DANO MORAL: POR UMA TEORIA RENOVADA PARA QUANTIFICAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO (teoria da exemplaridade)[1]
Sumário: I – Conceito do dano moral individual. II – Da caracterização do dano moral. III – Da prova do dano. IV – Dos fundamentos da reparação. V – Por uma teoria renovada para quantificação da indenização por dano moral (teoria da exemplaridade). VI – Bibliografia.
I – Conceito do dano moral individual
No conceito de dano moral encontramos definições para todos os gostos. Neste particular aspecto a doutrina é pródiga, porém, em que pesem pequenas nuances, há uma concordância quanto a classificar a lesão que possa autorizar a indenização por danos morais, como aquela que atinge o âmago do indivíduo, causando-lhe dor (incluindo-se aí a incolumidade física), sofrimento, angústia, vexame ou humilhação e, por se passar no íntimo das pessoas, torna-se insusceptível de valoração pecuniária adequada, razão porque o caráter da indenização é o de compensar a vítima pelas aflições sofridas e, de lhe subtrair o desejo de vingança pessoal.
Nos ensinamentos do laureado mestre Wilson Melo da Silva os danos morais são definidos como sendo as "lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico”. Para melhor explicitar o seu pensar o insigne mestre complementa: “Danos morais, pois, seriam exemplificadamente, os decorrentes das ofensas à honra, ao decoro, à paz interior de cada qual, às crenças intimas, à liberdade, à vida, à integridade corporal”.[3]
O magistrado Arnaldo Marmitt conceitua o dano moral como sendo “o efeito da ofensa a um bem jurídico imaterial, integrante da personalidade ou do patrimônio moral de alguém”.[4] Daí porque se pode afirmar que resulta em lesão que tanto pode ser do patrimônio moral ou à honra da pessoa natural quanto a reputação e a fama quando se tratar de pessoa jurídica.
Por seu turno, a renomada professora Maria Helena Diniz, escudando-se também em Wilson Melo da Silva, preleciona: “O dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo”. Para ao depois arrematar que o dano moral pode consistir na lesão a um interesse jurídico extrapatrimonial relacionado aos “direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou aos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família)”, além daqueles que decorrem do valor afetivo atribuído a qualquer bem material, caso em que a sua perda pode vir a representar um menoscabo.[5]
Dano moral, à luz da Constituição Federal vigente, nada mais é do que a violação do direito à dignidade, é o que afirma de forma peremptória o magistrado e professor Sérgio Cavalieri Filho. Ao depois, definindo melhor o alcance do preceituado esclarece que “hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos – os complexos de ordem ética -razão pela qual revela-se mais apropriado chamá-lo de dano imaterial ou não patrimonial, como ocorre no direito português”. Para ao depois concluir que “em razão dessa natureza imaterial, o dano moral é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização”.[6]
Com o advento do novo Código Civil e, cotejando os avanços doutrinários e jurisprudenciais, ousamos afirmar que o dano moral é toda agressão injusta àqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica ou mesmo da coletividade, insusceptível de quantificação pecuniária, porém indenizável com tríplice finalidade: satisfativo para a vítima, dissuasório para o ofensor e de exemplaridade para a sociedade.
II – Da caracterização do dano moral
É preciso destacar que não é qualquer dissabor ou qualquer contrariedade que caracterizará o dano moral. Na vida moderna há o pressuposto da necessidade de coexistência do ser humano com os dissabores que fazem parte do dia-a-dia. Desta forma, alguns contratempos e transtornos são inerentes ao atual estágio de desenvolvimento de nossa sociedade.
