Hermenêutica Jurídica: Primeiras impressões

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07/06/2020 às 20:35
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[1] A Teoria da Constituição, dentro do pensamento schmittiano, é a teoria daquilo que forma um Estado, isto é, da unidade política de um povo. Com essa assertiva já é possível perceber que há diferença entre a ideia material de Constituição e o conceito formal de constituição, o qual a coloca, neste último caso, como um mero sistema de normas, sem obrigatoriedade de consonância com a realidade do povo e sem obrigatoriedade de ser ideal.

Diz Schmitt que o conceito de Estado pressupõe o conceito do Político. Ocorre que o político na concepção schmittiana não está vinculado a um conteúdo. Antes, é pura indeterminação e, por isso, poderá ser qualquer coisa, bastando que exista a força que o permite se afirmar – uma força, aponte-se, também sem conteúdo, avalorativa, não organizada, precedente a qualquer instituição, ou seja, tão radical quanto o velho conceito de maldade da teoria do hobbesiana do Leviatã, a qual, por sinal, atravessa a teoria schmittiana.

[2] Ferdinand Lassale (1825-1864) foi teórico socialista, escritor e político alemão de origem judia. Precursor da social-democracia alemã, foi contemporâneo de Marx, e ambos estiveram juntos durante a Revolução Prussiana de 1848 até romperem relações em 1864. Foi combativo e ativista propagandista dos ideais democráticos, proferiu em 16.04. 1862, numa associação liberal-progressista de Berlim, a conferência que serviu de base para importante obra voltada para o estudo do estudo do direito constitucional, editado e traduzido para o português com o título " A Essência da Constituição".

Cunhou a acepção sociológica de Constituição. E, a sua tese fora contraposta por Konrad esse, que cunhou o conceito concretista de Constituição, por considerar que a Constituição não é um simples livro descritivo da realidade, o que transformaria num simples documento sociológico, mas norma jurídica, pelo que haveria de se estabelecer uma relação dialética entre o ser e o dever ser.

[3] Ferdinand Lassalle (1825-1864) foi teórico socialista, escritor e político alemão de origem judia. É considerado como precursor da social-democracia alemã, sendo contemporâneo de Marx e, ambos estiveram juntos durante a Revolução Prussiana de 1848 até que romperam relações, em 1864. Foi combativo e ativista da propaganda dos ideais democráticos, proferiu em1 16 de abril de 1862, a conferência que serviu de base para um livro relevante para o estudo do direito constitucional.

[4] Consoante à teoria marxista, a luta de classes que compõe a história da humanidade é uma luta material, baseada na produção, e essas constatação levou Marx a reconhecer que a análise sociológica é uma análise materialista e histórica, criando então o conceito de materialismo histórico dialético.

[5] A supremacia da Constituição considerada rígida como é a nossa Constituição atual, de 1988, significa que há uma dificuldade maior, tendo que passar por todas as solenidades, em alterar as normas jurídicas que organizam o Estado.

Pode-se afirmar, portanto, que em um sistema jurídico dotado de supremacia constitucional, todas as normas constitucionais, independentemente de seu conteúdo, equivalem-se em termos de hierarquia e são dotadas de supremacia formal em relação às demais normas infraconstitucionais.

A consolidação da tese da supremacia da Constituição está intimamente ligada às ideias propostas por Konrad Hesse, a partir da divulgação de sua obra “A Força Normativa da Constituição”, que se contrapõem às ideias pugnadas por Ferdinand Lassalle.

 

[6] Konrad Hesse (1919-2005) foi jurista alemão que, de 1975 até 1987, exerceu a função do Juiz do Tribunal Constitucional Federal alemão, localizado em Karlsruhe. Sua influência no Brasil foi profunda e tal se deve, por meio indireto, à tradição do Direito Constitucional português, por efeito das obras de seu discípulo José Joaquim Gomes Canotilho.

E, de modo direto, às traduções de seus livros no Brasil, especialmente A força normativa da Constituição, por Gilmar Ferreira Mendes, e Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, por Luís Afonso Heck, ambos publicados por Sergio Antonio Fabris Editor. E, mais recentemente, Otavio Luiz Rodrigues Junior traduziu Direito constitucional e direito privado, editado pela Forense Universitária. Os escritos de Hesse são até hoje muito citados na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

[7] Martin Heidegger (1889--1976) foi um filósofo, escritor, professor universitário e reitor alemão foi um pensador seminal na tradição continental e hermenêutica filosófica e, é amplamente reconhecido como um dos filósofos mais originais e importantes do século XX. É mais conhecido por suas contribuições para a fenomenologia e existencialismo, embora, como a Enciclopédia de Stanford de Filosofia adverte, seu pensamento deve ser identificado como parte de tais movimentos filosóficos apenas com extremo cuidado e qualificação.

