INTRODUÇÃO
Poucos dias atrás, o Governo Federal parou de mostrar todas as informações sobre o coronavírus. Anteriormente, eram divulgados o número de mortos e infectados pela doença, contudo, o Ministério da Saúde fez diversas mudanças, mudando o horário de divulgação dos dados e tirando o site que eram informados os dados. Em razão disso, foi deferida a decisão liminar que pleiteava a volta dos informativos pelo Ministério da Saúde. O ministro Alexandre de Moraes, em seu deferimento, tratou do princípio da publicidade da Administração Pública, que tem previsão constitucional. Para isso, é necessária a análise do ocorrido para o entendimento dos princípios que regem o Direito Administrativo.
1 - DOS DADOS DO CORONAVÍRUS
No início de junho do corrente ano, o Ministério da Saúde passou a não divulgar mais os dados do coronavírus as 19 horas, começando a realizá-los as 22 horas. Ademais, o site que divulgava as informações sobre o Covid-19 saiu do ar. Carlos Wizard, que era cotado para assumir a secretaria de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, havia confirmado que será realizada a recontagem do número de mortos pela doença, sugerindo que os dados estariam errados [1]. Em relação ao atraso na divulgação de dados, Jair Bolsonaro afirmou que "Acabou matéria do Jornal Nacional", além de também falar sobre a Globo "Ninguém tem que correr para atender a Globo" [2].
2 - DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
O Poder Público deverá promover a informação de seus atos à população. Assim, trata-se do princípio da publicidade do Direito Administrativo, que tem disposição constitucional em dois artigos, no 37, caput e no inc. XXXIII do art. 5º:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; “
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência... “ [3]
Logo, em respeito à Constituição e ao Estado de Direito, a Administração Pública promoverá o acesso de seus atos não sigilosos aos cidadãos, conforme destaca Odete Menauar:
“A Constituição de 1988 alinha-se a essa tendência de publicidade ampla a reger as atividades da Administração, invertendo a regra do segredo e do oculto que predominava. O princípio da publicidade vigora para todos os setores e todos os âmbitos da atividade administrativa. Um dos desdobramentos desse princípio encontra-se no inc. XXXIII do art. 5º, que reconhece a todos o direito de receber, dos órgãos públicos, informações do seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral. O preceito é bem claro: o acesso a informações provindas dos órgãos públicos incide não somente sobre matérias de interesse do próprio indivíduo, mas também sobre matérias de interesse coletivo e geral. Descabida, pois, a exigência, ainda imposta em muitos órgãos da Administração, de ter o indivíduo interesse direto e pessoal para o acesso a informações ou expedientes administrativos. A ressalva ao direito fundamental de obter informações dos órgãos públicos é mencionada no final daquele inciso: aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, situações essas pouco frequentes. Outra ressalva a esse direito e ao princípio da publicidade em geral encontra-se na preservação da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem das pessoas, declaradas invioláveis pela Constituição, no inc. X do mesmo art. 5º; em tais casos, o sigilo há de predominar sobre a publicidade, para preservação desses direitos, declarados invioláveis. Como exemplo: sigilo dos dados de prontuários médicos nos ambulatórios e hospitais públicos; sigilo de dados de processos disciplinares (para quem não for sujeito do processo) antes de decisão final; sigilo de dados de processos administrativos por ilícitos fiscais (para quem não for sujeito), antes de decisão final. “ [4]
Desse modo, também é destacado pela jurisprudência do Tribunal Regional Federal:
MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. SOLICITAÇÃO DE CÓPIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. LEI N. 9.784/99. ORDEM CONCEDIDA. 1. O princípio da publicidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, exige a ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei. 2. A Lei n. 9.784/99 assegura, no seu art. 3º, II, dentre outros, o direito dos administrados de "ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas." 3. Não se desconhece o acúmulo de serviço a que são submetidos os servidores do INSS, impossibilitando, muitas vezes, o atendimento dos prazos determinados pelas Leis 9.784/99 e 8.213/91. Não obstante, a demora excessiva no atendimento do segurado da Previdência Social ao passo que ofende os princípios da razoabilidade e da eficiência da Administração Pública, bem como o direito fundamental à razoável duração do processo e à celeridade de sua tramitação, atenta, ainda, contra a concretização de direitos relativos à seguridade social. 4. In casu, muito embora tenham transcorrido poucos dias entre a data agendada para as cópias do processo administrativo e a data da impetração do presente mandamus, certo é que durante todo o curso deste writ o INSS não forneceu as cópias requeridas, nem apresentou qualquer justificativa para a demora, o que contraria os princípios da publicidade, eficiência e da razoabilidade, previstos, respectivamente, no art. 37, caput, da CF e no art. 2º, caput, da Lei do Processo Administrativo Federal, aos quais a Administração Pública está jungida 5. Sentença concessiva da segurança mantida. [5]