Neste sentido, como alerta o mestre Antônio Chaves, há que se ter prudência de tal sorte que não se venha reconhecer a existência de dano moral em “todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor-próprio pretensamente ferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro roçar das asas de uma borboleta, mimos, escrúpulos, delicadezas excessivas, ilusões insignificantes desfeitas, possibilitando sejam extraídas da caixa de Pandora do direito centenas de milhares de cruzeiros”.[7]
O memorável Aguiar Dias, em sua obra de antes da metade do século passado, com lastros da doutrina dos irmãos Henri e Leon Mazeaud, já advertia que “à medida que a civilização se desenvolve, tornam-se mais e mais complexas as relações sociais, com interpenetração cada vez mais profunda dos círculos de atividade jurídica de cada um. É inevitável, em tais condições, o atrito de interesses, cada vez mais intenso, desdobrando-se em problemas de responsabilidade civil”.[8]
Muitos doutrinadores consideram árdua a tarefa de separar o joio do trigo, isto é, delimitar frente ao caso concreto, o que vem a ser dissabores normais da vida em sociedade ou danos morais. Esta questão é das mais tormentosas, exatamente por não existirem critérios objetivos definidos em lei, de tal sorte que o julgador acaba por buscar supedâneo na doutrina e na jurisprudência para aferir a configuração ou não do dano moral. De toda sorte, o que precisa haver na avaliação do dano moral é prudência e bom senso de tal sorte que se possa, considerando o homem médio da sociedade, ver configurado ou não a lesão a um daqueles bens inerentes à dignidade humana de que a Constituição nos fala.
Neste aspecto, cumpre ao juiz um papel de relevo, seja porque é ele que, a partir das chamadas máximas de experiências, irá analisar o caso concreto e adequá-lo à proteção legal, seja porque dependerá de seu livre arbítrio, segundo a melhor doutrina, a fixação do quantum indenizatório. Contudo, esta discricionariedade do juiz, deverá ser pautada pelo bom senso, seguido de alguns critérios, porquanto haverá de, frente ao ilícito perpetrado, sopesar o grau de culpa do ofensor, as condições sociais e econômicas das partes envolvidas, a repercussão do fato lesivo no seio social, de tal sorte que a indenização não seja tão grande que leve o ofensor à ruína, nem seja tão pequena que avilte a vítima.
III – Da prova do dano
Outra questão tormentosa refere-se a necessidade ou não de prova do dano moral. Autores renomados têm afirmado que o dano moral, por tratar-se de lesão ao íntimo das pessoas, dispensa a necessidade de prova, conformando-se a ordem jurídica com a demonstração do ilícito porquanto o dano moral estaria configurando desde que demonstrado o fato ofensivo, existindo in re ipsa.[9]
Nesse mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode notar no voto do saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, de cujo trecho se transcreve: “Já assentou a Corte que não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo Civil”.[10] Ou como vaticinou o então Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, em julgamento do qual foi relator, cujo trecho da emenda assim se redigiu: “A prova do dano moral se satisfaz, na espécie, com a demonstração do fato que o ensejou e pela experiência comum”.[11] Mesmo entendimento manifesta o Ministro Cesar Asfor Rocha que, em termos da questão em análise, já teve oportunidade de se manifestar e, assim o fez: “Na concepção moderna da reparação do dano moral prevalece a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto”.[12]
E existe uma natural lógica para assim proceder, porquanto, se o dano moral existe a partir da lesão a um daqueles direitos íntimos da pessoa humana, tal qual a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem, somente para citar alguns, não há nenhuma lógica exigir-se a prova da repercussão no íntimo do ofendido dos efeitos de tais violações. O ordenamento jurídico há que se conformar com a presunção de que, em razão de máximas de experiências, qualquer indivíduo de mediana sensibilidade, se sentiria ofendido e agredido em seus valores anímicos, diante de determinados procedimentos ilícitos.
De outro lado, dentre os vários elementos que norteiam a caracterização do dano moral, há que se destacar a dor (tanto física quanto moral), como um dos elementos essenciais para a determinação da existência do dano moral, que também se pode presumir. Sabemos que não se pode medir a extensão da dor de quem tenha sido lesionado, porém, é evidente a dor dos pais pela morte violenta do filho; assim como se pode presumir o sofrimento ou complexo de quem sofreu um dano estético; ou ainda, daquele que foi humilhado por publicação injuriosa, dentre tantos outros exemplos que se poderia ofertar. Em casos, não há dúvidas, os atingidos sentirão grande aflição, ainda que se possa considerar as variáveis de pessoa para pessoa.
Contudo, é importante salientar que não é somente a dor o elemento que caracteriza o dano moral e o correspondente dever de indenizar. Situações há que a caracterização independe da existência ou não da dor, tais como nos casos que envolvem exposição indevida na mídia, agressão à honra, violação da intimidade e da privacidade, dentre outras.
Ocorrendo agressões a esses bens personalíssimos do indivíduo, nascerá para o ofensor a obrigação de indenizar por dano moral, porquanto tais atos não podem ficar impunes.