Ele enfatizou a importância da autenticidade na existência humana, envolvendo uma relação verdadeira com a nossa inclinação para um mundo com o qual estamos "sempre" preocupados, e com o nosso ser-para-a-morte, a finitude do tempo e do ser que nos é dado, e o fechamento de nossas várias possibilidades de ser através do tempo.[2] Também fez contribuições críticas às concepções filosóficas da verdade, argumentando que seu significado original era o não-encanto, a análise filosófica da arte como um local da revelação da verdade e à compreensão filosófica da linguagem como a "casa do ser".

O trabalho posterior de Heidegger inclui críticas à compreensão instrumentalista da tecnologia na tradição ocidental como "enquadramento", tratando toda a natureza como uma "reserva permanente" para fins humanos.

[8] O Dasein é o ente mais importante para a compreensão de todas as coisas, é o caminho por onde devemos começar a questionar e a responder a questão sobre o ser, pois ele possui uma compreensão – e uma pré-compreensão – deste, e um modo de se relacionar com sua própria existência que não existe

nos outros entes.  O Dasein é o único ente capaz de compreender a si mesmo, e essa compreensão se dá na medida em que é, em que exerce o seu existir. Ele é um ente ontológico porque traz em si o sentido de ser, e é pré-ontológico por já ter uma (pré) compreensão desse sentido, uma compreensão antes mesmo de poder teorizá-la, o que Heidegger chama de uma compreensão pré-teórica. O Dasein é o único ente a possuir um sentido, o único capaz de criar, desejar, construir, destruir, e tudo mais que demonstre sua total interação com a própria existência, o que não é possível nos demais entes.

[9] Hans-Georg Gadamer (1900-2002) foi um filósofo alemão considerado como um dos maiores expoentes da hermenêutica (interpretação de textos escritos, formas verbais e não verbais). Sua obra de maior impacto foi Verdade e Método de 1960, onde elabora uma filosofia propriamente hermenêutica, que trata da natureza do fenômeno de compreensão.

É considerado um dos mais importantes pensadores do século XX, tendo tido um enorme impacto em diversas áreas, da estética ao direito, e tendo adquirido respeito e reputação na Alemanha e em outros lugares da Europa que foi muito além dos limites costumeiros da academia. Os muitos ensaios, palestras e entrevistas de Gadamer sobre ética, arte, poesia, ciência, medicina e amizade, bem como referências ao seu trabalho por pensadores nesses campos, atestam a onipresença e relevância prática do pensamento hermenêutico hoje.

[10] Paul Ricoeur (1913-2005) foi um dos grandes filósofos e pensadores franceses do período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Suas obras importantes são: A filosofia da vontade (primeira parte: O voluntário e o involuntário, 1950; segunda parte: Finitude e culpa, 1960, em dois volumes: O homem falível e A simbólica do mal). De 1969 é O conflito das interpretações. Em 1975 apareceu A metáfora viva.  Em O voluntário e o involuntário, Ricœur dirige a atenção para a relação recíproca entre voluntário e involuntário, assim como esta relação se configura no tríplice dimensão do decidir, do agir e do consentir. Em poucas palavras, necessidades, emoções e hábitos premem sobre o querer, que replica a eles, por meio da escolha, do esforço e do consentimento. Escreve Ricœur: "Eu suporto este corpo que governo".

O sentido do trabalho filosófico de Ricœur deve ser visto em uma teoria da pessoa humana; conceito - o de pessoa - reconquistado após uma peregrinação fatigante na floresta das produções simbólicas do homem, depois das devastações produzidas na ideia de consciência pelos mestres da "escola da suspeita".

Eis, a propósito, um pensamento do próprio Ricœur (1983): "Se a pessoa voltar, isso se dará porque ela continua o melhor candidato para sustentar as batalhas jurídicas, políticas, econômicas e sociais". Com efeito, no confronto com a "consciência", com o "sujeito" ou o "eu", a pessoa é um conceito que sobreviveu e que hoje voltou a viver com força.

