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Art. 142 da Constituição Federal: afinal, existe intervenção militar constitucional?

De como Ives Gandra está equivocado ao estabelecer às Forças Armadas a função de Poder Moderador

07/06/2020 às 11:38
Leia nesta página:

O presente artigo tem como objetivo tratar de uma grande celeuma jurídica criada recentemente, em função da interpretação dada por Ives Gandra Martins sobre o Artigo 142 da Constituição Federal, legitimando, em tese, uma intervenção militar constitucional

É certo que há um intenso debate acerca da proposta indicada pelo eminente jurista Ives Gandra Martins, o qual tem defendido a tese de que cabe as Forças Armadas em caso de graves conflitos institucionais, agir como uma espécie de Poder Moderador diante de tal situação, pois que, na sua visão, conforme comando constitucional do art.142, cabe as Forças Armadas repor a lei e a ordem nesses tipos de casos.1

Cabe enfatizar que a “grave crise institucional” que o jurista vem pontuando, tem a ver com fato do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, ter “barrado” a nomeação para Direção Geral da Polícia Federal de um nome indicado pelo Presidente da República, que, como sabemos, é de sua atribuição, consoante reza a Lei Maior.

Por esse motivo e entre outros, o jurista vem entendo que há um excessivo ativismo judicial por parte do STF, usurpando, dessa maneira, atribuições próprias do Presidente da República.

Entretanto, o objetivo deste artigo é analisar a questão das Forças Armadas como Poder Moderador, ensejando uma espécie de “Intervenção Militar Constitucional” que tem sido defendido pelo jurista, bem como pelo Presidente da República e seus aliados.

Então vamos aos fatos que importam aqui. Pois bem, cabe rememorar o que foi afinal o Poder Moderador. O Poder Moderador era um dos poderes que constituíam as instituições do Império Brasileiro (1822 a 1889). No Brasil, o Império foi construído como forma de harmonizar as tradições políticas conservadora e liberal, então vigentes nas tradições monárquicas de origem europeia após a queda do Império Napoleônico em 1815. O Poder Moderador coexistia com os poderes legislativo, judiciário e executivo, formando, assim, um quarto poder.2

O exercício desse poder era conferido apenas ao imperador, que tinha o objetivo de “vigiar a Constituição” e “harmonizar” os outros poderes, como pode ser visto na definição que a Constituição Imperial de 1824 fornece em seu artigo 98:

“O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e é delegado privativamente ao imperador, como chefe supremo da nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos.”3

A ideia encabeçada pelo Estadista Francês Benjamin Constant era compreendida mediante um prisma de “poder neutro”. Entretanto, sem entrar no mérito das questões sociais que eram acometidas na época, ficou evidente que tal poder serviu na verdade para que o Imperador controlasse as demais instituições, tendo amplos poderes e uma vigilância autoritária diante das demais funções governamentais.

Diametralmente oposta é a Função das FAs no atual comando constitucional. Isso porque capitulado no título V que trata da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, ou seja, apesar do Presidente da República ser o comandante supremo (que não é o mesmo de absoluto) é correto afirmar que a Instituição Militar não serve para a sua defesa, pois que é uma Instituição de Estado, devendo servir unicamente ao Estado brasileiro, independentemente de eventuais e transitórios Governos.

Pois bem, se o Chefe do Executivo Federal quisesse se defender de eventuais avanços por parte de algumas instituições, que utilizasse dos diversos mecanismos legais que o possibilitam e advogam sobretudo pelo diálogo, assim como possibilitam a via recursal para eventual insatisfação com determinadas decisões judiciais.

Vejamos a literalidade do art.142 da Constituição Federal para que fique mais claro:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Ora, diante do texto normativo, não há como se interpretar que as FAs serviriam como uma espécie de Poder Moderador, ainda mais com a finalidade de tutelar os interesses do Presidente da República.

É evidente, com todo respeito ao jurista, que sua interpretação não leva em conta o princípio da unidade da Constituição, que deve ser interpretada como um todo, e não apenas em uma pequena fração que lhe convém e, em sendo assim, simplesmente coloque “ordem” em uma crise meramente político-ideológica, fugindo completamente das suas atribuições constitucionais que, repita-se, serve para a defesa do Estado e das Instituições Democráticas, Instituições estas que merecem tanto a tutela dos militares como o Poder Executivo, que apenas faz parte desse todo, não podendo ser “defendido” de forma isolada e usando a força militar para benefício próprio, sob pena de usurpação de poder.

Por isso mesmo, vale as lições do professor Lenio Streck 4, quando disse:

[...]

O pior de tudo é termos que insistir no fato de que a interpretação do Direito não comporta relativismos. Ora, se o artigo 142 pudesse ser lido desse modo, a democracia estaria em risco a cada decisão do STF e bastaria uma desobediência de um dos demais Poderes. A democracia dependeria dos militares e não do poder civil. Seria um haraquiri institucional.

[...]

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Portanto, respondendo à pergunta inicial do texto, é preciso ser enfático, NÃO EXISTE POSSIBILIDADE JURÍDICA DE UMA INTERVENÇÃO MILITAR DEMOCRÁTICA/ CONSTITUCIONAL, falar em Intervenção Militar na atual Constituição Republicana é uma ofensa sem tamanho para com o Estado Constitucional de Direito.

É necessário que sejamos vigilantes em vista desse cenário caótico que tenta legitimar uma intervenção totalmente inconstitucional em outro Poder Estatal a fim de atender interesses que não bastassem serem individuais, são extremamente autoritários, banalizando a função de uma Instituição da mais alta envergadura Republicana.


REFERÊNCIAS

  1. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Harmonia e independência dos poderes? Consultor Jurídico - CONJUR, 2 de maio de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai02/ives-gandra-harmonia-independencia-poderes e MARTINS, Ives Gandra da Silva. Cabe às Forças Armadas moderar os conflitos entre os Poderes. Consultor Jurídico - CONJUR, 28 de maio de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-28/ives-gandra-artigo-142-constituicao

  2. FERNANDES, Cláudio. "Poder Moderador"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/poder-moderador.htm. Acesso em 04 de junho de 2020.

  3. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm

  4. https://www.conjur.com.br/2020-mai-21/senso-incomum-ives-gandra-errado-artigo-142-nao-permite-intervencao-militar

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Sobre o autor
Gabriel Barros Vieira Santos

Acadêmico em Direito da Faculdade de Aracaju.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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