IV – Dos fundamentos da reparação
Como ensina o mestre Caio Mário da Silva Pereira, “o fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos”.[13]
Ademais, não se pode descurar do caráter penal que a condenação por dano moral deve conter. Além do caráter compensatório é certo que “quem exige uma reparação do dano moral sofrido não visa tanto a recomposição do seu equilíbrio de afeição ou sentimento, impossível de conseguir, como infligir, por um sentimento de represália inato, ao seu ofensor, uma punição, por precária que seja, que, na maior das vezes não encontra outro parâmetro senão em termos pecuniários”.[14]
Nesta linha de raciocínio, o professor e magistrado José Luiz Gavião de Almeida afirma de maneira categórica que “a reparação dos danos morais não busca reconduzir as partes à situação anterior ao dano, meta impossível. A sentença visa a deixar claro que a honra, o bom nome e a reputação da vítima restaram lesionados pela atitude inconseqüente do causador do dano. Busca resgatar o bom conceito de que se valia o ofendido no seio da sociedade. O que interessa, de fato, é que a sentença venha declarar a idoneidade do lesado; proporcionar um reconforto à vítima, e, ainda, punir aquele que agiu, negligentemente, expondo o lesado a toda sorte de dissabores”.[15]
Ainda nesse sentido defende Martinho Garcez Neto que a função penal, da condenação por dano moral, pode e deve ser encarada como algo altamente moralizador, na medida em que, atingindo o patrimônio do agressor com a sua consequente diminuição, estaria, frente à luz moral e da equidade, cumprindo a mais elementar noção de justiça: estar-se-ia punindo o ofensor para que o bem moral seja respeitado e, mais importante, fazendo calar o sentimento de vingança do ofendido, sentimento este inato em qualquer pessoa, por mais moderno e civilizado que possa ser.[16]
Ademais, é preciso recordar que a dignidade da pessoa humana foi elevada a um dos fundamentos básicos do Estado brasileiro. Veja-se que na Constituição Federal de 1988 o legislador constituinte fez insculpir, já no artigo primeiro, dentre os fundamentos sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito, a dignidade humana (art. 1°, III).
Desta forma, conforme preleciona Sérgio Cavalieri Filho “temos hoje o que pode ser chamado de direito subjetivo constitucional à dignidade”,[17] com reflexos inevitáveis na conceituação de dano moral, na exata medida em que, os valores que compõem à dignidade humana são exatamente aqueles que dizem respeito aos valores íntimos da pessoa, tais como o direito à intimidade, à privacidade, à honra, ao bom nome e outros inerentes à dignidade humana que, em sendo violados, hão de ser reparados pela via da indenização por danos morais (CF, art. 5°, V e X).
De nossa parte, temos certeza em afirmar que se fosse dada oportunidade de escolha aos lesados, seguramente eles desejariam que não tivesse ocorrido a lesão. Contudo, como independentemente da vontade das pessoas agressões ocorrem, temos que o sentimento de justiça presente em cada cidadão faz surgir a necessidade de “uma vez verificada a existência do dano, e sendo alguém responsável pela lesão de direito ocorrida, há que se buscar uma solução para o evento danoso” de tal forma a que se procure “compor a ordem que foi quebrada, o direito que foi ofendido”.[18]
De maneira objetiva e com a clareza que lhe é peculiar, Antonio Jeová Santos preleciona que “seria escandaloso que alguém causasse mal a outrem e não sofresse nenhum tipo de sanção; não pagasse pelo dano inferido”.[19] Em outras palavras, o princípio que fundamenta o dever de indenizar se encontra centrado no fato de que a todo o dano injusto deve corresponder um dever de reparação.
De tal sorte que se pode concluir, utilizando as sábias palavras de Artur Oscar de Oliveira Deda: “Quando a vítima reclama a reparação pecuniária de dano moral, não pede um preço para sua dor, mas, apenas, que se lhe outorgue um meio de atenuar, em parte, as consequências da lesão jurídica. Na reparação dos danos morais, o dinheiro não desempenha a função de equivalência, como, em regra, nos danos materiais, porém, concomitantemente, a função satisfatória e a de pena”.[20]
Por fim, trazemos à colação os ensinamentos contemporâneos do professor e brilhante magistrado paulista Ênio SantarelliZuliani, que com maestria, nos brinda com uma pérola que deveria, tal qual um farol, iluminar e indicar a direção a toda a magistratura, no que diz respeito à reparação por dano moral. Veja-se: “A honra, embora conceito abstrato, incorporou-se na anatomia do ser que é sujeito de direito de personalidade e ganhou função orgânica por constituir o fluído da felicidade ou alimento da dignidade humana (art. 1º, III, da CF) e os Magistrados devem reparar uma ofensa à honra com a mesma eficiência e rapidez com que os médicos estancam uma hemorragia sanguínea. A alma perece com a honra afrontada e sepulta o encanto da vida. Sociedade povoada com homens infelizes, doentes de espírito, não evolui; retroage à barbárie”.[21]
V – Por uma teoria renovada para quantificação da indenização por dano moral (teoria da exemplaridade).