[11] O conceito de dignidade da pessoa humana, na filosofia de Immanuel Kant, é apreendido na obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”. A problemática central do livro refere-se à seguinte questão: como devo agir para que a minha ação seja boa? A resposta à referida indagação fará menção ao conceito de dignidade para Kant.

O filósofo responde à indagação “Como devo agir para que a minha ação seja boa” através da seguinte metodologia: a) conceituação da ação boa através da boa vontade; b) utilização da razão pura, ou a priori, que exclui as regras da experiência (empíricas) como orientadoras da ação humana, antes, vale-se de regra existente na razão independentemente de qualquer experiência; c) estabelecimento de uma lei universal que garanta a ação boa; d) estabelecimento da finalidade fundamental da lei universal; e) o dever como único motivo racional que impele o sujeito a agir conforme a lei universal.

[12] Jürgen Habermas é filósofo e sociólogo alemão que participa da tradição da teoria e do pragmatismo, sendo membro da Escola de Frankfurt. Dedicou sua vida ao estudo da democracia, especialmente por meio de suas teorias do agir comunicativo (ou teoria da ação comunicativa), da política deliberativa e da esfera pública. Ele é conhecido por suas teorias sobre a racionalidade comunicativa e a esfera pública, sendo considerado um dos mais importantes intelectuais contemporâneos.

O trabalho de Habermas trata dos fundamentos da teoria social e da epistemologia, da análise da democracia nas sociedades sob o capitalismo avançado, do Estado de direito em um contexto de evolução social (no qual a racionalização do mundo da vida ocorre mediante uma progressiva libertação do potencial de racionalidade contido na ação comunicativa, de modo que a ação orientada para o entendimento mútuo ganha cada vez mais independência dos contextos normativos) e da política contemporânea, particularmente na Alemanha.

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Em seu sistema teórico, nomeadamente quando desenvolve o conceito de democracia deliberativa, indica as possibilidades da razão, da emancipação e da comunicação racional-crítica, latentes nas instituições modernas e na capacidade humana de deliberar e agir em função de interesses racionais. Habermas é, também, conhecido por seu trabalho sobre a modernidade e particularmente sobre a racionalização, nos termos originalmente propostos por Max Weber. O pensamento de Habermas também tem sido influenciado pelo pragmatismo americano, pela teoria da ação e mesmo pelo pós-estruturalismo.

[13] O Estatuto da Pessoa com Deficiência é a denominação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei Nacional nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Esta lei em vigor no Brasil garante os direitos das pessoas com deficiência e impõe as penalidades a quem infringir a lei.

[14] Dentro da ordem jurídica constitucional não é possível aceitar que o homem seja reduzido a condição de coisa, como resultada das ideias de Marx. Tal coisificação constitui justamente a antítese da dignidade da pessoa humana. Admitir esta redução permitiria submeter a atos degradantes e desumanos, restringindo demasiadamente o âmbito de proteção da dignidade. Habermas posicionou-se contrariamente à ideia de coisificação do ser humano, que a racionalidade instrumental apresentava. Todo o poder do Estado vem do povo.

É o poder comunicativo dos cidadãos, com capacidade de autodeterminação que legitima o direito. São os Direitos Fundamentais que proporcionam o fluxo livre de opiniões, pretensões de validade e tomadas de posição. Percebe-se que a dignidade da pessoa humana, traduzida, seja em poder de autodeterminação, seja em direitos fundamentais, é a base tanto da democracia como da legitimação do direito.

[15] Emilio Betti (1890-1968) foi jurista italiano, tendo se dedicado especialmente ao Direito Romano, além de filósofo e teólogo. Ele é mais conhecido por suas contribuições à hermenêutica, como consequência de seu interesse por interpretação. Como filósofo do Direito, aproximou-se do interpretativismo. Foi entre muitas coisas, membro da comissão responsável pela redação do Código Civil Italiano de 1942.

Sendo forte a influência do pensamento de Betti entre civilistas brasileiros, que mantêm grande proximidade e interesse no direito civil italiano, tendo Código Civil Italiano de 1942 inspirado a comissão encarregada da elaboração do atual Código Civil brasileiro.

[16] Otto Marques Silva é autor da obra intitulada "A Epopeia Ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje", 1995.  O conceito de normalidade/anormalidade é uma produção construída socialmente, tanto nos aspectos qualitativos (tipos característicos) quanto nos aspectos quantitativos (graus da diferença).