3 - DA DECISÃO DO MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
Na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental impetrada pelos partidos Rede Sustentabilidade, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Ministro Alexandre de Moraes determinou em liminar que o Ministério da Saúde restabeleça, de modo integral, a divulgação diária dos dados epidemiológicos sobre a pandemia da Covid-19 [6]. O Ministro tratou do princípio da publicidade do Poder Público:
“O desafio que a situação atual coloca à sociedade brasileira e às autoridades públicas é da mais elevada gravidade, e não pode ser minimizado, pois a pandemia de COVID-19 é uma ameaça real e gravíssima, que já produziu mais de 36.000 (trinta e seis) mil mortes no Brasil e, continuamente, vem extenuando a capacidade operacional do sistema público de saúde, com consequências desastrosas para a população, caso não sejam adotadas medidas de efetividade internacionalmente reconhecidas, dentre elas, a colheita, análise, armazenamento e divulgação de relevantes dados epidemiológicos necessários, tanto ao planejamento do poder público para tomada de decisões e encaminhamento de políticas públicas, quanto do pleno acesso da população para efetivo conhecimento da situação vivenciada no País. Exatamente por esses motivos, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, consagrou expressamente o princípio da publicidade como um dos vetores imprescindíveis à Administração Pública, conferindo-lhe absoluta prioridade na gestão administrativa e garantindo pleno acesso às informações a toda a Sociedade. À consagração constitucional de publicidade e transparência corresponde a obrigatoriedade do Estado em fornecer as informações necessárias à Sociedade. O acesso as informações consubstancia-se em verdadeira garantia instrumental ao pleno exercício do princípio democrático, que abrange “debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta” (Cantwell v. Connecticut, 310 U.S. 296, 310 (1940), quoted 376 U.S at 271-72), de maneira a garantir a necessária fiscalização dos órgãos governamentais, que somente se torna efetivamente possível com a garantia de publicidade e transparência. Assim, salvo situações excepcionais, a Administração Pública tem o dever de absoluta transparência na condução dos negócios públicos, sob pena de desrespeito aos artigos 37, caput e 5º, incisos XXXIII e LXXII... “ [7]
O Ministro determinou que a Advocacia Geral da União apresente as informações necessárias em até 48 horas. Decorrido o prazo, os autos deverão retornar ao relator, onde serão analisados os demais pedidos formulados.
4 - CONCLUSÃO
Nos princípios do Direito Administrativo estabelecidos pela Constituição Federal, o da publicidade é de suma importância para o conhecimento da população pelos atos praticados pela Administração Pública. Logo, a doutrina e a jurisprudência restam claras em relação ao dever do agente público de expor atos que não oferecem perigos à segurança nacional, pois com isso, a sociedade poderá questionar os atos que não beneficiaram o interesse público.
No caso atual, a publicidade dos atos se torna ainda mais imperiosa, diante da pandemia que assola o país, onde já foram contaminados e mortos milhares de brasileiros. Assim sendo, a decisão do Ministro Alexandre de Moraes encontra parâmetro na doutrina, jurisprudência e legislação vigente, pois como é destacado por ele, a concretização do princípio da publicidade não está apenas relacionada ao Direito Administrativo em si, mas também, com a materialização do Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[4] (Direito Administrativo moderno/ Odete Medauar. 21. ed. – Pág 121 - Belo Horizonte: Fórum, 2018.)
[5] (TRF-4 - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL: 5010070- 33.2015.4.04.7205 SC 5010070- 33.2015.4.04.7205 - 29 de Novembro de 2018 - RELATOR CELSO KIPPER.)
[6] http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=445071&ori=1
[7] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF690cautelar.pdf