Em face de tudo quanto argumentado é que defendemos uma nova teoria para a apuração do quantum indenizatório nas ações de reparação por danos morais, com caráter predominantemente punitivo.
Por essa nova teoria, a definição da verba indenizatória, a título de danos morais, deveria ser fixada tendo em vista três parâmetros: o caráter compensatório para a vítima; o caráter punitivo e dissuasório para o causador do dano e, o caráter exemplar e pedagógico para a sociedade.
Para a vítima, este caráter compensatório nada mais seria do que lhe ofertar uma quantia capaz de lhe proporcionar alegrias que, trazendo satisfações pudesse compensar a injusta agressão sofrida, além do sentimento de que a justiça foi realizada.
No tocante ao agressor, o caráter punitivo teria uma função de desestímulo que agisse no sentido de demonstrar ao ofensor que aquela conduta é reprovada pelo ordenamento jurídico, de tal sorte a que não voltasse a reincidir no ilícito.
Quanto ao caráter exemplar, a condenação deveria servir como medida educativa para o conjunto da sociedade que, cientificada de que determinados comportamentos são eficazmente reprimidos pelo Judiciário, tenderia a ter maior respeito aos direitos personalíssimo do individuo.
Em face deste trinômio e tendo em vista o caráter da efetividade da condenação por danos morais, defendemos que, na fixação do quantum, o juiz além de ponderar os aspectos contidos no binômio punitivo-compensatório, poderia adicionar outro componente, qual seja, um plus que servisse como advertência de que a sociedade não aceita aquele comportamento lesivo e o reprime, de tal sorte a melhor mensurar os valores a serem impostos como condenação aos infratores por danos morais.
Neste particular aspecto, para evitar-se o chamado enriquecimento sem causa, esse plus advindo da condenação não seria destinado à vítima, mas sim, para entidades que defendam o interesse público ou coletivo gratuitamente (entidades de benemerência, assistenciais, filantrópicas ou de pesquisas) tais como as Santas Casas e outros hospitais congêneres; lares e casas de apoio às crianças ou aos idosos; entidades religiosas com trabalho social relevante; entidades de pesquisa ou investigação científica, preferencialmente localizada na comarca onde o dano foi perpetrado.
Na hipótese de inexistência de entidades que se qualifiquem e preencham os requisitos para o recebimento acima preconizado, o juiz destinará esses valores para o fundo estadual de interesses difusos.
O aspecto inovador na propositura acima esposada, é que, partindo da premissa de que quanto maior for a pena, menor será o índice de reincidência, associado ao fato de que se a sociedade tomar ciência de que determinadas condutas são reprimidas com vigor pelo Poder Judiciário, acredita-se que os direitos humanos e a dignidade das pessoas sofreriam menos agressões, na exata medida em que o peso da condenação seria sentida no bolso do infrator como fator de desestímulo.
De outro lado, ao adotar-se que a destinação desse plus condenatório deve ser destinado à entidades de benemerência ou ao fundo estadual de interesses difusos, estar-se-ia atingido dois objetivos relevantes: recompensando-se o corpo social, já que último destinatário dos comandos jurisdicionais e, de outro lado, evitando o chamado “enriquecimento sem causa” da vítima, argumento atualmente muito utilizado como fator limitativo do montante indenizatório.
Dessa forma, o juiz ao fixar o quantum indenizatório, deveria levar em consideração, frente ao caso concreto, os seguintes aspectos:
- A angústia e o sofrimento da vítima: de tal sorte a lhe propiciar uma indenização possível de lhe compensar os sofrimentos advindos da injusta agressão.
- A potencialidade do ofensor: para que não lhe impinja uma condenação tão elevada que signifique sua ruína, gerando por via de conseqüência a impossibilidade de cumprimento da medida, e nem tão pequena que avilte a dor da vítima.