A relação intrínseca a estes dois aspectos seria a questão do status social, da cidadania e do redimensionamento conceitual que a sociedade deve gerar constantemente diante dos paradigmas e preceitos que são elaborados pelos polos sócio-político-econômico-culturais.

[17] Hospício foi fundado por volta de 1260 por St. Louis, então localizado na Rue Saint-Honoré, na esquina da Rue Saint-Nicaise, em um pedaço de terra chamado de Champourri. O nome quinze-vingts significa trezentos no sistema numérico vesimal, e, de fato o hospício continha em trezentos leitos. Luís IX construiu tal casa para abrigar os trezentos cavaleiros feitos prisioneiros pelos sarracenos durante a sétima cruzada e, que tiveram os olhos queimados antes de serem libertados.

No entanto, Jean de Joinville não cogita sobre isso e nenhuma fonte da época o atesta. Segundo Leon Le Grand, historiador de Quinze-Vingts, seria uma lenda publicada no século XVI. O Papa Clemente IV recomendou esta instituição aos prelados em uma Bula datada de 1265, convidando-os a trazer seus presentes. De fato, em troca de seus privilégios (acomodação, comida e roupas), os moradores oravam pela família real, pelos benfeitores e doadores do hospício.

[18] Os Quinze-Vingts inspiraram Voltaire a história Pequena digressão, também chamada Os juízes cegos das cores (1766), que defende o agnosticismo comparando os religiosos com os cegos que julgam a cor da túnica e os surdos que julgam os música.

[19] Phillippe Pinel (1745-1826) nasceu na prisão, nas colinas de Jonquières, França. Depois de receber um diploma da faculdade de medicina em Toulouse, estudou mais quatro anos na Faculdade de Medicina de Montpellier.

Ele chegou a Paris em 1778 e é considerado por muitos o pai da psiquiatria.  A obra mais importante escrita por Pinel foi "Traité médico-philosophique sur l’aliénation mentale ou la manie".  Pinel considerava emigrar para a América. Em 1784 ele se tornou editor da não muito prestigiosa revista médica The Gazette de santé, um semanário de quatrocentas mil páginas. Ele também era conhecido entre os cientistas naturais como um colaborador retangular do Jornal de physique. Polímata, estudou matemática, traduziu obras médicas para o francês e empreendeu expedições botânicas. 

Por volta desta mesma época, começou a desenvolver um grande interesse pelo estudo da doença mental. O incentivo foi uma questão pessoal. Um amigo havia desenvolvido uma "melancolia nervosa" que se "degenerou em mania" e resultou em suicídio. Pinel considerou o evento uma comédia desnecessária, causada por uma péssima gestão da situação, o que parece tê-lo assombrado. Isso o levou a procurar emprego em um dos sanatórios particulares mais conhecidos de Paris, o qual era voltado ao tratamento da demência.

[20] O Gabinete da Política Racial foi um departamento do Partido Nazi (NSDAP), que foi criado para "unificar e supervisionar todas as doutrinação e trabalhos de propaganda na área das políticas raciais e da população". O gabinete foi criado em 1933 com a designação Gabinete do NSDAP para Esclarecimento à População das Políticas Raciais e do Bem-estar (em alemão: Aufklärungsamt für Bevölkerungspolitik und Rassenpflege). Em 1935, mudou de designação para Gabinete de Política Racial do NSDAP (alemão: Rassenpolitisches Amt der NSDAP ou RPA). O Dr. Walter Gross manteve-se o único diretor até ao seu suicídio no final da Segunda Guerra Mundial, em abril de 1945.

[21] A biografia de Hitler em sua ancestralidade aponta para o pai, chamado Alois Hitler que era filho ilegítimo de Maria Anna Schicklgruber. Sua certidão de nascimento não trazia o nome do seu pai, então Alois inicialmente assumiu o sobrenome da mãe, Schicklgruber.

Adolf Hitler nasceu em 20 de abril de 1889 em Braunau am Inn, uma cidade da Áustria-Hungria (hoje em dia localizada na Áustria), próximo à fronteira do Império Alemão. Ele era um dos seis filhos nascidos de Alois Hitler e Klara Pölzl (1860–1907). Três dos seus irmãos — Gustav, Ida e Otto — morreram ainda na infância. Quando Hitler tinha apenas três anos, sua família se mudou para Passau, na Alemanha. Lá ele adquiriu um dialeto bávaro, que trouxe uma marca reconhecível a sua voz. 

