mazzuoli. – 12. ed. – Pág 931 - Rio de Janeiro: Forense, 2019).
[3]https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2017/11/A-Carta-das Na%C3%A7%C3%B5es-Unidas.pdf