- E, finalmente, a necessidade de demonstrar à sociedade que aquele comportamento lesivo é condenável e que o Estado juiz não admite e nem permite que sejam reiterados tais ilícitos sem que o ofensor sofra a devida reprimenda.
Diferentemente do direito americano, onde vige o exemplary damages, pelo qual a vítima é quem se beneficia do plus condenatório outorgado a título de condenação penal, propomos que esses valores sejam destinados a entidades de benemerência, voltadas para obras de assistência social ou de pesquisa científica, de sorte que esses valores, retornem para sociedade, ainda que de forma indireta.
Assim, podemos concluir: o mundo moderno, onde a desmedida corrida em busca do lucro, sem que se respeitem a ética e a moral nas relações negociais, transformou os seres humanos em frios e abstratos números. O melhor método de garantir o respeito à dignidade e aos direitos fundamentais da pessoa humana, somente atingirá seus desígnios, se for adotada uma postura sólida de reprimenda aos abusos amiúde cometidos.
O peso da indenização no “bolso” do infrator é, a nosso sentir, a resposta mais adequada que o ordenamento jurídico pátrio pode oferecer para garantir não sejam ofendidos diuturnamente os bens atinentes aos direitos da personalidade.
Em resumo:
- A condenação por danos morais deve ter o caráter de atender aos reclamos e anseios de justiça, não só do cidadão, mas da sociedade como um todo.
- Na questão de danos morais, a sentença deve atender ao binômio efetividade e segurança, de tal sorte que as decisões do Judiciário possam proporcionar o maior grau possível de reparação do dano sofrido pela parte, independentemente do ramo jurídico em que se enquadre o direito postulado.
- Conquanto o brio, o amor próprio, a honradez e a dignidade não tenham preço para o homem de bem, a condenação do ofensor em valores significativos, poderá representar para o ofendido o sentimento de justiça realizada.
- Ademais, a indenização por dano moral deverá ter como objetivo, além do caráter pedagógico, a finalidade de combater a impunidade, já que servirá para demonstrar ao infrator e a sociedade que aquele que desrespeitou às regras básicas da convivência humana, poderá sofrer uma punição exemplar.
- Desta forma, a teoria que melhor se coaduna com os anseios da sociedade moderna, no tocante à reparação por danos morais, é aquela que tem um caráter tríplice, qual seja: punitivo, compensatório e exemplar.
- A aceitação da tese de criação de uma pena pecuniária adicional, que pode ser chamada de multa civil, com o fito de servir como desestímulo à prática de novos ilícitos, cuja verba deva ser revertida para entidades de benemerência ou ao fundo estadual de interesses difusos, é a melhor solução para evitar que a vítima venha a ser beneficiária do chamado “enriquecimento sem causa”.
- Aos grandes conglomerados econômicos cabe exigir atitudes de vigilância quanto à qualidade dos serviços prestados ou de produtos ofertados, especialmente no tocante à prevenção dos chamados erros operacionais, cometidos amiúde por seus funcionários e prepostos, de tal sorte a reduzir a incidência de afrontas aos direitos e a dignidade dos usuários de tais produtos e serviços.
- A utilização desmedida do instituto do dano moral poderá criar o descrédito e vir a banalizar tão importante instrumento, por isso que se recomenda ao Judiciário a adoção de critérios sólidos na aferição e na quantificação da indenização por ilícitos desta ordem e, aos operadores do direito, que utilizem de cautela e prudência na propositura de demandas a esse título.
- O fato de existirem desvios, não pode ter o condão de invalidar tão importante preceito legal. É preciso que se aperfeiçoem os instrumentos postos à disposição daqueles que manejam o direito, de tal sorte que os excessos possam ser coibidos.
Desta forma, sugere-se ao Congresso Nacional, a alteração do art. 944 do Código Civil, para contemplar a possibilidade de uma indenização adicional nas ações decorrentes de dano moral, além da justa indenização à vítima, cuja redação, em que pese a eventual imperfeição legislativa da propositura, poderia ter o seguinte teor:
Proposta de alteração do Código Civil – Lei n° 10.406/02:
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
§ 1° - (o atual parágrafo único, renumerado).