A família retornou para a Áustria e se assentou em Leonding em 1894 e em junho de 1895 Alois se aposentou em Hafeld, próximo de Lambach, onde ele passou a criar abelhas. Hitler estudou numa Volksschule (escola pública) próximo a Fischlham. Há registros que a mãe de Hitler, Klara tinha problemas mentais, tendo mesmo falecido completamente inválida. Um dos Ministros nazistas Goebbels era deficiente físico.

[22] O princípio in claris cessat interpretatio não tem mais aplicação na atualidade, pois mesmo quando o sentido da norma é claro não existe, desde logo, a segurança de que a mesma corresponda à vontade legislativa, pois é bem possível que as palavras sejam defeituosas ou imperfeitas que não produzam em extensão o conteúdo.

É intrigante e até mesmo preocupante que justamente em sede jurisprudencial, em que se exerce uma das mais importantes e sublimes formas de aplicação do Direito e da lei, constate-se maior apego à vetusta parêmia in claris cessat interpretatio.

Não estariam eles cientes da “alta missão de, ao aplicar a lei, aplicar sua finalidade social e as exigências do bem comum” ou de “vencer os óbices criados por leis reacionárias ou prenhes de individualismo”, a que se reporta Oscar Tenório? Para nossa decepção pessoal, a resposta for negativa para um significativo número de julgadores.

Quão importante se mostrou a análise zetética da interpretação, com ligeiras incursões pelos prados da comunicação, para o desenvolvimento de nosso trabalho: a partir dela, foi-nos revelada sua irresistível necessidade diante de qualquer texto normativo, com o duplo objetivo de “determinar, não apenas, o sentido da norma, mas também o seu alcance, a sua extensão, a sua adaptação aos casos concretos”33, vale dizer, seu conteúdo e aplicação. In: MEDEIROS, Morton Luiz Faria. A clareza da lei e a necessidade de o Juiz interpretá-la. Revista de Informação Legislativa. Brasília a 37, n.146 abr/jun/2000.

[23] Nomeado o curador e fixados os limites da curatela pelo juiz, caberá ao primeiro exercitá-la na forma da lei, incumbindo-lhe, desde logo, prestar compromisso por termo em cartório (artigo 759, parágrafo 1º, novo CPC), bem como prestar caução bastante (artigo 1.745, c.c. artigo 1.774, ambos do CC), que poderá ser dispensada se o patrimônio não for de valor considerável ou o curador for de reconhecida idoneidade (parágrafo único do artigo 1.745).

[24] O Professor Paulo Lôbo, em excelente artigo, sustenta que, a partir da entrada em vigor do Estatuto, "não há que se falar mais de 'interdição', que, em nosso direito, sempre teve por finalidade vedar o exercício, pela pessoa com deficiência mental ou intelectual, de todos os atos da vida civil, impondo-se a mediação de seu curador. Cuidar-se-á, apenas, de curatela específica, para determinados atos". LÔBO. Paulo. Com avanço legal pessoas com deficiência mental não são mais incapazes. Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-ago-16/processo-familiar-avancos-pessoas-deficiencia-mental-nao-são-incapazes . Acessado em 09.10.2019.

[25] O direito brasileiro admite a interdição de maiores considerados capazes, a saber: a) Psicopatas (dementes, imbecis, dipsomanos) que, por serem portadores de enfermidade mental, não estão aptos a dirigir a si mesmos e seus bens; b) Toxicômanos, ou seja, aqueles que, viciados, abusam habitualmente e irresistivelmente de tóxicos ou entorpecentes; c) Surdos que não receberam a educação apropriada e, em razão disso, não conseguem emitir sua vontade; d) Pródigos, que são as pessoas que dissipam descontroladamente seu patrimônio como se não tivessem noção da importância da riqueza material.

[26] Cogita-se, então, na flexibilização da curatela que passaria a ser medida protetiva personalizada ou customizada, (In: ABREU, Célia Barbosa. Primeiras Linhas sobre a Interdição após o Novo Código de Processo Civil, 2015.

[27] O curador deverá apresentar balanços anuais e prestar contas a cada dois. Esta obrigação tem previsão legal (artigos 1.755, 1.756 e 1.757, c.c. artigo 1.774, todos do Código Civil e artigo 84, parágrafo 4º, da Lei 13.146/15), sendo inerente ao próprio exercício da administração de coisas alheias, não podendo ser dispensada sob o fundamento de idoneidade dos curadores, principalmente em razão da existência de bens, com patrimônio cuja gestão deve ser fiscalizada em benefício do incapaz.

[28] Ao Ministério Público, por fim, incumbe velar pelo bem-estar do incapaz, fiscalizando o exercício da curatela e supervisionando as contas apresentadas, podendo apresentar, para esse fim, impugnação à prestação de contas, exigir sua complementação, além de esclarecimentos e, até mesmo, em último caso, a remoção do curador, nos termos do artigo 761 do CPC.

[29] Instituto consagrado pelo ora comentado Estatuto. Sempre que possível, deve ser a primeira opção assistencial, antes de se pretender a sujeição à curatela: "Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade. § 1ºPara formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar.

§ 2º O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada, com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo.

§ 3º Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada, o juiz, assistido por equipe multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio. § 4º A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado.

§ 5º Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contra-assinem o contrato ou acordo, especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado. § 6º Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a questão.

§ 7º Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou não adimplir as obrigações assumidas, poderá a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz. § 8º Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará, ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse, outra pessoa para prestação de apoio. § 9º A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada. § 10º.

O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do processo de tomada de decisão apoiada, sendo seu desligamento condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria. § 11. Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber, as disposições referentes à prestação de contas na curatela.”

[30] Pablo Stolze Gagliano apontou que o Estatuto de Pessoa com deficiência operou verdadeira desconstrução ideológica e não se opera sem efeitos colaterais, os quais exigirão um intenso esforço de adaptação hermenêutica. Dentro da perspectiva do Princípio da Vedação ao Retrocesso, a melhor solução há de ser galgada.

A pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo, seja de natureza física, mental, intelectual ou sensorial nos termos do artigo 2º não deve mais ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz, na medida em que os artigos 6º e 84 do mesmo diploma, deixando claro que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa. O doutrinador baiano com razão afirma que o referido Estatuto inaugura novo conceito de capacidade que vige em paralelo ao previsto no artigo 2º do Código Civil brasileiro.

[31] A doença ou o transtorno mental, conforme assinala a Associação Brasileira de Psiquiatria engloba um amplo espectro de condições que afetam a mente (nosso mapa genético, química cerebral, aspectos de nosso estilo de vida, acontecimentos passados). Seja qual for a causa, a pessoa que desenvolve a doença ou o transtorno mental muitas vezes se sente em sofrimento, desesperançada e incapaz de levar sua vida em plenitude. Caracteriza-se, portanto como uma variação mórbida do normal, capaz de produzir prejuízo no desempenho global da pessoa nos âmbitos social, ocupacional, familiar e pessoal. 

Dessa forma, se na deficiência o indivíduo apresenta desenvolvimento intelectual reduzido ou incompleto, não dispondo, por conseguinte, de instrumentos necessários à boa compreensão de todas ou de parte das coisas, na doença ou no transtorno mental ele detém os instrumentos intelectuais necessários, os quais, entretanto, apresentam funcionamento comprometido.”

[32] Para se apurar os limites da interdição faz-se necessário investigar o estado físico e psíquico do interditando, e ainda determinar-se qual a condição deste trabalhar, bem como, comprar, vender, assinar documentos, a fim de evitar prejuízos causados pelos atos deste.

A interdição se dá por meio de processo judicial que ao fim resultará numa sentença que determinará ou não se o interditando possui ou não capacidade mental para discernir os atos da vida civil. Há a intervenção do Ministério Público além da determinação de perícia médico-judicial, depoimento do interditando, oitiva de testemunhas, juntada de documentos e, etc., resultará na declaração do interditando como pessoa que não é capaz de responder por tais atos.

[33] Rudolf von Ihering (1818-1892) foi jurista alemão que ao lado de Friedrich Karl Von Savigny ocupa lugar ímpar na história na história do direito alemão, tendo sua obra grandemente influenciado a cultura jurídica em todo o mundo ocidental. Em Viena, ao mesmo tempo em que lecionava continuava a redigir o livro “O Espírito do Direito Romano nas Diversas Fases de sua Evolução” (1852/1865) revelando o direito no costume, que, depois se consagra na lei escrita. Obra em que sua maior parte, fora escrita em Giessen (1852) e que concluída, teve decisiva influência no Direito Privado de todos os países da Europa. 