§ 2° - Nas ações de reparação por dano moral, poderá o juiz de ofício, sopesando o grau de culpa ou dolo do infrator e seu potencial econômico, fixar, além da justa indenização para a vítima, uma multa civil cujo valor será destinado à entidades de benemerência ou ao Fundo Estadual de Interesses Difusos.
Quer dizer, a função pedagógica da indenização por dano moral deve ser preponderante sobre a reparadora, razão pela qual o valor da indenização deverá ser arbitrado com rigor, de modo a que o ofensor, e todos que tomarem conhecimento da condenação, se abstenham de praticar conduta semelhante no futuro.[22]
Assim, o caráter punitivo da indenização por dano moral deve prevalecer em relação ao caráter compensatório. Se dúvida restar, tomemos como exemplo dois acidentes de trânsito com vítima: um causado por simples imprudência, no qual o agente socorre a vítima; outro causado dolosamente ou de maneira gravemente reprovável e na qual o agente nada faz em favor da vítima. Condenar os dois motoristas a pagar indenização em valores iguais atentaria contra o princípio constitucional da igualdade e o senso comum de justiça. Quer dizer, não se pode defender indenizações idênticas para danos iguais, porque eles podem ter sido causados por condutas completamente distintas em termos de reprovação.[23]
Sob pena de redundância, vejamos outro exemplo. Duas pessoas têm seus nomes incluídos indevidamente no Serasa. Ambas reclamam extrajudicialmente com as empresas que apontaram seus nomes: uma das empresas atende prontamente e corrige a falha operacional, excluindo o nome de seu cliente daquele banco de dados; a outra, queda-se silente e nada faz, de sorte que o consumidor só consegue a retirada de seu nome daquele cadastro negativo de crédito através de decisão judicial. Em situação como esta, não se pode condenar ambas as empresas em valores iguais, sob pena de premiar a incúria daquela que, mesmo instada, nada fez.
Por isso entendemos que as condenações, em face de determinadas condutas, devem ser exemplares, quer dizer, em valores significativos, de sorte a fazer com que os grandes conglomerados econômicos, especialmente as instituições financeiras, os planos de saúde e as empresas de telefonia (fixa ou móvel), apenas para citar alguns exemplos,repensem seus conceitos de atendimento aos clientes.
Quer dizer, as sentenças poderão ser transformadas em armas de uma política de conscientização dos fornecedores de produtos e serviços. Isto porque, se os profissionais prestadores de serviços e as empresas de um modo geral, tomarem conhecimento de que as condenações não são mais simbólicas, ou seja, que elas estão rompendo os redutos onde antes reinava a impunidade, é de se esperar que eles criem métodos eficazes de eliminação das reclamações, pois saberão de antemão que assim não procedendo, poderão sofrer severas condenações.[24]
Assim podemos concluir: o instituto do dano moral, expressamente previsto na Constituição Federal (art. 5°, V e X), deve ser visto como instrumento eficaz no sentido de assegurar o direito à dignidade humana (CF, art. 1°, III), e precisa ser aperfeiçoado, de tal sorte que podemos afirmar que a sua efetividade somente ocorrerá, de forma ampla e cabal, quando se puder dotar o juiz da liberdade plena na aplicação “da teoria da exemplaridade”, pela qual se possa apenar o ofensor com a tríplice finalidade: punitivo,compensatório e exemplar.
VI – Bibliografia
AGUIAR DIAS, José. Da responsabilidade civil, 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954, v. 1 e 2.
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais, 2a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
CASILLO, João. Dano à pessoa e sua indenização, 2a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, 3a. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
CHAVES, Antônio. Tratado de Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, v. III.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro - Responsabilidade civil, 16a.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, v. 7.
GARCEZ NETO, Martinho. Prática da responsabilidade civil, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 8a.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
MARMITT, Arnaldo. Dano moral. Rio de Janeiro: Aide, 1999.
MELO, Nehemias Domingos. Dano moral – problemática: do cabimento à fixação do quantum. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.
_____. Por uma nova teoria para reparação por danos morais. Conteúdo Jurídico Brasileiro, CD Magister n° 40, set/ago. 2011.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, 6ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral Indenizável, 4a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação, 3a. ed (histórica). Rio de Janeiro: Forense, 1999.
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, 7a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
ZULIANI. Ênio Santarelli. Dano moral a era da jurisprudência. Conteúdo Jurídico Brasileiro, CD Magister n° 40, set/ago. 2011.