Influiu, ainda profundamente, na “Escola de Jurisprudência dos conceitos”, fundada por Georg Friedrich Puchta, em 1837, dedicada principalmente a consertar e traçar os parâmetros lógicos e sistemáticos da Ciência do Direito, o que provocou um choque com os adeptos da “Escola Historicista”, criada por Savigny. Ihering era um representante de um Positivismo Imperialista, contra o qual Savigny lutava.  Em 1804 foi publicado o Código Civil Francês sendo que este teve marcante influência sobre Ihering, muitos anos mais tarde.  Ihering exerceu influência decisiva sobre os juristas de épocas posteriores.

De cunho eminentemente dogmático a repercussão da “Escola Conceitualista”, de vocação dogmática, se fez sentir também sobre o pensamento do notável jurista Hans Kelsen, como se observa pela leitura de sua clássica obra Teoria Pura do Direito (1881/1883).

[34] Henri de Page (1894-1969) foi advogado belga, sendo considerado um dos mais importantes advogados da Bélgica do século XX. A mais conhecida obra de De Page foi seu "Tratado Elementar do Direito Civil Belga", um livro composto por dez volumes de cerca de mil páginas cada, publicadas entre 1933 e 1950. Neste trabalho, De Page descreve o direito civil belga, como aplicado à época, detalhadamente. Renée Dekkers, outro grande advogado belga e aluno de De Page fez contribuições importantes para a realização do trabalho.

O Tratado de De Page ainda é classificado como uma das maiores obras básicas da doutrina jurídica belga. Em 1951 e 1952, quatro partes complementares ao Tratado são publicados. A partir de 1962, De Page inicia uma segunda edição do livro. Após sua morte, o trabalho é continuado por Dekkers até 1975.

Em 1990, membros da faculdade de direito da Universidade Livre de Bruxelas começaram a editar uma versão própria do trabalho. No mesmo ano, uma seção de direito de família foi publicada, e em 1997, uma seção sobre os acordos especiais.

[35] No que pertine à deficiência mental (atualmente denominada deficiência intelectual), há a definição legal do artigo 4º, IV, do Decreto nº 3298/99, “funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas (...)”, conforme rol exemplificativo que traz. Para o portador de transtorno mental, o critério a nos guiar deve ser a conclusão médica, necessariamente detalhado para a avaliação correta por parte do operador do Direito.

[36] Resumindo, a principal diferença entre deficiência mental e doença mental é que, na deficiência mental, há uma limitação no desenvolvimento das funções necessárias para compreender e interagia com o meio, enquanto na doença mental, essas funções existem, mas ficam comprometidas pelos fenômenos psíquicos aumentados ou anormais.

As psicoses são fenômenos psíquicos anormais, como delírios, perseguição e confusão mental. Alguns exemplos de doenças mentais são depressão, TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), transtorno bipolar e esquizofrenia. O tratamento das duas condições também é diferente. Uma pessoa com deficiência mental precisa ser estimulada nas áreas em que tem dificuldade. Os principais profissionais envolvidos são educadores especiais, psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.

Medicamentos são utilizados quando a deficiência mental é associada a doenças como a epilepsia. Alguns dos profissionais citados também participam do tratamento da doença mental, como os psicólogos e terapeutas ocupacionais.

Mas, além deles, é imprescindível o acompanhamento de um psiquiatra. Esse médico coordena o tratamento, além de definir a medicação utilizada para controlar os sintomas apresentados pelo paciente.

[37] Tanto a tutela como a curatela visam suprir a incapacidade de uma pessoa, porém as pessoas que estão sujeitas a estes institutos não são as mesmas. Neste processo é nomeado um curador, que exercerá a curatela total ou parcial, conforme a incapacidade da pessoa para exercer os atos da vida civil seja total ou parcial.

A interdição parcial é possível, posto que, a interdição total impede qualquer ato civil. Assim, a pessoa que é interditada parcialmente poderá sim praticar alguns atos, desde que acompanhada pelo seu curador. Ou seja, o interdito poderia assinar um documento, desde que, seu curador assinasse também. É realmente complicado determinar quais os limites da interdição, porém, não é impossível.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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